1VRP. Registro de Imóveis. Competência. Se considerados comorientes, a sucessão de cada um será promovida como se o outro não existisse, ou seja, o patrimônio do marido será destinado aos seus outros sucessores, não à esposa, assim também ocorrendo em relação à herança deixada pela mulher


  
 

Processo 1072343-70.2020.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Valdileia Maria dos Anjos Dias – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Valdileia Maria dos Anjos Dias, tendo em vista a negativa em se proceder ao registro da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por Matilde da Silva, Walter Silva e Angelina Martins da Silva, lavrada perante o 15º Tabelião de Notas da Capital, referente ao imóvel matriculado sob nº 219.646. O óbice registrário refere-se à necessidade de apresentação do inventário dos bens deixados por Marli Evangelista Silva, esposa de Walter Silva. Juntou documentos às fls.03/91. A suscitada apresentou impugnação às fls.92/95. Alega que Marli Evangelista Silva, seu cônjuge Walter Silva e suas três filhas Rosangela Evangelista da Silva, Rosimeire Evangelista da Silva e Valquíria Evangelista da Silva morreram no dia 24.12.1980, ocorrendo a comoriência. Informa que em razão de herança, Walter recebeu 1/4 do bem imóvel, bem como em virtude do regime de bens da comunhão universal, Marli teria direito a 1/28 do bem. Todavia, devido a forma trágica do acidente, não foram localizados seus documentos pessoais, bem como decorrido longo lapso temporal de sua morte, torna-se impossível localizar um parente próximo, restando a Walter a meação do ínfimo quinhão de Marli. Apresentou documentos às fls.105/108. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.98/100 e 113). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Com razão o Registrador, bem como a D. Promotora de Justiça. Conforme verifica-se do titulo apresentado a registro às fls.13/18, retificado às fls.19/23, consta que Walter Silva faleceu no estado civil de viúvo de Marli Evangelista Silva, sendo ambos casados no regime da comunhão universal de bens. Consta ainda da mencionada escritura que ambos faleceram concomitantemente e não deixaram descendentes, figurando a genitora do requerente como herdeira, falecida posteriormente. O titulo está eivado de contradição, ou seja, figura Walter como viúvo, o que denota que Marli morreu anteriormente a ele, e no corpo do documento consta a comoriência. Ressalto que, a despeito de ter ocorrido a comoriência, faz-se necessária a apresentação do inventário de Marli, isto porque, no caso de sucessão por morte vigorando o regime de bens da comunhão de bens, o cônjuge sobrevivente por alguns instantes já tem direito a meação, isto e, metade de todo o patrimônio comum, todavia, não tem direito a concorrer na herança com os filhos do de cujus cabendo a eles a outra metade. No caso em tela, como as filhas também faleceram ficaria a outra metade para os demais herdeiros de Marli, na ordem de vocação hereditária estabelecida no artigo 1829 do CC. Diante da ocorrência de comoriência, levando-se em consideração as certidões de óbito apresentadas às fls.58, 105/108, que apontam ter toda a familia (pai, mãe e três filhas) morrido no mesmo dia e hora (24.12.1980 às 15h:45m), trazendo como consequência a divisão dos bens entre as famílias dos cônjuges, e não como constou na escritura apresentada, na qual figurou apenas a genitora de Walter como herdeira, trazendo prejuízo aos herdeiros de Marli. Acerca do tema, o IRIB em 11/08/2015, publicou um artigo esclarecendo pontos relevantes: “Inventário e partilha extrajudicial. Comoriência. Herdeiros comuns ausência. Inventário em conjunto impossibilidade. Pergunta:Em caso de comoriência, existindo bens comuns ao casal, mas não havendo herdeiros comuns, poderá ser feito um único inventário extrajudicial? Resposta: Não é possível a realização de inventário em conjunto (art. 1.043 do CPC), sendo necessária a realização de dois inventários, considerando que houve comoriência e os herdeiros não são os mesmos, ocorrendo, desta forma, duas sucessões. Francisco José Cahali esclarece o seguinte: “Vejamos então, a consequência prática da comoriência, resultando, pelo art. 8º do CC, no tratamento jurídico dos comorientes como simultaneamente mortos, e, pois, como se, para o direito sucessório, jamais houvesse existido. Em um acidente de trânsito, falece o casal sem deixar descendentes ou ascendentes. Constatada a morte primeiro do marido, a esposa será a herdeira por um rápido instante, e o patrimônio será destinado aos sucessores dela. Se considerados comorientes, a sucessão de cada um será promovida como se o outro não existisse, ou seja, o patrimônio do marido será destinado aos seus outros sucessores, não à esposa, assim também ocorrendo em relação à herança deixada pela mulher. (CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões, 3ª ed. rev. at. e ampl. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, p. 40). A simples argumentação da suscitada sobre o desconhecimento de documentos pessoais e eventuais herdeiros de Marli é irrelevante para afastar o óbice imposto, e apesar da ínfima parte do quinhão hereditário que lhe cabe, este deve ser transferido a seus herdeiros, sob pena de violação ao princípio da legalidade que rege os atos registrários. Por fim, a solicitação junto ao IIRGD da certidão de prontuário de Marli, para a abertura de seu inventário, é diligência que compete exclusivamente a requerente, não cabendo a este Juízo expedir ofício ao mencionado órgão. Diante o exposto, julgo procedente a duvida suscitada pelo Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Valdileia Maria dos Anjos Dias, e consequentemente mantenho o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: VALDILEIA MARIA DOS ANJOS DIAS (OAB 282004/SP) (DJe de 22.10.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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