1VRP/SP: Registro de Imóveis. Fusão ou unificação. A unificação de imóveis com proprietários de frações ideais diversas não fica, com esta decisão, autorizada em todas as hipóteses, cabendo ao registrador, em cada caso concreto, analisar os elementos da unificação pretendida, com o histórico de transações envolvendo os imóveis unificandos e características do imóvel unificado, com possível remessa a este juízo em caso de elementos que indiquem vício na operação. Sendo requerido eventual desmembramento no futuro, caberá ao Oficial, ao analisar todo o histórico do imóvel, verificar se tal ato não estaria, em última análise, levando a permuta da propriedade por meios diversos, impedindo o registro.


  
 

Processo 1011992-34.2020.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Bref Iii Empreendimentos Imobiliários 4 S/A e outros – Municipalidade de São Paulo – Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital tendo por requeridas Bref III Empreendimentos Imobiliários 4 S/A e outros. As requeridas fizeram pretendem a fusão de diversas matrículas de sua propriedade, pedido que foi negado pelo Oficial já que não há homogeneidade de domínio, pois cada imóvel que se pretende unificado é titularizado pelas requeridas em partes ideais diversas. O Oficial aduz que, com a fusão, haveria indevida transmissão de propriedade, sendo necessária escritura pública, além de possíveis reflexos tributários. Juntou documentos às fls. 05/414. As requeridas manifestaram-se às fls. 415/434. Alegam que houve prévia retificação de todas as matrículas para fins de observação da especialidade objetiva, para posterior unificação, e que, anteriormente, 23 dos 24 imóveis eram de propriedade isolada de uma das pessoas jurídicas, tendo havido permuta por escritura pública para que passassem a ser coproprietárias de todos os imóveis, permitindo a fusão. Argumentam que a legislação apenas exige que os imóveis a serem fundidos sejam do mesmo proprietário e contíguos, não havendo previsão quanto a parte ideal de cada proprietário. Cita julgado desta Corregedoria Permanente que teria decidido no sentido de inexistir exigência de igualdade de proporções. O Ministério Público opinou às fls. 609/610 pela manutenção do óbice, reiterando o parecer às fls. 656/657. Veio aos autos parecer jurídico às fls. 616/624. Esclarecimentos pelas requeridas às fls. 632/640. ARISP falou às fls. 642/643, pela manutenção do óbice. O Município manifestou-se às fls. 648/652, alegando inexistir repercussão tributária. É o relatório. Decido. Respeitados os entendimentos diversos constantes dos autos, as peculiaridades do caso permitem afastar o óbice, já que demonstrado que a unificação não configura burla ao sistema notarial e registral, tampouco transmissão indevida de propriedade. De início, cumpre expor as normas de regência relativa a fusão de imóveis. Assim prevê o Art. 234 da Lei de Registros Públicos: Art. 234 – Quando dois ou mais imóveis contíguos pertencentes ao mesmo proprietário, constarem de matrículas autônomas, pode ele requerer a fusão destas em uma só, de novo número, encerrando-se as primitivas. Já os itens 75 e seguintes do Cap. XX das NSCGJ assim dispõe: 75. No caso de fusão de matrículas, deverá ser adotada rigorosa cautela na verificação da área, medidas, características e confrontações do imóvel que dela poderá resultar, a fim de se evitarem, a tal pretexto, retificações sem o devido procedimento legal, ou efeitos só alcançáveis mediante processo de usucapião. 75.1. Além disso, para esse propósito, será recomendável que o requerimento seja instruído com prova de autorização da Prefeitura Municipal, que poderá ser a aprovação de planta da edificação a ser erguida no imóvel resultante da fusão. 75.2. Para a unificação de diversas transcrições e matrículas, não deve ser aceito requerimento formulado por apenas 1 (um) dos vários titulares de partes ideais. 75.3. A fusão e a unificação não devem ser admitidas, quando o requerimento vier acompanhado de simples memorial, cujos dados tornem difícil a verificação da regularidade do ato pretendido. 75.4. Nas unificações e desmembramentos de áreas urbanas, são consideradas regulares as descrições que contenham apenas as medidas lineares e a metragem quadrada, mesmo que não sejam declinados ângulos internos e graus do polígono. 75.5. Tratando-se de unificação de imóveis transcritos, não se fará prévia abertura de matrículas para cada um deles, mas sim a averbação da fusão nas transcrições respectivas. 75.6. Os documentos apresentados para a fusão de matrículas, incluídos o memorial e a planta, que deverão permitir a identificação das áreas originais e sua correspondência com a formada pela unificação, deverão ser arquivados em classificador próprio, ou por meio eletrônico seguro. Portanto, do que se extrai de tal contexto normativo, a unificação tem como requisitos essenciais a existência de mesmo proprietário dos imóveis unificandos e serem estes imóveis contíguos. E ainda que o Art. 234 da LRP utilize o termo “proprietário” no singular, o item 75.2 das Normas de Serviço utiliza-se da expressão “vários titulares de partes ideais”, a indicar permissivo que a unificação se dê quando há mais de um proprietário, em condomínio, em cada um dos imóveis unificandos. A questão posta nos autos, e não resolvida expressamente nas normas citadas, é se tais partes ideais devem ser idênticas em cada um dos imóveis. Veja-se que não há vedação ou autorização, o que exige do intérprete extrair da legislação eventuais impeditivos. E solução é alcançável pela leitura do item 75, que expõe as cautelas a serem tomadas pelo registrador para fins de impedir dois objetivos escusos com a unificação: retificações sem o devido procedimento legal ou efeitos alcançáveis somente pelo processo de usucapião. Além disso, um terceiro impeditivo, retirado dos princípios gerais que regem o sistema notarial e registral, é impedir burla a tal sistema, notadamente evitando que haja, pelo processo de unificação, transmissão de propriedade sem a devida formalização por ato notarial e eventual sonegação de tributos. Em suma, a legislação exige que haja identidade de proprietários e contiguidade dos imóveis unificandos, requisitos preenchidos pelas requerentes, e impede a unificação quando esta recaia em um dos vícios acima apontados. E tais vícios, no contexto destes autos, não estão presentes, o que deve levar à procedência do pedido. Isso porque as requeridas bem demonstraram que todos os seus atos sempre tiveram por objetivo permitir a unificação, inclusive adotando as cautelas prévias necessárias para que seguissem a legislação. Como se vê dos documentos juntados, houve permuta entre cada uma das requeridas para fins de que os imóveis que antes eram titularizados por apenas uma delas passassem a ser de copropriedade, permitindo a unificação. E as permutas foram feitas por escritura pública, com recolhimento de tributos e posterior registro nas matrículas. Tal ato demonstra que não há intenção escusa com a unificação, como transferência indevida de propriedade entre si, já que nada impediria que as permutas anteriormente realizadas tivessem proporções diversas que levassem a identidade de partes ideais. As proporções escolhidas parecem apenas refletir os objetivos empresariais de cada uma das requerentes, que, ao final, promoverá empreendimento imobiliário no imóvel unificado. Mas mais relevante, no ponto, é que as proporções finais no imóvel unificado, conforme fls. 634/638, restarão idênticas a soma das atuais, com identidade de área e do valor prévio titularizado por cada uma das requeridas, a demonstrar não haver, com a unificação em si, transferência indevida de propriedade. Aqui, respeitosamente, deve-se afastar o argumento da ARISP relativa a diversidade de titularidade de segmento específico da superfície, já que, como se sabe, o condomínio em partes ideais não representa propriedade distribuída sobre parte específica do solo, mas sobre o todo. Assim, com a unificação do imóvel, não há que se dizer que haveria alteração da propriedade sobre parcela determinada do solo, já que o imóvel unificado é diverso dos anteriores, com a parte ideal final pertencente a cada requerida passando a incidir sobre toda a área final. Eventual problemática existiria somente com posterior desmembramento, o que será enfrentado mais abaixo nesta decisão. Some-se a isso que a unificação não visa retificação de área por meios diversos, já que as requeridas promoveram anteriormente retificação de cada uma das matrículas que serão fundidas, demonstrando que prezaram pela regularidade registral no que toca a especialidade objetiva, não pretendendo, com a unificação, adquirir área diversa ou transferir propriedade. Finalmente, conforme manifestação do Município, não há repercussão tributária na operação. Em resumo, a unificação pretendida parece não violar os impeditivos previstos na legislação de regência, além de não indicar burla ao sistema notarial, registral e tributário. Duas observações finais devem ser feitas. Primeiramente, a unificação de imóveis com proprietários de frações ideais diversas não fica, com esta decisão, autorizada em todas as hipóteses, cabendo ao registrador, em cada caso concreto, analisar os elementos da unificação pretendida, com o histórico de transações envolvendo os imóveis unificandos e características do imóvel unificado, com possível remessa a este juízo em caso de elementos que indiquem vício na operação. E se cabe ao registrador impedir fraudes na unificação, também tal objetivo deve ser buscado no desmembramento, o que leva a segunda observação. De fato, não seria cabível averbação prévia e abstrata na matrícula advinda da fusão impedindo desmembramento, pois isso caracterizaria indevida restrição ao direito de propriedade. Todavia, em sendo requerido eventual desmembramento no futuro, caberá ao Oficial, ao analisar todo o histórico do imóvel, verificar se tal ato não estaria, em última análise, levando a permuta da propriedade por meios diversos, impedindo o registro. É dizer que, havendo determinada distribuição de partes ideais entre os imóveis atualmente, se eventual unificação e posterior desmembramento levarem a existência de imóveis similares com partes ideais diversas, poderá haver burla ao sistema notarial, registral e tributário, o que deverá ser analisado com rigor pelo Oficial. Todavia, tal possibilidade abstrata não é apta, por si só, a impedir a fusão ora pleiteada, que deverá, por todo o exposto, ser deferida. Do exposto, julgo procedente o presente pedido de providências, afastando o óbice e determinando a unificação dos imóveis, nos termos do requerimento de fls. 13/32. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: JOAO DE AMBROSIS PINHEIRO MACHADO (OAB 113596/SP), LUIZ HENRIQUE DE ALMEIDA FARIGNOLI (OAB 346016/ SP), NICHOLAS MINORU FERNANDES YOSHINO (OAB 424659/SP), ALEXANDRE LAIZO CLAPIS (OAB 155884/SP) (DJe de 14.10.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.