CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de arrematação em que figura como parte executada pessoa jurídica incorporada por outra – Averbação na matrícula do imóvel do ato de incorporação empresarial – Patrimônio da pessoa jurídica incorporada que passa a pertencer integralmente à pessoa jurídica incorporadora, que a sucede em todos os direitos e obrigações, a título universal – Inexistência de lacuna no registro imobiliário que possa configurar ofensa ao princípio de continuidade – Óbice afastado para julgar a dúvida improcedente – Dá-se provimento à apelação.


  
 

Apelação Cível n° 1000050-82.2020.8.26.0624

Espécie: APELAÇÃO CÍVEL

Número: 1000050-82.2020.8.26.0624

Comarca: TATUI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível n° 1000050-82.2020.8.26.0624

Registro: 2020.0000722656

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000050-82.2020.8.26.0624, da Comarca de Tatuí, em que são apelantes DJALMA JOSÉ MICHELLIM e APARECIDA DE LOURDES NALIN MICHELLIM, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE TATUI.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida, afastando o óbice apresentado pelo Oficial do Registro de Imóveis de Tatuí/SP, e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 1º de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1000050-82.2020.8.26.0624

Apelantes: DJALMA JOSÉ MICHELLIM e APARECIDA DE LOURDES NALIN MICHELLIM

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Tatui

VOTO Nº 31.197

Registro de imóveis – Carta de arrematação em que figura como parte executada pessoa jurídica incorporada por outra – Averbação na matrícula do imóvel do ato de incorporação empresarial – Patrimônio da pessoa jurídica incorporada que passa a pertencer integralmente à pessoa jurídica incorporadora, que a sucede em todos os direitos e obrigações, a título universal – Inexistência de lacuna no registro imobiliário que possa configurar ofensa ao princípio de continuidade – Óbice afastado para julgar a dúvida improcedente – Dá-se provimento à apelação.

1. Trata-se de apelação interposta por Djalma José Michellim Aparecida de Lourdes Nalin Michellim contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, que manteve a recusa ao registro de carta de arrematação tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 15.073 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí/SP, ao argumento de que haveria ofensa ao princípio da continuidade, eis que, no título apresentado, consta como executada pessoa jurídica diversa daquela que figura, no fólio real, como titular de domínio do imóvel arrematado (fl. 55/58).

Em síntese, alegam os apelantes que, nos autos da ação de execução fiscal que a Fazenda Municipal de Tatuí/SP ajuizou contra BANERJ Crédito, Financiamento e Investimentos S/A (Processo nº 948/1995), arremataram o imóvel matriculado sob nº 15.073 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí/SP, em 22.05.2000. Referido imóvel havia sido adquirido pela executada, em 12.07.1982 (R.1), sendo que, em 17.07.2013, foi requerida a averbação de Ata de Assembleia realizada em 04.01.1993, referente à incorporação da pessoa jurídica pelo Banco do Estado do Rio de Janeiro (AV.2). Posteriormente, foram averbadas na matrícula duas alterações da denominação social da titular de domínio (AV.3 e AV.4). Entendem, assim, que não houve modificação da titularidade dominial, o que se daria mediante a prática de ato de registro, mas apenas alteração das denominações sociais da instituição financeira proprietária do imóvel por meio de averbações, não estando configurada, portanto, a alegada ofensa ao princípio da continuidade registral.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 102/104).

É o relatório.

2. Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

117 – Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

Este Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (TJSP; Apelação Cível 0003968-52.2014.8.26.0453; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Pirajuí – 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/02/2016; Data de Registro: 13/04/2016).

No caso concreto, a carta de arrematação foi expedida em favor dos apelantes, nos autos da ação de execução fiscal ajuizada pela Fazenda Municipal de Tatuí contra BANERJ Crédito, Financiamento e Investimentos S/A (Processo nº 948/95), em 12.07.2000 (fl. 04/20).

O título ingressou na serventia imobiliária em 09.12.2019 (Protocolo nº 278.635 fl. 22), tendo o registrador emitido nota de devolução assim redigida: “O presente título não comporta registro, por violação ao princípio da continuidade. Embora a Carta de Arrematação tenha sido expedida em 12 de julho de 2000, quando figurava como proprietária do imóvel a BANERJ Crédito, Financiamento e Investimento S.A., referida empresa foi incorporada pelo Banco do Estado de Rio de Janeiro S.A., conforme AV.2/15.073, que se tornou, por consequência, a nova proprietária, impossibilitando, assim, o registro da carta de arrematação” (fl. 23).

Na matrícula nº 15.073 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí/SP (fl. 24/25) consta como titular de domínio do imóvel o Banco Bradesco BERJ S/A, atual denominação do Banco do Estado do Rio de Janeiro S/A. (AV. 3/15.073 e AV. 4/15.073), que havia incorporado a então proprietária, BANERJ – Crédito, Financiamento e Investimentos S/A. (AV. 2/15.073). A propósito da incorporação, estabelece o art. 1.116 do Código Civil:

Art. 1.116 – Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos.

Sobre o tema, vale lembrar a lição de Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, para quem: “a incorporação implica a transferência do patrimônio líquido da sociedade incorporada para a sociedade incorporadora, à semelhança do que ocorre com a versão de bens para a constituição de nova companhia, ou seja, mediante subscrição do capital da incorporadora, efetuada pelos acionistas da incorporada” (“Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro”, José Bushatsky Editor, 1979, p. 665). É que a reorganização societária, na modalidade da incorporação, importa transmissão do patrimônio da sociedade incorporada à sociedade incorporadora, configurando uma alienação “lato sensu”.

Destarte, havendo irrecusável sucessão, por parte da instituição financeira incorporadora, de todos os direitos e obrigações da instituição financeira incorporada, patente a alteração da propriedade do imóvel decorrente da mutação subjetiva da titularidade dos bens que integram o patrimônio líquido da pessoa jurídica (Rubens Requião, “Curso de Direito Comercial”, 1977, vol. II, p. 215; Fran Martins, “Curso de Direito Comercial”, 1981, p. 434; Nelson Abrão, “Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada”, 1980, p. 134/135).

Ressalte-se, a propósito, que nos casos de fusão, cisão e incorporação de sociedades anônimas, o título para o lançamento da alteração do titular de domínio no Registro de Imóveis é a certidão do registro das atas, conforme estabelece o art. 234 da Lei nº 6.404/1976: “A certidão, passada pelo registro do comércio, da incorporação, fusão ou cisão, é documento hábil para a averbação, nos registros públicos competentes, da sucessão, decorrente da operação, em bens, direitos e obrigações”.

Nesse cenário, diferentemente do que sustentam os apelantes, não há que se falar, no caso em análise, em mera mudança de nomenclatura da pessoa jurídica, eis que a averbação no registro imobiliário do ato de incorporação (AV. 2/15.073) enseja a transmissão da propriedade para a incorporadora.

A despeito disso, cumpre ressaltar, inexiste ofensa ao princípio da continuidade, previsto no art. 195 da Lei n.º 6.015/73.

E assim é porque, como esclarecido, cuida-se a incorporação de verdadeira técnica de reorganização societária, em que não há transferência de bens específicos, em si considerados, mas de uma universalidade de direitos e obrigações. Não se trata de negócio especificamente concernente à transferência de determinado bem imóvel, certo que o patrimônio da pessoa jurídica incorporada é integralmente transferido à incorporadora, ocasionando a extinção daquela.

Considerando que a pessoa jurídica incorporada sequer existe mais, pois extinta de acordo com o art. 1.118 do Código Civil, passando o seu patrimônio a pertencer integralmente à incorporadora, que a sucede em todos os direitos e obrigações, a título universal, não se vislumbra, no caso concreto, nenhuma lacuna no registro do imóvel em questão que possa ferir o princípio de continuidade. Anote-se, a propósito, que o titular de domínio constante do registro incorporou a transmitente indicada no título, o que justifica a transmissão do imóvel aos apelantes sem comprometer o encadeamento subjetivo de direitos reais imobiliários.

Em suma, averbada a incorporação empresarial no fólio real e diante da natureza desse instituto, é possível vislumbrar a correspondência entre o que consta do registro imobiliário e o que consta do título aquisitivo, atendendo-se nesse aspecto, além do referido princípio da continuidade, também o princípio da especialidade objetiva e subjetiva.

Por conseguinte, não subsiste o óbice apresentado ao registro da carta de arrematação expedida em favor dos apelantes.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso para julgar improcedente a dúvida, afastando o óbice apresentado pelo Oficial do Registro de Imóveis de Tatuí/SP, e determinar o registro do título.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 21.09.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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