VRP/SP: O eventual deferimento da adoção de estrangeiro por brasileiros natos ou naturalizados, não importa, de pronto, na plena aquisição da nacionalidade originária, que depende, além da fixação de residência no Brasil, da expressa declaração de vontade confirmativa, exclusivamente pelo adotando, homologada por sentença judicial, em processo de jurisdição voluntária, na esteira de orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal.


  
 

Processo 1043533-85.2020.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – R.S.S. – H.O.S. – – A.O.S. – Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcelo Benacchio VISTOS, Trata-se de pedido de providências formulado pela ilustre Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito Sé, Capital, suscitando dúvida quanto a pedido de exclusão de observação de opção por nacionalidade brasileira inserta nas transcrições das certidões de nascimento de H. O. S. M. e A. O. S. M., a obstar a emissão de documentos brasileiros pelos interessados. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 03/72. Em especial, as transcrições lavradas encontram-se acostadas às fls. 65/68; a r. Sentença prolatada pela Justiça Federal, denegando a nacionalidade brasileira aos interessados resta juntada às fls. 15/19 e a r. Sentença da MM. Vara da Família, deferindo o pedido de adoção dos maiores estrangeiros à brasileira, resta juntada às fls. 57/63. A Senhora Oficial manifestou-se às fls. 81/87 e 97. Os Senhores Interessados ingressaram nos autos, representados por seu bastante procurador, manifestando-se às fls. 100/111 e 122/124. O Ministério Público acompanhou o feito e pugnou, ao final, pelo bloqueio das transcrições das certidões de nascimento e exclusão das referidas observações de opção de nacionalidade (fls. 117/118 e 128). É o relatório. Decido. Cuida-se de expediente instaurado a partir de representação encaminhada pela Senhora Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito Sé, Capital, noticiando pedido de exclusão de observação de opção por nacionalidade brasileira inserta em transcrição de nascimento de H. O. S. M. e A. O. S. M., a obstar a emissão de documentos brasileiros pelos interessados. Consta dos autos que os Senhores H. O. S. e A. O. S., maiores, de nacionalidade togolesa, foram adotados, por meio de sentença judicial transitada em julgado, prolatada pelo MM. Juízo da 3ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Regional da Lapa, Capital, pela Senhora R. D. M., passando a se chamarem H. O. S. M. e A. O. S. M. Assim, determinou a n. Vara da Família, após o trânsito em julgado, o encaminhamento de cópias dos autos à Embaixada, para os fins necessários, conforme se verifica do penúltimo parágrafo do r. Decisum, copiado às fls. 63 (e reiterado pelo despacho copiado às fls. 49). Todavia, a Serventia Judicial da Vara de Família expediu ofício ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito Sé, Capital (fls. 47). Não obstante não haver na r. Sentença ou na r. Decisão que acolheu embargos de declaração (fls. 49) determinação para a lavratura de certidão de nascimento ou de transcrição de certidão de nascimento, a serventia extrajudicial procedeu ao registro da segunda maneira: transladando no Livro E as certidões estrangeiras traduzidas dos interessados, fazendo-se, ainda, constar a observação nos termos do artigo 12, inciso I, alínea “C”, da Constituição Federal, acerca da opção pela nacionalidade brasileira perante a Justiça Federal. Diante da feitura das transcrições, com a observação de opção diante da Justiça Federal, pugnaram os Senhores Interessados, junto ao MM. Juízo da 8ª Vara Cível Federal de São Paulo pela concessão da nacionalidade brasileira, nos termos do citado artigo constitucional. Contudo, entendeu o n. Julgado pelo descabimento da opção, posto que “ausente previsão legal e constitucional que estabeleça a concessão da nacionalidade originária ou derivada por motivo de adoção (seja ela de menores ou maiores de 18 anos)” (excerto da r. Sentença, às fls. 19). A respeito, transcrevo parte do voto da Exma. Sra. Min. Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça, no voto do Conflito de Competência n. 150.164 – SP (2016/0319385-6), referido na sentença acima referida, como segue: Assim, da interpretação sistemática desse quadro normativo, conclui-se que o eventual deferimento da adoção de estrangeiro por brasileiros natos ou naturalizados, não importa, de pronto, na plena aquisição da nacionalidade originária, que depende, além da fixação de residência no Brasil, da expressa declaração de vontade confirmativa, exclusivamente pelo adotando, homologada por sentença judicial, em processo de jurisdição voluntária, na esteira de orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (…) Bem assim, narram os Senhores Requerentes que diante da negativa pela Justiça Federal de lhes conceder a cidadania originária, a observação pela opção resta pendente no registro das transcrições, o que lhes impede de obter documentos de identificação nacionais, obstando-os de realizar os demais atos da vida civil. Pois bem. Como é sabido, nos termos da Constituição Federal de 1988, por seu artigo 12, inciso I, pelas alíneas “a”, “b” e “c”, respectivamente, são considerados brasileiros natos aqueles nascidos em território brasileiro, mesmo que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; aqueles nascidos no estrangeiros, filhos de mãe ou pai brasileiro, desde que qualquer um deles esteja a serviço do Brasil ou aqueles nascidos no estrangeiro, filhos de pai ou mãe brasileiro, “desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira” (Ver CF, art. 12). Desse modo, somente há três hipóteses em que se estabelece a nacionalidade brasileira originária, aquelas acima mencionadas, expressamente previstas nas alíneas do primeiro inciso do artigo 12 da Carta Federal. Outros casos de aquisição de cidadania são cenários de naturalização, ou seja, possibilidades de aquisição de nacionalidade derivada, apontadas pelo inciso II do mesmo artigo. Nesse sentido, explica Alexandre de Moraes: A Constituição Federal prevê exaustiva e taxativamente as hipóteses de aquisição da nacionalidade originária, ou seja, somente serão brasileiros natos aqueles que preencherem os requisitos constitucionais das hipóteses únicas do art. 12, inciso I.2 Como ressalta Francisco Rezek, analisando hipótese semelhante, seria flagrante, na lei, o vício de inconstitucionalidade, quando ali detectássemos o intento de criar, à margem da Lei Maior, um novo caso de nacionalidade originária. [Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional – 32. ed. rev. e atual. até a EC nº 91, de 18 de fevereiro de 2016 São Paulo: Atlas, 2016] No caso ora em comento, verifica-se que ambos os interessados são cidadãos nacionais do Togo, ou seja, estrangeiros, havendo ingressado em território nacional já em sua maioridade, aos 15 de setembro de 2017, conforme consta de suas cédulas de identidade provisória de estrangeiro (fls. 27). Com efeito, a adoção concedida à brasileira dos dois maiores pela Vara de Família não é hipótese de aquisição de nacionalidade brasileira originária ou mesmo naturalização, isto é, não tem o condão de tornar os Senhores Interessados em brasileiros natos ou, automaticamente, naturalizá-los, conforme bem apontado pelo d. Juízo Federal. Sublinhe-se que as hipóteses elencadas no artigo 12 da Constituição Federal são taxativas e não indicam adoção como uma das possibilidades de nacionalização. Nesse sentido, em regra, a averbação da adoção dos maiores deveria ser efetuada nos termos da legislação pertinente do país natal, se houver, por meio dos órgãos consulares responsáveis pelas providências relativas aos registros públicos em casos assemelhados, conforme determinado pelo próprio Juízo da Família. Bem assim, o ofício expedido pela Serventia Judicial da n. Vara de Família, em aparente discordância em relação à r. Sentença prolatada, não poderia ter sido levado a registro como o foi, sendo certo que a Senhora Oficial poderia ter emitido nota devolutiva àquele Juízo ou, alternativamente, suscitado a dúvida perante esta Corregedoria Permanente. Portanto, por toda a argumentação deduzida, a transcrição das certidões de nascimento não se mostra viável, uma vez que a Lei de Registros Públicos, ao seu artigo 32, §1º, indica que o translado será tomado a partir de certidões de brasileiros nascidos no estrangeiro, o que não é o caso dos autos, conforme já demonstrado e em conformidade com os apontamentos realizados pelo d. Promotor de Justiça. In verbis: Art. 32. Os assentos de nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos, nos termos da lei do lugar em que forem feitos, legalizadas as certidões pelos cônsules ou quando por estes tomados, nos termos do regulamento consular. § 1º Os assentos de que trata este artigo serão, porém, transladados nos cartórios de 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal, em falta de domicílio conhecido, quando tiverem de produzir efeito no País, ou, antes, por meio de segunda via que os cônsules serão obrigados a remeter por intermédio do Ministério das Relações Exteriores. Na mesma senda são as indicações das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, em seus itens 155, 155.1 e 155.1.1, do Capítulo XVII: 155. O traslado de assentos de nascimento, casamento e óbito de brasileiros em país estrangeiro, tomados por autoridade consular brasileira, nos termos do regulamento consular, ou por autoridade estrangeira competente, a que se refere o caput do art. 32 da Lei 6.015/73, será efetuado no Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Comarca do domicílio do interessado ou do 1º Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais do Distrito Federal, sem a necessidade de autorização judicial. 155.1 Os assentos de nascimento, casamento e óbito de brasileiros lavrados por autoridade estrangeira competente, que não tenham sido previamente registrados em repartição consular brasileira, somente poderão ser trasladados no Brasil se estiverem legalizados por autoridade consular brasileira que tenha jurisdição sobre o local em que foram emitidas, ou, se for o caso, devidamente apostilados pela autoridade apostilante do Estado em que realizado o registro, nos termos da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros (“Convenção de Haia’). 155.1.1. Antes de serem trasladados, tais assentos também deverão ser traduzidos por tradutor público juramentado, inscrito em junta comercial brasileira. Nesse ponto, destaque-se, inclusive, que as referidas certidões de nascimento estrangeiras não restam consularizadas e, tampouco, apostiladas (fls. 82/87). Noutro turno, relativamente à observação quanto à opção pela nacionalidade brasileira, como bem apontado pela Justiça Federal, resta-se igualmente incabível, por todo o já narrado. Em suma, os interessados, ao serem adotados, não se tornaram filhos de brasileira nascidos no estrangeiro. Eles permanecem como cidadãos do país africano. No mesmo sentido, claro está que não vieram morar em território nacional antes de atingida a maioridade, posto que a adoção se deu já em sua maioridade e os documentos juntados ao pedido de transcrição demonstram nitidamente que os indivíduos adentraram o país em 2017, já com quase 30 anos de idade. Portanto, não há razão que justifique ter constado a referida observação das também equivocadas transcrições efetuadas. Nessa ordem de ideias, à luz de todo o narrado, ciente a parte interessada nos termos do artigo 214, §1º, da LRP (cf. fls. 121/124), determino o cancelamento das transcrições das certidões de nascimento de H. O. S. M. e A. O. S. M, inscritas perantes o Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito Sé, Capital, matrículas 12116001552019700897133004424157 e 1211600155201970089713500442427 2, respectivamente, certo que os Senhores Requerentes deverão se valer das vias adequadas para a averbação da adoção concedida pelo MM. Juízo da Família. Relativamente à responsabilidade administrativa da Senhora Oficial, certo que os fatos demonstram seu entendimento jurídico diante de inédita situação enfrentada, reputo satisfatórias as explicações apresentadas, não vislumbrando, por ora, responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar. Todavia, consigno à Senhora Titular para que se mantenha rigidamente atenta e zelosa na orientação e fiscalização dos prepostos sob sua responsabilidade pessoal, providenciando amplo e constante treinamento relativo às questões jurídicas referente aos procedimentos da unidade, impedindo a repetição de fatos semelhantes. No mesmo sentido, determino à Senhora Registradora que proceda à abertura de sindicância interna para apuração do ocorrido junto às escreventes responsáveis pela lavratura das transcrições, colhendo-se depoimentos e esclarecimentos, bem como verificando se lhes cabe medidas disciplinares. Em 30 dias, junte aos autos a conclusão das diligências, para ciência desta Corregedoria Permanente. Outrossim, oficie-se ao MM. Juízo da 8ª Vara Cível Federal de São Paulo, por e-mail, com cópias desta r. Sentença, mencionando-se os autos de nº 5000225-45.2020.4.03.6100, para ciência quanto às providências adotadas. Oficie-se, também, ao MM. Juízo da 3ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Regional da Lapa, Capital, por e-mail, referenciando os autos da adoção, de nº 1016661-98.2018.8.26.0004, para ciência quanto aos fatos, inclusive para verificação quanto ao eventual encaminhamento dos autos à Embaixada, conforme determinado naquela r. Sentença. Não menos, oficie-se à Polícia Federal, por e-mail, com cópias de fls. 01/72, 117/118 e desta r. Sentença, para as considerações que merecer, ante à eventual irregularidade dos estrangeiros em território nacional. Ciência à Senhora Delegatária e ao Ministério Público. Encaminhe-se cópia da presente decisão, bem como de fls. 01/72, 81/87, 117/118 e 121/124, à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício, especialmente ante ao referido na r. sentença da Justiça Federal. P.I.C. – ADV: VALDEMIRO FERREIRA DA SILVA (OAB 260698/SP) (DJe de 11.09.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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