1ªVRP/SP: Determinação de cancelamento das restrições convencionais em matrícula do Registro de Imóveis, tendo em vista terem sido estipuladas em caráter de obrigação meramente pessoal entre comprador e vendedor originário do imóvel, não sendo extensível a terceiros.


  
 

Processo 1000668-47.2020.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – André Oliveira Perosa – – Luna Mendes Nigro Perosa – Municipalidade de São Paulo e outro – Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado por André Oliveira Perosa e Luna Mendes Nigro Perosa requerendo o cancelamento de cláusula restritiva do imóvel matriculado sob o nº 19.685 do 13º Registro de Imóveis da Capital. Alegam os requerentes que consta na citada matrícula que o imóvel contém restrições quanto as construções que podem ser realizadas na área, restrições estas que tem origem na transcrição de escritura de compra e venda lavrada em 1956. Os requerentes alegam que as restrições não podem se sobrepor ao plano diretor e que a restrição é limitada ao imóvel objeto do pedido, não havendo qualquer interferência nos imóveis vizinhos. Juntou documentos às fls. 14/62. O Oficial do 13º Registro de Imóveis manifestou-se às fls. 66/67, alegando não haver erro que justifique o cancelamento de ofício, necessitando provimento judicial para que possa realizar o ato. Houve manifestação do Município às fls. 70/72, aduzindo que a legislação municipal incidente na área faz prevalecer a restrição convencional, e que seu cancelamento deve seguir os requisitos legais vigentes. O Ministério Público, às fls. 75/77, opinou pela improcedência do pedido. Resposta dos requerentes às fls. 81/87 quanto a origem do imóvel. Os Oficiais do 13º RI, 1º RI, 5º RI e 4º RI manifestaram-se respectivamente às fls. 91/92, 108, 109 e 110/111, informando não haver loteamento registrado na área. O credor fiduciário do imóvel juntou anuência às fls. 114/117. É o relatório. Decido. O pedido comporta provimento. Em pedidos semelhantes, este juízo vem analisando se há, ou não, descaracterização do loteamento a permitir o cancelamento das cláusulas restritivas do loteador, conforme o já decidido pela E. Corregedoria Geral da Justiça no processo nº 791/04, de relatoria do então MMº Juiz Assessor Luís Paulo Aliende Ribeiro: “Registro de Imóveis – Averbação – Pretensão de cancelamento de restrição convencional constante do contrato padrão inscrito em face da descaracterização da proposta inicial do loteamento – Situação de fato, referente a parcelamento antigo, comprovada, no caso, por elementos tabulares inequívocos – Desnecessidade de dilação probatória e demonstração da inocorrência de ofensa a interesse de terceiros que viabilizam, na hipótese, a excepcional utilização da via administrativa – Recurso não provido. ‘Esta é a orientação geral, cuja manutenção se impõe, pois somente na via jurisdicional, mediante contraditório, é que, em regra, se viabiliza a constatação desses dois requisitos, quais sejam, a comprovação da descaracterização da proposta inicial do parcelamento e a inocorrência de ofensa ao direito de terceiros. A situação fática e registrária expressa nos presentes autos revela, no entanto, seja por estar tabular e documentalmente comprovada, de modo a evidenciar a desnecessidade de produção de outras provas, a flagrante descaracterização, na referida quadra, da proposta inicial do loteamento, seja em função dos termos em que redigida a própria restrição convencional, expressa no sentido de que instituída em favor dos terrenos contíguos, limitando aos terrenos da mencionada quadra o interesse na manutenção da restrição, excepcional hipótese de viabilidade da utilização da via administrativa para o reconhecimento da descaracterização da proposta inicial do empreendimento, a autorizar o atendimento da pretensão da recorrida e o levantamento, na quadra, da restrição imposta, há quase meio século, pelo loteador.’ Conforme tal precedente, são requisitos essenciais para o cancelamento administrativo a comprovação inequívoca da descaracterização da proposta de parcelamento e inexistência de prejuízos a terceiros. E, no presente caso, um dos requisitos encontra-se cumprido e outro prejudicado. Quanto a descaracterização da proposta de parcelamento, há prejuízo de tal requisito justamente porque parece não ter havido na área realização de loteamento padronizado, ou seja, inexiste restrição imposta pelo loteador, sendo a origem da limitação imposta pela vontade do vendedor de um dos lotes. Tal conclusão surge das manifestações dos Registradores de Imóveis que tiveram competência sobre a região, informando não haver loteamento inscrito ou registrado na área, além da escritura que fez surgir a restrição (fls. 31/33) não se tratar de contrato padrão de loteamento, onde normalmente são impostas as restrições, o que denota que a limitação teve origem puramente obrigacional entre comprador e vendedor do lote, o que afasta seu caráter erga omnes que permitira a extensão da obrigação a terceiros não contratantes. Portanto, inexistindo loteamento na área e sendo a restrição firmada entre particulares, e não propriamente entre loteador e qualquer adquirente, sua inscrição na matrícula deve ser cancelada justamente porque sua origem não permite que seja estendida a terceiros, o que pode levar a erro, já que os registros ali constantes dizem respeito a direitos que, se não necessariamente sempre reais, têm seus efeitos aplicados a terceiros. Corrobora tal entendimento a atual legislação urbanística municipal, já que o Art. 59 da Lei Municipal 16.402/16 prevê, em determinadas zonas como a aqui analisada, a validade das restrições convencionais de loteamento “aprovadas pela Prefeitura, estabelecidas em instrumento público registrado no Cartório de Registro de Imóveis, referentes a dimensionamento de lotes, recuos, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, altura e número de pavimentos das edificações”. E, se não há loteamento inscrito sobre a área com registro dos contratos padrões no Registro de Imóveis em que delimitadas as restrições, não há que se dizer em preenchimento dos requisitos legais para sua eficácia. Ainda, nos termos do §2º do mesmo artigo, o cancelamento convencional de tais cláusulas depende de acordo entre loteador e proprietários dos lotes. Assim, se não há loteador na área, entender pela validade das restrições ora em análise levaria a sua perpetuidade sem possibilidade de alteração. Em outras palavras, se a lei exige a existência de loteador para alteração da cláusula, sua existência também deve ser entendida como requisito para validade das restrições, de modo que, no presente caso, tendo sido elas estipuladas por vendedor do lote, e não loteador (pelo menos do que consta dos autos, devendo ser entendido por loteador aquele que promove parcelamento do solo conforme a legislação), seu cancelamento é de rigor. E quanto ao requisito de inexistência de prejuízo a terceiros, também ele encontra-se preenchido. Conforme exposto pelo Min. Herman Benjamin no REsp 302.906, as cláusulas convencionais são “mais rígidas que as restrições legais, correspondem a inequívoco direito dos moradores de um bairro ou região de optarem por espaços verdes, controle do adensamento e da verticalização, melhoria da estética urbana e sossego.” A existência das cláusulas, portanto, visa garantir a harmonia de todo o bairro, e não de um ou outro lote específico. Assim, se não houve imposição das cláusulas por loteador e se não existem restrições nos imóveis vizinhos (conforme manifestação do Oficial às fls. 91/92, há apenas outros dois imóveis com restrição na quadra do imóvel objeto do pedido e nas quadras vizinhas), de se presumir a inexistência de prejuízo a terceiros, já que limitações a construções em um imóvel específico não garante a harmonia de toda uma região, não havendo que se dizer que o cancelamento das restrições aqui analisadas, em um terreno determinado, descaracterizará todo um bairro que já na conta com qualquer restrição convencional nos demais imóveis. Portanto, o pedido deve ser deferido, lembrando sempre que o planejamento urbanístico da região continua preservado em vista da legislação de zoneamento municipal, que traz restrições para toda a área do Jardim Europa, de modo que a procedência desta ação não representa uma autorização para que os proprietários do imóvel o utilizem como bem entenderem, ficando garantido, neste sentido, o interesse público sobre a região. Do exposto, julgo procedente o presente pedido de providências, determinando o cancelamento das restrições convencionais na matrícula de nº 19.685 do 13º Registro de Imóveis, tendo em vista terem sido estipuladas em caráter de obrigação meramente pessoal entre comprador e vendedor originário do imóvel, não sendo extensível a terceiros. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: FERNANDA BOTELHO DE OLIVEIRA DIXO (OAB 184090/SP), DIEGO DIAMENT SIPOLI (OAB 258454/ SP) (DJe de 17.07.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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