CSM/SP: COMUNICADO CG Nº 515/2020

COMUNICADO CG Nº 515/2020

Processo: 2020/58015

A CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA, Comunica alteração da rotina dos processos de contagem de tempo de serviço/contribuição para fins diversos, de funcionários e ex-funcionários de unidade extrajudicial do Estado de São Paulo, sob responsabilidade da DICOGE 3.2, que passa a ser digital a partir desta data.

O requerimento, acompanhado dos documentos constantes do anexo deste Comunicado, deverão ser encaminhados, digitalizados, em formato PDF, exclusivamente para o e-mail dicoge@tjsp.jus.br.

As certidões emitidas por esta Corregedoria serão encaminhadas para o e mail do interessado informado no requerimento, não havendo, em hipótese e alguma, remessa via correios.

Observa que os processos físicos permanecerão físicos.

Alerta aos responsáveis pelas unidades extrajudiciais e Corregedorias Permanentes que as certidões deverão ser emitidas observando rigorosamente, os modelos adotados por esta Corregedoria Geral constante do anexo deste Comunicado–itens3 (para a serventia) e, 4 (para Corregedoria Permanente).

Esclarece que, por ora, não serão analisados processos relativos ao pleito de tempo de serviço referente a atividade laboral sem o devido contrato de trabalho.

Esclarece ainda que enquanto perdurar a suspensão de entrada nos prédios do judiciário, por conta da Pandemia COVID-19, a Corregedoria Geral expedirá as certidões com base exclusivamente nas certidões remetidas pela unidade extrajudicial e pela Corregedoria Permanente, devido a impossibilidade de acesso ao acervo físico sob responsabilidade da DICOGE 3 e, casos de requerimentos de complementação de certidão serão analisados em particular em razão do motivo ora exposto.

Este comunicado prevalece sobre o Comunicado CG nº 661/2012.

Nota da redação INR: Clique aqui para visualizar a íntegra do ato. (DJe de 22.06.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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Registro de Títulos e Documentos – Notificação – Alegada nulidade de intimação que não pode ser aferida pelo singelo exame do título – Pretensão que demanda análise de elementos intrínsecos ou fáticos – Estritos limites do procedimento administrativo que impedem a solução de litígio envolvendo interesses de terceiros – Cumprimento do dever de fiscalização e controle por parte do Oficial Registrador – Não configuração de infração administrativa passível de reprimenda – Recurso não provido.

Número do processo: 1005124-85.2017.8.26.0604

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 89

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1005124-85.2017.8.26.0604

(89/2019-E)

Registro de Títulos e Documentos – Notificação – Alegada nulidade de intimação que não pode ser aferida pelo singelo exame do título – Pretensão que demanda análise de elementos intrínsecos ou fáticos – Estritos limites do procedimento administrativo que impedem a solução de litígio envolvendo interesses de terceiros – Cumprimento do dever de fiscalização e controle por parte do Oficial Registrador – Não configuração de infração administrativa passível de reprimenda – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso de apelação interposto por SÉRGIO JOSÉ DE LIMA contra r. decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de Sumaré/SP, que julgou improcedente o pedido de providências formulado em virtude de certidão lançada pelo delegatário que, segundo alega o recorrente, não expressa a verdade dos fatos.

Em suas razões de inconformismo, afirma o recorrente, em síntese, que a despeito do teor da certidão lavrada no procedimento de notificação extrajudicial, não se encontrava em sua residência naquela data e sim, em seu local de trabalho, qual seja, a empresa “Sercamp Manutenção em Transformadores e Adjuntores Ltda.”. Aduz que a atitude do Oficial prejudicou a devedora-fiduciante, ensejando a consolidação da propriedade do imóvel, cujo valor supera a quantia de dez milhões de reais, em favor da credora-fiduciária, certo que as provas produzidas demonstram que o preposto do representado jamais compareceu ao local informado na notificação. Ressalta que o próprio Oficial reconhece que erros podem ocorrer, de forma que a ele caberia comprovar a regularidade da certidão lançada para fins de constituição em mora e consolidação da propriedade do imóvel em favor do credor. Assim, defende a nulidade da notificação e dos demais atos posteriores[1].

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso[2].

Reconhecida a incompetência do C. Conselho Superior da Magistratura, foram os autos remetidos a esta Corregedoria Geral de Justiça[3].

Opino.

Desde logo, importa anotar que não versam os autos sobre procedimento de dúvida relativo a registro stricto sensu, razão pela qual incabível o recurso de apelação. Por conseguinte, o reclamo interposto deve ser apreciado como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo.

Em que pese a argumentação do recorrente, é preciso lembrar que os estritos limites deste procedimento não contencioso impedem que se dê aqui a solução de litígio envolvendo interesses de terceiros, que não se fazem representar nos presentes autos (no caso, a notificante). Admite-se, porém, o cancelamento administrativo pelo próprio Registrador quando fundado em causa automática, aferível pelo singelo exame do título, sem necessidade de recorrer a elementos intrínsecos ou fáticos.

Ocorre que, no caso concreto, como bem frisou a r. decisão recorrida, diversas foram as tentativas de notificação do recorrente para a realização da intimação pessoal de que trata o art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/97, o que foi confirmado pelos documentos a fls. 65 e seguintes. Uma dessas diligências resultou positiva, tendo o escrevente autorizado Weslley José dos Santos, preposto do representado, certificado que encontrou o representante da devedora no endereço da Rua Maria Dirce Muller, 52, Jardim Green Park Residence, Hortolândia/SP e que este se negou a receber a notificação após tomar ciência de seu teor (fls. 114/115).

O subitem 252.4, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, assim dispõe:

252.4. Considerar-se-á intimado o devedor que, encontrado, se recusar a assinar a intimação, caso em que o Oficial certificará o ocorrido.

A intimação foi realizada por agente que goza de fé pública, de modo que a certidão questionada goza de presunção de validade.

Além disso, a intimação ocorreu de acordo com o que prescrevem a Lei nº 9.514/97 e as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, de modo que, formalmente, inexiste irregularidade a ser reconhecida. E como não houve purgação da mora, sobreveio a consolidação da propriedade em favor da credora fiduciária, nos termos do art. 26, § 7º, da Lei nº 9.514/97.

Assim, sob o aspecto formal, único passível de exame nesta via administrativa, inexiste razão para invalidar a intimação de purgação de mora e os atos daí decorrentes. Nesse sentido, já decidiu esta Corregedoria Geral da Justiça:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Alienação fiduciária de Imóvel – Consolidação da propriedade de imóvel em favor do credor fiduciário – Notificação pessoal do devedor – Recusa do recebimento certificada pelo Oficial em conformidade com o item 252.4 do Cap. XX das NSCGJ – Notificação válida – Recurso não provido[4].

A análise minuciosa dos fatos e eventual valoração das provas referentes às questões fáticas somente poderão ser realizadas sob o crivo do contraditório, em sede própria.

No mais, na esfera correcional, nada indica que o Registrador tenha sido negligente ou omisso na orientação dada a seus prepostos, tampouco em seu dever de fiscalização dos atos por eles praticados.

De outro lado, visando aprimorar os trabalhos na serventia, o Registrador afirmou ter remodelado sua equipe, a forma e os equipamentos utilizados nas notificações, além de trocar a função do preposto responsável pelo ato questionado, tudo a fim de melhor prestar os serviços que lhe foram delegados.

Nesse cenário, é possível afirmar que os elementos de convicção trazido aos autos demonstram que o Registrador cumpriu com seu dever de fiscalização e controle, não estando configurada, pois, a prática de infração administrativa passível de reprimenda.

Diante do exposto, o parecer que respeitosamente submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso interposto.

Sub censura.

São Paulo, 12 de fevereiro de 2019.

STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. Publique-se. São Paulo, 15 de fevereiro de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: ADRIANA BORGES PLÁCIDO RODRIGUES, OAB/SP 208.967 e JOSÉ RODRIGUES COSTA, OAB/SP 262.672.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.02.2019

Decisão reproduzida na página 039 do Classificador II – 2019


Notas:

[1] Fls. 144/154.

[2] Fls. 177/178.

[3] Fls. 180/181.

[4] Parecer nº 368/2015-E; Processo: 105.209/2015; Autor(es) do Parecer: Gustavo Henrique Bretas Marzagão; Corregedor: José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino; Data da Decisão: 14/09/2015; Data da Decisão: 14/09/2015.

Fonte: INR Publicações IRIB (www.irib.org.br)

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Recurso Especial – Civil e processual civil – Embargos de terceiro – Cessão de direitos hereditários – Bem determinado – Nulidade – Ausência – Negócio jurídico válido – Eficácia condicionada que não impede a transmissão da posse – 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ) – 2. Embargos de terceiro opostos por adquirente de direitos hereditários sobre imóvel pertencente a espólio, cedidos a terceiros antes de ultimada a partilha com a anuência daquelas que se apresentavam como únicas herdeiras, a despeito do reconhecimento de outros dois sucessores por sentença proferida em ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança – 3. O juízo de procedência dos embargos de terceiro está condicionado à comprovação da posse ou do domínio sobre o imóvel objeto de penhora – 5. A cessão de direitos hereditários sobre bem singular, desde que celebrada por escritura pública e não envolva o direito de incapazes, não é negócio jurídico nulo, tampouco inválido, ficando apenas a sua eficácia condicionada a evento futuro e incerto, consubstanciado na efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente por ocasião da partilha – 6. Se o negócio não é nulo, mas tem apenas a sua eficácia suspensa, a cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro – 7. Admite-se a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, mesmo que desprovido do registro, entendimento que também deve ser aplicado na hipótese em que a posse é defendida com base em instrumento público de cessão de direitos hereditários. Súmula nº 84/STJ – 8. Peculiaridades da causa que recomendam a manutenção da posse do imóvel em favor da embargante/cessionária – 9. Recurso especial não provido. Recurso Especial – Civil e processual civil – Embargos de terceiro – Cessão de direitos hereditários – Bem determinado – Nulidade – Ausência – Negócio jurídico válido – Eficácia condicionada que não impede a transmissão da posse – 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ) – 2. Embargos de terceiro opostos por adquirente de direitos hereditários sobre imóvel pertencente a espólio, cedidos a terceiros antes de ultimada a partilha com a anuência daquelas que se apresentavam como únicas herdeiras, a despeito do reconhecimento de outros dois sucessores por sentença proferida em ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança – 3. O juízo de procedência dos embargos de terceiro está condicionado à comprovação da posse ou do domínio sobre o imóvel objeto de penhora – 5. A cessão de direitos hereditários sobre bem singular, desde que celebrada por escritura pública e não envolva o direito de incapazes, não é negócio jurídico nulo, tampouco inválido, ficando apenas a sua eficácia condicionada a evento futuro e incerto, consubstanciado na efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente por ocasião da partilha – 6. Se o negócio não é nulo, mas tem apenas a sua eficácia suspensa, a cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro – 7. Admite-se a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, mesmo que desprovido do registro, entendimento que também deve ser aplicado na hipótese em que a posse é defendida com base em instrumento público de cessão de direitos hereditários. Súmula nº 84/STJ – 8. Peculiaridades da causa que recomendam a manutenção da posse do imóvel em favor da embargante/cessionária – 9. Recurso especial não provido. Recurso Especial – Civil e processual civil – Embargos de terceiro – Cessão de direitos hereditários – Bem determinado – Nulidade – Ausência – Negócio jurídico válido – Eficácia condicionada que não impede a transmissão da posse – 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ) – 2. Embargos de terceiro opostos por adquirente de direitos hereditários sobre imóvel pertencente a espólio, cedidos a terceiros antes de ultimada a partilha com a anuência daquelas que se apresentavam como únicas herdeiras, a despeito do reconhecimento de outros dois sucessores por sentença proferida em ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança – 3. O juízo de procedência dos embargos de terceiro está condicionado à comprovação da posse ou do domínio sobre o imóvel objeto de penhora – 5. A cessão de direitos hereditários sobre bem singular, desde que celebrada por escritura pública e não envolva o direito de incapazes, não é negócio jurídico nulo, tampouco inválido, ficando apenas a sua eficácia condicionada a evento futuro e incerto, consubstanciado na efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente por ocasião da partilha – 6. Se o negócio não é nulo, mas tem apenas a sua eficácia suspensa, a cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro – 7. Admite-se a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, mesmo que desprovido do registro, entendimento que também deve ser aplicado na hipótese em que a posse é defendida com base em instrumento público de cessão de direitos hereditários. Súmula nº 84/STJ – 8. Peculiaridades da causa que recomendam a manutenção da posse do imóvel em favor da embargante/cessionária – 9. Recurso especial não provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.809.548 – SP (2019/0106595-5)

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

RECORRENTE : LUIZ CARLOS DOS SANTOS REBOREDO – ESPÓLIO

REPR. POR : ROBERTA LUCIANA DOS SANTOS – INVENTARIANTE

ADVOGADO : FLÁVIO ROGÉRIO FAVARI – SP177050

RECORRIDO : MARIA CECILIA MARINOZI

ADVOGADOS : LÍLIAN JACQUELINE ROLIM FRANCOSO – SP099792

MARCO ANTÔNIO FRANÇOSO – SP149372

BRUNO ROLIM FRANÇOSO – SP371637

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. BEM DETERMINADO. NULIDADE. AUSÊNCIA. NEGÓCIO JURÍDICO VÁLIDO. EFICÁCIA CONDICIONADA QUE NÃO IMPEDE A TRANSMISSÃO DA POSSE.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Embargos de terceiro opostos por adquirente de direitos hereditários sobre imóvel pertencente a espólio, cedidos a terceiros antes de ultimada a partilha com a anuência daquelas que se apresentavam como únicas herdeiras, a despeito do reconhecimento de outros dois sucessores por sentença proferida em ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança.

3. O juízo de procedência dos embargos de terceiro está condicionado à comprovação da posse ou do domínio sobre o imóvel objeto de penhora.

5. A cessão de direitos hereditários sobre bem singular, desde que celebrada por escritura pública e não envolva o direito de incapazes, não é negócio jurídico nulo, tampouco inválido, ficando apenas a sua eficácia condicionada a evento futuro e incerto, consubstanciado na efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente por ocasião da partilha.

6. Se o negócio não é nulo, mas tem apenas a sua eficácia suspensa, a cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro.

7. Admite-se a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, mesmo que desprovido do registro, entendimento que também deve ser aplicado na hipótese em que a posse é defendida com base em instrumento público de cessão de direitos hereditários. Súmula nº 84/STJ.

8. Peculiaridades da causa que recomendam a manutenção da posse do imóvel em favor da embargante/cessionária.

9. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 19 de maio de 2020(Data do Julgamento)

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por LUIZ CARLOS DOS SANTOS REBOREDO – ESPÓLIO, com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:

“APELAÇÃO – EMBARGOS DE TERCEIRO – IMÓVEL ALIENADO MEDIANTE ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INCONFORMISMO DA EMBARGANTE – ACOLHIMENTO – ALIENANTES QUE FIGURAVAM COMO ÚNICAS COERDEIRAS DO ANTIGO TITULAR DA PROPRIEDADE, EM INVENTÁRIO ENTÃO ABERTO – OBSERVÂNCIA DA FORMA PRESCRITA EM LEI (ESCRITURA PÚBLICA) – LICITUDE DA VENDA DE BEM DESTACADO DO MONTE-MOR, ANTES DA PARTILHA, SE INEXISTENTE OUTRO HERDEIRO A SER EVENTUALMENTE PREJUDICADO PELO NEGÓCIO – POSTERIOR AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS EM FACE DAS COERDEIRAS, EM QUE CONSTITUÍDO O CRÉDITO EM EXECUÇÃO, NA QUAL PENHORADO O IMÓVEL – PENHORA NÃO LEVADA A REGISTRO – AUSÊNCIA DE PROVA DA MÁ-FÉ DA ADQUIRENTE – PRECEDENTE DA CÂMARA EM CASO ENVOLVENDO O MESMO ESPÓLIO – SENTENÇA REFORMADA – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO” (e-STJ fl. 1.107).

Os embargos de declaração opostos na origem foram rejeitados.

Em suas razões recursais (e-STJ fls. 1.127-1.158), o recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação dos seguintes dispositivos legais com as respectivas teses:

a) arts. 489, § 1º, III e IV, e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015 – o Tribunal de origem incidiu em negativa de prestação jurisdicional ao deixar de se manifestar acerca de questões relevantes da demanda, suscitadas em embargos de declaração;

b) art. 2.035 do Código Civil – o ato jurídico consistente na venda de bem singular que compõe a herança ocorreu em 1997, a atrair a aplicação das disposições contidas no Código Civil de 1916;

c) arts. 82, 145 e 1.580 do Código Civil de 1916 e 992 do Código de Processo Civil de 1973 – a venda de bem singular, que difere da cessão de direitos hereditários, ocorreu antes da ultimação da partilha, sem autorização judicial e após o trânsito em julgado da sentença proferida na ação de investigação de paternidade, que reconheceu a existência de outros dois herdeiros que não aquiesceram com a realização do negócio, sendo, portanto, nula;

d) arts. 1.791 e 1.793, §§ 2º e 3º, do Código Civil – ainda que fossem aplicáveis as normas do Código Civil de 2002, é ineficaz a alienação de bem singular objeto da herança, sendo indispensável autorização judicial para que tal venda seja válida, e

e) arts. 7º e 8º do Código de Processo Civil de 2015 – o magistrado deve decidir de forma isonômica, aplicando a lei de maneira igualitária, devendo ser observada, na origem, a prevenção do órgão julgador que primeiro julgou a ação principal.

Afirma, ainda, que, a embargante, ora recorrida, dispensou a obtenção de certidões que poderiam atestar a real situação do imóvel no momento da realização do negócio jurídico, sendo certo que as certidões de distribuição indicam a existência de ações que tramitam em segredo de justiça.

O alegado dissídio interpretativo vem amparado em julgados de outros tribunais nos quais se decidiu que: a) o inventariante pode promover a alienação de bens do espólio somente com a autorização judicial, ouvidos os demais herdeiros; b) a cessão de direitos hereditários deve obedecer aos ditames do art. 1.793 do Código Civil e, c) se o herdeiro resolver transferir apenas seu direito sobre um bem determinado, a cessão será ineficaz até a partilha.

Apresentadas as contrarrazões (e-STJ fls. 689-700), e admitido o recurso na origem, subiram os autos a esta Corte Superior.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):

O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

A irresignação não merece prosperar.

1) Breve resumo da demanda

Trata-se, na origem, de embargos de terceiro opostos por MARIA CECÍLIA MARINOZI contra o ESPÓLIO DE LUIZ REBOREDO DO BARRO, visando à desconstituição de penhora realizada sobre imóvel situado à Rua José Revoredo, nº 252 (antigo 22), Vila Augusta, Guarulhos/SP, adquirido de terceiros que, por sua vez, o teriam adquirido de ILVA REBOREDO e IVETE REBOREDO BERIBA, mediante escritura pública de cessão de direitos hereditários lavrada em 17/1/1997 (e-STJ fls. 24-28).

O magistrado de primeiro grau de jurisdição julgou improcedentes os embargos. Na sequência, contudo, a Oitava Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento à apelação da embargante para julgar procedentes os embargos nos termos da seguinte fundamentação:

(…)

A respeitável sentença, como se viu, reputou nulo o negócio realizado pelo apelante, uma vez que o bem integrava o monte-mor da herança deixada pelo genitor das cedentes originárias e ainda não havia ocorrido a partilha.

Tal fundamentação, data venia, não comporta aplicação ao caso concreto, conforme já sustentado por esta relatoria no julgamento da apelação mais acima referida, cujo v. acórdão, apresenta a seguinte fundamentação sobre a mesma questão:

É bem verdade que a lei inquina de ineficaz a alienação, mediante cessão, que herdeiro realiza de bem singular, isto é, dos direitos hereditários sobre determinado bem (artigo 1.793, § 2º, CC).

Ocorre que, ao tempo do negócio, as cedentes eram as únicas herdeiras do falecido e nesta condição poderiam ter realizado a cessão, pois não sobreviria prejuízo a qualquer outro herdeiro.

Neste sentido, a ineficácia – e não nulidade – prevista em lei diz respeito exclusivamente aos demais coerdeiros, uma vez que, antes de realizada a partilha, não se sabe qual o quinhão de cada um. A própria autorização judicial prevista em lei serve ao mesmo propósito, de proteger os interesses dos demais herdeiros, quando eles existirem, obviamente.

‘Note-se que a cessão de direitos‘, segundo EUCLIDES DE OLIVEIRA e SEBASTIÃO AMORIM, pode ser total ou parcial, conforme o interesse dos herdeiros. Seu objeto é a herança como um todo unitário, pelo seu caráter universal e indivisível (até que se opere a partilha). A cessão de bem certo ou singularizado depende de autorização judicial para ter eficácia (art. 1.793, CC). Veja-se: não é invalidade, mas apenas ineficácia perante os demais herdeiros, já que somente será possível saber se o cedente poderia ter transferido aquele bem depois de feita a partilha e ver para quem ficouEssa restrição serve de proteção aos demais herdeiros, mas é evidente que desaparece no caso de herdeiro único ou de concordância de todos os herdeiros na atribuição por cessão de um determinado bem da herança.’

Assim, se à época da cessão o inventário trazia como únicas herdeiras as cedentes e se até então a adquirente-cessionária desconhecia a existência da demanda investigatória, que somente depois do negócio veio a ser julgada procedente, não há se falar em ineficácia do negócio – muito menos em nulidade, como se viu – pois os únicos herdeiros – desconhecia-se a existência de outros – poderiam ceder como de fato cederam onerosamente os direitos hereditários sobre o imóvel, que veio a ser penhorado em razão de ação ajuizada muitos anos depois.

Não se trata, portanto, de negócio jurídico nulo, em razão de inobservância de regra que protege os interesses dos coerdeiros, como reconhecido na respeitável sentença, mas sim de negócio jurídico válido cuja eficácia com relação aos credores se sujeita ao sistema legal pertinente à solução das ações de embargos de terceiro, em que se desponta a proteção à boa-fé do adquirente e possuidor.

E como a penhora do imóvel, havida na execução da ação de prestação de contas, iniciada somente em 2002, não foi levada a registro no fólio real, seria de rigor a comprovação da má-fé da adquirente do imóvel, ora embargante, conforme Súmula 375, do Colendo STJ.

O caso em exame, contudo, não indica má-fé, donde se tem a procedência dos embargos de terceiro.

Com efeito, o imóvel foi alienado pelas então únicas coerdeiras em 1997, como se viu, em data cinco anos anterior ao ajuizamento da ação de prestação de contas, em que constituído o crédito em execução. Na ocasião, observou-se a forma prescrita em lei – artigo 1.793, do Código Civil – para a cessão dos direitos hereditários, qual seja, a escritura pública, como já demonstrado, seguindo-se, a partir de então, subsequentes cessões, até o bem ser adquirido pela embargante, que passou a nele residir, o que se verificou em 2005.

Estas circunstâncias são relevantes porque em caso semelhante envolvendo o mesmo espólio, mas outro imóvel, foi reconhecida a boa-fé dos adquirentes e com base nisto foram acolhidos os embargos de terceiro por ela opostos.

(…)

Deste modo, respeitado o entendimento adotado em primeiro grau, a demanda é julgada procedente para o fim de se levantar a penhora do imóvel, mantendo-se a embargante na posse, invertidos os encargos sucumbenciais” (e-STJ fls. 1.109-1.112 – grifou-se).

Consta dos autos que, com o falecimento de LUIZ REBOREDO DO BARRO, ocorrido em 12/12/1986, promoveu-se a abertura do respectivo inventário em 1º/1/1987 (Processo nº 0000046-56.1987.8.26.0224 – e-STJ fl. 207), tendo como herdeiras, até então, apenas as cedentes (ILVA REBOREDO e IVETE REBOREDO BERIBA) do imóvel sobre o qual recaiu a penhora.

No dia 29/5/1992 (e-STJ fls. 182-185), LUIZ CARLOS DOS SANTOS REBOREDO e ROBERTA LUCIANA DOS SANTOS REBOREDO ajuizaram ação de investigação de paternidade com petição de herança (Processo nº 602/1992), julgada procedente por sentença datada de 29/8/1996 (e-STJ fls. 186-189), devidamente confirmada em grau de apelação no dia 27/8/1997 (e-STJ fl. 190). Com o retorno dos autos à origem, foi determinado o cumprimento do acórdão, com a necessária intimação das partes, mediante despacho proferido em 12/11/1998 (e-STJ fl. 195).

Consta, ainda, que, no dia 7/2/2002 (e-STJ fl. 196), o ESPÓLIO DE LUIZ CARLOS DOS SANTOS REBOREDO e ROBERTA LUCIANA DOS SANTOS REBOREDO ajuizaram ação de prestação de contas contra ILVA REBOREDO e IVETE REBOREDO BERIBA (Processo nº 0004498-84.2002.8.26.0224), julgada procedente para condenar as rés ao pagamento da importância apurada em laudo pericial – R$ 2.358.559,60 –, acrescida de juros e correção monetária (e-STJ fl. 206). Registra-se, a propósito, que a penhora do bem objeto dos presentes embargos foi determinada nos autos da referida ação de prestação de contas.

Assim delimitado o contexto fático dos autos, passa-se ao exame da irresignação.

2) Da alegada prevenção de órgão julgador

Invocando contrariedade aos arts. 7º e 8º do Código de Processo Civil de 2015, o recorrente defende que o magistrado deve decidir a lide de forma isonômica, aplicando a lei de maneira igualitária a todos, devendo ser observada, na origem, a prevenção do órgão julgador que primeiro julgou a ação principal.

O princípio da isonomia processual, por meio do qual se deve assegurar às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, não confere a elas o direito de não se submeterem às regras de prevenção normalmente estabelecidas nos regimentos internos dos tribunais.

De todo modo, no tocante à alegada prevenção, assim se pronunciou o órgão julgador na origem:

(…)

Frise-se, inicialmente, não haver prevenção da Colenda 10ª Câmara de Direito Privado. Alega o apelado que tal prevenção decorre do fato de aquele e. Órgão Julgador ter conhecido da apelação interposta nos autos da ação de prestação de contas ajuizada por ele em face das coerdeiras Ilva e Ivete Reboredo, o que, para elas, implicaria prevenção para o julgamento dos embargos de terceiro aqui discutidos.

Ocorre que a ação de prestação de contas, da qual adveio a penhora do imóvel do ora embargante, consiste em processo baseado em relação jurídica e fatos diversos dos aqui tratados. Julgar se devidas ou não as contas implica conhecer da relação jurídica entre as coerdeiras, no âmbito do inventário do bens deixados por seu genitor, sem qualquer relação com a situação jurídica da embargante, que adquiriu um dos imóveis que integravam o acervo hereditário e por isso manejou a presente ação de embargos de terceiro, em que discute sua posse e a validade da aquisição do bem.

Note-se que o artigo 105, do RITJSP, fala em prevenção para todos os recursos que derivarem ‘do mesmo ato, fato, contrato ou relação jurídica’, norma à qual não se amolda o presente recurso.

Tanto que, no julgamento das apelações nº 1021207-89.2016.8.26.0224 e 1021100-45.2016.8.26.0224, envolvendo outras ações de embargos de terceiro que tratam de outros imóveis objeto do mesmo acervo hereditário, a Douta Turma Julgadora afastou também a alegação de prevenção” (e-STJ fls. 1.108-1.109 – grifou-se).

Como visto, a questão envolvendo a alegada prevenção de órgão fracionário na origem foi examinada sob o enfoque de dispositivo do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, não competindo a esta Corte Superior, como guardiã da legislação federal, reformar entendimento firmado com fundamento em norma de direito local, a teor do disposto na Súmula nº 280/STF.

Nesse sentido:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CONDENATÓRIA – DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA REQUERIDA.

1. A questão relativa à prevenção de órgão fracionário no Tribunal de origem foi examinada sob o enfoque de dispositivo do Regimento Interno daquela Corte, norma local, o que atrai o óbice contido na Súmula 280/STF.

(…)

4. Agravo interno desprovido.” (AgInt no AREsp 1.485.051/ES, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 22/11/2019).

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO ACÓRDÃO RESCINDENDO POR NÃO OBSERVÂNCIA DE PREVENÇÃO. CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE EM NORMA LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 280/STF. AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. NÃO CONFIGURAÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Tendo o acórdão recorrido decidido a controvérsia relativa a prevenção de órgão julgador com base na interpretação de norma local – no caso, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça -, incide, na espécie, o óbice da Súmula 280/STF, aplicável por analogia ao recurso especial: ‘Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.’

(…)

4. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgInt no AREsp 1.238.850/MT, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/9/2019, DJe 9/10/2019).

3) Da negativa de prestação jurisdicional

No que tange ao art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o Tribunal local, ainda que por fundamentos distintos daqueles apresentados pelas partes, adota fundamentação suficiente para decidir integralmente a controvérsia.

No caso, o Tribunal de origem enfrentou a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, concluindo que: a) a cessão de direitos hereditários pode ser total ou parcial, conforme o interesse dos herdeiros; b) ao tempo da cessão de direitos hereditários relativamente ao imóvel objeto de penhora, as cedentes eram as únicas herdeiras do falecido e nesta condição poderiam ter realizado o negócio, pois não sobreviria prejuízo a nenhum outro herdeiro; c) a ineficácia, e não nulidade, a que se refere o § 3º do art. 1.793 do Código Civil diz respeito exclusivamente aos demais coerdeiros e d) evidenciada, na hipótese, a boa-fé da adquirente e possuidora.

Frisa-se que, mesmo à luz do art. 489 do Código de Processo Civil de 2015, o órgão julgador não está obrigado a se pronunciar acerca de todo e qualquer ponto suscitado pelas partes, mas apenas a respeito daqueles capazes de, em tese, de algum modo, infirmar a conclusão adotada pelo órgão julgador (inciso IV).

A motivação contrária ao interesse da parte ou mesmo omissa em relação a pontos considerados irrelevantes pelo julgador não autoriza o acolhimento dos embargos declaratórios, daí porque se afasta também a alegada ofensa ao art. 489, § 1º, III e IV, do Código de Processo Civil de 2015.

Além disso, todo o contexto fático da demanda ficou perfeitamente delineado no acórdão recorrido, de modo a permitir que esta Corte Superior examine a controvérsia sem incidir no óbice de que trata a Súmula nº 7/STJ.

4) Da amplitude dos embargos de terceiro

Nos exatos termos do art. 674 do Código de Processo Civil de 2015, “Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro“.

Em regra, portanto, o juízo de procedência dos embargos de terceiro está condicionado à comprovação da posse ou do domínio sobre o imóvel que sofreu a constrição, por meio de prova documental ou testemunhal, cabendo ao juiz, no caso de reconhecer suficientemente provado o domínio ou a posse, determinar a suspensão das medidas constritivas sobre o bem litigioso, além da manutenção ou da reintegração provisória da posse, se o embargante a houver requerido (arts. 677 e 678 do CPC/2015).

No caso em apreço, por meio dos embargos de terceiro, a embargante busca a comprovação da propriedade/posse do imóvel objeto de penhora com base em instrumento particular de cessão de direitos lavrado em 22/5/2005, cuja origem está bem delimitada no seguinte trecho do voto condutor do aresto impugnado:

(…)

O imóvel da rua José Reboredo, 252 (antigo 22), Guarulhos, foi herdado por Ilva Reboredo e Ivete Reboredo, em razão do óbito do genitor delas, Luiz Reboredo do Barro, em 12/12/1986. Dez anos – quase – depois, em 17/01/1997, as duas coerdeiras cederam e transferiram seus direitos hereditários para ANTONIO VICENTE NETO e sua mulher, mediante escritura pública de cessão de direitos juntada a fls. 24/28, após o que, em 29/03/2000, estes últimos cederam e transferiram os mesmos direitos a TEREZA DE JESUS CAVALETI BRIQUES, através de instrumento particular, a qual, por fim, cedeu e transferiu seus direitos para a ora embargante por instrumento particular de 22/05/2005 (fls. 14/17), em que Antonio Vicente Neto e mulher figuram como anuentes” (e-STJ fl. 1.109 – grifou-se).

Em sua defesa, o embargado defende a nulidade da venda de bem singular da herança sem autorização judicial e sem a anuência dos demais herdeiros antes de ultimada a partilha.

Também é importante destacar que, em caso de acolhimento do pedido formulado nos embargos de terceiro, “o ato de constrição judicial indevida será cancelado, com reconhecimento do domínio, da manutenção da posse ou da reintegração definitiva do bem ou do direito ao embargante“, nos termos do art. 681 do CPC/2015.

Na espécie, contudo, o Tribunal de origem limitou-se a julgar procedente a demanda “(…) para o fim de se levantar a penhora do imóvelmantendo-se a embargante na posse” (e-STJ fl. 1.112 – grifou-se), ou seja, sem o reconhecimento do domínio.

5) Da cessão de direitos hereditários sobre bem singular

Frisa-se, inicialmente, que a cessão de direitos hereditários relativamente ao imóvel situado à Rua José Revoredo, nº 252 (antigo 22), Vila Augusta, Guarulhos/SP, ocorreu mediante escritura pública lavrada em 17/1/1997, a atrair a aplicação das normas contidas no Código Civil de 1916, vigente à época.

Conforme a lição de Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, (…) o ato jurídico de disposição (no caso, a cessão de direitos hereditários) deve seguir as exigências legais existentes na data de sua efetivação.” (Direito das sucessões, 1. ed. em e-book baseada na 5. ed. impressa, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, 3.6).

No entanto, o Código Civil de 1916 não fazia nenhuma alusão à cessão de direitos hereditários. Dispunha apenas que o direito sobre a herança, na hipótese de concorrerem diversas pessoas, seria indivisível quanto à posse e ao domínio até a ultimação da partilha, nos termos do art. 1.580 do referido diploma legal:

“Art. 1.580. Sendo chamadas simultaneamente, a uma herança, várias pessoas, será indivisível o seu direito, quanto a posse e ao domínio, até se ultimar a partilha.

Parágrafo único. Qualquer dos co-herdeiros pode reclamar a universalidade da herança ao terceiro, que indevidamente a possua, não podendo este opor-lhe, em exceção, o caráter parcial do seu direito nos bens da sucessão.” (grifou-se)

Com fundamento no referido preceito legal, a Quarta Turma desta Corte já decidiu ser vedada a alienação de bem singularmente considerado:

“RECURSO ESPECIAL – SUCESSÕES – PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA HERANÇA – ALIENAÇÃO DE BEM SINGULARMENTE CONSIDERADO – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO DESPROVIDO.

1. O princípio da indivisibilidade da herança, inserto no art. 1.580 do Código Civil de 1916, veda a alienação, por herdeiro, de coisa singularmente considerada do patrimônio a ser inventariado.

Aberta a sucessão, a herança é considerada universitas juris, pois é deferida como um todo unitário, de modo que todos os herdeiros podem exercer sobre o acervo hereditário os direitos relativos à posse e à propriedade.

Assim, uma das características marcantes do patrimônio a ser inventariado é a sua indivisibilidade, ou seja, enquanto este não for partilhado, não será permitido atribuir determinado bem a qualquer herdeiro individualmente, porquanto, tão somente após a superação das diversas etapas do inventário será viável a apuração acerca da existência positiva de haveres.

2. Irretocável o aresto hostilizado, visto que a indivisibilidade da herança, sob a égide do Código Civil de 1916, não comporta exceção, não possuindo, o cedente, a propriedade, de modo exclusivo, de qualquer bem do acervo hereditário, exercendo apenas o domínio sobre os bens em conjunto com os demais herdeiros.

3. Sem embargo, poderá ser realizada a alienação de bem específico, desde que haja concordância de todos os sucessores e autorização judicial, providência esta que viabilizará o controle de legalidade do negócio jurídico, coibindo fraudes e prejuízo aos demais herdeiros e aos credores.

4. Recurso especial desprovido.” (REsp 1.072.511/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 12/3/2013, DJe 30/4/2013)

No Código Civil vigente, a matéria foi disciplinada de maneira praticamente idêntica no art. 1.791, que assim dispõe:

“Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.

Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.” (grifou-se)

Tal previsão, contudo, não impediu que o legislador disciplinasse a cessão de direitos hereditários nos seguintes dispositivos:

“Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

§ 1º Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.

§ 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

§ 3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.” (grifou-se)

Ressalta-se, quanto ao ponto, que a inovação legislativa veio fundada, em boa medida, na orientação jurisprudencial que já prevalecia antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, como bem evidencia o precedente da lavra do saudoso Ministro Athos Gusmão Carneiro, proferido enquanto ainda exercia as funções de desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

“AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. A CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, QUANDO TEM POR OBJETO BENS DETERMINADOS, CONSTITUI REALMENTE UMA PROMESSA DE VENDA DE TAIS BENS. DISTINÇÃO ENTRE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, E VENDA DE BENS DA HERANÇA. A VENDA É VALIDA NO PLANO DOS DIREITOS PESSOAIS, MAS TEM SUA EFICÁCIA, QUANTO AO ACORDO DE TRANSMISSÃO DO DOMÍNIO, CONDICIONADA A QUE OS BENS, NA PARTILHA, VENHAM A INTEGRAR O QUINHÃO DO HERDEIRO ALIENANTE. A CESSÃO DE HERANÇA, OU A VENDA DE BENS DA HERANÇA, NÃO PODEM SER REGISTRADOS NO OFÍCIO IMOBILIÁRIO. JURISPRUDÊNCIA NO SENTIDO DE QUE OS CO-HERDEIROS NÃO PRECISAM ANUIR ÀS CESSÕES. AÇÃO ADJUDICATÓRIA PROMOVIDA POR CO-HERDEIRO, EMBORA AINDA NÃO HOMOLOGADA A PARTILHA. AUTOR JULGADO CARECEDOR DE AÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA” (Apelação Cível nº 583015243, Primeira Câmara Cível, TJRS, Rel. Athos Gusmão Carneiro, julgado em 30/8/1983).

No caso em apreço, não se operou a alienação do imóvel penhorado, mas, sim, a cessão dos direitos hereditários que recaem sobre ele. A questão, portanto, deve ser analisada sob a ótica da existência, da validade e da eficácia do negócio jurídico.

Sob tal perspectiva, Zeno Veloso acentua:

(…)

Aberta a sucessão, o co-herdeiro pode ceder o seu direito à mesma, bem como o quinhão de que disponha, por escritura pública. Esta forma é da substância do ato; a cessão de direitos hereditários celebrada por instrumento particular é nula de pleno direito. E é necessária a outorga conjugal, a não ser que o regime do casamento seja da separação absoluta.

O art. 1.793, § 2º, dispõe que é ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente. Sem dúvida, o co-herdeiro só pode ceder a sua quota-parte, ou a sua parte ideal na universalidade da herança, mas não a respeito de um bem específico, de um bem determinado ou considerado singularmente. Note-se: a cessão de um bem individuado, dentre os que compõem o espólio, não é negócio jurídico inválido. Não é nulo, nem anulável. A censura da lei está no plano da eficácia. A cessão, neste caso, é ineficaz, não produz efeito, é inoponível aos demais herdeiros, dado que a herança é uma universalidade, e até a partilha, indivisível.

Todavia, a cessão que teve por objeto direito sobre bem determinado recobrir-se-á de eficácia, futuramente, se, na partilha, o aludido bem for efetivamente atribuído ao herdeiro cedente. A questão estará superada, e tudo se resolve. A eficácia opera ex tunc, até por imperativo da lógica e do bom senso.

Considerando a razão da lei, isto é, observando o que pretendeu a norma ao estatuir a ineficácia da cessão de direito hereditário sobre bem considerado singularmente, que foi o objetivo de garantir o direito dos demais co-herdeiros, uma vez que somente com a partilha estará fixado e definido o que cabe materialmente a cada um, sou de opinião de que a cessão de bem determinado é válida e eficaz se existe apenas um herdeiro, pois não há outros interessados (co-herdeiros) que pudessem aspirar ao aludido bem. Do mesmo modo – e por igual razão -, se todos os herdeiros fazem a cessão de direitos hereditários sobre um bem da herança considerado singularmente, não há contra quem opor a ineficácia desta cessão, e a mesma é válida e eficaz, resguardados, sempre, os direitos de credores.

Se há vários herdeiros, e todos eles cedem seus direitos a um bem determinado da herança, isso funciona como verdadeiro acordo de partilha, que só precisa ser homologado pelo juiz, observada a escritura pública de cessão. E podem os co-herdeiros fazer o inventário e partilha administrativamente, por escritura pública, independentemente de homologação judicial, observando-se a Lei n. 11.41, de 04.01 de 2007, e esta escritura pública pode conter uma cessão de direitos de bem considerado individualmente, constituindo título único, suficiente e hábil para o registro imobiliário.

Sintetizando: os direitos a respeito de um bem singular da herança podem ser cedidos pelo herdeiro único (herdeiro universal) ou por todos os herdeiros, conjuntamente. E não haveria motivo para considerar ineficaz o negócio, pois não há ineficácia que não se oponha a interesse de terceiros, e ninguém, no caso, pode alegar direito frustrado ou algum prejuízo. Enfim, não há razão moral, econômica ou jurídica para impedir que a cessão, nos hipóteses citadas, seja realizada.” (Cessão de direitos hereditários de bens singulares: possibilidade. Disponível em: [www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/cessao-de-direitos-hereditarios-de-bens-singulares-possibilidade/5649]. Acesso em: 15/4/2020 – grifou-se)

Em estudo mais aprofundado, Sílvia Regina de Assumpção Carbonari discorre analiticamente a respeito da existência, da validade e da eficácia da cessão de direitos hereditários sobre bem determinado da herança, apresentando, ao final, as seguintes conclusões:

(…)

A cessão de direitos hereditários sobre bem determinado ou a disposição de um bem determinado da herança feita singularmente, sem autorização judicial, se realizada, produz efeitos diversos. Produz efeitos em relação ao cedente, em relação ao cessionário e em relação aos terceiros, estes últimos considerados aqui como os demais co-herdeiros que não efetuaram a cessão.

Formalizada a cessão de direitos hereditários sobre bem determinado, os efeitos do negócio jurídico ficam condicionados à circunstância de que, na partilha dos bens, o bem objeto da cessão seja atribuído ao(s) co-herdeiro(s) cedente(s) em pagamento de seu quinhão. Sub-roga-se o cessionário nos direitos do(s) cedente(s) apenas relativamente àquele bem, não aos demais bens que possam fazer parte do quinhão do herdeiro, nem às dívidas do espólio, pois os direitos hereditários cedidos dizem respeito a coisa certa e determinada. Obviamente, quem adquire direitos de um herdeiro numa sucessão tem sempre interesse num bem específico, concreto; deseja adquirir um terreno, um apartamento, uma casa, não num patrimônio abstrato composto por ativo e passivo.

Após a formalização do negócio jurídico, o cessionário em sub-rogação ao herdeiro habilita-se no inventário e, com a concordância de todos, apresenta-se o plano de partilha, pelo qual o imóvel objeto da cessão é destinado ao pagamento do quinhão do herdeiro cedente. Após a homologação, expede-se o formal de partilha, que é o título hábil à transmissão da propriedade diretamente para o cessionário, o qual apresentará o mesmo no registro de imóveis para que dele possa dispor como proprietário.

Assim, como a escritura envolve uma coisa futura, o bem que será futuramente do herdeiro, não tem acesso ao direito imobiliário até que, depois de homologada a partilha, o herdeiro alienante seja contemplado com aquele bem alienado em pagamento de seu quinhão, seja expedido o formal de partilha em seu nome e devidamente registrado no registro de imóveis, para, somente então, ter acesso ao álbum imobiliário a escritura pública de venda anteriormente feita.

Os efeitos dispostos nos parágrafos segundo e terceiro do artigo 1.793 do Código Civil brasileiro são os mesmos, ou seja, são ‘ineficazes’, quando as cessões/disposições de bem determinado são feitas por um co-herdeiro sem autorização judicial, mas essa ineficácia é relativa. Isso porque somente é ineficaz perante o(a) viúvo(a) meeiro(a) e os demais co-herdeiros se não concordarem que o co-herdeiro cedente seja contemplado com o objeto da cessão/disposição. Essa não-concordância pode, a qualquer tempo, ser ratificada por eles. Tal se deve fazer no próprio ato de formalização do negócio, na escritura pública de cessão de direitos hereditários ou de venda de bem individualizado da herança e no esboço da partilha de bens contemplando o herdeiro cedente com o bem objeto da cessão; ratificando-o, a cessão/disposição passa a ser eficaz perante os mesmos.

A eficácia da cessão/disposição, com a ratificação dos demais co-herdeiros, fica sujeita a uma condição resolutiva, por estar subordinada à verificação de um acontecimento futuro. Por outro lado, se feita a cessão/disposição sem a ratificação dos demais co-herdeiros e do meeiro(a) no ato ou no plano de partilha, em razão da não-concordância desses, o negócio jurídico é ineficaz com relação aos mesmos, mas produz efeitos na relação cedente-cessionário, o que deve ser considerado como descumprimento contratual entre ambos.

Na cessão de direitos hereditários de bem determinado, o conteúdo do direito cedido é perfeitamente identificável. A prestação e a contraprestação já são certas e determinadas desde a formação do contrato. Reputando-se ao cedente a tradens a título singular, não se justifica mais que esteja ele liberado de responder pela evicção pelos bens que receberia em seu lugar o cessionário. Não sendo contrato aleatório, responde, portanto, o cedente pela evicção, pois está caracterizando o imóvel objeto da cessão, o que implica transferência de domínio individualizado sobre um bem, mesmo que futuro. A evicção resguarda o cessionário/adquirente dos riscos de um contrato aleatório, o que garante ao cessionário que, se o bem ‘futuro’ não for disponível para o cessionário, o cedente estará obrigado a restituir o valor pago, e, ainda, as perdas e danos se o cessionário/adquirente não tinha conhecimento dos riscos ou não os assumiu, dependendo daquilo que foi estipulado por ocasião do contrato.” (Existência, validade e eficácia da cessão de direitos hereditários sobre bem determinado da herança. Disponível em: [https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/existencia-validade-e-eficacia-da-cessao-de-direitos-hereditarios-sobre-bem-determinado-da-heranca/]. Acesso em: 15/4/2020 – grifou-se)

Das lições doutrinárias apresentadas, podem ser extraídas as seguintes conclusões: a) a cessão de direitos hereditários sobre bem singular, desde que celebrada por escritura pública e não envolva o direito de incapazes, não é negócio jurídico nulo, tampouco inválido, ficando apenas a sua eficácia condicionada a evento futuro e incerto, consubstanciado na efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente por ocasião da partilha; b) a ineficácia se opera somente em relação aos demais herdeiros; c) se celebrado pelo único herdeiro ou havendo a anuência de todos os coerdeiros, o negócio é válido e eficaz desde o seu nascimento, independentemente de autorização judicial, pois o que a lei busca evitar é que um único herdeiro, em prejuízo dos demais, aliene um bem que ainda não lhe pertence, e d) se o negócio não é nulo, mas tem apenas a sua eficácia suspensa, a cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro.

Embora controvertida a matéria tanto na doutrina como na jurisprudência dos tribunais, o fato de não ser a cessão de direitos hereditários sobre bem individualizado eivada de nulidade, mas apenas ineficaz em relação aos coerdeiros que com ela não anuíram, é o quanto basta para, na via dos embargos de terceiro, assegurar à cessionária, ora recorrida, a manutenção de sua posse, sobretudo porque exercida ininterruptamente desde 1997, se somado o período de posse exercido pelos seus antecessores.

Salienta-se, a propósito, que “é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro“, nos termos da Súmula nº 84/STJ, entendimento que também deve ser aplicado na hipótese em que a posse é defendida com base em instrumento público de cessão de direitos hereditários.

Sobre o tema:

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA. LINHA TELEFÔNICA. CESSÃO DE DIREITOS NÃO REGISTRADA EM CARTÓRIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 84 DO STJ.

1. É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados na alegação de posse advinda de cessão do direito de uso de linha telefônica, desprovida de registro, posto evidenciada a ausência de má-fé do embargante.

2. Cessão efetivada antes mesmo da inscrição do débito em dívida ativa.

3. Ratio essendi da Súmula 84 do STJ: ‘É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro’.

4. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 438.544/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/10/2002, DJ 11/11/2002 – grifou-se).

Além disso, são diversas as peculiaridades dos autos que recomendam a manutenção da posse do imóvel em favor da embargante/cessionária, como se passará a demonstrar.

Ao tempo da cessão originária de direitos hereditários sobre o imóvel penhorado, ocorrida mediante escritura pública lavrada em 17/1/1997, não obstante já ter sido proferida sentença de procedência na ação de investigação de paternidade com petição de herança ajuizada por LUIZ CARLOS DOS SANTOS REBOREDO e ROBERTA LUCIANA DOS SANTOS REBOREDO, ainda estava pendente o julgamento da respectiva apelação, somente julgada no dia 27/8/1997.

Referida demanda, conforme admitido pelo próprio recorrente, tramitou em segredo de justiça, fato que, a despeito de não inviabilizar por completo, dificulta sobremaneira o conhecimento acerca da existência de demandas contra aquelas que aparentavam ser as únicas herdeiras, notadamente se os autores da ação de investigação de paternidade não se preocuparam em prenotar a existência da referida demanda nas matrículas dos imóveis que integram o acervo dos bens deixados pelo falecido.

Além disso, conforme consignado no acórdão recorrido, “(…) a penhora do imóvel, havida na execução da ação de prestação de contas, iniciada somente em 2002, não foi levada a registro no fólio real” (e-STJ fl. 1.111), sendo certo que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente“, nos termos da Súmula nº 375/STJ.

Registra-se, por oportuno, que o ajuizamento da ação de prestação de contas, em 7/2/2002, também não foi anotado na matrícula do imóvel. A penhora determinada nos autos da referida demanda, por seu turno, é posterior à aquisição dos direitos sobre o imóvel pela embargante, ocorrida em 2005.

De todo modo, “em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores“, segundo os ditames da Súmula nº 195/STJ.

A propósito:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA QUE RECAIU SOBRE IMÓVEL ADQUIRIDO ATRAVÉS DE ESCRITURA PÚBLICA DE DAÇÃO EM PAGAMENTO. MÁ-FÉ DA EMBARGANTE NÃO CARACTERIZADA. SÚMULA 7 DO STJ. FRAUDE CONTRA CREDORES. IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO NO ÂMBITO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 195 DO STJ. PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 303 DO STJ.

1. O Tribunal a quo consignou, com base na documentação acostada aos autos, que não se caracterizou a má-fé do ora recorrido. Rever a conclusão do Tribunal de origem ensejaria a revisão do conteúdo fático-probatório dos autos, o que é vedado pelo óbice da Súmula 7 deste Superior Tribunal.

2. Inviável o reconhecimento da fraude contra credores no bojo de embargos de terceiro, sendo necessária a sua investigação e decretação na via própria da ação pauliana ou revocatória (REsp 471.223/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 27/11/2007, DJ 17/12/2007, p. 174).

(…)

4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp 347.562/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/9/2013, DJe 24/9/2013 – grifou-se).

Anota-se, ainda, que o acervo hereditário deixado por LUIZ REBOREDO DO BARRO é composto por 69 (sessenta e nove) imóveis, sendo que apenas os direitos sobre parte deles foram cedidos a terceiros, a reforçar a possibilidade de implemento da condição suspensiva na hipótese de ser a propriedade do bem cedido atribuída às herdeiras cedentes por ocasião da partilha.

Por fim, não se tendo operado a alienação do imóvel, mas apenas a cessão dos direitos hereditários que recaem sobre ele, não se aplica à espécie a regra do art. 992, I, do CPC/1973, segundo a qual incumbe ao inventariante alienar bens do espólio, ouvidos os interessados e com autorização judicial.

6) Dispositivo

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.809.548 – São Paulo – 3ª Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJ 27.05.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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