RECURSO ESPECIAL Nº 1731765 – MG (2018/0041955-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RECORRIDO : MARCELO FERNANDO MACHADO
ADVOGADO : JOSIAS ALVES DA SILVA – MG141267
EMENTA
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE.
1. Suscitação de dúvida manejada pelo Tabelião do 1º Ofício de Notas de Cambuí – MG, na qual questiona a possibilidade de realizar a lavratura de escritura de imóvel com área inferior ao mínimo exigido pela Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/79).
2. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.
3. Recurso especial não conhecido.
DECISÃO
Cuida-se de recurso especial interposto por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, fundamentado na alínea “a” do permissivo constitucional.
Recurso especial interposto em: 14/08/2017.
Concluso ao Gabinete em: 08/03/2018.
Suscitação de dúvida: manejada pelo Tabelião do 1º Ofício de Notas de Cambuí/MG, na qual questiona a possibilidade de realizar a lavratura de escritura de imóvel com área inferior ao mínimo exigido pela Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/79).
Sentença: julgou procedente a dúvida, autorizando a lavratura da escritura de compra e venda e o seu registro perante o Cartório de Imóveis da referida Comarca.
Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (ora recorrente), nos termos da seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL – SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA – PRELIMINAR – INADEQUAÇÃO DA VIA – LEI 6.015/1975, ART. 198 – INOBSERVÂNCIA – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – APROVEITAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS – REJEIÇÃO – LAVRATURA E REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA – LOTE DE METRAGEM INFERIOR AO LIMITE MÍNIMO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO FEDERAL – REGULARIDADE DA CADEIA REGISTRAL, INICIADA HÁ QUASE 30 ANOS – ATO JURÍDICO PERFEITO – PROTEÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA, À BOA-FÉ E À LEGÍTIMA EXPECTATIVA
1. Não configurado prejuízo à parte interessada no registro, a quem caberia ter provocado a dúvida registral – a qual veio a ser suscitada de ofício pelo notário -, a inobservância ao art. 198 da Lei 6.015/1973 não impõe a extinção do procedimento sem resolução de mérito, à vista do princípio da instrumentalidade das formas e do aproveitamento dos atos processuais. Preliminar rejeitada.
2. Embora o limite mínimo para lotes em perímetro urbano previsto no art. 4ºda Lei 6.766/1979 constitua diretriz a ser observada pelos municípios na regulamentação dos seus interesses locais, tal dispositivo não deve ser interpretado de forma absoluta, impondo sua análise e incidência conforme o caso concreto, em consonância com os demais preceitos normativos e principiológicos.
3. Imóvel com área de 100m² registrado desde 1993, mostrando-se regular a cadeia dominial.
4. Autorização para lavratura e o registro da escritura pública de compra e venda do bem, ainda que este apresente área inferior à estipulada na Lei 6.766/79, em observância aos princípios da segurança jurídica, amparo à moradia, boa-fé e proteção à legítima expectativa.
5. Recurso não provido (e-STJ fl. 132).
Recurso especial: alega a violação do art. 4º, II, da Lei 6.766/79. Sustenta que, no Município de Bom Repouso – MG, é vedado o desdobramento de lotes com área inferior a 125m², metragem mínima prevista na Lei 6.766/79, que disciplina o parcelamento do solo urbano, sendo as únicas exceções legais os loteamentos que se destinam à urbanização específica ou a edificação de conjuntos habitacionais de interesse social. Aduz que, via de consequência, não pode ser autorizada a lavratura da escritura pública de compra e venda do imóvel em questão, que possui 100m². Assevera que, a despeito de o referido imóvel ter registro consolidado, a matrícula é nula de pleno direito, pois eivada de vício insanável. Por fim, afirma que não há que se falar em violação ao ato jurídico perfeito, ao princípio da segurança jurídica e, tampouco, ao direito de moradia.
Parecer do MPF: de lavra da i. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Soares Camelo Cardioli, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso especial.
RELATADO O PROCESSO, DECIDE-SE.
Julgamento: aplicação do CPC/2015.
– Do reexame de fatos e provas
Na espécie, verifica-se que o TJ/MG reputou ser necessária uma interpretação mitigada do art. 4º, II, da Lei 6.766/79, ante as particularidades da demanda, senão veja-se:
De início, destaco que, a meu sentir, o limite mínimo para lotes em perímetro urbano previsto no art. 4° da Lei 6.766/1979 é uma das diretrizes fixadas pela Lei federal para o parcelamento do solo urbano, como tal, deve ser observado pelos municípios na regulamentação dos seus interesses locais – como o fez o Município de Bom Repouso, por meio de Lei 295/2003 (arts. 16 e 18, f. 36/37).
Contudo, como também venho me manifestando, tais dispositivos não devem ser interpretados de forma absoluta, impondo sua apreciação e incidência conforme o caso concreto, em consonância com os demais preceitos normativos e principiológicos.
Na espécie, como destacou o Tabelião e a julgadora primeva, restou demonstrada a regularidade da cadeia dominial do imóvel.
Pela certidão de f. 10/13, vê-se que, na cidade de Bom Repouso, em 1982, foi aberta a matrícula 9.848, referente a um lote de terreno urbano, com área total de 1.276,75m2, o qual foi transferido, na referida data, do Patrimônio Paroquial de Bom Repouso a Rosa Maria da Silva.
A proprietária do bem, nos anos seguintes, alienou diversas parcelas do imóvel a terceiros, sendo tais transações, com a concernente descrição de cada loteamento, registradas em anotações próprias na referida matrícula (R.2-9.848 a R.14-9.848).
O imóvel em questão foi individualizado e vendido por Rosa Maria da Silva, em agosto de 1993, a Maria Lazara Andrade (R.9 – 9.848, à f. 11v); sendo transmitido a José Luiz Mariano em setembro de 2009 (R.12-9.848, f. 12).
Averbou-se, ainda, na matrícula, a construção de uma edificação de um pavimento (f. 13), autorizada pela municipalidade (f. 07 e 09).
O imóvel em exame, destarte, encontra-se devidamente registrado há quase 24 anos, desde agosto de 1993, com área de 100m² (f. 11v), tendo sido objeto de negócio jurídico posterior.
Legítima, portanto, a propriedade sobre o terreno.
Diante de tal especificidade, e à vista da presunção de veracidade dos registros públicos, penso que se está diante da hipótese de ato jurídico perfeito, razão pela qual o fato de o lote em questão ter menos de 125,00m² não implica a impossibilidade de se proceder a novo registro.
Com efeito, devem ser privilegiados os princípios da segurança jurídica, amparo à moradia, boa -fé e proteção à legítima expectativa, havendo respaldo para autorização da lavratura da escritura de compra e venda do imóvel, e o seu respectivo registro, ainda que com área inferior à estipulada na Lei de Parcelamento do Solo (e-STJ fls. 138-140).
Assim, alterar o decidido no acórdão impugnado exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula 7/STJ.
Forte nessas razões, com fundamento no art. 932, III, do CPC/2015, NÃO CONHEÇO do recurso especial.
Deixo de majorar os honorários de sucumbência recursal, visto que não foram arbitrados na instância de origem.
Previno a parte recorrente que a interposição de recurso contra esta decisão, se declarado manifestamente inadmissível, protelatório ou improcedente, poderá acarretar sua condenação às penalidades fixadas nos arts. 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, do CPC/15.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 01 de junho de 2020.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora – – /
Dados do processo:
STJ – REsp nº 1.731.765 – Minas Gerais – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 02.06.2020
Fonte: INR Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias
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