1VRP/SP: Registro de Imóveis. Escritura de venda e compra. Art. 53, §1º, da Lei 8.212/91. Bens penhorados em execução fiscal tornam-se imediatamente indisponíveis. Covid-19. Situação excepcional. Registro deferido.


  
 

Processo 1034943-22.2020.8.26.0100

Dúvida – Notas – Mitre I Empreendimentos Ltda – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Mitre I Empreendimentos LTDA, após negativa de registro de escritura de compra e venda cujo objeto é o imóvel matriculado na serventia sob o nº 22.721. O óbice ocorreu por encontrar-se o imóvel penhorado em diversas execuções fiscais requeridas pela Fazenda Nacional, estando o bem indisponível, de modo que o registro depende do cancelamento das indisponibilidades. Aduz que a indisponibilidade decorre diretamente de lei, não podendo flexibilizar sua interpretação para permitir o registro pleiteado. Juntou documentos às fls. 05/109. A suscitada impugnou a dúvida às fls. 117/128, com documentos às fls. 129/233. Alega ilegalidade na averbação de indisponibilidade feita de ofício, que o vendedor já quitou as dívidas que deram origem às penhoras mas que os mandados judiciais de cancelamento não podem ser emitidos em razão da pandemia de COVID-19, alegando contudo que uma das penhoras foi cancelada antes da pandemia, reconhecendo-se a extinção da dívida. O Ministério Público opinou às fls. 236/239 pela procedência da dúvida. É o relatório. Decido. De início, pontuo estar correta a nota devolutiva apresentada pelo Oficial, bem como não haver irregularidade nas averbações de indisponibilidade realizadas. A teor do Art. 53, §1º, da Lei 8.212/91, os bens penhorados em execução fiscal tornam-se imediatamente indisponíveis. Portanto, as averbações realizadas ex officio relativas a indisponibilidade não têm caráter constitutivo, mas meramente declaratório, e sua realização visa dar força a segurança jurídica e publicidade advindas dos registros públicos, permitindo que pessoa que tenha acesso a matrícula saiba não só que o bem encontra-se penhorado mas que, em razão do que previsto em lei, também está indisponível, permitindo que mesmo aqueles que desconhecem as peculiaridades da execução fiscal tomem conhecimento que a penhora ali determinadas tem efeitos mais amplos do que a mera presunção de fraude à execução. E, se existente indisponibilidade, cabe ao requerente, nos termos da nota devolutiva, providenciar seu levantamento por meio de mandado judicial, o que a princípio levaria a procedência da dúvida. Excepcionalmente, contudo, diante dos fatos alegados e documentação apresentada, a mitigação da regra torna-se possível. O Art. 198 da Lei 6.015/73 prevê que o Juiz Corregedor Permanente pode não só dirimir a dúvida quando haja discordância da parte quanto a exigência, mas quando o interessado não puder satisfazê-la. É dizer que, demonstrada impossibilidade concreta de satisfação da exigência, e desde que sua superação não traga prejuízos a segurança jurídica esperada dos registros públicos, o registro pode ser deferido pelo Juiz Corregedor. Na presente hipótese, entendo que tais requisitos encontram-se presentes, desde que cumulados com cautelas a serem melhor explicitadas adiante. Quanto a impossibilidade de obtenção do mandado judicial de cancelamento de penhora, é sabido que a atual situação de pandemia de COVID-19 levou ao estabelecimento do trabalho remoto em todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo que, quanto aos processos em meio físico, os prazos processuais encontram-se suspensos, no momento até o dia 31 de maio de 2020, conforme Resoluções nº 313, 314 e 318 do CNJ. Assim, fica a suscitada impossibilitada de superar o óbice, destacando-se que a Resolução nº 318 inclusive prevê a extensão da suspensão aos processos eletrônicos em caso de lock down, e que o prazo atual de trabalho remoto, 31 de maio de 2020, foi atingido após sucessivas prorrogações, cuja tendência é de prolongamento, em especial neste Estado e cidade de São Paulo, onde não houve diminuição no índice de contaminação. Neste cenário, a suscitada encontra-se na total impossibilidade de superar o óbice por prazo indeterminado, o que leva ao preenchimento do primeiro requisito. Quanto a inexistência de prejuízo a segurança jurídica, destaco que a penhora e indisponibilidade visam justamente garantir o pagamento de dívidas fiscais. No presente caso, o ingresso do título não impedirá o seguimento da execução sobre o bem, tampouco havendo risco de fraude com o negócio jurídico. Isso porque a suscitada bem demonstrou que o proprietário do imóvel, executado nas execuções fiscais, encontra-se regular quanto aos tributos federais e dívida ativa da união (fl. 191), tendo pago a dívida (fls. 189/190) e já peticionado nas execuções fiscais para levantamento das penhoras, não sendo emitidos os mandados justamente diante da suspensão processual vigente. Há fortes indícios, contudo, que a decisão lhe será favorável, como já ocorreu em uma das execuções fiscais existentes, cuja análise foi possível ainda em fevereiro, emitindo-se mandado de levantamento de penhora, com concordância da Fazenda Nacional, ainda antes do trânsito em julgado. Além disso, contribui para tal entendimento o fato das penhoras e execuções fiscais datarem de 1996 e 1997, sem nenhum indício de que houve tentativa de excussão do bem, a demonstrar que a dívida vinha sendo paga regularmente ou não houve interesse da credora no leilão do bem para seu adimplemento. Cabe aqui salientar novamente tratar-se de caso excepcional. A presente decisão não autoriza aos registradores qualificarem positivamente títulos sem expresso cancelamento da indisponibilidade pelo juízo que determinou a penhora, sendo necessária decisão do juiz corregedor permanente, nos termos da Lei de Registros Públicos, em que se analisa justamente a impossibilidade concreta de superação do óbice, caracterizada aqui pela excepcional suspensão prolongada de prazos processuais em processos físicos. Portanto, autoriza-se o registro da escritura de compra e venda. Tal determinação, contudo, não representa que houve reconhecimento deste juízo do pagamento da dívida ou extinção da execução fiscal, mas apenas que, devido a impossibilidade temporária de obtenção de mandado judicial neste sentido, esta se autorizando que o cancelamento se dê posteriormente. Isso quer dizer que fica a suscitada ciente de que, mesmo com o registro da compra e venda, o bem poderá ainda ser executado, mesmo que já esteja em sua propriedade, já que haverá presunção de ciência da insolvência do alienante que só será afastada, definitivamente, com a manifestação do juízo de execução fiscal. Para além disso, evitando insegurança jurídica e privilegiando possíveis adquirentes futuros de unidades autônomas no empreendimento imobiliário que ali se pretende construir, que poderão ser prejudicados caso a penhora não seja levantada e o bem seja executado, fica desde logo determinado que a presente decisão apenas afasta a indisponibilidade para possibilitar o registro da escritura que tem por partes a proprietária atual do bem e a suscitada, impedindo, contudo, o registro de instrumentos em que a adquirente aliene ou prometa alienar a propriedade do bem ou unidades autônomas de empreendimento futuro a terceiros até que haja levantamento das penhoras e da indisponibilidade pelo juízo da execução fiscal, lembrando sempre das infrações previstas na Lei 4.591/64 referentes a alienação sem as devidas anotações no registro público. Fica permitido, contudo, o registro de demais atos que não representem alienação, como aqueles relativos a incorporação e instituição do condomínio em si. Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Mitre I Empreendimentos LTDA, permitindo o registro da escritura de fls. 35/42, com a observação de que as penhoras e indisponibilidade do bem continuam vigentes e eficazes até apresentação definitiva do mandado de cancelamento, nos termos da sentença. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: LUCAS BRITTO MEJIAS (OAB 301549/SP), PABLO MEIRA QUEIROZ (OAB 227183/SP) (DJe de 14.05.2020 – SP)

Fonte: DJE

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.