1VRP/SP: Registro de Imóveis. diferenciação necessária entre a cláusula de incomunicabilidade e a incomunicabilidade decorrente do regime de bens. Cláusula de incomunicabilidade. Não basta, na escritura, constar declaração da parte de que adquiriu o bem em sub-rogação de valores nestas circunstâncias, devendo demonstrar documentalmente tal fato, para só então o Tabelião inserir tal informação na escritura, permitindo ao Registro de Imóveis a averbação de que não houve comunicação do bem. 


  
 

Processo 1018169-14.2020.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Vera Lucia Fernandes Galante – Vistos. Trata-se de dúvida inversa suscitada por Vera Lúcia Fernandes Galante face ao Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, após negativa de registro de escritura de compra e venda cujo objeto era o imóvel matriculado sob o nº 72.817 da mencionada serventia. Exigiu-se, para o registro, alvará judicial determinando a averbação de cláusula de incomunicabilidade por sub-rogação. A suscitante alega que a participação de seu falecido marido na escritura, anuindo com a inexistência de comunicação do bem, seria suficiente para o registro. Juntou documentos às fls. 05/32. O Oficial manifestou-se às fls. 37/40, alegando que a assistência do marido na escritura não é suficiente, já que a inclusão de cláusulas restritivas em negócios onerosos depende necessariamente de manifestação judicial. O Ministério Público opinou às fls. 53/56 pela procedência da dúvida. É o relatório. Decido. Recentemente, no Proc. 1015219-32.2020.8.26.0100, apontei a diferenciação necessária entre a cláusula de incomunicabilidade e a incomunicabilidade decorrente do regime de bens. Cito parte da decisão: “A cláusula de incomunicabilidade é ato restritivo ao direito de propriedade instituído por doador ou testador que, no ato de liberalidade e de forma justificada, grava o bem com tal limitação visando proteger sua eficácia ao mantê-lo no patrimônio próprio do donatário ou legatário independentemente de seu estado civil. Trata-se, portanto, de restrição que se impõe evitando que atos do beneficiário prejudiquem sem patrimônio. O mesmo ocorre com as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo que o beneficiário perca o bem por ato volitivo de alienação ou por outras dívidas, respectivamente. Já a incomunicabilidade decorrente do regime de bens ocorre independentemente da vontade de qualquer parte, mas diretamente da lei, analisando-se a origem do bem e a época em que passou a pertencer ao patrimônio de um dos cônjuges, e constituindo a ideia de que, mesmo com o casamento, o bem continua a pertencer exclusivamente ao patrimônio particular de um dos cônjuges, sem entrar no patrimônio comum. É o que ocorre nas hipóteses previstas no Art. 1.659 do Código Civil, relativa ao regime de comunhão parcial, como por exemplo com os bens anteriores a união civil, aqueles obtidos posteriormente por sucessão ou os proventos do trabalho. Há também, no Art. 1.668, situações nas quais a cláusula de incomunicabilidade é citada como hipótese de exceção a comunicação dos bens no regime de comunhão universal, hipóteses estas em que os conceitos são aplicados simultaneamente. Contudo, tal aplicação simultânea não permite sua confusão como institutos idênticos. Para melhor esclarecer a diferença, cito um exemplo. Se a pessoa A recebeu por doação um imóvel gravado com cláusula de incomunicabilidade e depois venha a se casar com B pelo regime de comunhão parcial, se divorcia, e casa-se com C pelo regime de comunhão universal, o bem continua a pertencer ao patrimônio exclusivo de A, pois a cláusula de incomunicabilidade tem natureza permanente e independe do número de casamentos ou regime legal adotado. Agora, se considerarmos que A recebeu por doação, antes dos casamentos, outro imóvel sem a cláusula de incomunicabilidade, tal bem também não entraria no patrimônio comum com B, pois adquirido antes da união, nos termos do Art. 1.659 do CC, sendo, portanto, incomunicável. Todavia, após o divórcio e casamento com C pelo regime de comunhão universal, o bem passaria à mancomunhão de A e C, pois era bem de um dos cônjuges quando do casamento e não continha cláusula restritiva que permitia sua exclusão nos termos do Art. 1.668 do CC. Portanto, a cláusula de incomunicabilidade tem alcance maior que a mera incomunicabilidade advinda das hipóteses de exclusão da comunhão prevista em lei, sendo a diferença entre os conceitos importante para determinar os efeitos advindos de sua aplicabilidade a determinado bem. Estabelecidas tais premissas, vê-se da escritura de fls. 22/23 que não se pretende a sub-rogação da cláusula do imóvel anterior ao novo, mas apenas declaração de que o bem foi comprado com patrimônio particular e não se comunicará ao cônjuge, ou seja, a subrogação dos valores. É dizer que, ao menos do que consta do título, a suscitada não pretende que na matrícula de nº 72.817 do 4º RI da Capital seja inserida cláusula de incomunicabilidade, substituindo aquela existente na matrícula 27.138 do 3º RI de Santos. Quer, na verdade, o reconhecimento de que o imóvel de Santos foi vendido e que, com o numerário obtido (que era bem particular da suscitante), foi comprado o novo imóvel, que não entraria na comunhão, sem que fosse instituída nele qualquer cláusula restritiva. Conforme o exemplo mencionado acima, a diferença prática pode ser assim esclarecida: se sub-rogada a cláusula de incomunicabilidade, caso Vera Lúcia venha a se casar novamente em regime de comunhão universal, o bem continuará em seu patrimônio particular. Todavia, caso apenas registrado que o bem foi adquirido com patrimônio particular, não se comunicando ao patrimônio comum em seu matrimônio com Adail, eventual novo casamento em regime de comunhão universal levaria a comunicabilidade do bem, já que não haveria qualquer impedimento de comunicação com terceiro, já que não haveria cláusula restritiva no novo imóvel. A princípio, portanto, não haveria impedimento para que a escritura fosse registrada sem qualquer manifestação judicial prévia, já que, após seu registro, seria averbada a informação de que o bem não se comunicou com o patrimônio comum resultante do casamento com Adail por sub-rogação de valores, não sendo averbada na matrícula qualquer cláusula restritiva, já que a instituição de tal cláusula não foi determinada na escritura. Todavia, no caso concreto, a retificação da escritura ou alvará/mandado judicial se faz necessário para o registro em razão de peculiaridade existente no título. Ao contrário da situação existente no regime de comunhão parcial, onde a incomunicabilidade se dá com a sub-rogação de qualquer bem particular (Art. 1.659, II, do Código Civil), na comunhão universal a regra é que os bens particulares entrem no patrimônio comum, excluindo-se tão somente aqueles sub-rogados de valores adquiridos com a alienação de bens anteriores gravados com a cláusula de incomunicabilidade (Art. 1.668, I). Por esta razão, entendo que não basta, na escritura, constar declaração da parte de que adquiriu o bem em sub-rogação de valores nestas circunstâncias, devendo demonstrar documentalmente tal fato, para só então o Tabelião inserir tal informação na escritura, permitindo ao Registro de Imóveis a averbação de que não houve comunicação do bem. Como constou no já citado precedente: “E tal sub-rogação de patrimônio particular (e não de “cláusula de incomunicabilidade) independe de manifestação judicial, cabendo ao adquirente demonstrar ao Tabelião que (i) vendeu bem particular e que, com o valor obtido, (ii) adquiriu novo imóvel. Com tais fatos, caberá ao Tabelião inserir na escritura a informação de que o bem foi adquirido com patrimônio particular e, com tal informação, poderá o Registrador de Imóveis averbar na matrícula a informação de que o bem não se comunicou ao patrimônio do cônjuge do adquirente.” E tal requisito não encontra-se preenchido na escritura de fls. 22/23, já que ali consta somente que houve declaração da compradora de que o imóvel fica excluído da comunhão. Isso não demonstra que houve efetiva sub-rogação de valores. Ao contrário, a escritura inclusive menciona que não houve sub-rogação direta, já que o imóvel anterior “veio a ser substituído por outros com o decorrer do tempo, também incomunicáveis”. Ora, a regra na comunhão universal é a comunicabilidade total dos bens, e se houve outros bens adquiridos durante a constância do casamento, presume-se terem se comunicado, não podendo-se entender que, nessa cadeia de alienações, foram usados tão somente os valores advindos da venda do imóvel com cláusula de incomunicabilidade, já que qualquer outro patrimônio utilizado na compra levaria a comunicação do bem e impossibilidade de sub-rogação de valores para se declarar a incomunicabilidade do bem. Corrobora tal entendimento de que não houve efetiva sub-rogação, afastando o valor da auto-declaração, o próprio fato do imóvel anterior (fl. 18/19) continuar em nome da suscitante, não tendo sido demonstrado nem mesmo a efetiva regularidade da sua venda para que os valores fossem utilizados em novas aquisições imobiliárias. Veja-se que a anuência do marido não altera tal cenário, pois a comunhão universal é regime ex lege, que não pode ser alterado pela vontade das partes. Assim, a mera manifestação do marido de que o bem não integra seu patrimônio não é capaz de elidir a presunção de comunicabilidade, em especial porque a cláusula de incomunicabilidade (e os valores advindos de sua alienação) envolvem também o interesse do terceiro instituidor da restrição. Portanto, para o ingresso do título, cabe a parte demonstrar tal sub-rogação de valores, não para que seja inserida cláusula de incomunicabilidade, mas para que seja averbado que o bem não entrou na comunhão de bens, o que poderá ser feito com a retificação da escritura, declarando o tabelião de que a parte comprovou a sub-rogação de valores, ou manifestação judicial neste sentido. Do exposto, julgo procedente a dúvida inversa suscitada por Vera Lúcia Fernandes Galante face ao Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, mantendo a recusa ao registro, pelas razões acima expostas. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: ARTHUR DE OLIVEIRA FERREIRA (OAB 341746/SP), MOACIR FERREIRA (OAB 121191/SP) (DJe de 13.05.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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