CSM/SP: Registro de Imóveis – Carta de arrematação expedida em ação de execução por débitos condominiais – Hipoteca concedida no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação que não impede o registro da carta de arrematação, porque não torna o imóvel indisponível – Credor hipotecário, ademais, que foi intimado e interveio na ação de execução para pleitear a preferência no recebimento de seu crédito. Arrematação que recaiu sobre a propriedade do imóvel – Ação de execução movida contra compromissários compradores – Princípio da continuidade – Dúvida inversa julgada procedente – Recurso não provido.


  
 

Apelação n° 1007712-39.2017.8.26.0451

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1007712-39.2017.8.26.0451

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1007712-39.2017.8.26.0451

Registro: 2020.0000211825

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007712-39.2017.8.26.0451, da Comarca de (…), em que é apelante R. G., é apelado 1 O. DE R. DE I. E A. DA C. DE P..

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de março de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1007712-39.2017.8.26.0451

Apelante: R. G.

Apelado: 1 O. de R. de I. e A. da C. de P.

VOTO Nº 31.111

Registro de Imóveis – Carta de arrematação expedida em ação de execução por débitos condominiais – Hipoteca concedida no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação que não impede o registro da carta de arrematação, porque não torna o imóvel indisponível – Credor hipotecário, ademais, que foi intimado e interveio na ação de execução para pleitear a preferência no recebimento de seu crédito.

Arrematação que recaiu sobre a propriedade do imóvel – Ação de execução movida contra compromissários compradores – Princípio da continuidade – Dúvida inversa julgada procedente – Recurso não provido.

1. Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que julgou a dúvida inversa procedente e manteve a recusa do registro da carta de arrematação do imóvel objeto da matrícula nº (…) do 1º R.I.T.D.C.P.J.C.P., que foi extraída de ação de execução movida pelo Condomínio Edifício D. contra J.W.A. e R.F.P.A., por ausência de continuidade do registro e porque o credor hipotecário que recebeu o bem em garantia de financiamento concedido pelo Sistema Financeiro da Habitação não anuiu com a transmissão do imóvel.

O apelante alegou, em suma, que arrematou o imóvel em hasta pública realizada no Processo nº 0012746-71.2001.8.26.0451 da 3ª Vara Cível da Comarca de (…), sendo imitido na posse. Afirmou que a arrematação foi promovida em ação de execução de despesas condominiais e teve por objeto o domínio do imóvel por se tratar de obrigação propter rem, conforme decidido naquela ação. Asseverou que o credor hipotecário moveu ação autônoma, contra o proprietário do imóvel, para a execução do seu crédito (Processo nº 0010272-98.1999.8.26.0451 da 5ª Vara Cível de (…)). Aduziu que os compromissários compradores do imóvel ficaram sub-rogados na obrigação de pagar as parcelas do financiamento e as despesas condominiais. Esclareceu que a realização da praça do imóvel foi comunicada para o juízo da ação de execução hipotecária que intimou os proprietários por meio de publicação no DJe. Desse modo, o proprietário do imóvel foi intimado da praça por intermédio dos advogados que constituiu na ação de execução hipotecária. Informou que depois da sua apresentação para registro foi a carta de arrematação desfeita por decisão prolatada pelo juízo da execução, mas essa decisão foi suspensa em agravo de instrumento. Requereu o provimento do recurso para que seja promovido o registro da carta de arrematação (fls. 182/193).

O Juízo da ação de execução das despesas condominiais, a seguir, comunicou que anulou a carta de arrematação, por r. decisão prolatada em 26 de agosto de 2019, em razão da discordância do arrematante com a alteração da praça para constar que a arrematação disse respeito aos direitos de compromissários compradores de que os executados são titulares (fls. 237/238).

O julgamento foi convertido em diligência para a manifestação do apelante que informou que a decisão que desconstituiu a arrematação foi suspensa em tutela antecipada concedida em agravo de instrumento (fls. 244/245 e 248/250).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 256/257).

É o relatório.

2. Foi apresentada para registro a carta de arrematação do imóvel objeto da matrícula nº (…) do 1º R.I.T.D.C.P.J.C.P., extraída de ação de execução que teve curso perante a 3ª Vara Cível daquela Comarca (Processo nº 0012746-71.2001.8.26.0451), movida pelo Condomínio Edifício D. contra J.W.A. e R.F.P.A. (fls. 19/118).

A comunicação, pelo juízo da ação de execução, de que anulou a carta de arrematação (fls. 231 e 237/238) não prejudica o prosseguimento da dúvida porque os efeitos dessa decisão foram suspensos mediante tutela recursal concedida no Agravo de Instrumento nº 2235448-55.2019.8.26.0000, da Col. 32ª Câmara de Direito Privado (fl. 250).

Diante disso, eventual insubsistência da arrematação do imóvel, por fato futuro, poderá ensejar o cancelamento do seu registro, desde que mediante decisão na ação de execução, com expedição do mandado de cancelamento pelo juízo competente.

O registro da carta de arrematação foi recusado com fundamento na ausência de continuidade, uma vez que o imóvel é de propriedade de V.B.A. e sua mulher, A.C.D.B.A., e da existência de hipoteca constituída pelos proprietários em favor do Banco do Estado de São Paulo S.A. (fls. 26/27 e 141).

A certidão da matrícula demonstra que o imóvel foi hipotecado em favor do Banco do Estado de São Paulo S.A. e foi penhorado em ação de execução movida pelo credor hipotecário, com registro da penhora promovido em 27 de dezembro de 2000 (fls. 26/27).

Os registros da hipoteca e da penhora em favor do credor hipotecário não impedem o registro da arrematação realizada em ação de execução movida pelo condomínio porque não se cuida de hipoteca cedular, ou de outra garantia de que decorra a indisponibilidade do imóvel, pois a obrigatoriedade da anuência do credor para a transferência do financiamento, prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.004/90, somente incide na hipótese de alienação voluntária de que decorra a transferência do financiamento:

Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora“.

Ademais, conforme a carta de arrematação, o credor hipotecário foi intimado da nova penhora e da praça do imóvel e formulou pedido de preferência para o recebimento de seu crédito, o que implicou na instauração de concurso de credores que foi decidido pelo juízo da execução (fls. 78 e 89).

Por esses motivos, o registro não é impedido pela falta da anuência do Banco do Estado de São Paulo S.A. com a transmissão da propriedade do imóvel.

Contudo, o registro da arrematação do imóvel depende da prévia aquisição do domínio pelos executados, ou do reconhecimento, pelo juízo da execução, de que os proprietários estão sujeitos aos efeitos da arrematação.

Assim porque a ação de execução das despesas condominiais foi movida contra compromissários compradores que não são titulares da propriedade e, neste caso concreto, não são titulares de direito real de outra natureza porque não promoveram o registro do compromisso de compra e venda.

Diante disso, o registro da arrematação é impedido pela ausência de continuidade entre o proprietário do imóvel e as partes da ação de execução. Nesse sentido:

O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Afranio de Carvalho, Registro de Imóveis, 4ª ed., 1998, Rio de Janeiro: Forense, p. 253).

O respeito à continuidade não se altera pela comunicação da praça ao juízo da ação de execução hipotecária que teria intimado os proprietários por meio dos advogados que constituíram naquele processo.

Assim porque não houve o reconhecimento, na ação em que a arrematação foi realizada de que os proprietários do imóvel, que não foram partes daquele feito, estão sujeitos aos efeitos da arrematação.

Ao contrário, o juízo da ação de execução decidiu, de forma expressa, que os efeitos da arrematação não prevalecem em relação aos proprietários do imóvel, porque foi movida contra os compromissários compradores (fls. 237/238).

A natureza propter rem da obrigação de pagar as despesas condominiais permite a cobrança do débito contra o adquirente do imóvel, mas não altera a condição de titular de direitos meramente obrigacionais em relação ao compromissário comprador que não registrou o contrato de compromisso de compra e venda.

Por fim, o contrato particular de compromisso de compra e venda celebrado entre os proprietários e o executado (fls. 114/116) não foi protocolado para registro, pois o único título apresentado para essa finalidade foi a carta de arrematação (fl. 135).

E o apelante não pretende o registro da aquisição dos direitos de compromissário comprador, o que impede a análise dos requisitos para a prática desse ato.

3. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 16.04.2020 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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