CSM/SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de doação feita pelo ex-marido na condição de divorciado, pretendendo a doação de sua parte ideal da propriedade à ex-cônjuge – Partilha não registrada – Necessidade de prévia partilha dos bens do casal e seu registro – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade – Exigência mantida – Recurso não provido


  
 

Apelação n° 1012042-66.2019.8.26.0562

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1012042-66.2019.8.26.0562
Comarca: SANTOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1012042-66.2019.8.26.0562

Registro: 2020.0000211820

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1012042-66.2019.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante ODILON LUIZ ROCHA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de março de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1012042-66.2019.8.26.0562

Apelante: Odilon Luiz Rocha

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos

VOTO Nº 31.096

Dúvida – Registro de Imóveis – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de doação feita pelo ex-marido na condição de divorciado, pretendendo a doação de sua parte ideal da propriedade à ex-cônjuge – Partilha não registrada – Necessidade de prévia partilha dos bens do casal e seu registro – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade – Exigência mantida – Recurso não provido.

1. Trata-se recurso de apelação interposto por Odilon Luiz Rocha, visando a reforma da sentença de fls. 53/61, que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Santos, mantendo a recusa de ingresso do pedido de registro de escritura pública de doação dos imóveis objeto das matrículas nºs 15.700 e 15.701, por falta de registro de formal de partilha do doador, caracterizando ofensa aos princípios da continuidade e da disponibilidade.

A Nota de Exigência indicou como motivos de recusa do ingresso do título: “pelo que se apura da escritura de doação apresentada, há desrespeito ao princípio da continuidade e disponibilidade registral, posto que o doador, José Roberto Torelli, adquiriu a fração de 25% dos imóveis enquanto casado com Odaléa Rocha, sendo que, após alterado o seu estado civil para divorciado, conforme consta da Certidão de Casamento, não foi apresentado nesta serventia o formal de partilha oriundo do divórcio formalizado entre as partes, ato este que seria necessário à prévia doação de sua fração ideal sobre os referidos bens” (fls. 2).

O recurso sustenta, em resumo, que José Roberto Torelli e Odaléa Rocha, quando casados, adquiriram fração ideal de 25% dos imóveis objeto das matrículas nºs 15.700 e 15.701. Pretendendo o apelante doar 12,5% da parte ideal para a ex-esposa, proprietária dos outros 12,5% da mesma fração, não haveria impedimento por conta da ausência de partilha dos bens, vez que não há dúvidas da propriedade doada entre os comunheiros. Que pelo fato da doação se dar entre os ex-cônjuges, cientes da quota parte de cada um sobre o patrimônio comum, não haveria motivos para o impedimento do registro. Pretende o acolhimento do recurso, julgando-se improcedente a dúvida (fls. 66/68).

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 95/97).

É o relatório.

2. Conheço do recurso, eis que presentes os requisitos de admissibilidade.

Consta da escritura de doação de fls. 7/9 que o apelante José Roberto Torelli, qualificado como divorciado, doava para sua ex-esposa, Odaléa Rocha, 12,5% (doze e meio por cento) dos imóveis matrículas nºs 15.700 e 15.701, do 2º Registro de Imóveis de Santos. Consta, ainda, da escritura:

“II) Que ele OUTORGANTE DOADOR, adquiriu a fração ideal de 12,5 (doze e meio por cento) dos imóveis nos termos da escritura pública de compra e venda de 22 de março de 1985, lavrada nas Notas do 4º Tabelião Interino da Comarca de São Bernardo do Campo, deste Estado, conforme se verifica dos registros feitos sob o número 02, nas citadas matrículas números 15.700 e 15.701 do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Santos, deste Estado, declarando ainda que, na época desta aquisição era casado com a ora DONATÁRIA, e quando da dissolução de seu matrimônio, os bens imóveis que estão doados por meio desta não foram objeto de partilha de bens, razão pela qual, após o divórcio, ficou possuindo a fração ideal de 12,5% (doze e meio por cento) sobre os referidos bens, uma vez que o extinto casal adquiriu conjuntamente a fração ideal de 25% (vinte e cinco por cento) dos bens, naquela ocasião” (fls. 7).

O casamento entre José Roberto Torelli e Odaléa Rocha ocorreu em 07.01.1981, sob o regime da comunhão parcial de bens (fls. 11). Segundo o R. 2, da matrícula nº 15.700, houve aquisição, por José Roberto e Odaléa, de 25% da propriedade ideal do imóvel, em 05.06.1985. Na Av. 6, datada de 11.01.2010, houve averbação do divórcio dos mesmos, sem informações sobre a partilha de bens do casal. O mesmo em relação à matrícula nº 15.701.

Em que pese a averbação do divórcio junto às matrículas e o fato da doação dar-se em favor da comunheira do bem, não é possível a alienação de parte ideal do bem imóvel por quem não ostente a condição de propriedade exclusivo desta parte ideal, mas sim de comunheiro por força do regime de bens do casamento.

Da análise da matrícula, conclui-se que parte ideal de 25% dos imóveis está registrada em nome de José Roberto e Odaléa, por força da aquisição onerosa na constância da sociedade conjugal, sem que haja registro da partilha de tal propriedade, atribuindo-a exclusivamente a cada um dos ex-cônjuges.

O art. 195, da Lei nº 6.015/1973, estabelece:

Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

Deste comando decorre o princípio da continuidade registral, exigindo que novo título que ingresse no fólio se ampare no registro anterior em seus aspectos subjetivos e objetivos. Não há como se inscrever na matrícula ato jurídico que não tenha por base registro anteriormente constante da matrícula.

Não consta da matrícula registro da partilha e, por consequência, da propriedade de 12,5% do imóvel em nome do doador, mas sim a propriedade em comunhão com sua ex-esposa em 25% do bem. E tal comunhão, decorrente do regime de bens, não cessa com o fim da sociedade conjugal, mantendo-se a mancomunhão por força do regime de bens até que haja decisão ou acordo de partilha da propriedade.

O estado de mancomunhão inviabiliza a transmissão (e o respectivo registro) de partes ideais pelos antigos cônjuges por razões de duas ordens: (i) ausência de partilha, o que impossibilita o conhecimento acerca da atribuição da titularidade da propriedade e (ii) violação do princípio da continuidade por não ser possível a inscrição da transmissão da propriedade a falta da extinção da mancomunhão que não tem natureza jurídica de condomínio.

Há precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura, exigindo o prévio registro da partilha para atos de disposição do comunheiro:

“Divórcio consensual sem partilha de bens. Bem imóvel em mancomunhão. Impossibilidade de alienação antes da partilha por não configurada propriedade em condomínio. Violação do princípio da continuidade. Inviabilidade do registro de doação da metade ideal realizada por um dos antigos cônjuges. Pena da violação ao princípio da continuidade. Recurso provido (CSM – Ap. 1041935-33.2019.8.26.0100 – rel. – Des. Pinheiro Franco – j. 19.09.2019).

REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de pessoas casadas – Escritura de compra e venda celebrada somente pela mulher na condição de divorciada – Necessidade do prévio registro da partilha do imóvel havida na ação de divórcio – Princípio da Continuidade – Além disso, a inscrição de várias ordens de indisponibilidade sem indicação expressa de envolver a totalidade ou metade do imóvel – Impossibilidade da consideração de situações jurídica não inscritas no registro imobiliário – Recurso não provido (CSM – Ap. 1000237-38.2018.8.26.0664 – rel. Des. Pinheiro Franco – j. 12.11.2018)”.

Desta forma, até que haja partilha dos bens do casal e seu registro, identificando e atribuindo a propriedade exclusiva sobre a parte ideal a ser disposta, não há como ingressar no registro título de transmissão decorrente da manifestação de vontade de somente um dos comunheiros, ainda que a donatária seja a ex-cônjuge e também comunheira sobre o bem.

3. Por tais fundamentos, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 14.04.2020 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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