CSM/SP: Registro de Imóveis – Incorporação imobiliária – Incorporadora que não é titular da propriedade do terreno – Necessidade da participação da proprietária e da incorporadora nos atos de transmissão de direitos nos termos da lei Nº 4.591/64 – Contrato preliminar particular não registrado, inexistência de direito real de aquisição – Direito pessoal que não pode ser oposto a terceiro por não possuir eficácia Erga Omnes – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1003196-21.2018.8.26.0457

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1003196-21.2018.8.26.0457
Comarca: PIRASSUNUNGA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1003196-21.2018.8.26.0457

Registro: 2019.0001054542

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003196-21.2018.8.26.0457, da Comarca de Pirassununga, em que é apelante JOÃO GILBERTO PIRES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PIRASSUNUNGA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de dezembro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1003196-21.2018.8.26.0457

Apelante: João Gilberto Pires

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Pirassununga

VOTO Nº 38.016

Registro de Imóveis – Incorporação imobiliária – Incorporadora que não é titular da propriedade do terreno – Necessidade da participação da proprietária e da incorporadora nos atos de transmissão de direitos nos termos da lei Nº 4.591/64 – Contrato preliminar particular não registrado, inexistência de direito real de aquisição – Direito pessoal que não pode ser oposto a terceiro por não possuir eficácia Erga Omnes – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por João Gilberto Pires contra a r. sentença a fls. 362/365, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registros de Imóveis e Anexos da Comarca da Pirassununga, mantendo a recusa do ingresso de escritura pública de compra e venda de imóvel em razão da falta de anuência da incorporadora.

Sustenta o apelante o cabimento do registro em razão da presença de ato jurídico perfeito, inexistência de patrimônio de afetação e regularidade da escritura pública de compra e venda lavrada (fls. 373/386).

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 421/422).

É o relatório.

Na matrícula do imóvel há o registro da propriedade em nome de Macaw Incorporadora Lah Ltda., bem como da incorporação, este último em cumprimento a alvará judicial, sendo incorporadora a Associação Pró-Construção e Incorporação do Edifício Maison Royale (fls. 12/14).

Os arts. 31-A, caput, e 31-B, caput, da Lei nº 4.591/64 tem a seguinte redação:

“Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

Art. 31-B. Considera-se constituído o patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno.”

Portanto, no caso em exame a constituição do patrimônio de afetação dependeria de atos formais a serem praticados conjuntamente pela proprietária do terreno e a incorporadora.

Como não ocorreu qualquer ato formal nesse sentido e tampouco houve decisão judicial a respeito, não houve a constituição de patrimônio de afetação.

O art. 28, parágrafo único, da Lei nº 4.591/64 trata do instituto da incorporação imobiliária nos seguintes termos:

“Art. 28. (…)

Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.”

Nestes termos, o incorporador é a figura central relativamente aos atos necessários à construção da edificação, competindo várias atividades para consecução da incorporação imobiliária.

De seu turno, o art. 29, caput, da Lei nº 4.591/64 traça os contornos jurídicos do incorporador ao dispor:

“Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a têrmo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.”

Assim, o incorporador pode ser o proprietário do terreno ou não.

No caso em análise, a incorporadora e a proprietária do terreno são pessoas jurídicas diversas.

Além disso, a incorporação e seu registro ocorreram por determinação judicial, não sendo fruto da autonomia privada da proprietária e da incorporadora.

Na hipótese do incorporador não ser proprietário do imóvel em que houve a construção do empreendimento, este deve receber mandato outorgado por instrumento público, com poderes especiais, para concluir todos os negócios tendentes à alienação das frações ideais do terreno.

Essa previsão está contida no art. 31, alínea “b” e § 1º, bem como no art. 35, § 4º, da Lei nº 4.591/64:

“Art. 31. A iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador, que sòmente poderá ser:

(…)

b) o construtor (Decreto número 23.569, de 11-12-33, e 3.995, de 31 de dezembro de 1941, e Decreto-lei número 8.620, de 10 de janeiro de 1946) ou corretor de imóveis (Lei nº 4.116, de 27-8-62).

(…)

§ 1º No caso da alínea b, o incorporador será investido, pelo proprietário de terreno, o promitente comprador e cessionário deste ou o promitente cessionário, de mandato outorgado por instrumento público, onde se faça menção expressa desta Lei e se transcreva o disposto no § 4º, do art. 35, para concluir todos os negócios tendentes à alienação das frações ideais de terreno, mas se obrigará pessoalmente pelos atos que praticar na qualidade de incorporador.

Art. 35. (…)

§ 4º Descumprida pelo incorporador e pelo mandante de que trata o

§ 1º do art. 31 a obrigação da outorga dos contratos referidos no caput dêste artigo, nos prazos ora fixados, a carta-proposta ou o documento de ajuste preliminar poderão ser averbados no Registro de Imóveis, averbação que conferirá direito real oponível a terceiros, com o conseqüente direito à obtenção compulsória do contrato correspondente.”

Nessa linha, a outorga da escritura pública de compra e venda deverá ser realizada pelo proprietário do terreno e pelo incorporador, havendo disciplina legal da outorga de mandato pelo proprietário ao incorporador para tal finalidade.

Portanto, há necessidade da participação de ambos.

Na presente dúvida há a particularidade do registro da incorporação por ordem judicial, o que repercute na ausência de mandato voluntário na forma das prescrições legais acima referidas.

Seja como for, não é possível o registro do título apresentado em virtude da ausência de anuência da incorporadora.

A celebração do contrato de compra e venda, em forma pública, cumprindo o pactuado em instrumento particular celebrado em 10.10.2008, com termo de quitação firmado em 22/08/17 (fls. 04/08), encerra direito de natureza pessoal por não ter havido o registro de direito real de aquisição.

A natureza pessoal desse direito impede sua oposição à incorporadora, a qual, portanto, deve participar do contrato de compra e venda nos termos da Lei nº 4.591/64, notadamente em razão do registro da incorporação em data anterior à celebração da escritura pública de compra e venda.

A disponibilidade do direito da proprietária, por força do registro da incorporação, depende da participação do incorporador.

Nessa ordem de ideias, não é possível o registro do contrato de compra e venda sem a anuência da incorporadora.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 08.04.2020 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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