Vítima de abandono afetivo e material, filho consegue retirada de sobrenome do pai do registro civil

Um jovem conseguiu na Justiça o direito à retirada do sobrenome do pai de seu registro civil, bem como a inclusão do sobrenome referente à família materna. No processo, ficou comprovado o abandono afetivo e material do filho pelo genitor desde os 2 anos de idade. A decisão é do juiz Julio Cesar Silva de Mendonça Franco, da 1ª Vara Cível de São Paulo.

O autor da ação argumentou que o pai nunca participou de sua infância, adolescência ou de qualquer momento de sua vida. Tanto que, ao longo dos anos, o jovem passou a não mais usar o sobrenome paterno em suas relações sociais, adotando somente o sobrenome materno, que não constava em registro, mas pelo qual já é conhecido há anos.

A sentença destacou que a “robusta documentação” e os depoimentos de testemunhas colhidos em audiência comprovam a ausência do pai na vida do filho desde a separação dos genitores. Ostentar o sobrenome paterno, em tal contexto, trouxe angústia e sofrimento ao requerente, que desenvolveu uma série de traumas psicológicos por conta do abandono.

O magistrado sustentou ainda que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto e encontra exceções na lei e na jurisprudência. “Deve-se levar em consideração as razões íntimas e psicológicas do portador do nome, que pode levar uma vida atormentada, tal como se verifica no caso em análise”, salientou.

Abandono trouxe abalo emocional ao filho

Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Anelise Arnold patrocinou a ação. Ela conta que o jovem tinha o desejo de retirar o sobrenome paterno desde a adolescência, mas só ingressou com o pedido ao atingir a maioridade. Entre as testemunhas, o psicólogo do rapaz confirmou que o abandono lhe causou grande sofrimento.

“O autor fez, por muitos anos, e ainda faz tratamento psicológico. Para ele, era um abalo emocional muito grande portar um sobrenome que o fazia lembrar do abandono que sofreu do pai. Durante muitos anos, ele tentou se aproximar, mas o pai se negava, dizendo que não queria contato”, conta Anelise.

Segundo a advogada, a situação de descaso se estendia a toda a família paterna. “O juiz alegou que o autor não tinha vínculo emocional e nenhuma característica daquela família que o fizesse ter orgulho do sobrenome, ao contrário do que ocorria no histórico da família materna, que o criou e fez dele a pessoa que ele é. Como não possuía sobrenome materno, o jovem também solicitou a sua inclusão.”

Pai foi contrário à ação

O Ministério Público requereu a citação do pai, que se disse contrário à exclusão de seu sobrenome no registro do filho. Argumentou que, por anos, a mãe havia impedido o contato entre eles, praticando alienação parental. Segundo ele, a progenitora teria mudado de endereço sem informá-lo e jamais reivindicou qualquer pensão ou auxílio na criação do filho.

“A partir daquele momento, foram colocadas as provas documentais e testemunhas. Várias pessoas demonstraram que, na verdade, o pai sempre teve a localização e o acesso ao filho, mas se negou a fazê-lo”, detalha Anelise.

A advogada conta que foi requerido ao genitor, sem sucesso, que apresentasse provas e testemunhas de suas alegações, além de sua participação na audiência. O pai, em contrapartida, não juntou quaisquer documentos, à exceção de duas cartas que não tiveram relevância no processo, sequer sendo citadas pelo juiz na sentença por estarem completamente fora de contexto.

Parentalidade socioafetiva

Ao final, o Ministério Público se manifestou de modo favorável ao pleito inaugural. Ao julgar a ação como procedente, o juiz atentou que a eliminação do sobrenome paterno em nada altera a condição de paternidade, que continua “íntegra e suficiente”.

Ao longo do processo, a advogada não perdeu de vista a possibilidade de suspensão do poder familiar e da própria parentalidade no registro civil do jovem. Ele poderia ter solicitado a exclusão do nome do pai nos documentos, bem como a substituição pelo nome do padrasto, com quem mantém uma relação parental socioafetiva.

“Nada disso foi requerido, afinal o autor tem amor pelo pai (biológico). Essa relação está em seu DNA. Ele achava que seria um impacto muito forte a exclusão da filiação parental em seus registros”, pondera Anelise. “Mas, caso isso fosse requerido, muito provavelmente a ação também teria sido procedente, dado o abandono afetivo e material que ficou constatado”, avalia a advogada.

Fonte: IBDFAM

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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