CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada parcialmente procedente – Instrumento particular de compra e venda – Pretensão de ingresso no fólio real como compromisso de compra e venda – Termos do contrato que deixam clara a existência de contrato de compra e venda – Consenso válido sobre a coisa, o preço e as condições do negócio – Promessa de futura expedição de quitação definitiva após o pagamento do preço que não desnatura a compra e venda simples, não sendo o pagamento do preço elemento essencial do contrato – Ausência de obrigação das partes firmarem negócio futuro, característica essencial da promessa de contratar – Imóvel negociado de valor superior a trinta salários mínimos – Escritura pública obrigatória, nos termos do art. 108 do Código Civil – Exigência mantida – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1037437-12.2016.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1037437-12.2016.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1037437-12.2016.8.26.0224

Registro: 2020.0000107502

ACÓRDÃO – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1037437-12.2016.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante OSVALDO FRANCISCO DOS SANTOS, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 13 de fevereiro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1037437-12.2016.8.26.0224

Apelante: Osvaldo Francisco dos Santos

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos Interessado: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecção de Vestuário de Guarulhos

VOTO Nº 31.094

Registro de Imóveis – Dúvida julgada parcialmente procedente – Instrumento particular de compra e venda – Pretensão de ingresso no fólio real como compromisso de compra e venda – Termos do contrato que deixam clara a existência de contrato de compra e venda – Consenso válido sobre a coisa, o preço e as condições do negócio – Promessa de futura expedição de quitação definitiva após o pagamento do preço que não desnatura a compra e venda simples, não sendo o pagamento do preço elemento essencial do contrato – Ausência de obrigação das partes firmarem negócio futuro, característica essencial da promessa de contratar – Imóvel negociado de valor superior a trinta salários mínimos – Escritura pública obrigatória, nos termos do art. 108 do Código Civil – Exigência mantida – Recurso não provido.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Osvaldo Francisco dos Santos, visando a reforma da sentença de fls. 103/104, que julgou parcialmente procedente dúvida suscitada pelo 1º Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, mantendo a recusa de ingresso no registro de compra e venda do imóvel matrícula nº 51.680, entendendo pela existência de compra e venda definitiva e necessidade de formalização por escritura pública.

A Nota de Devolução nº 120.363/2016 indicou, como motivos de recusa do ingresso do título, a ausência de formalização por escritura pública, tendo em vista o valor do bem imóvel negociado ser superior a trinta salários mínimos, nos termos do art. 108 do Código Civil. Houve, ainda, um segundo fundamento de devolução, referente à divergência na razão social da proprietária e à necessidade de comprovação da representação da vendedora, exigência afastada pela sentença de primeiro grau, não havendo recurso quanto ao ponto.

O recurso sustenta, em resumo, que o instrumento apresentado não constitui compra e venda, mas sim compromisso de compra e venda, o que decorre do fato de ter sido formalizado por instrumento particular e haver previsão do pagamento de saldo ao final, quando a escritura definitiva seria lavrada. Afirma que a nominação do contrato não pode ser considerada se contraria seus termos, limitando-se a qualificação do Oficial e a sentença recorrida à consideração do nome atribuído ao negócio. A existência de cláusula de irretratabilidade e a previsão de transferência do domínio após o pagamento do preço qualificam o ato como promessa, permitindo o seu ingresso no registro por meio de instrumento particular (fls. 107/110).

Houve pedido de intervenção como assistente nos autos pelo Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecção e Vestuário de Guarulhos, por conta do imóvel em questão ter sido penhorado pela Justiça do Trabalho nos processos nºs 1000077-78.2016.5.02.0316 e 1001238-24.2016.5.02.0316, além de haver fraude perpetrada entre o apelante e a vendedora Terra Moda, com a finalidade de fraudar credores trabalhistas (fls. 155/159).

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 244/245).

É o relatório.

Preliminarmente, é o caso de se indeferir o pedido de assistência simples apresentado pelo Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecção e Vestuário de Guarulhos, eis que o procedimento de dúvida não tem natureza jurisdicional.

O Oficial registrador, no caso, não ostenta a condição de parte, não havendo como se admitir figura processual destinada à participação de pessoa estranha à lide em benefício de um dos litigantes.

Por estes motivos, fica indeferido o pedido de assistência.

O caso é de não provimento do recurso.

A nota de exigência emitida pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos manteve um dos fundamentos para a recusa do ingresso do título, entendendo tacitamente por estarem prejudicadas as demais, eis que seriam comprovadas ao Tabelião por conta da lavratura da escritura necessária. Mantida, portanto, a exigência concernente ao fato de o título caracterizar compra e venda de bem imóvel em valor superior a trinta salários mínimos, exigindo-se a formalização por meio de escritura pública, conforme o art. 108 do Código Civil.

De fato. Observa-se que o título apresentado a registro, com a pretensão de entrada no fólio real como instrumento particular de promessa de compra e venda de imóvel, constitui verdadeiro contrato de compra e venda, a exigir a formalização por meio de escritura pública.

Para além de o instrumento ser denominado “Instrumento Particular de Compra e Venda de Imóvel Comercial”, observa-se de seus termos a ausência de promessa de realização de negócio jurídico futuro, no caso, a compra e venda, mas a conformação do contrato de compra e venda de forma integral, com a simples obrigação de transferência da propriedade e do pagamento do preço, sem que uma condicione a outra. Consta de referido instrumento (fls. 10/20):

“O VENDEDOR vende ao COMPRADOR o imóvel situado na Rua Cabo Antonio Pereira da Silva, 47, Jd. Tranquilidade, Município de Guarulhos, Estado de São Paulo, circunscrição imobiliária do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Guarulhos, contribuinte nº 08350000563000008, matrícula nº 51.680, do livro 2 do registro geral.

Que o valor da venda é de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), e serão pagos da seguinte forma:

(…)

Que após a (sic) o pagamento da última parcela, o vendedor outorgará ao comprador, quitação geral no negócio, podendo o comprador dispor do imóvel da forma que desejar, porém, antes de quitar toda a dívida não poderá fazê-lo sem a outorga do vendedor, e caso o faça, a venda será considerada nula.”

Percebe-se que estão presentes, sem nenhuma condição, os elementos necessários à configuração do contrato de compra e venda: coisa, preço e consentimento (art. 482 do Código Civil).

O único elemento condicional que se observa no negócio é a vinculação da expedição de quitação do preço ao pagamento de todas as prestações acordadas, não se confundindo a vinculação da expedição do termo de quitação ao pagamento do preço com a eficácia do contrato de compra e venda, para fins de transmissão da propriedade. Afinal, estabelecidos os elementos essenciais da compra e venda, tem-se por perfeito e acabado o negócio, ainda que o preço não tenha sido pago.

No caso, há compra e venda simples. Não se observa, como objeto do negócio jurídico, a promessa do proprietário de, mediante pagamento do preço, celebrar contrato de compra e venda futura, com a devida outorga de escritura pública de venda. E tal obrigação de contratar futuramente é essencial para se configurar a promessa ou contrato preliminar. Neste sentido, entendendo pela configuração de contrato definitivo, há precedente deste Conselho Superior da Magistratura, de relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Des. Renato Nalini:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida  Recurso de Apelação  Instrumento particular de promessa de permuta  Possibilidade de registro desde que assim caracterizado  Inocorrência no caso em exame – Contrato com rótulo de instrumento particular de promessa de permuta, mas que representa desde logo o negócio definitivo  Inexistência de obrigação de as partes declararem vontade futura ou de celebrar negócio definitivo – Necessidade de escritura pública na forma do art. 108, do Código Civil  Recurso não provido. (CSM Ap. 0006797-56.2012.8.26.0071 Bauru j. 09.05.2013).

Assim, constituindo o negócio jurídico entabulado entre as partes compra e venda de bem imóvel com valor superior a trinta salários mínimos, mandatório sua formalização por meio de escritura pública, nos termos do art. 108 do Código Civil, mantida a recusa formulada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos.

3. Por tais fundamentos, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 08.04.2020 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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