CGJ/SP: Registro Civil das Pessoas Naturais – Alteração do nome – Art. 56 da Lei nº 6.015/73 – Alegação de constrangimento decorrente da pronúncia do nome estrangeiro e do fato de que seria ligado ao sexo masculino, sendo a requerente do sexo feminino – Possibilidade, porque formulado o pedido no primeiro ano após a requerente ter atingido a maioridade civil e porque não haverá prejuízo ao apelido de família – Recurso provido.

Registro Civil das Pessoas Naturais – Alteração do nome – Art. 56 da Lei nº 6.015/73 – Alegação de constrangimento decorrente da pronúncia do nome estrangeiro e do fato de que seria ligado ao sexo masculino, sendo a requerente do sexo feminino – Possibilidade, porque formulado o pedido no primeiro ano após a requerente ter atingido a maioridade civil e porque não haverá prejuízo ao apelido de família – Recurso provido.

Número do processo: 1050964-78.2017.8.26.0100

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 139

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1050964-78.2017.8.26.0100

(139/2018-E)

Registro Civil das Pessoas Naturais – Alteração do nome – Art. 56 da Lei nº 6.015/73 – Alegação de constrangimento decorrente da pronúncia do nome estrangeiro e do fato de que seria ligado ao sexo masculino, sendo a requerente do sexo feminino – Possibilidade, porque formulado o pedido no primeiro ano após a requerente ter atingido a maioridade civil e porque não haverá prejuízo ao apelido de família – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público contra r. decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente que indeferiu pedido de W.J. (ou J.W. segundo o costume nacional) de alteração do nome na esfera administrativa, por considerar que é necessário o ajuizamento de ação de retificação que é de caráter jurisdicional.

Recorre o Ministério Público alegando, em suma, que o art. 56 da Lei de Registros Públicos autoriza a alteração do nome, logo que atingida a maioridade civil, como faculdade de qualquer pessoa para a adequação da forma como é conhecida em seu meio social, sendo o pedido de alteração de natureza administrativa conforme previsto no item 35.1 do Capitulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 34/36).

É o relatório.

Em 30 de maio de 2017 a requerente formulou pedido de alteração de seu nome para o de J., o que fez alegando que nasceu em 12 de agosto de 1998 e que o nome estrangeiro lhe causa constrangimentos em razão da pronúncia e porque é ligado ao sexo masculino.

Embora a imutabilidade seja regra geral, o art. 56 da Lei nº 6.015/73 autoriza ao interessado alterar o nome, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, desde que não prejudique os apelidos de família:

“Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa”.

Conforme esclarece Reinaldo Velloso dos Santos in “Registro Civil das Pessoas Naturais”, Porto Alegre: Sérgio Fabris Ed., 2006, p. 171, o procedimento de alteração do nome previsto no art. 56 da Lei nº 6.015/73 não exige maiores formalidades e também pode abranger o acréscimo do sobrenome paterno, materno ou avoengo, desde que não prejudique os demais apelidos de família que não poderão ser suprimidos.

A possibilidade de requerer a mudança do nome no primeiro ano após atingir a maioridade civil, como exceção à regra geral de imutabilidade, já era prevista na legislação anterior à Lei de Registros Públicos vigente, como direito de seu titular, esclarecendo Rubens Limonge França:

“e) QUANDO CABE AO PRÓPRIO TITULAR, MAIORIDADE. Casos há, por outro lado, em que, ao próprio titular do direito ao nome, incumbe também o direito de pôr o nome. São as hipóteses de direito de tomar o nome.

Esse direito é limitado e parcial na hipótese prevista no art. 70 da Lei do Registro Civil, segundo o qual ‘o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá pessoalmente ou por procurador bastante alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família’, sendo de se notar ainda a restrição do art. 72, que consagra a imutabilidade do prenome” (R. Limonge França, “Do Nome Civil das Pessoas Naturais”, 8ª ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964, p. 212).

Por sua vez, o procedimento para a alteração do nome previsto com fundamento no art. 56 da Lei nº 6.015/73 é de natureza administrativa, como previsto nos itens 35 e 35.1 do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, o que dispensa o recurso às vias ordinárias, ou seja, o uso de ação de retificação processada na esfera jurisdicional:

“35. A mudança de nome, após o decurso do prazo de 1 (um) ano da maioridade civil, está sujeita à apreciação judicial, sem que fique vedada sua concessão, desde que ocorra motivo justo.

35.1. O pedido a que se refere o art. 56 da Lei 6.015/73 tem natureza administrativa e poderá ser deduzido diretamente no Registro Civil das Pessoas Naturais, que o remeterá à apreciação do Juiz Corregedor Permanente”.

No presente caso, a requerente pretende alterar seu prenome, J., para o de J., o que faz alegando que o uso do nome estrangeiro lhe causa constrangimento em razão da pronúncia e por entender que é ligado ao sexo masculino.

Diante disso, não há justo motivo para negar o pedido de alteração.

Anoto que a possibilidade do interessado requerer a alteração do nome no primeiro ano após atingir a maioridade civil encontra respaldo nos precedentes desta Eg. Corregedoria Geral da Justiça, como a seguir se verifica:

“A pretensão deduzida pela recorrente, de acrescer patronímico de família ao seu nome, à evidência, não se enquadra na hipótese de erro de grafia, e, assim sendo, de acordo com o dispositivo legal comentado, não tem cabimento na via administrativa.

Contudo, o pedido está baseado no artigo 56 da Lei de Registros Públicos, o qual descreve situação específica que, uma vez configurada, admite o processamento pela via administrativa.

O referido artigo 56 assim dispõe: “O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.”

Esta menção de que no primeiro ano após atingida a maioridade a alteração poderá ser feita “pessoalmente” pelo interessado, em clara referência ao titular do nome a ser alterado, admite o pleito na esfera administrativa.

O artigo subseqüente, em coerência com o disposto no artigo 56 da Lei de Registros Públicos, dispõe que qualquer alteração posterior de nome, ou seja, qualquer alteração posterior à situação prevista no artigo antecedente, e que corresponde ao término do primeiro ano após o interessado ter atingido a maioridade, só é possível na via jurisdicional.

Em consonância com a interpretação supra, o item 37 do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, prevê que a mudança do nome, após o decurso de um ano da maioridade civil, está sujeita à apreciação judicial, sem que fique vedada sua concessão, desde que ocorra justo motivo.

Esta expressão “está sujeita à apreciação judicial”, significa que está sujeita à via jurisdicional, porque na hipótese do artigo 56 ora comentado a alteração do nome é feita na esfera administrativa, sob a atuação do Juiz Corregedor Permanente.

A recorrente nasceu no dia 8 de julho de 1987 e formulou o pedido de acréscimo do patronímico materno à Oficiala do Registro Civil das Pessoas Naturais no dia 5 de julho de 2006, portanto, dentro do prazo previsto em lei, de modo a pretensão deve ser admitida na via administrativa.

Há precedente nesta Corregedoria Geral da Justiça, que aprovou parecer no mesmo sentido, em caso idêntico, da lavra do MMº Juiz Auxiliar na época, Doutor João Omar Marçura, no Processo CG nº 206/2003.

Ressalvo apenas que no parecer acima mencionado foi determinada a expedição de mandado, o que não é necessário, porque a determinação de averbação do acréscimo do patronímico materno ao nome da recorrente, feita pelo Juízo Corregedor Permanente, nestes próprios autos do procedimento administrativo instaurado para esta finalidade e que será arquivado na unidade extrajudicial onde teve início, serve de mandado” (r. parecer de autoria da MM. Juíza Auxiliar da Corregedoria, Dra. Ana Luiza Villa Nova, Prot. CG nº 49.757/2006, aprovado pelo Exmo. Corregedor Geral da Justiça, Des. Gilberto Passos de Freitas, j. 19.03.2007).

Por fim, em igual sentido, colhe-se na jurisprudência do Eg. Superior Tribunal de Justiça:

“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTROS PÚBLICOS. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. NACIONALIDADE PORTUGUESA. NOVO PEDIDO. RETORNO AO STATU QUO ANTE. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTO MOTIVO. VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 54; 56 E 57 DA LEI 6.015/73.

1 . Ação de retificação de registro civil, ajuizada em 04.12.2008.

Recurso especial concluso ao Gabinete em 24.06.2013.

2. Discussão relativa à possibilidade de alteração de registro civil de nascimento para restabelecimento no nome original das partes, já alterado por meio de outra ação judicial de retificação.

3. A regra geral, no direito brasileiro, é a da imutabilidade ou definitividade do nome civil, mas são admitidas exceções. Nesse sentido, a Lei de Registros Públicos prevê, (i) no art. 56, a alteração do prenome, pelo interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, desde que não haja prejuízo aos apelidos de família e (ii) no art. 57, a alteração do nome, excepcional e motivadamente, mediante apreciação judicial, e após oitiva do MP.

4. O respeito aos apelidos de família e a preservação da segurança jurídica são sempre considerados antes de se deferir qualquer pedido de alteração de nome.

5. O registro público é de extrema importância para as relações sociais. Aliás, o que motiva a existência de registros públicos é exatamente a necessidade de conferir aos terceiros a segurança jurídica quanto às relações neles refletidas.

6. Uma vez que foram os próprios recorrentes, na ação anterior, que pediram a alteração de seus nomes, com o objetivo de obter a nacionalidade portuguesa e tiveram seu pedido atendido na integralidade, não podem, agora, simplesmente pretender o restabelecimento do statu quo ante, alegando que houve equívoco no pedido e que os custos de alteração de todos os seus documentos são muito elevados.

7. Ainda que a ação de retificação de registro civil se trate de um procedimento de jurisdição voluntária, em que não há lide, partes e formação da coisa julgada material, permitir sucessivas alterações nos registros públicos, de acordo com a conveniência das partes implica grave insegurança.

8. Se naquele primeiro momento, a alteração do nome dos recorrentes – leia-se: a supressão da partícula “DE” e inclusão da partícula “DOS” – não representou qualquer ameaça ou mácula aos seus direitos de personalidade, ou prejuízo à sua individualidade e autodeterminação, tanto que o requereram expressamente, agora, também não se vislumbra esse risco.

9. Recurso especial desprovido” (REsp 1412260/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 22/05/2014, grifei).

Ante o exposto, o parecer que submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de dar provimento ao recurso para autorizar a alteração do nome da requerente para J., passando a chamar-se J.W..

Sub censura.

São Paulo, 06 de fevereiro de 2017.

José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, e por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso interposto para autorizar a alteração do nome da requerente para J., passando a chamar-se J. W. São Paulo, 15 de fevereiro de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 26.02.2018

Decisão reproduzida na página 040 do Classificador II – 2018

Fonte: INR Publicações.

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STJ: Recurso Especial – Retificação de registro civil de nascimento – Pretensão de inclusão do nome dos ascendentes dos pais adotivos na certidão de nascimento – Adoção simples realizada por escritura pública – Instâncias ordinárias que rejeitaram o pedido ante a impossibilidade de modificação do ato jurídico perfeito – 1.O ordenamento jurídico vigente ao tempo em que realizada a adoção simples da peticionante por meio de escritura pública (natureza contratual), previa que o parentesco resultante da adoção era meramente civil e limitava-se ao adotante e ao adotado, não se estendendo aos familiares do adotante visto que mantidos os vínculos do adotado com a sua família biológica – 2. A pretensão da insurgente é a de afastar o parentesco para com os avós biológicos e estabelecer vínculo com a família dos adotantes (ascendentes), ou seja, objetiva modificar a substância do ato adotivo. Não se trata de aplicação retroativa dos efeitos hodiernos conferidos ao instituto da adoção plena e seus consectários, mas sim do próprio remodelamento do ato adotivo – 3. Inviável o acolhimento da reivindicação dada a impossibilidade de modificação do ato jurídico perfeito e acabado da adoção levada a efeito em 1962, tempo ao qual a lei previa a manutenção não apenas dos vínculos mas também dos direitos e deveres decorrentes do parentesco natural dada a expressa e clara disposição constante do artigo 378 do Código Civil/1916: “Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo.” – 4. Recurso especial desprovido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.232.387 – MG (2011/0006625-2)

RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO MARCO BUZZI

RECORRENTE : MARIA GORETI DE MELLO

ADVOGADO : MARCELINO GAUDÊNCIO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) – SP149732

EMENTA

RECURSO ESPECIAL – RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO – PRETENSÃO DE INCLUSÃO DO NOME DOS ASCENDENTES DOS PAIS ADOTIVOS NA CERTIDÃO DE NASCIMENTO – ADOÇÃO SIMPLES REALIZADA POR ESCRITURA PÚBLICA – INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE REJEITARAM O PEDIDO ANTE A IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO ATO JURÍDICO PERFEITO.

1. O ordenamento jurídico vigente ao tempo em que realizada a adoção simples da peticionante por meio de escritura pública (natureza contratual), previa que o parentesco resultante da adoção era meramente civil e limitava-se ao adotante e ao adotado, não se estendendo aos familiares do adotante visto que mantidos os vínculos do adotado com a sua família biológica.

2. A pretensão da insurgente é a de afastar o parentesco para com os avós biológicos e estabelecer vínculo com a família dos adotantes (ascendentes), ou seja, objetiva modificar a substância do ato adotivo. Não se trata de aplicação retroativa dos efeitos hodiernos conferidos ao instituto da adoção plena e seus consectários, mas sim do próprio remodelamento do ato adotivo.

3. Inviável o acolhimento da reivindicação dada a impossibilidade de modificação do ato jurídico perfeito e acabado da adoção levada a efeito em 1962, tempo ao qual a lei previa a manutenção não apenas dos vínculos mas também dos direitos e deveres decorrentes do parentesco natural dada a expressa e clara disposição constante do artigo 378 do Código Civil/1916: “Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo.”

4. Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, após o voto-vista do Ministro Marco Buzzi divergindo do relator, por maioria, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Ministro Marco Buzzi (Presidente), que lavrará o acórdão. Vencidos o relator e o Ministro Luis Felipe Salomão. Votaram com o Sr. Ministro Marco Buzzi (Presidente) os Srs. Ministros Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti.

Brasília (DF), 11 de fevereiro de 2020 (Data do Julgamento)

MINISTRO MARCO BUZZI

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão do TJMG assim ementado (e-STJ fl. 176):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. APELAÇÃO. NEGATIVA DE SEU SEGUIMENTO DIANTE DE SUA MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. ADOÇÃO EFETIVADA SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. ADOTANDA. PRETENSÃO DE ALTERAÇÃO DE SEU REGISTRO DE NASCIMENTO PARA DELE CONSTAR O NOME DE SEUS AVÓS ADOTIVOS. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTE EG TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO IMPROVIDO. Nada há que ser alterado na decisão agravada, máxime quando ela, embasada em jurisprudência dominante desta colendo Tribunal de Justiça, nega seguimento à Apelação, tendo em vista sua manifesta improcedência, por entender ser impossível a inclusão na certidão de nascimento da adotanda, o nome de seus avós adotivos, máxime quando sua adoção acorreu sob a égide do Código Civil de 1916.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ fls. 191/196).

Nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 199/207), fundamentado no art. 105, III, “a”, da CF, a recorrente informa que “ingressou com ação visando retificar seu assento de nascimento para nele fazer constar o nome dos avós paternos e maternos já que, sua certidão de nascimento foi omissa quanto ao nome dos avós” (e-STJ fl. 201), no entanto, o acórdão recorrido “negou provimento ao recurso de apelo da recorrente, entendendo que a inclusão dos avós adotivos no registro civil de nascimento desta violaria ato jurídico perfeito, tendo em vista que a adoção foi feita sob a égide do Código Civil de 1916 e antes da Constituição da República de 1988″ (e-STJ fl. 200).

Sustenta que, ao negar a inclusão dos nomes dos avós paternos e maternos em sua certidão de nascimento, a instância de origem violou o disposto no art. 41 do ECA, “que atribui ao adotado condição de filho com os mesmos direitos e deveres, desligando-o de qualquer vínculo” (e-STJ fl. 202). Aduz que “não podem co-existir no ordenamento jurídico dois tipos de adotados, aqueles ocorridos antes da Constituição de 1988 e os adotados posteriormente a ela” (e-STJ fl. 202). Eu

Busca, por fim, que seja autorizada “a inclusão no registro de nascimento da recorrente os nomes de seus avós adotivos” (e-STJ fl. 207).

Em razão do procedimento ser de jurisdição voluntária, não é caso de apresentação de contrarrazões (e-STJ fl. 227).

Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso (e-STJ fls. 262/269).

É o relatório.

VOTO VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão do TJMG assim ementado (e-STJ fl. 176):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. APELAÇÃO. NEGATIVA DE SEU SEGUIMENTO DIANTE DE SUA MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. ADOÇÃO EFETIVADA SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. ADOTANDA. PRETENSÃO DE ALTERAÇÃO DE SEU REGISTRO DE NASCIMENTO PARA DELE CONSTAR O NOME DE SEUS AVÓS ADOTIVOS. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTE EG TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO IMPROVIDO. Nada há que ser alterado na decisão agravada, máxime quando ela, embasada em jurisprudência dominante desta colendo Tribunal de Justiça, nega seguimento à Apelação, tendo em vista sua manifesta improcedência, por entender ser impossível a inclusão na certidão de nascimento da adotanda, o nome de seus avós adotivos, máxime quando sua adoção acorreu sob a égide do Código Civil de 1916.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ fls. 191/196).

Nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 199/207), fundamentado no art. 105, III, “a”, da CF, a recorrente informa que “ingressou com ação visando retificar seu assento de nascimento para nele fazer constar o nome dos avós paternos e maternos já que, sua certidão de nascimento foi omissa quanto ao nome dos avós” (e-STJ fl. 201), no entanto, o acórdão recorrido “negou provimento ao recurso de apelo da recorrente, entendendo que a inclusão dos avós adotivos no registro civil de nascimento desta violaria ato jurídico perfeito, tendo em vista que a adoção foi feita sob a égide do Código Civil de 1916 e antes da Constituição da República de 1988″ (e-STJ fl. 200).

Sustenta que, ao negar a inclusão dos nomes dos avós paternos e maternos em sua certidão de nascimento, a instância de origem violou o disposto no art. 41 do ECA, “que atribui ao adotado condição de filho com os mesmos direitos e deveres, desligando-o de qualquer vínculo” (e-STJ fl. 202). Aduz que “não podem co-existir no ordenamento jurídico dois tipos de adotados, aqueles ocorridos antes da Constituição de 1988 e os adotados posteriormente a ela” (e-STJ fl. 202). Eu

Busca, por fim, que seja autorizada “a inclusão no registro de nascimento da recorrente os nomes de seus avós adotivos” (e-STJ fl. 207).

Em razão do procedimento ser de jurisdição voluntária, não é caso de apresentação de contrarrazões (e-STJ fl. 227).

Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso (e-STJ fls. 262/269).

É o relatório.

Trata-se de ação de retificação de registro para incluir o nome dos avós adotivos na certidão de nascimento. Na época da adoção, em 30/3/1962, vigorava o Código Civil de 1916, que não previa essa possibilidade.

Informa a recorrente que nasceu na data de 09/11/1957, sendo adotada, em 30/3/1962, por ÁLVARO DE MELLO e MARIA APARECIDA ELYSEU DE MELLO. Alega que, “quando da lavratura da presente Escritura de Adoção da requerente, o Escrivão deixou de constar o nome dos avós paternos e maternos da mesma requerente e adotada, os pais dos adotantes; portanto, as certidões expedidas ficaram omissas quanto aos avós” (e-STJ fls. 7/8).

O Juízo de primeira instância julgou improcedente o pedido da autora, sob os seguintes fundamentos (e-STJ fl. 25):

Em que pesem os argumentos da requerente, em verdade, não laborou em erro o oficial do 1o Ofício do Município de Itajubá, quando elaborou a escritura de adoção. Deve-se ponderar que a adoção da requerente ocorreu sob a égide do revogado Código Civil de 1916, onde adoção civil era restrita, pois não integrava totalmente o adotado na família do adotante, já que permaneciam os laços sangüíneos do parentesco natural, conforme dispunha o revogado artigo 378, daquele Código.

(…).

Por sua vez, no caso em exame, na certidão de nascimento da requerente não constava o nome de seus avós naturais, motivo pelo qual não poderia o oficial lançar o nome dos avós da família dos adotantes, em virtude do impedimento legal.

Assim, em respeito ao ato jurídico perfeito não se pode aplicar os dispositivos do Estatuto da Criança de do Adolescente, que instituiu entre nós a adoção plena, pois assim estaríamos aplicando uma lei de forma retroativa, o que é vedado.

A sentença foi mantida no julgamento do recurso de apelação, por entender o Tribunal de origem que “a pretensão da apelante colide com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal de Justiça, visto que prevalece o entendimento de que a inclusão do nome dos avós adotivos no registro civil de nascimento, quando a adoção tiver sido feita na vigência do Código Civil de 1916 e antes da Constituição da República de 1988, viola o ato jurídico perfeito” (e-STJ fl. 178).

Preliminarmente, convém proceder um breve histórico das normas brasileiras a respeito da adoção, com ênfase na regulamentação do vínculo entre os ascendentes do adotante e o adotado.

A sistematização do instituto no Brasil iniciou-se com o advento do Código Civil de 1916, cujos artigos 375 e 376 previam que deveria ser realizada por intermédio de escritura pública, com restrição do parentesco apenas ao adotante e ao adotado, in verbis:

Art. 375. A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite condição, em termo.

Art. 376. O parentesco resultante da adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, a cujo respeito se observará o disposto no art. 183, ns. III e V.

A Lei n. 4.655/1965 trouxe, entre outras mudanças, a possibilidade do vínculo da adoção se estender aos ascendentes do adotante, desde que com expressa anuência destes:

Art. 9º O legitimado adotiva tem os mesmos direitos e deveres do filho legítimo, salvo no caso de sucessão, se concorrer com filho legítimo superveniente à adoção (Cód. Civ. § 2º do art. 1.605).

§ 1º O vínculo da adoção se estende à família dos legitimantes, quando os seus ascendentes derem adesão ao ato que o consagrou.

§ 2º Com a adoção, cessam os direitos e obrigações oriundos da relação parentesco do adotado com a família de origem.

A Lei n. 6.697/1979, “conhecida como ‘Código de Menores’, revogou a Lei n. 4.655/65, passando a vigorar duas formas de adoção: a adoção plena, nos moldes da Legitimação Adotiva, e a adoção simples, regida pelo Código de 1916 e pelos arts. 27 e 28 do Código de Menores. Enquanto a adoção plena extinguia todos os vínculos do adotado com a sua família natural, estendendo o vínculo da adoção à família do adotante, a adoção simples não promovia este rompimento. A adoção plena manteve o espírito da legitimação adotiva, mas estendeu o vínculo da ação à família do adotante, inscrevendo, inclusive, o nome dos ascendentes dos adotantes, independentemente da concordância deles” (PEREIRA, Tânia da Silva. Tratado de Direito das Famílias. IBDFAM. Belo Horizonte: 2015, p. 373).

Assim, em relação a hipótese de adoção plena, trazida pela Lei n. 6.697/1979, passou a vigorar a obrigatoriedade da inscrição, no registro civil, do nome dos ascendentes dos pais adotivos, independentemente de concordância, encerrando os vínculos de filiação e parentesco genéticos:

Art. 35. A sentença concessiva da adoção plena terá efeito constitutivo e será inscrita no Registro Civil mediante mandado, do qual não se fornecerá certidão.

§ 1º A inscrição consignará o nome dos pais adotivos como pais, bem como o nome de seus ascendentes.

§ 2º Os vínculos de filiação e parentesco anteriores cessam com a inscrição.

§ 3º O registro original do menor será cancelado por mandado, o qual será arquivado.

§ 4º Nas certidões do registro nenhuma observação poderá constar sobre a origem do ato.

§ 5º A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão para salvaguarda de direitos.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o art. 227 expressamente previu a proibição do tratamento desigual dos filhos:

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) revogou os dispositivos do Código Civil de 1916 e das demais leis ordinárias, no que dizia respeito aos menores de 18 (dezoito) anos, mantendo, contudo, os anteriores preceitos normativos para as adoções dos maiores de idade.

Especificamente quanto aos ascendentes do adotante, o ECA manteve a obrigatoriedade do vínculo de parentesco, com registro na certidão de nascimento do adotado:

Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

§ 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes.

O art. 1.596 do Código Civil de 2002, em harmonia com o mandamento constitucional, erigiu a igualdade entre os filhos, estabelecendo que “[o]s filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Nessa perspectiva, promoveu “a unificação da adoção, impondo novo e completo vínculo familiar, com efetiva participação do poder Público. Determinou-se, dentre outras coisas, que só subsiste a adoção plena. Devido às inovações inseridas em 2002, o Estatuto da Criança e do Adolescente passou a ser aplicado somente naquilo que não contrariasse as disposições civilistas” (ROSSATO, Luciano Alves, LÉPORE, Paulo Eduardo e CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Editora Revista dos Tribunais. 4ª edição. São Paulo, p. 203).

Finalmente, com a edição da Lei n. 12.010/2009, houve profundas modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente, que praticamente passou a ser absoluto na regulamentação do tema, aplicando-se, inclusive, de forma subsidiária, quanto à adoção de maiores de idade (art. 1.619 do CC/2002).

Após todas as modificações legislativas, e principalmente devido à proibição constitucional de qualquer forma discriminatória entre os filhos (art. 227, § 6º), “hoje, todas as adoções revestem-se das seguintes características e efeitos: a) são judiciais; b) definidas por sentença constitutiva; c) assistidas pelo Poder Público; d) protegidas pela irrevogabilidade do vínculo a partir da publicação da sentença constitutiva (exceção: art. 42, § 6º, do ECA); e) mantêm-se os vínculos de parentesco entre o adotado e os adotantes, entre o adotante e os descendentes do adotado e entre o adotado e todos os parentes do adotante, com todas as obrigações resultantes dessa relação, como o dever de alimentos, direitos sucessórios, direito de visita etc.; f) manutenção do vínculo consanguíneo do adotado com os pais e parentes naturais (biológicos) em virtude dos impedimentos matrimoniais; g) que sejam realizadas no interesse da criança e do adolescente” (LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Malheiros Editores. 12ª edição. São Paulo: 2014, p. 59).

No caso dos autos, conforme consta na petição inicial, a autora foi adotada em 30/3/1962 (e-STJ fl. 7), antes mesmo da vigência das Leis n. 4.655/1965 e 6.697/1979, ou seja, a modalidade de adoção na época era a simples, prevista no Código Civil de 1916, segundo a qual os efeitos do ato não se estendiam à família do adotante.

Estabelecidas tais premissas, verifica-se que, para a resolução da controvérsia, é necessário analisar a eficácia intertemporal das normas jurídicas, tendo em vista que a Constituição Federal não recepcionou parte do Código Civil de 1916 e demais normas legislativas, vigentes a época da adoção da autora, notadamente os dispositivos autorizadores de tratamento diferenciado entre os filhos.

A análise do direito intertemporal decorre de as instâncias de origem terem se posicionado pela contrariedade ao ato jurídico perfeito no caso de inclusão do nome dos avós adotivos no registro de nascimento, sob o fundamento de que a adoção foi realizada na vigência de lei limitadora do parentesco apenas a adotante e adotado.

Segundo Maria Helena Diniz, ato jurídico perfeito é aquele “que já se tornou apto para produzir os seus efeitos” (DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. Editora Saraiva. 15ª edição. São Paulo: 2010, p. 209). Nesse aspecto, verifico que não se trata da desconstituição da adoção em si, que permanece um ato jurídico perfeito e acabado. O que se discute são os consectários legais da adoção, a irradiação dos efeitos para os ascendentes do adotante. Portanto, a questão em análise é saber se a mudança legislativa pode e deve alcançar os efeitos do ato jurídico perfeito.

Nesse raciocínio, Wilson de Souza Campos Batalha ensina que os efeitos da adoção “são subordinados às leis sucessivas, por se tratar de estatuto legal: a esse respeito é de admitir-se a incidência imediata das leis novas” (Direito intertemporal. Editora Forense. 1ª edição. Rio de janeiro: 1980, p. 272).

Ademais, a moderna doutrina tem abandonado a ideia contratualista da adoção e recepcionado o instituto com natureza jurídica de estatuto legal. Nesse sentido, preleciona Sérgio Gischkow Pereira:

Acrescenta Roubier que o estatuto legal constitui a situação jurídica primária, enquanto o contrato constitui a situação jurídica secundária, que é construída sobre a base da primária: as modificações introduzidas na primeira atuam sobre a segunda.

Quando se está diante de situação de estatuto legal, pouco sobra de espaço para as noções de direito adquirido e ato jurídico perfeito, pois as partes celebraram determinado ato submetendo-se ao referido estatuto, e, portanto anuíram desde logo nas futuras modificações que viessem a padecer o estatuto. Não tiveram elas como ditar os efeitos jurídicos do ato celebrado, pois tal eficácia é rigidamente estabelecida em lei de regime estatuário. Nas leis de regime contratual se dá o contrário, pois as partes têm ampla liberdade de escolher e dispor sobre os efeitos jurídicos do negócio.

Por sinal, Roubier, versando especificamente sobre a adoção (ob. cit., n. 79, p. 393), disserta que nela as partes não são livres para estabelecer como quiserem os efeitos jurídicos do ato. A vontade das partes age na formação do ato, mas não no pertinente aos efeitos, previstos inafastavelmente na lei; assim, se a lei modifica os efeitos da adoção, ela não modifica os efeitos de um contrato, mas os de um estatuto legal. (Doutrinas essenciais – Família e Sucessões, Volume IV. Organizadores: CAHALI, Yussef Said e CAHALI, Francisco José. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011, p. 845).

Dessa forma, tratando-se de regime estatutário, a jurisprudência é pacífica no sentido de que as alterações posteriores se aplicarão imediatamente aos efeitos presentes e futuros do ato jurídico perfeito, não havendo direito adquirido, mas apenas expectativa de direito.

A propósito, a Quarta Turma desta Corte Superior já se manifestou quanto à natureza jurídica da adoção e à aplicação imediata das novas leis, ocasião em que afastou o pedido de habilitação do adotado na herança da avó biológica. Confira-se:

RECURSO ESPECIAL – PROCEDIMENTO DE INVENTÁRIO – SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA – EXCLUSÃO DE NETAS BIOLÓGICAS – ADOÇÃO SIMPLES REALIZADA POR TERCEIRO SEM PARENTESCO COM A DE CUJUS – TRIBUNAL A QUO QUE MANTEVE A DECISÃO DE EXCLUSÃO ANTE A APLICAÇÃO DAS REGRAS ATUAIS QUANTO AO INSTITUTO DA ADOÇÃO – INSURGÊNCIA DAS EXCLUÍDAS.

Hipótese: Discussão acerca da aplicação, à adoção realizada sob a vigência do Código Civil de 1916, do regime atual da adoção, que rompe completamente os vínculos com a família biológica, a inviabilizar a habilitação das adotadas como herdeiras legítimas da avó biológica.

1. Viabilidade de apreciação da violação ao artigo 6º da LINDB por via de Recurso Especial. Alegação de afronta ao direito adquirido por aplicação da lei ao caso concreto, e não por comando legal que determinasse a retroatividade da lei. Precedentes.

2. A capacidade para suceder e o direito à herança são aferidos conforme a lei do tempo da abertura da sucessão, nos termos do artigo 1.787 do Código Civil de 2002. Inexistência de direito adquirido à sucessão.

3. Inexistência de violação a ato jurídico perfeito. A adoção no caso concreto foi feita no intuito de acolher as recorrentes em nova família. Impossibilidade de realizar a adoção em outra modalidade que não a simples, uma vez que o adotante não tinha, em 1977, outra possibilidade legal, considerando as condições das adotadas.

3.1. Não há direito adquirido ao regime anterior de adoção. Conforme a doutrina e a jurisprudência pátrias, institutos ou conjunto de regras podem ser alterados pelo legislador, modificando os efeitos presentes e futuros de atos passados.

3.2 Ocorrência da retroatividade mínima ou eficácia imediata das disposições constitucionais sobre Direito de Família. A Constituição determinou, por meio do artigo 227, § 6º, a igualdade entre filhos, mesmo que havidos por adoção. Eficácia imediata das normas constitucionais.

3.3 A aplicação do dispositivo constitucional impede que as recorrentes utilizem o regime anterior da adoção para figurarem como herdeiras da avó biológica.

4. Recurso especial DESPROVIDO.

(REsp 1116751/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 27/09/2016, DJe 07/11/2016.)

Transcrevo, por oportuno, trecho do voto do Ministro MARCO BUZZI, no julgamento do citado REsp n. 1.116.751/SP:

Em primeiro lugar, (i) não existe direito adquirido à sucessão, como já apontado pelo tribunal estadual, assim como não há direito adquirido ao regime jurídico da adoção vigente ao tempo do ato. Em segundo lugar, (ii) ainda que se considere a adoção ato jurídico perfeito, entende-se ser possível a retroatividade mínima, também chamada eficácia imediata, das normas constitucionais que estabelecem a igualdade entre filhos adotivos e biológicos. Por fim, (iii) dar provimento à pretensão das recorrentes implicaria, considerando o atual direito de família, a constituição de vínculo de multiparentalidade, o que não é objeto da presente demanda.

(…).

Essa restrição deve ser levada em consideração para interpretar o ato jurídico de adoção. Considerando todo o contexto descrito no acórdão, o ato praticado pelo pai adotivo das recorrentes não tinha natureza meramente contratual, mas foi verdadeiro acolhimento delas na nova família. Consta do acórdão impugnado:

(…).

Desse modo, verifica-se que o ato praticado pode ser interpretado como tendo dupla natureza: ato de vontade e mudança de estado de família. Nesse caso, a aplicação do regime atual da adoção ao caso sub judice não implica descaracterização da natureza jurídica do ato ou retroação inaceitável da lei, mas sim, atribuição de efeito imediato às normas jurídicas vigentes.

3.2.2. Verificada a relevância que o legislador pátrio deu ao instituto ora em debate, afastando-o dos contornos apenas contratuais, não há como deixar de aplicar à hipótese, imediatamente, a Constituição Federal e as leis civis ao caso concreto.

Essa decisão não constitui afronta a direito adquirido ou a ato jurídico perfeito.

Trata-se de eficácia imediata do regime jurídico da adoção.

(…).

A norma nova pode ser aplicada de imediato às situações jurídicas presentes sem que isso constitua ofensa à Constituição. A nova lei não modifica o passado, mas irá alterar o presente e o futuro. Por esse motivo, entende-se que não há direito adquirido a regime ou a instituto jurídico – como é o caso da adoção – devendo eventual modificação legislativa ser aplicada de imediato, salvo se o próprio legislador determinar o contrário.

(…).

A aplicação do regime jurídico atual da adoção para o ato realizado em 1977 é perfeitamente possível. Mais ainda, é condizente com os valores constitucionalmente positivados de igualdade entre os filhos adotados e biológicos.

Não se trata de aplicação retroativa da lei civil, mas de reconhecimento da natureza institucional do ato praticado, a adoção das recorrentes, e consequente aplicação dos princípios constitucionais que vedam a distinção entre filhos. Sobre esse fenômeno, Sérgio PEREIRA, citado por Arnaldo RIZZARDO, assevera:

Soma-se, ainda, o fato de que as normas regentes da adoção tratam do estado personalíssimo de filiação do adotado, sendo proclamado pela doutrina civilista que “as leis que definem o estado da pessoa aplicam-se imediatamente a todos que se achem nas novas condições previstas” (PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume 1. Editora Forense. 2ª edição. Rio de Janeiro: 1990, p. 116).

A respeito da aplicação imediata das normas regentes do estado da pessoa, novamente cito a obra de Sérgio Gischkow Pereira, segundo o qual, “o caso é de efeito imediato e geral da lei nova, incidente sobre os efeitos jurídicos de um ato que ainda estão se produzindo” (op. cit, p. 845). E complementa o autor:

A eficácia imediata resguarda os efeitos que antecederam à lei, atingindo somente os posteriores, com o que se evita a retroação.

É certo que o efeito imediato não pode contrariar a Constituição Federal quando esta protege o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Porém, estas categorias perdem sentido em se tratando de lei de estatuto legal, como já se viu. Se isto não bastasse, tem-se que: a) a proteção ao ato jurídico perfeito diz com as condições e requisitos que regeram a constituição do referido ato; ora, a igualdade dos adotivos nada tem a ver com tais condições e requisitos, mas sim com efeitos do ato em instante posterior; b) nem haveria como falar em um direito adquirido a ter permanentemente um filho em status inferior, como que uma parcela de filho, um pedaço de filho, um-terço ou um-quarto de filho e assim por diante (o que mostra os gravíssimos problemas éticos com que se depararam os que almejam sustentar a não extensão da igualdade constitucional às adoções precedentes)! (op. cit., p. 846).

Além do mais, apenas para ilustrar, o art. 227, § 6º, da CF possui eficácia plena, incidindo imediatamente sobre os efeitos posteriores ao ato de adoção, em razão da retroatividade mínima das normas constitucionais, segundo a qual “(…) a lei nova atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em vigor” (ADI 493 MC, Rel. Ministro MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/1991, DJ 04-09-1992).

No sentido de aplicação da retroatividade mínima da norma constitucional no caso em análise é o parecer do ilustre Ministério Público Federal (e-STJ fls. 266/268):

Entretanto, negar o reconhecimento da historicidade pessoal socioafetiva da recorrente não significa macular o ato jurídico perfeito, mas sim perpetuar situação jurídica que a ordem constitucional inaugurada em 1.988 quis abolir, vale dizer, a desigualação ilegítima entre filhos.

A indagação que se impõe é: o que está sendo preservado pela decisão recorrida sob o pretexto de manutenção do ato jurídico perfeito? A ausência de menção aos avós maternos e paternos da recorrente em sua certidão de nascimento? Com a máxima vênia, não se pode compartilhar do referido entendimento.

O que a Constituição quis evitar foi claramente o que a r. decisão recorrida preserva: diversas espécies de adoção.

(…).

Percebe-se que a decisão recorrida mantém situação incompatível com a nova ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional), que não tolera mais a discriminação entre os filhos, o que se verifica na espécie, quando mantida a impossibilidade da recorrente ter reconhecida pelo poder público sua historicidade pessoal socioafetiva.

Ademais, é assente que as normas constitucionais, em regra, possuem retroatividade mínima, podendo, ainda, caso expressamente preveja o Texto Maior, possuir retroatividades média e máxima. Neste sentido:

(…).

Ora, mesmo considerada a retroatividade mínima das normas constitucionais, como a do art. 227, § 6º, como dito, vetor axiológico para se interpretar toda a legislação infraconstitucional, tem-se que até a Constituição Federal de 1.988 o pleito da recorrente não encontraria respaldo no ordenamento jurídico.

Ocorre que os vínculos familiares consubstanciam situação jurídica que se perpetua no tempo.

Logo, com a mudança de paradigma axiológico trazida pela Constituição Federal de 1.988 (art. 227, § 6º) e espelhada na legislação de regência (ECA, art. 41) tem-se, agora, o suporte necessário ao pleito trazido na presente insurgência recursal. Vale dizer, alcançam-se os efeitos futuros (“in casu”, a pretendida retificação de registro civil para reconhecimento da historicidade pessoal socioafetiva da recorrente) dos fatos passados (adoção da recorrente).

Por fim, entender que a legislação atual não se aplica aos casos pretéritos de adoção é aceitar a possibilidade de tratamento diferenciado dentro da própria família, na qual alguns irmãos teriam o nome dos avós na certidão de nascimento, enquanto outros não.

E ainda, impossibilitar a inserção do nome dos avós na certidão de nascimento é, em última análise, negar o direito à ancestralidade, a parte de sua história de vida, inerente à própria personalidade, que deve prevalecer, em razão dos valores agregados, sobre questões técnicas registrais.

Concluo, em tais circunstâncias, que, ao ser indeferida a inclusão do nome dos avós na certidão de nascimento da adotada, houve negativa de vigência ao art. 41 do ECA.

Diante do todo o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para julgar procedente o pedido de inclusão dos nomes dos avós paternos e maternos adotivos na certidão de nascimento da autora.

É como voto.

VOTO-VENCEDOR

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI:

Cuida-se de recurso especial interposto por MARIA GORETI DE MELLO, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal, em desafio a acórdão proferido em agravo regimental em apelação cível pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Na origem, a ora insurgente ingressou com pedido de retificação de seu registro de nascimento, para que nele passe a constar o nome dos avós paternos e maternos. Aduz ter sido registrada no Cartório de Registro Civil de Brasópolis, em 09/11/1957 e, posteriormente, em 30/03/1962, foi adotada por intermédio de escritura pública de adoção (fl. 13) formulada perante o Cartório do 1º Ofício da cidade de Itajubá. Informa que, quando da lavratura do novo registro civil decorrente da escritura pública de adoção, o escrivão deixou de constar o nome dos avós paternos e maternos da requerente, ou seja os genitores dos adotantes.

O magistrado, pela sentença de fls. 24-26, julgou improcedente o pedido, tendo em vista que a adoção da requerente ocorreu sob a égide do Código Civil de 1916, no âmbito do qual a adoção civil era restrita, pois não integrava totalmente o adotado na família do adotante, já que permaneciam os vínculos sanguíneos do parentesco natural, conforme disposto no art. 378 do Código Civil de 1916. Assim, não foi acolhido o pedido de aplicação do ECA ao caso, que instituiu a adoção plena, em respeito ao ato jurídico perfeito.

Interposta apelação o reclamo não foi provido, concluindo o Tribunal Mineiro que a pretensão colide com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, porquanto prevalece o entendimento de que viola o ato jurídico perfeito a inclusão do nome dos ascendentes dos pais adotivos no registro civil de nascimento em razão da adoção ter sido empreendida na vigência do Código Civil de 1916 e antes da Constituição da República de 1988.

Confira-se, por oportuno, a ementa do referido julgado:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. APELAÇÃO. NEGATIVA DE SEU SEGUIMENTO DIANTE DE SUA MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. ADOÇÃO EFETIVADA SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. ADOTANDA. PRETENSÃO DE ALTERAÇÃO DE SEU REGISTRO DE NASCIMENTO PARA DELE CONSTAR O NOME DE SEUS AVOS ADOTIVOS. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTE EG. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO IMPROVIDO. Nada há que ser alterado na decisão agravada, máxime quando ela, embasada em jurisprudência dominante deste colendo Tribunal de Justiça, nega seguimento à Apelação, tendo em vista sua manifesta improcedência, por entender ser impossível a inclusão na certidão de nascimento da adotanda, o nome de seus avós adotivos, máxime quando sua adoção ocorreu sob a égide do Código Civil de 1916.

Nas razões do recurso especial aponta violação ao artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente aduzindo que o normativo determina que a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes biológicos. Assevera que “os efeitos discriminatórios decorrentes do ato jurídico perfeito, não podem se convalidar ad eternum contrariando desta forma o novo ordenamento jurídico”.

Inadmitido o reclamo na origem adveio agravo de instrumento (AG nº 1.223.509/MG) visando destrancar a insurgência, ao qual o e. Ministro Aldir Passarinho Junior deu provimento para determinar a subida do recurso especial.

Parecer do Ministério Público Federal às fls. 262-269 pelo provimento do recurso.

O e. relator, Ministro Antonio Carlos Ferreira, em seu judicioso voto dá provimento ao recurso para julgar procedente o pedido de inclusão dos nomes dos avós paternos e maternos adotivos na certidão de nascimento da autora. Fundamenta o acolhimento do pedido na Constituição Federal de 1988 que proibiu o tratamento discriminatório entre os filhos e no artigo 47, § 1º do Estatuto da Criança e Adolescente que o vínculo de adoção será inscrito no registro civil no qual constará o nome dos adotantes como pais, bem como de seus ascendentes. Arremata aduzindo que embora a adoção tenha sido realizada na vigência do diploma Civilista de 1916, as posteriores modificações legislativas devem ser aplicadas imediatamente ao caso, notadamente em razão da natureza jurídica estatutária da adoção.

Ante a intrigante questão jurídica objeto da presente controvérsia e em razão dos provocantes debates travados na sessão de julgamento pedi vista dos autos.

É o relatório.

Voto

Em que pese os relevantes argumentos expendidos pelo e. relator em seu judicioso voto, peço venia para dele divergir e negar provimento ao recurso especial.

1. De início, é importante frisar que a pretensão veiculada pela parte insurgente está limitada, desde a origem, à obtenção da retificação do seu registro civil de nascimento para fazer constar o nome dos ascendentes dos pais adotivos. A requerente não veicula nenhum pedido atinente à aplicação da norma jurídica vigente para a salvaguarda de quaisquer direitos patrimoniais ou sucessórios, tampouco pretende a equiparação do ato adotivo realizado no ano de 1962 à adoção estatutária.

Dito isso, destaca-se ser inegável que o instituto da adoção sofreu significante modificação com o advento da Constituição Federal e a sua regulamentação pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990) e, atualmente, pela Lei Nacional da Adoção (Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009). Essas normas conferiram uma efetiva mudança de paradigmas à forma tradicional de adoção vigente no Brasil sob a codificação civilista de 1916.

Verifica-se que no ordenamento jurídico Bevilaqua destacava-se a adoção simples (artigos 368-378 do Código Civil de 1916) essa que era realizada por escritura pública e para a qual o parentesco resultante da adoção limitava-se ao adotante e ao adotado, salvo os impedimentos matrimoniais. Nos termos da lei, os direitos e deveres que resultavam do parentesco natural não se extinguiam pela adoção, exceto o pátrio poder, que seria transferido do pai natural para o adotivo, notadamente por que a adoção estabelecia parentesco meramente civil entre o adotante e o adotado.

Confira-se, por oportuno, os seguintes dispositivos do Código Civil de 1916 acerca do tema:

Art. 336. A adoção estabelece parentesco meramente civil entre o adotante e o adotado (art. 375).

Art. 378. Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo.

Em 8 de maio de 1957, a Lei 3.133 atualizou o instituto da adoção prescrita pelo revogado diploma, mantendo, no entanto, a relação do parentesco apenas entre adotante e adotado, preservando a natureza jurídica contratual da adoção, tanto que previu a possibilidade de rompimento do vínculo adotivo quando às partes (adotante e adotado) conviesse (art. 374, inciso I).

A Lei 4.655/1965, que dispunha sobre a legitimidade adotiva, entre outras significativas mudanças – notadamente a paridade dos direitos do legitimado adotivo com os filhos legítimos, salvo na hipótese de sucessão, se concorrer com filho legítimo superveniente à adoção -, trouxe a possibilidade do vínculo da adoção se estender aos ascendentes do adotante, desde que com expressa anuência destes e previu, também, o rompimento dos direitos e obrigações oriundos da relação do adotado com a família de origem:

Art. 9º O legitimado adotivo tem os mesmos direitos e deveres do filho legítimo, salvo no caso de sucessão, se concorrer com filho legítimo superveniente à adoção (Cód. Civ. § 2º do art. 1.605).

§ 1º O vínculo da adoção se estende à família dos legitimantes, quando os seus ascendentes derem adesão ao ato que o consagrou.

§ 2º Com a adoção, cessam os direitos e obrigações oriundos, da relação parentesco do adotado com a família de origem.

Em resumo, a adoção simples impunha relação de filiação entre adotante e adotado, porém essa relação, como regra, não se estendia aos familiares do adotante, visto que mantidos os vínculos do adotado com sua família biológica. Nessa modalidade “contratual”, a adoção podia ser revogada pela vontade das partes a qualquer tempo.

Somente com o advento da Lei 6.697/1979, conhecida como o “Código de Menores” é que passou a vigorar no país a adoção plena. Admitiu essa legislação a coexistência das duas formas de adoção, a simples e a plena. Enquanto essa última era endereçada apenas aos menores em situação irregular e extinguia todos os vínculos do adotado com a sua família natural, estendendo o vínculo adotivo aos parentes do adotante independentemente da concordância destes, a adoção simples não ensejava tal rompimento, tanto que essa modalidade podia ser revogada pela vontade das partes a qualquer tempo, pois constituída por intermédio de um contrato assinado expresso em escritura pública.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, restou estabelecida a proibição do tratamento desigual entre os filhos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) que entrou em vigor no biênio seguinte revogou os dispositivos do Código Civil de 1916 e das demais leis ordinárias relativamente aos menores de 18 (dezoito) anos. Manteve, no entanto, os anteriores preceitos normativos para as adoções dos maiores de idade, haja vista que a referida legislação volta-se às crianças e adolescentes.

O Código Civil de 2002 (arts. 1.618 e 1619), no entanto, promoveu a unificação do instituto passando a admitir apenas a adoção plena, impondo novo e completo vínculo familiar, com a efetiva participação do Poder Público no processo de adoção de crianças, adolescentes ou maiores de 18 (dezoito) anos.

Atualmente, a adoção de crianças e adolescente é regida pela Lei Nacional da Adoção (Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990). Os referidos normativos, fazem menção apenas à adoção plena, ou seja, se referem à adoção estatutária, outrora também chamada de plena, tendo em vista a sua característica de irrevogabilidade e pelo fato de integrar completamente o adotado na família do adotante, trazendo vínculos para todos os envolvidos.

Pois bem, feito esse breve histórico, ressalta-se que o caso em questão é peculiar, pois a adoção da insurgente fora realizada por meio de escritura pública em 30/05/1962, quando essa contava com aproximadamente 4 (quatro) anos de idade, motivo pelo qual afirma a recorrente que “ao solicitar nova certidão de nascimento para fins de recadastramento junto à Fazenda Pública (…) ficou estarrecida ao verificar que dela constam os nomes dos avos biológicos, pessoas que jamais participaram de sua vida e criação, diferentemente dos avós adotivos” (fls. 202).

É irretorquível que a adoção, no modo como é concebida hodiernamente, constitui um importantíssimo instrumento a serviço da solidariedade humana, na medida em que voltado à instituição de laços de parentesco irrestritos, baseados na afetividade, enquanto aquela adoção simples era, em regra, calcada em aspectos patrimoniais, tanto que formulada por contrato (escritura pública).

Certamente, a tenra idade da insurgente ao ser adotada juntamente com o irmão também menor poderia, em uma análise perfunctória, denotar que o vínculo contratual estabelecido pela genitora biológica com os adotantes tivesse o condão de se assemelhar à adoção estatutária/plena hoje existente. Entretanto, ao tempo em que realizado o procedimento essa modalidade (a adoção plena) sequer existia e, na época, por força de lei, o vínculo limitava-se às figuras do adotado e adotante, não se estendendo à família deste.

Foi apenas com o advento da Lei 4.655/1965 que o ordenamento jurídico possibilitou que o vínculo adotivo se estendesse à família dos legitimados à adoção, quando e se os ascendentes conferissem adesão ao ato.

Na hipótese ora em foco tanto em razão do momento no qual formulada a escritura pública quanto pelas informações constantes do feito, é incontroverso não ter havido por parte dos ascendentes dos adotantes qualquer participação ou aquiescência ao ato adotivo.

O e. relator, em seu judicioso voto, afirma que a resolução da controvérsia perpassa pela análise do direito intertemporal das normas jurídicas tendo em vista que a Constituição Federal não recepcionou parte do Código Civil de 1916 e demais normas legislativas, vigentes à época da adoção da demandante, notadamente os dispositivos autorizadores de tratamento diferenciado entre os filhos.

Afirma, ademais, que a discussão limita-se aos efeitos prospectivos do ato adotivo, posto que no passado o vínculo estabelecido entre adotante e adotado não se estendia à família do adotante, porquanto permanecia hígido o parentesco biológico, ao passo que pelas novas regras a adoção rompe definitivamente com esse e estabelece, a partir de então, novos e integrais vínculos familiares.

Apesar das ponderações do e. relator, fundadas na interpretação razoável de precedentes desta Corte Superior, ressalta-se que os julgados não se aplicam ao caso, pois como referido no preâmbulo deste voto, a questão ora posta em julgamento não retrata discussão atinente aos efeitos decorrentes do ato adotivo, mas sim ao modo pelo qual efetivamente teria sido concebido/realizado, ou seja, encerra debate quanto à efetiva possibilidade de modificação do ato jurídico perfeito para nele agregar valores e requisitos legalmente inconcebíveis ao tempo em que formulado, bem ainda afastar outros que permaneciam hígidos por força da lei. Como alhures referido, não objetiva a insurgente a equiparação da adoção realizada à hoje vigente no ordenamento jurídico brasileiro. Também não pretende sejam aplicados os efeitos patrimoniais ou sucessórios da adoção plena, mas apenas a modificação do seu registro civil de nascimento.

Como cediço, a hipótese diferencia-se absolutamente dos precedentes firmados no RESP nº 1.292.260/RJ, relator para acórdão o Ministro Luis Felipe Salomão, no RESP nº 1.503.922/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi e RESP nº 1.116.751/SP, de minha relatoria, pois, além desses tratarem dos efeitos sucessórios atinentes à adoção simples de pessoa maior de idade, o que não se cogita na espécie, em todos, dada a extensão do debate, não se admitiu modificar a adoção simples perfectibilizada em razão da prevalência do ato jurídico perfeito. Estabeleceu-se, tão somente, que, a nova ordem constitucional, dada a retroatividade mínima da norma, alcança os efeitos futuros do ato praticado no passado com ela incompatível, desde que não enseje qualquer alteração na própria essência do título, perfeito e acabado, por ocasião de sua feitura.

Resumidamente, é possível extrair dos referidos julgados que o ato de adoção simples realizado em observância aos critérios e pressupostos vigentes à época de sua consumação confere direito de filiação, mas não gera o direito adquirido ao regime sucessório então vigente. Isso porque, é o evento mortis o determinante para a aplicação das regras atinentes ao direito sucessório.

Na hipótese, a pretensão da insurgente é a de afastar o parentesco para com os avós biológicos e estabelecer vínculo com a família dos adotantes (ascendentes), ou seja, objetiva modificar a substância do ato adotivo. Como se vê, não se trata de aplicação retroativa dos efeitos hodiernos conferidos ao instituto da adoção plena e seus consectários, mas sim do próprio remodelamento do ato adotivo que estabelecia apenas parentesco civil entre o adotante e o adotado (artigo 336). A reivindicação, aqui, é a de excluir a parentalidade biológica dos avós (mantida por força de expressa disposição legal) e agregar parentalidade adotiva relacionada aos ascendentes dos adotantes, ao tempo inadmissível em razão da manutenção não apenas dos vínculos mas também dos direitos e deveres decorrentes do parentesco natural dada a expressa e clara disposição constante do artigo 378 do Código Civil/1916: “Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo.”

Desta forma, com a devida vênia do e. relator, entende-se inviável o acolhimento do reclamo dada a impossibilidade de modificação do ato jurídico perfeito e acabado da adoção levada a efeito em 1962.

Salienta-se que, embora seja inviável o acolhimento da pretensão veiculada pela parte nessa demanda ante a impossibilidade de modificação do ato jurídico perfeito, não há qualquer óbice que impeça o ajuizamento de pleito no qual a requerente objetive apenas a aplicação eventual dos efeitos patrimoniais ou sucessórios previstos para a adoção plena.

2. Do exposto, diverge-se do e. relator para negar provimento ao recurso especial.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.232.387 – Minas Gerais – 4ª Turma – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJ 28.02.2020

Fonte: INR Publicações.

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Circular CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF nº 897, de 24.03.2020 – D.O.U.: 31.03.2020.

Ementa

Dispõe sobre a suspensão da exigibilidade do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS referente às competências março, abril e maio de 2020, diferimento dos respectivos valores sem incidência de multa e encargos, regularidade do empregador junto ao FGTS e dá outras providências.


A Caixa Econômica Federal CAIXA, na qualidade de Agente Operador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 7º, inciso II, da Lei 8.036/90, de 11/05/1990, e de acordo com o Regulamento Consolidado do FGTS, aprovado pelo Decreto nº 99.684/90, de 08/11/1990, alterado pelo Decreto nº 1.522/95, de 13/06/1995, em consonância com a Lei nº 9.012/95, de 11/03/1995, com a Lei nº 8.212, de 24/07/1991, e com o Decreto nº 3.048, de 06/05/1999 e o disposto na MP nº 927, de 22 de março de 2020, publica a presente Circular.

1 Divulga orientação acerca da suspensão temporária da exigibilidade do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, referente às competências março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente, podendo fazer uso dessa prerrogativa todos os empregadores, inclusive o empregador doméstico, independentemente de adesão prévia.

1.1 Para o uso da prerrogativa de suspensão da exigibilidade do recolhimento do FGTS, o empregador e o empregador doméstico permanecem obrigados a declarar as informações, até o dia 07 de cada mês, na forma seguinte, por meio do Conectividade Social e eSocial, conforme o caso:

1.1.1 Os empregadores usuários do SEFIP adotam as orientações contidas no Manual da GFIP/SEFIP para Usuários do SEFIP 8.4 , em seu Capítulo I, item 7, obrigatoriamente com o uso da modalidade 1 (Declaração ao FGTS e à Previdência).

1.1.2 Os empregadores domésticos usuários do eSocial adotam as orientações contidas Manual de Orientação do eSocial para o Empregador Doméstico , em seu Item 4, subitem 4.3 (Emitir Guia), destacando-se que deve ser obrigatoriamente emitida a guia de recolhimento Documento de Arrecadação do eSocial – DAE, dispensada sua impressão e quitação.

1.1.3 O empregador que não prestar a declaração da informação ao FGTS até o dia 07 de cada mês, na forma prevista no item 1.1.1 ou 1.1.2, deve realizá-la impreterivelmente até a data limite de 20 de junho 2020 para fins de não incidência de multa e encargos devidos na forma do art. 22 da Lei nº 8.036/90, sem prejuízo da aplicação de outras penalidades previstas em Lei e regulamento.

1.2 As competências referentes aos meses de março, abril e maio de 2020 não declaradas até 20 de junho de 2020 serão, após esse prazo, consideradas em atraso e terão incidência de multa e encargos devidos na forma do art. 22 da Lei nº 8.036, de 1990.

1.3 As informações prestadas constituem declaração e reconhecimento dos créditos delas decorrentes, caracterizam confissão de débito e constituem instrumento hábil e suficiente para a cobrança do crédito de FGTS.

1.4 O recolhimento realizado pelo empregador, referente às competências março, abril e maio de 2020, durante o prazo de suspensão da exigibilidade, será realizado sem aplicação de multas ou encargos devidos na forma do art. 22 da Lei nº 8.036, de 1990, desde que declaradas as informações pelo empregador ou empregador doméstico na forma e no prazo previstos no item 1.1 e subitens.

1.5 Ocorrendo a rescisão do contrato de trabalho, passa o empregador a estar obrigado ao recolhimento dos valores decorrentes da suspensão aqui tratada, bem como os demais valores devidos ao recolhimento rescisório, sem incidência da multa e encargos devidos, caso efetuado dentro do prazo legal estabelecido para sua realização.

1.5.1 A obrigatoriedade de recolhimento de que trata o item 1.5 aplica-se ainda a eventuais parcelas vincendas do parcelamento tratado no item 1.6 abaixo, que terão sua data de vencimento antecipada para o prazo aplicável ao recolhimento previsto no art. 18 da Lei nº 8.036, de 1990.

1.6 O parcelamento do recolhimento do FGTS, cujas informações foram declaradas pelo empregador e empregador doméstico referentes às competências março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente, prevê 6 parcelas fixas com vencimento no dia 07 de cada mês, com início em julho de 2020 e fim em dezembro de 2020.

1.6.1 Não será aplicado valor mínimo para as parcelas, sendo o valor total a ser parcelado dividido igualmente em 6 (seis) vezes, podendo ser antecipado a interesse do empregador ou empregador doméstico.

1.6.2 As parcelas de que trata o parcelamento referente às competências março, abril e maio de 2020, caso inadimplidas, estarão sujeitas à multa e aos encargos devidos nos termos do disposto no art. 22 da Lei nº 8.036, de 1990.

1.6.3 A inadimplência no pagamento do parcelamento ensejará o bloqueio do Certificado de Regularidade do FGTS CRF.

2 Os CRF vigentes em 22/03/2020 terão prazo de validade prorrogado por 90 (noventa) dias, a partir da data de seu vencimento.

3 Os Contratos de Parcelamentos de Débito em curso que tenham parcelas a vencer nos meses de março, abril e maio de 2020, na hipótese de inadimplência no período da suspensão de exigibilidade de recolhimento previsto nesta Circular, não constituem impedimento à emissão do CRF, mas estão sujeitos à cobrança de multa e encargos nos termos do art. 22 da Lei nº 8.036, de 1990.

4 Os procedimentos operacionais para recolhimento e parcelamento tratados nesta Circular serão detalhados oportunamente nos Manuais Operacionais que os regulamentam.

5 Esta Circular CAIXA entra em vigor na data de sua publicação.

EDILSON CARROGI RIBEIRO VIANNA

Vice-Presidente Em exercício

Circular CAIXA republicada por incorreção da numeração no original do DOU de 25/03/2020 Edição: 58 Seção: 1 Página: 53.

Fonte: INR Publicações.

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