2VRP/SP: RPCN. Habilitação para casamento. Nubente interditado. Curadora é a outra nubente. Conflito de interesses


  
 

Processo 1031993-45.2017.8.26.0100

Habilitação para Casamento – Casamento – O.R.C.P.N.S.B.F. – A.F.M. e outro – Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcelo Benacchio VISTOS, Trata-se de pedido de providências encaminhado pela Senhora Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do 35º Subdistrito Barra Funda, Capital, que noticia que, em habilitação para o casamento, verificou que o nubente varão é interditado, sendo que seu curador faleceu em 2015. Vieram aos autos a certidão de objeto e pé referente aos autos da interdição, que referem que a contraente foi nomeada curadora do interdito, em 2017 (fls. 35). Designada perícia técnica junto ao IMESC, os contraentes não compareceram à data indicada para o exame (fls. 65), razão pela qual o Ministério Público apresentou sua impugnação à pretensão dos nubentes (fls. 68/69). Realizou-se audiência para oitiva dos contraentes, aos 27 de novembro de 2018 (fls. 77/79). Por fim, designada nova perícia, sobreveio laudo técnico do IMESC, que concluiu que o examinado não está apto a contrair matrimônio (fls. 111/113). A n. representante do Ministério Público manifestou-se às fls. 117/119. É o relatório. Decido. Cuidam os autos de expediente encaminhado pela Senhora Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do 35º Subdistrito – Barra Funda, Capital, noticiando que em habilitação para o casamento foi verificado que o nubente varão é interditado, sendo que seu curador faleceu em 2015. Diligenciado o MM. Juízo de Família, responsável pelos autos da interdição, noticiou-se que a contraente havia sido nomeada curadora do interdito, em 19 de junho de 2017. Ainda, consta da certidão de interdição que o nubente é “portador de desenvolvimento mental retardado de grau leve, com comprometimento das capacidades de discernimento, entendimento e determinação, impossibilitando-o de si só, de forma independente, gerir sua pessoa e administrar bens e interesses, parcialmente incapaz para os atos da vida civil” (fls. 06). Pois bem. É sabido que com o advento da Lei nº 13.146/15, deixou de existir no ordenamento jurídico pátrio a figura da incapacidade civil absoluta por enfermidade mental, sendo que portadores de tais deficiências passaram a ser considerados aptos a se casarem ou constituírem união estável. Assim, a disciplina das capacidades no Código Civil, alicerçada na ideia de consciência sã voltada à autodeterminação (discernimento), sofreu drástica alteração pelo advento do referido Estatuto, que criou, a partir daí, uma nova teoria das incapacidades. A citada normativa introduziu no plano interno as previsões da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, reconhecendo e efetivando os direitos das pessoas com deficiência na legislação pátria. Dessa forma, não há dúvida da situação jurídica de direito humano e dos avanços concedidos às pessoas com deficiência com o advento da referida lei. Todavia, se faz premente analisar se tais pessoas, em casos como o ora analisado, possuem domínio de sua vontade e capacidade de a demonstrar com clareza. Contudo, com base na oitiva do interessado, bem como nas conclusões aventadas no laudo pericial (fls. 111/113), verifica-se que o pretendente não apresenta condições mínimas de manifestar livremente sua vontade. Durante sua oitiva, perante este Juízo Corregedor Permanente, o nubente declarou não saber a razão de seu comparecimento. Ainda, declarou que “quem trouxe ele foi a advogada. Que veio também uma senhora com ele. Que é a senhora com quem ele vai se casar. Que conhece essa senhora há 30 anos. Que ela o ajuda e ele a ajuda” (fls. 77). Na mesma senda, o laudo técnico concluiu que o periciando apresentava prejuízo cognitivo, de memória, sendo que, além de já ser interditado, fica evidente que não pode entender sobre as implicações de um matrimônio e, portanto, não tem capacidade de entender e consentir por tal ato (fls. 111/113). Em suma, a conclusão do exame pericial é incisiva ao apontar a falta de discernimento e incapacidade de expressão de vontade do contraente, inabilitando-lhe, assim, para o ato que pretende realizar, haja vista que não há, de fato, consentimento. Noutra banda, a curadora é também a nubente varoa, não podendo, portanto, auxiliar na tomada de decisão, haja vista o patente conflito de interesses. Nessa ordem de ideias, não é possível afastar, no momento, a falta de discernimento da pessoa do nubente e, ante ao todo exposto, por todos os fatos narrados e por tudo o mais que consta dos autos, acolho a dúvida suscitada pela Senhora Registradora e não autorizo o prosseguimento da habilitação para o casamento de J. D. e A. F. M.. Por cautela, nos termos do indicado pela ilustre Promotora de Justiça de Registros Públicos, Dra. Patrícia Moraes Aude, determino remessa de cópia integral dos autos, por e-mail, ao MM. Juízo da 6ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Central Cível, à Promotoria Cível e à Promotoria do Idoso, para as considerações que entenderem pertinentes, haja vista a complexidade da situação, servindo a presente sentença como ofício. Ciência à Oficial, aos Contraentes e ao Ministério Público, arquivando-se oportunamente. P.R.I.C. – ADV: MONICA MERIGO (OAB 73617/SP)

Fonte: DJE/SP 20.01.2020

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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