1ªVRP/SP: Registro de Imóveis. Restrição na matrícula do imóvel que limita as construções possíveis de serem realizadas, o que impede a realização de empreendimento. Ainda que não haja o dever do registrador verificar o cumprimento da restrição, conforme item 191 do Cap. XX das NSCGJ, uma vez inseridas na transcrição ou matrícula do imóvel, tais cláusulas passam a ser de conhecimento público, não podendo os adquirentes alegar desconhecimento ou que trata-se de convenção particular, não extensível a novos compradores, justamente porque o registro público gera a presunção de legitimidade dos dados dele constantes até que seja cancelado.São requisitos essenciais para o cancelamento administrativo a comprovação inequívoca da descaracterização da proposta de parcelamento e inexistência de prejuízos a terceiros.


  
 

Processo 1057371-32.2019.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Luiz Alfredo Caramelo Cerca – – Artur Eduardo Caramelo Cerca – – Maria Ressur Caramelo Simões Cerca – Municipalidade de São Paulo – Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado por Luiz Lafredo Caramelo Cerca, Artur Eduardo Caramelo Cerca e Maria Ressur Caramelo Simões Cerca em face do Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital, requerendo o cancelamento da restrição do loteador constante na matrícula nº 107.113 da citada serventia. Alegam os requerentes que pretendem alienar o imóvel à empresa, que também pretende a aquisição dos imóveis contíguos para realizar incorporação imobiliária. Aduzem que consta restrição na matrícula do imóvel que limita as construções possíveis de serem realizadas, o que impede a realização do empreendimento. Argumentam que a restrição é contrária ao plano diretor da cidade, está descaracterizada, e que, por ter sido realizada pelo vendedor há vários anos, não poderia vincular terceiros. O Oficial do 2º Registro de Imóveis manifestou-se às fls. 21/29. Alega que a matrícula foi aberta conforme transcrição originária do 5º Registo de Imóveis, na qual constava restrições existentes no contrato padrão do loteamento. O Município de São Paulo, às fls. 32/34, não se opôs ao requerimento, alegando que as restrições convencionais não obrigam o Município e que a zona em que está inserido o imóvel, conforme Lei Municipal de Uso e Ocupação do Solo, permite construções de modo mais amplo que o constante na matrícula. O Oficial do 5º Registro de Imóveis manifestou-se às fls. 52/56. Aduz que o loteamento “Chácara Formosa” foi inscrito conforme o Decreto-Lei 58/1937, e que seu contrato-tipo previa cláusulas restritivas. Demonstra que nem todas às cláusulas do contrato-tipo foram transportadas para a transcrição dos lotes. O Ministério Público opinou às fls. 72/75 pela improcedência do pedido. Vieram aos autos informações complementares do 2º RI, às fls. 80/81. É o relatório. Decido. As cláusulas restritivas impostas pelo loteador, como bem lembrado pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis, citando o Min. Herman Benjamin no REsp 302.906, são “mais rígidas que as restrições legais, correspondem a inequívoco direito dos moradores de um bairro ou região de optarem por espaços verdes, controle do adensamento e da verticalização, melhoria da estética urbana e sossego”. Portanto, desde sua origem, as cláusulas urbanísticas convencionais visam a valorização do loteamento, ao trazer limites ao direito de propriedade dos compradores com a finalidade de promover o bem estar comum, otimizando a utilização daquele espaço urbano. Ainda que não haja o dever do registrador verificar o cumprimento da restrição, conforme item 191 do Cap. XX das NSCGJ, uma vez inseridas na transcrição ou matrícula do imóvel, tais cláusulas passam a ser de conhecimento público, não podendo os adquirentes alegar desconhecimento ou que trata-se de convenção particular, não extensível a novos compradores, justamente porque o registro público gera a presunção de legitimidade dos dados dele constantes até que seja cancelado. Por tal razão, ainda que haja incongruências entre contrato padrão e transcrição do imóvel, deve-se considerar que houve inscrição de tais dados e não há qualquer indício de nulidade de pleno direito que permitiria seu cancelamento com base em tal fundamento. É dizer que, na análise da legalidade da cláusula em si, não foi apontado qualquer fundamento que permita a este juízo administrativo autorizar seu cancelamento. Veja-se, neste ponto, que a Lei Municipal 16.402/16 não autoriza o cancelamento das cláusulas, mas regulamenta tão somente o agir dos órgãos municipais quanto a análise da ocupação do solo no âmbito de sua competência. Em outras palavras, tal lei nada diz quanto a validade do registro das cláusulas restritivas, mas apenas quanto a sua aplicação para que determinado imóvel seja compatível com o zoneamento urbano. Como já citado, não cabe ao registrador controlar o cumprimento da restrição: é o município que, dentro de suas competências urbanísticas, poderá analisar se a restrição do loteador deve ou não ser considerada quando for aprovar determinada obra, uso ou ocupação do solo. Todavia, a legalidade da criação da cláusula de restrição convencional, seu registro em conjunto com o loteamento bem como sua inclusão nas matrículas dos lotes, não pode ser feita por lei municipal, vez que o Art. 22, XXV, da Constituição Federal prevê a competência privativa da União para legislar sobre registros públicos. Deste modo, o Município pode até mesmo ignorar a cláusula restritiva do loteador para fins de autorizações e aprovações urbanísticas, mas não pode restringir a inclusão ou regulamentar o cancelamento de tais cláusulas do registro de imóveis por fugir de sua competência legislativa. No caso de autorização municipal contrária aos limites impostos, caberá aos interessados buscar as vias judiciais para garantir o cumprimento das limitações, ou até mesmo declaração quanto sua validade. Não obstante a impossibilidade do cancelamento por nulidade de pleno direito no presente caso, cumpre mencionar que a E. Corregedoria Geral de Justiça já permitiu o cancelamento administrativo quando efetivamente demonstrada a descaracterização do loteamento, fazendo com que as cláusulas já não tenham mais eficácia. Cito o processo nº 791/04, de relatoria do então MMº Juiz Assessor Luís Paulo Aliende Ribeiro: “Registro de Imóveis – Averbação – Pretensão de cancelamento de restrição convencional constante do contrato padrão inscrito em face da descaracterização da proposta inicial do loteamento – Situação de fato, referente a parcelamento antigo, comprovada, no caso, por elementos tabulares inequívocos – Desnecessidade de dilação probatória e demonstração da inocorrência de ofensa a interesse de terceiros que viabilizam, na hipótese, a excepcional utilização da via administrativa – Recurso não provido. ‘Esta é a orientação geral, cuja manutenção se impõe, pois somente na via jurisdicional, mediante contraditório, é que, em regra, se viabiliza a constatação desses dois requisitos, quais sejam, a comprovação da descaracterização da proposta inicial do parcelamento e a inocorrência de ofensa ao direito de terceiros. A situação fática e registrária expressa nos presentes autos revela, no entanto, seja por estar tabular e documentalmente comprovada, de modo a evidenciar a desnecessidade de produção de outras provas, a flagrante descaracterização, na referida quadra, da proposta inicial do loteamento, seja em função dos termos em que redigida a própria restrição convencional, expressa no sentido de que instituída em favor dos terrenos contíguos, limitando aos terrenos da mencionada quadra o interesse na manutenção da restrição, excepcional hipótese de viabilidade da utilização da via administrativa para o reconhecimento da descaracterização da proposta inicial do empreendimento, a autorizar o atendimento da pretensão da recorrida e o levantamento, na quadra, da restrição imposta, há quase meio século, pelo loteador.’ Como visto, são requisitos essenciais para o cancelamento administrativo a comprovação inequívoca da descaracterização da proposta de parcelamento e inexistência de prejuízos a terceiros. E tais requisitos, no presente caso, não foram comprovados. O requerente apenas alega que houve ampla verticalização do bairro, mas não traz qualquer prova neste sentido. Ainda, em pesquisa rápida na ferramenta “google street view”, verifica-se que em 2018 a quadra em que localizado o imóvel era majoritariamente composta por casas, havendo apenas 1 edifício, de 4 andares. Imagens de satélite da ferramenta “google maps”, de 2019, mostram que não houve alteração de tal situação fática. Não houve, portanto, efetiva comprovação de descaracterização da região, de modo que as restrições impostas na matrícula, referentes a limitações de construção no imóvel parecem ainda ser eficazes, impedindo seu cancelamento administrativos. Por fim, saliento que ainda que as restrições não tenham sido impostas em todos os imóveis vizinhos, sua existência em outros, conforme apontado às fls. 80/81, denota que houve efetivo planejamento pelo loteador de características urbanísticas na região que, ao menos em análise superficial, podem ter sido consideradas pelos adquirentes como elemento essencial para valorização de seus imóveis, de modo que não se pode, neste caso, presumir inexistência de prejuízo a terceiros, que podem ter interesse em não ver construídos em sua quadra empreendimentos imobiliários de grande vulto. Portanto, o pedido deve ser indeferido nesta via administrativa. Isso não impede, contudo, que os requerentes busquem a via judicial para declarar a nulidade da restrição, onde haverá participação de todos os possíveis interessados com amplo contraditório e dilação probatória, inviáveis neste juízo. Do exposto, julgo improcedente pedido de providências formulado por Luiz Lafredo Caramelo Cerca e outros em face do Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: MARCIA HALLAGE VARELLA GUIMARAES (OAB 98817/ SP), GUILHERME MÜLLER LOPES (OAB 328862/SP)

Fonte: DJE/SP 12.12.2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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