Responsabilidade civil – Prestação de serviços notariais – Indenização por danos morais – Inadmissibilidade – Venda de veículo automotor – Cartório de Notas que comunicou a venda de veículo automotor à Secretaria da Fazenda, conforme estabelecido pelo Decreto nº 60.489/2014 – A responsabilidade pela comunicação da venda de veículo ao Detran é da Secretaria da Fazenda e não do Cartório de Notas – Não configuração de ato omissivo – Inexistência do dever de indenizar – Recurso improvido.


  
 

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004504-83.2018.8.26.0072, da Comarca de Bebedouro, em que é apelante CARLOS ALBERTO DE SOUZA (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado CARLOS ROBERTO SETANYE DE CAMPOS ( TABELIÃO DO CARTÓRIO DE NOTAS).

ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Sustentou oralmente a Doutora Lígia Maria Toloni.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAGALHÃES COELHO (Presidente) e COIMBRA SCHMIDT.

São Paulo, 11 de novembro de 2019.

MOACIR PERES

RELATOR

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 32.546 (Processo digital)

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1004504-83.2018.8.26.0072 de Bebedouro

APELANTE: CARLOS ALBERTO DE SOUZA

APELADO: CARLOS ROBERTO SATANYE DE CAMPOS (TABELIÃO DE CARTÓRIO DE NOTAS E PROTESTOS DE LETRAS E TÍTULO DE BEBEDOURO)

JUÍZA SENTENCIANTE: NEYTON FANTONI JUNIOR

RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INADMISSIBILIDADE. Venda de veículo automotor. Cartório de Notas que comunicou a venda de veículo automotor à Secretaria da Fazenda, conforme estabelecido pelo Decreto nº 60.489/2014. A responsabilidade pela comunicação da venda de veículo ao Detran é da Secretaria da Fazenda e não do Cartório de Notas. Não configuração de ato omissivo. Inexistência do dever de indenizar. Recurso improvido.

Carlos Alberto de Souza, inconformado com a r. sentença que julgou improcedente a ação indenizatória (fls. 72/75), interpôs recurso de apelação.

Afirma que restou comprovado que o Cartório de Registro de Notas de Bebedouro somente oficiou à Secretaria da Fazenda Estadual, acerca da venda da sua motocicleta, quatro anos depois da negociação, em flagrante afronta ao art. 1º, do Decreto nº 60.489/14. Diz que a comunicação tardia constituiu ato ilícito civil e lhe ocasionou prejuízos de ordem moral por conta das diversas multas lançadas em seu nome, além de negativação junto ao CADIN. Assere que está demonstrado o dano moral, que deve ser indenizado. Cita julgados favoráveis. Daí, pretender a reforma da r. sentença (fls. 78/85).

Com as contrarrazões (fls. 88/98), subiram os autos.

Os autos foram distribuídos inicialmente à Colenda 30ª Câmara de Direito Privado, que não conheceu do recurso e determinou a redistribuição a uma das Câmaras da Seção de Direito Público (fls. 109/112).

Houve a redistribuição a esta Colenda Sétima Câmara de Direito Público (fls. 115).

É o relatório.

Objetiva o autor, por meio da ação de reparação de danos morais, a condenação do Tabelião de Cartório de Notas e Protestos de Letras e Título de Bebedouro, “a pagar a título de indenização por danos morais o correspondente a 30 (trinta) salários mínimos, tendo como propulsor os danos e dissabores causados, levando-se em conta também os critérios apontados pela doutrina majoritária e pela jurisprudência predominante, como: a condição social, educação, profissional e econômica do lesado; a intensidade de seu sofrimento; a situação econômica do ofensor e os benefícios que obteve com o ilícito; a intensidade do dolo ou o grau de culpa; a gravidade e repercussão da ofensa; as peculiaridades e circunstâncias que envolveram o caso, atendendo-se para o caráter antissocial da conduta lesiva, e que tal reparação sirva como punição e iniba novas investidas indevidas contra os consumidores, acrescidos de juros moratórios e correção monetária pela Tabela Prática do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, ambos ao mês a contar a partir da citação, sob pena de caracterizar o enriquecimento sem causa, além das custas processuais e honorários advocatícios, na base de 20% sobre a efetiva condenação” (fls. 9/10).

A r. sentença julgou improcedente a ação, “deixando de reconhecer a litigância de má-fé, uma vez que a matéria discutida mantevese dentro de limite jurídico compatível com a razoabilidade. Arcará o autor com o pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa, com atualização a contar da data do ajuizamento, observando-se o art. 98, § 3º, do CPC. Sem custas. Com o trânsito em julgado, ao arquivo.” (fls. 75).

Não assiste razão ao recorrente.

Alega o autor, na inicial, que “efetivou a venda de sua motocicleta Honda/CBX 200 Strada, de placas de nº CZS5051, na data de 20 de abril de 2017” (fls. 2). Em razão da omissão do Tabelião de Notas, em comunicar a venda ao Detran, conforme estabelece o Decreto nº 60.489/2014, regulamentada pela Portaria CAT 90/2014, foi surpreendido por várias notificações referentes a infrações de trânsito, causando-lhe enormes transtornos, inclusive com o lançamento de seu nome no Cadin (fls. 1/10). Daí, pedir a reparação de danos morais, por descumprimento do dever legal.

A responsabilidade civil das pessoas de direito público independe, como regra, da comprovação de culpa, porém exige a demonstração do nexo de causalidade entre o ato administrativo (ação ou omissão estatal) e o dano verificado. Com efeito, “’os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem: a) a alteridade do dano; b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público; c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636); e d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503, 71/99, 91/377, 99/1155 e 131/417)’ (STF 1ª T. RE 109.615/RJ Rel. Celso de Mello j.28.05.96 RTJ 163/1107 e RT 733/130)” (RUI STOCO, Tratado de Responsabilidade Civil Doutrina e Jurisprudência, 8ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 1137)

Portanto, o dever de indenizar, de um modo geral, decorre da presença, em dado caso concreto, dos seguintes elementos: dano, conduta lesiva e nexo de causalidade entre eles. Em se tratando de responsabilidade subjetiva, faz-se indispensável, também, a comprovação da culpa do agente ou, no caso da responsabilidade civil do Estado, da culpa do serviço.

Entretanto, referidos elementos devem ser comprovados.

O Decreto nº 60.489/2014, que dispõe sobe a forma de prestação de informações pelos notários sobre as transações com veículos automotores terrestres, estabelece que “Os notários localizados no Estado de São Paulo são obrigados a fornecer ao fisco informações sobre a realização de atos de reconhecimento de firma em transações que envolvam a transferência de propriedade de veículos, sem ônus para as partes do negócio, conforme previsto no inciso VI do artigo 37 da Lei 13.296, de 23 de dezembro de 2008” (art. 1º).

É certo que, conforme previsto no decreto, “logo após a efetivação do ato de reconhecimento de firma por autenticidade do transmitente/vendedor no documento de transferência de propriedade do veículo o notário deverá enviar à Secretaria da Fazenda: I – as informações relativas à operação de compra e venda ou transferência, a qualquer título, da propriedade do veículo” (art. 2º).

Compete à Secretaria da Fazenda a disponibilização das informações previstas no artigo 2º ao Departamento Estadual de Trânsito Detran-SP (art. 3º do Decreto nº 60.489/2014).

Conforme consta dos autos, a venda do veículo ocorreu em 19.6.2016 (fls. 15). No dia seguinte ao reconhecimento de firma por autenticidade, o Cartório de Notas e de Protestos de Letras e Títulos de Bebedouro informou à Secretaria da Fazenda sobre a operação de compra e venda do referido veículo (fls. 51).

De fato, a conduta do autor beira a má-fé, pois alega na inicial que a venda do automóvel ocorreu em 20.4.2017 (fls. 2) e não houve comunicação do Cartório ao Detran; depois, em recurso de apelação, afirma que houve a comunicação à Receita Federal, contudo, de forma tardia, vez que a venda ocorreu em 19.9.2012 e a comunicação à Secretaria da Fazenda em 20.9.2016 (fls. 80).

Entretanto, está devidamente comprovado que o Tabelião de Notas comunicou a venda da motocicleta à Secretaria da Fazenda, cumprindo o dever legal, de acordo com o estabelecido no Decreto nº 60.489/14.

À evidência, a responsabilidade em comunicar ao Detran sobre a venda da motocicleta é da Secretaria da Fazenda e não do requerido.

Portanto, não restou comprovado o nexo de causalidade entre a conduta imputada ao réu omissão em comunicar ao Detran a venda de motocicleta e o prejuízo eventualmente suportado pelo autor.

Ademais, em 29.3.2017, o próprio autor reconheceu firma por autenticidade em uma “declaração de perda do documento placa CZS5051, Renavam 740202197, Modelo CBX-Strada, cor vermelha, selo 0119388” (fls. 50). E, ainda, consta da certidão do Detran que, sobre o veículo em questão, há queixa de furto e bloqueios diversos (fls. 17).

Destarte, não demonstrado o nexo causal entre a atividade do réu e o alegado prejuízo decorrente da comunicação de venda do automóvel, não há o dever de indenizar.

Para fins de fixação de honorários recursais, nos termos do art. 85, §11 do Código de Processo Civil, majoram-se os honorários anteriormente arbitrados para 11% do valor da causa, observando-se a concessão da justiça gratuita.

Ante o exposto, nega-se provimento ao apelo, mantida a r. sentença.

MOACIR PERES

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1004504-83.2018.8.26.0072 – Bebedouro – 7ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Moacir Peres – DJ 14.11.2019

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito”.