Agravo de Instrumento – Arrolamento sumário – Direito de meação do cônjuge supérstite que corresponde ao usufruto vitalício sobre os imóveis integrantes do espólio – Anuência expressa da meeira – Ausência de óbice jurídico – O usufruto é direito real imobiliário dotado de valor econômico, passível de transação – Partes capazes – Precedentes desta E. Corte – ITCMD – Nos termos do art. 662, caput e § 2º do CPC/15, não serão conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação dos tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio, sendo certo, também, que as autoridades fazendárias não ficam adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros – Incidência tributária que deve ser discutida em momento oportuno – Recurso parcialmente provido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)


  
 

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2044085-76.2019.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são agravantes EVANIRA DE LIMA DAMAZIO (INVENTARIANTE), GERMANO DIAS DAMAZIO (ESPÓLIO), ANTONIO CARLOS DAMAZIO, ALEXANDRE DIAS DAMAZIO e CARMEN SILVIA DAMAZIO MEDEIROS, é agravado O JUÍZO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS (Presidente) e ALVARO PASSOS.

São Paulo, 27 de agosto de 2019.

ROSANGELA TELLES

Relatora

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº: 14298

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº: 2044085-76.2019.8.26.0000

AGRAVANTES: ENIRA DE LIMA DAMAZIO e outros

AGRAVADO: O JUÍZO

COMARCA: SÃO PAULO FORO REGIONAL DE NOSSA SENHORA DO Ó

JUIZ: LUCIANO FERNANDES GALHANONE

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARROLAMENTO SUMÁRIO. Direito de meação do cônjuge supérstite que corresponde ao usufruto vitalício sobre os imóveis integrantes do espólio. Anuência expressa da meeira. Ausência de óbice jurídico. O usufruto é direito real imobiliário dotado de valor econômico, passível de transação. Partes capazes. Precedentes desta E. Corte. ITCMD. Nos termos do art. 662, caput e § 2º do CPC/15, não serão conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação dos tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio, sendo certo, também, que as autoridades fazendárias não ficam adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros. Incidência tributária que deve ser discutida em momento oportuno. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra a r. decisão a fls. 101 dos autos de origem que, em ação de inventário, determinou a retificação do plano de partilha sob o fundamento que a meação da viúva não pode ser satisfeita por meio do usufruto dos bens objetos inventariados.

Sustentam os agravantes, em síntese, a possibilidade de instituição do usufruto de bens na partilha amigável, na qual as partes são maiores e capazes. Aduzem não caber ao Poder Judiciário, no caso, decidir como deverá ser feita a partilha dos bens. Alegam que o plano de partilha apresentado pelos agravantes é regular e respeita os direitos da viúva meeira e dos herdeiros. Colacionam precedentes jurisprudenciais. Buscam a reforma da r. decisão. Não foi formulado pedido liminar.

Recurso regularmente processado, que houvesse pedido de efeito suspensivo.

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Inicialmente, cumpre ressaltar que a decisão guerreada fora proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 2015. Quando da interposição deste recurso, já vigia a Lei n. 13.105/2015, de sorte que as disposições desta legislação devem ser observadas.

Cuida-se de ação de arrolamento dos bens deixados por GERMANO DIAS DAMAZIO em decorrência de seu falecimento. Na oportunidade da apresentação do plano de partilha a fls. 61/70, a divisão do espólio fora acordada da seguinte forma:

A) A meação do cônjuge supérstite virago, no valor de R$ 185.718,500, corresponderia ao usufruto vitalício de todos os imóveis integrantes da partilha;

B) A herança de cada herdeiro, correspondente ao valor de R$ 61.906,15, corresponderia a 1/3 da nua propriedade dos bens integrantes do espólio.

O Juízo a quo, por compreender ser inviável que a meação fosse satisfeita mediante a concessão de usufruto vitalício ao cônjuge supérstite, determinou a retificação do plano de partilha. Ao que se dá a entender, por razões tributárias, o I. Magistrado de piso afirmou que, caso pretendesse abrir a mão da meação, a sua titular poderia doá-la aos filhos por instrumento próprio, com o recolhimento do ITCMD.

É exatamente contra essa r. decisão que se voltam os recorrentes. Entendo que razão lhes assista.

Não há óbice legal na transação levada a efeito entre meeira e herdeiros na divisão do acervo hereditário. Todos são plenamente capazes de manifestação de vontade, sendo os direitos partilháveis detentores de valor patrimonial relevante.

É certo que o usufruto, na qualidade de direito real, concede ao seu titular a relação de uso e gozo livres da res, mediante a conservação. Enquanto a faculdade de gozar cinge-se à possibilidade de “retirar os frutos da coisa, que podem ser naturais, industriais ou civis”, a aptidão do uso estriba-se no ius utendi, caracterizada pela utilização da res de acordo com a legislação e a função social da propriedade.

De fato, tais direitos gozam de importância econômica aferível, razão pela qual podem ser objeto de negociações jurídicas existentes e válidas. Exatamente por isso, a jurisprudência desta E. Corte vem reconhecendo a viabilidade de as divisões hereditárias atribuírem o direito real de usufruto a título de meação, sem que referida transação afronte o ordenamento jurídico em vigor. Confira-se:

Inventário e partilha. Decisão que determinou que fosse dada vista à Fazenda Estadual para manifestação sobre o “inter vivos“. Insurgência. Alegação de inexistência de doação. Renúncia de meação e instituição de usufruto vitalício em favor da viúva meeira. Partilha amigável. Usufruto que pode ser destacado da nua propriedade, já que possui expressão econômica. Doação não configurada. Jurisprudência deste E. Tribunal. Não incidência do tributo ‘inter vivos‘. Recurso provido. (Agravo de Instrumento 2103742-51.2016.8.26.0000; Relator(a): Fábio Quadros; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 21/07/2016; Data de registro: 01/08/2016)

Agravo de Instrumento. Arrolamento de bens. Determinação para retificação do plano de partilha e verificação do imposto devido junto ao Posto Fiscal do Estado. Afastamento. Atribuição de usufruto vitalício à viúva meeira, com reserva da nua propriedade aos herdeiros. Doação não caracterizada. Não incidência do imposto. Decisão reformada. Recurso provido. (Agravo de Instrumento 0288792-63.2011.8.26.0000; Relator(a): João Pazine Neto; Comarca: Paraguaçu Paulista; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 03/04/2012; Data de registro: 04/04/2012)

Inventário de bens – Atribuição à viúva meeira de parcela da nuapropriedade e do usufruto vitalício sobre a totalidade dos bens – Inexistência de óbice à manutenção do usufruto como parte da meação da viúva, com atribuição de parte da nua propriedade aos filhos – Diferenciação entre condomínio civil e aquisição conjunta – Nesta última, que decorre do regime de bens ou convivência, a especialização da meação só ocorre na ruptura do vínculo: morte, divórcio, separação – Não há óbice para que esta especialização se faça de forma a recair o usufruto sobre a totalidade de bens, com atribuição aos herdeiros, concordes, da nua – propriedade – Recurso, por meu voto, provido (TJSP, AI nº 2231994-72.2016.8.26.0000, Rel. Des. Luiz Antônio Costa).

Portanto, a r. decisão deverá ser reformada, não havendo motivo para que se determine a retificação da partilha levada a efeito pelas partes no que toca à concessão de usufruto ao cônjuge sobrevivente.

Por fim, a discussão relativa ao recolhimento do ITCMD não pode se dar neste momento processual. Há de se levar em consideração que o Novo Código de Processo Civil veio a acarretar em sensível alteração sobre os aspectos tributários do rito de arrolamento sumário, buscando simplificá-lo ainda mais.

Segundo o art. 1.031, § 2º do Código do Processo Civil de 1973, “transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou adjudicação, o respectivo formal, bem como os alvarás referentes aos bens por ele abrangidos, serão expedidos e entregues às partes após a comprovação, verificada pela Fazenda Pública, do pagamento de todos os tributos“.

Percebe-se, portanto, que a expedição do formal de partilha encontrava-se condicionada à comprovação, por parte do contribuinte, do recolhimento dos tributos incidentes sobre a sucessão causa mortis, além das multas decorrentes do atraso.

O legislador processual civil pátrio, entretanto, veio a alterar sensivelmente o dispositivo, que veio a trazer em seu bojo nova redação. Confirase, por oportuno, o teor do art. 659, § 2º do CPC/2015, verbis:

Art. 659. § 2º – Transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou de adjudicação, será lavrado o formal de partilha ou elaborada a carta de adjudicação e, em seguida, serão expedidos os alvarás referentes aos bens e às rendas por ele abrangidos, intimando-se o fisco para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes, conforme dispuser a legislação tributária, nos termos do § 2º do art. 662.

Conforme bem vem a salientar Cristiano Imhof, “o legislador substituiu a frase ´só serão expedidos e entregues às partes após a comprovação, verificada pela Fazenda Pública, do pagamento de todos os tributos´ por ´intimando-se o fisco para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes, conforme dispuser a legislação tributária, nos termos do § 2º do art. 626´”.

Depreende-se do cotejo entre os textos normativos, portanto, que, enquanto sob a égide do Código Buzaid a comprovação da quitação do ITCMD fazia-se necessária para a expedição do formal de partilha, tal condicionante não se mantém sob o manto da nova codificação processual, uma vez que os tributos decorrentes da sucessão deverão ser lançados administrativamente pelas Fazendas Estaduais, cabendo ao Juízo, após o trânsito em julgado da sentença homologatória, intimar o fisco para cobrança.

Nesse diapasão, inclusive, é o posicionamento do E. Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. ARROLAMENTO SUMÁRIO. CONDICIONAMENTO DA EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ ANTES DO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS (ITCMD) NÃO CABIMENTO DE TAL EXIGÊNCIA NESTEP ROCEDIMENTO.

1. A homologação da partilha no procedimento do arrolamento sumário não pressupõe o atendimento das obrigações tributárias principais e tampouco acessórias relativas ao imposto sobre transmissão causa mortis.

2. Consoante o novo Código de Processo Civil, os artigos 659, § 2º, cumulado com o 662, § 2º, com foco na celeridade processual, permitem que a partilha amigável seja homologada anteriormente ao recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, e somente após a expedição do formal de partilha ou da carta de adjudicação é que a Fazenda Pública será intimada para providenciar o lançamento administrativo do imposto, supostamente devido.

3. Recurso especial não provido. (REsp 1751332/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/09/2018, DJe 03/10/2018)

Nesse diapasão, o art. 662 do CPC/15 é claro ao estabelecer que “não serão conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação das taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio“, sendo certo, também, que as autoridades fazendárias não ficam adstritas aos valores atribuídos pelos herdeiros (art. 662, § 2º), razão pela qual a discussão sobre a incidência tributária deve ficar reservada a momento futuro.

Por fim, alerto que não é necessária a oposição de embargos de declaração para fins de prequestionamento, na medida em que toda a matéria questionada está automaticamente prequestionada.

Posto isso, pelo meu voto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação.

ROSANGELA TELLES

Relatora – – /

Dados do processo:

TJSP – Agravo de Instrumento nº 2044085-76.2019.8.26.0000 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Rosangela Telles – DJ 30.08.2019

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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