Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas – Pedido de providências – Ausência de indícios de infração disciplinar prevista no art. 31, I e II, da Lei n° 8.935/1994 a ensejar instauração de processo administrativo disciplinar – Qualificação registral calcada na convicção jurídica da Oficial – Recurso desprovido.


  
 

Número do processo: 1021099-36.2015.8.26.0114

Ano do processo: 2015

Número do parecer: 154

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1021099-36.2015.8.26.0114

(154/2018-E)

Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas – Pedido de providências – Ausência de indícios de infração disciplinar prevista no art. 31, I e II, da Lei n° 8.935/1994 a ensejar instauração de processo administrativo disciplinar – Qualificação registral calcada na convicção jurídica da Oficial – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto por ROSÂNGELA APARECIDA MORAES VILLA DO MIU contra r. sentença que determinou o arquivamento do pedido de providências movido em face da 2° Oficial de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de Campinas.

Segundo a recorrente, a Oficial praticou infração disciplinar ao negar registro de decisão judicial que declarou a nulidade de assembleia, com consequente nulidade de todos os atos dela decorrentes, com efeitos ex tunc, fazendo exigências descabidas, em claro descumprimento da decisão judicial.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Opino.

Respeitado o entendimento da recorrente, a insurgência não prospera.

Busca-se a punição disciplinar da Oficial em razão de sua convicção jurídica no exercício da qualificação registral.

A Associação Amigos do Loteamento Morada das Nascentes teve registrada, em 25/5/2014, ata de assembleia que destituiu a recorrente do cargo de presidente, nomeando para o cargo o Sr. Israel Geraldi.

Já em 18/11/2014, houve apresentação de nova ata de assembleia, com qualificação negativa, pois não teria sido regularmente convocada e presidida pelo então presidente da associação, com reapresentação em 30/12/2014.

Assim sendo, verifica-se que a Oficial somente atendeu aos princípios registrais ao negar os registros anteriores, até que fosse apresentada ordem judicial emitida nos autos da ação declaratória de nulidade.

Quanto à segunda impugnação, também não houve qualquer conduta a ensejar a responsabilidade disciplinar da registradora.

Em 17/3/2015, foi levado a registro a decisão liminar que autorizava a recorrente a responder pela associação, enquanto a questão relativa à eleição do novo presidente ainda estava sub judice, buscando o cancelamento do registro da assembleia que elegera Israel Giraldi como novo presidente.

Ocorre que o cancelamento de registro ou averbação só se mostra possível quando se tratar de decisão judicial transitada em julgado, nos termos do art. 250 da Lei n° 6.015/77:

Art. 250 – Far-se-á o cancelamento:

I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado; (g.n).

A decisão antecipatória de tutela suspendeu os efeitos da assembleia, sem determinação de cancelamento de registros ou averbações (fl. 151/152).

Quanto à r. sentença que declarou a nulidade da assembleia, verifica-se que seu dispositivo não é expresso ao determinar o cancelamento dos registros consequentes, apenas dizendo que a decisão possuía efeito ex tunc:

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a ação, para, rejeitando o pedido de indenização veiculado na inicial, decretar a nulidade da assembleia realizada em 07.06.2014, com efeitos ex tunc, tornando definitiva a tutela de urgência antes deferida. (fl.198)

A r. sentença declaratória de nulidade da assembleia somente transitou em julgado em 10/4/2015 (fl. 192). E o próprio ofício encaminhado pelo MM. Juiz prolator da sentença faz referência apenas à declaração de nulidade da assembleia, com o mencionado efeito ex tunc (fl. 191).

Ademais, como é sabido, os títulos judiciais também não escapam ao crivo da qualificação registral,[1] de modo que o registrador, longe de questionar o conteúdo da decisão e tampouco o seu mérito, deverá examinar se estão atendidos os princípios registrais pertinentes ao caso.

Já quanto à qualificação registral, ela é considerada atribuição fundamental e indissociável da atividade do Oficial de Registros, com natureza obrigatória, inafastável e vinculada ao princípio da legalidade. Traduz o controle dos requisitos legais e normativos do documento apresentado, em juízo prudencial[2].

Por sua relevância, a qualificação registral não pode ser entendida como apenas mais uma das atribuições do serviço de registro de pessoas jurídicas, mas sim como o seu cerne, a própria razão de ser de tão relevante função que confere publicidade e segurança jurídica aos atos que, vencida a qualificação, ingressaram na serventia.

O registro da ata de assembleia de associações deve seguir, além dos ditames legais e normativos, o princípio da continuidade, de modo que os registros e averbações futuras devem atender aos ditames do ato constitutivo registrado e suas legítimas alterações.

E todos esses ditames foram observados pela Oficial na hipótese.

Diz o art. 31, I e II, da Lei n° 8.935/1994, que:

Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:

I – a inobservância das prescrições legais ou normativas;

II – a conduta atentatória às instituições notariais e de registro;

O chamado efeito ex tunc da decisão declaratória de nulidade não poderia servir de base para o cancelamento de inscrições não englobadas na própria ação judicial.

Aliás, a segunda assembleia, realizada em 8/11/2014, sequer era objeto da cognição na ação declaratória, como expressamente decidido naqueles autos (fl. 197).

Se, pelas convicções jurídicas do Oficial, verifica-se que os títulos e documentos apresentados não têm ingresso no registro, nada há a impor responsabilidade disciplinar por tal conduta, até porque a conduta da delegatária não vai de encontro a qualquer imperativo legal ou normativo, tampouco pode ser considerada teratológica.

E a existência de critério legal para a recusa ao registro é o que retira a culpa do ato da Oficial, ou mesmo a existência de ato contrário à normatização correcional, que justifique a instauração de procedimento administrativo disciplinar.

No dizer da doutrina:

Em ambos os quadros [dolo e culpa em sentido estrito] a culpa é um mal, porque sempre implica uma desordenação voluntária relativa aos fins exigíveis da conduta humana. É exatamente porque se poderia e deveria agir de outro modo, para assim cumprir os fins a que se tinham por devidos, que alguém pode dizer-se culpado em dada situação concreta. Se, pois, a culpa pressupõe a possibilidade de ter agido de outra maneira, são seus pressupostos indispensáveis (i) a contingência da ação e (ii) a liberdade de agir ou não agir, bem como a liberdade de agir de um modo ou de outro. Assim sendo, não há culpabilidade possível quando não haja contingência na conduta e liberdade no exercício (a de agir ou não agir) e de especificação (a de eleger os meios de agir).[3]

O elemento subjetivo, aqui, não pode ser relegado a um segundo plano, certo que:

O agente deve ter praticado o ato tido por ilícito com a intenção de realizar a conduta ou, ao menos, faltando com o dever de cuidado na vigilância dos atos praticados por seus funcionários ou mesmo por ter dado orientações erradas ou incompatíveis com a boa e leal prestação da função pública.[4]

Assim, a conduta da Oficial não impõe a instauração de processo administrativo disciplinar, por não poder ser qualificado como infração, tampouco culposa, especialmente à míngua de ofensa à lei ou aos ditames normativos.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 6 de abril de 2018.

Paulo César Batista dos Santos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, para negar provimento ao recurso. São Paulo, 09 de abril de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: JOÃO GERALDO MILANI, OAB/SP 106.741 e LUIZ FABIO COPPI OAB/SP 100.861.

Diário da Justiça Eletrônico de 23.04.2018

Decisão reproduzida na página 068 do Classificador II – 2018


Notas:

[1] Apelações CSM n° 1006009-07.2016.8.26.0161 e 0001652-41.2015.8.26.0547.

[2] DIP, Ricardo. Registro de Imóveis: vários estudos. Porto Alegre: IRIB: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005. p. 168.

[3] DIP, Ricardo. Conceito e natureza da responsabilidade disciplinar dos registradores públicos. São Paulo: Quartier Latin, 2017. Fl. 12.

[4] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Manual de direito notarial. Salvador. Jus Podivm, 2016, p. 246.


Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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