CSM/SP: Registro de Imóveis – Conferência de bens para integralização de capital social de sociedade anônima – Procuração pública outorgada pelo cônjuge – Falecimento da mandante – Regime de comunhão parcial de bens – Comunicação – Necessidade de cumprimento dos poderes outorgados – Mandato com amplos poderes de representação – Precedentes deste Eg. Conselho Superior da Magistratura – Apelação provida.


  
 

Apelação Cível nº 1001687-51.2015.8.26.0363

Apelante: Reynaldo João Milani Filho

Apelado: Oficial de Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi Mirim

VOTO Nº 37.754.

Registro de Imóveis Conferência de bens para integralização de capital social de sociedade anônima Procuração pública outorgada pelo cônjuge Falecimento da mandante Regime de comunhão parcial de bens Comunicação Necessidade de cumprimento dos poderes outorgados Mandato com amplos poderes de representação Precedentes deste Eg. Conselho Superior da Magistratura Apelação provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por REYNALDO JOÃO MILANI FILHO contra r. sentença de fl. 175/178, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi Mirim, negando registro do instrumento particular de conferência de bens para integralização do capital social da sociedade Rofhasar Administração e Participação S/A, tendo como objeto o imóvel matriculado sob nº 77.103 daquela serventia imobiliária.

O apelante sustenta ter sido casado com Aurora Aparecida Viola Milani, desde 26 de março de 1982, pelo regime da comunhão parcial de bens, e que, em 22 de abril de 2014, sua esposa lhe outorgou procuração pública conferindo-lhe poderes específicos para, em seu nome, administrar, alienar e onerar todos os seus bens, podendo constituir nova sociedade e conferir bens para integralização de capital social.

Afirma que, em 22 de dezembro de 2014, foi constituída a referida sociedade anônima, após realização da Assembleia Geral de Constituição, arquivada na Junta Comercial do Estado de São Paulo, e que em 31 de dezembro do mesmo ano, por meio da realização de Assembleia Geral Extraordinária, o apelante conferiu ao capital social da sociedade o imóvel de titularidade do casal, matriculado sob nº 77.103 junto ao Oficial de Registro de Imóveis de Mogi Mirim.

Afirma o apelante que os atos constitutivos da empresa ocorreram em momento anterior ao óbito de sua esposa, ocorrido em 12 de janeiro de 2015, de modo que se encontrava em plena validade a procuração que lhe fora outorgada.

Por fim, afirma a desnecessidade de indicação expressa de poderes de alienação de bem específico, dada a amplitude daqueles outorgados e o regime de bens do casamento.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (248/252).

É o relatório.

Presentes pressupostos processuais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito, o apelo comporta provimento.

Não obstante a mandante Aurora Aparecida Viola Milani tenha falecido em 12 de janeiro de 2015, a conferência de bens levada a registro, em verdade, somente exauriu o negócio jurídico iniciado ainda em 31 de dezembro de 2014, qual seja, a Assembleia Geral Extraordinária na qual se conferiu ao capital social da sociedade o imóvel de titularidade do casal.

De fato, como afirmado, uma vez obedecidos todos os procedimentos, o registro efetivado na Junta Comercial retroage à data da realização da referida Assembleia, evidenciando que todos os atos societários ocorreram em momento anterior ao óbito da outorgante Aurora Aparecida Viola Milani.

Noutras palavras, quando da constituição da sociedade, bem como da conferência de bens, a outorgante ainda estava viva e, consequentemente, em plena validade e eficácia o mandato outorgado.

Aplicável, portanto, o art. 674 do Código Civil, segundo o qual: “embora ciente da morte, interdição ou mudança de estado do mandante, deve o mandatário concluir o negócio já começado, se houver perigo na demora”.

Nesse sentido, há precedente deste Eg. Conselho Superior da Magistratura, quando, no mesmo julgamento, também se afastou a obrigatoriedade de que a procuração identifique expressamente os bens a serem alienados. Isso porque o instrumento público já concede amplos poderes ao mandatário, inclusive de alienação de bens imóveis:

“(…) Por fim, o falecimento do mandante em 24 de dezembro de 2002 não constitui óbice à utilização do mandato, já que a conferência do bem se deu em 16 de outubro de 2002, antes do óbito. O ato a ser praticado por meio da procuração era o de alienação do imóvel, o que se deu com a sua conferência, independentemente do registro.

(…) O art. 661, par. 1º, do Código Civil exige poderes especiais para os atos de alienação de imóveis. Ocorre que a procuração outorgada pelo sócio Benedicto Laporte Vieira da Motta outorgou aos mandatários poderes para: ´gerir e administrar todos os bens, negócios e interesses dele outorgante; podendo adquirir, vender, compromissar, ceder, transferir, permutar, hipotecar, renunciar, dar em pagamento ou por qualquer outra forma ou título alienar, a quem quiser, por preço e condições que convencionar, quaisquer bens, móveis ou imóveis..´ (fls. 56 verso). E ainda para ´..fazer quaisquer contratos, hipotecários, de venda e compra, contratos sociais e alterações, inclusive para aumento ou redução de capital´ (fls. 57). Tais circunstâncias, aliadas ao fato de tratar de hipótese de integralização de capital, levaram este Egrégio Conselho Superior da Magistratura a decidir, que ´Esses poderes, respeitados os entendimentos em sentido contrário expostos nos autos, são, a meu ver, suficientes para o reconhecimento de que pela procuração outorgada o mandante habilitou os mandatários a alienar qualquer de seus bens imóveis mediante integralização do aumento do capital social da empresa apelante, integralização que, ainda ‘in casu’, foi concomitante com a subscrição, pelo mandante, de novas ações ordinárias emitidas pela apelante, como decorre do documento de fls. 29/57´. (Apelação Cível nº 990.10.473.290-5, Rel. Des. MAURÍCIO VIDIGAL, 19/4/2011).

Tal precedente cuida de hipótese idêntica à discutida nesses autos, já que a procuração aqui outorgada também conferiu ao apelante amplos poderes de representação de sua esposa.

Vale destacar que outorgante e outorgado eram cônjuges, em regime de comunhão parcial de bens, o que traz presunção de confiança quanto aos poderes outorgados.

Ainda segundo o Sr. Oficial, não poderia o apelante, valendo-se da referida procuração, conferir um imóvel comum do casal para integralizar o capital societário, unicamente em seu favor, já que sua esposa não passou a integrar a sociedade Rofhasar Administração e Participação S/A.

No entanto, como já ressaltado, o recorrente e sua falecida esposa eram casados pelo regime da comunhão parcial de bens, fazendo valer a regra do art. 1.660 do Código Civil:

Art. 1.660. Entram na comunhão: I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

Desse modo, ainda que a participação societária permanecesse exclusivamente em nome do recorrente, pelo regime de bens que regulava o casamento já extinto, as ações adquiridas onerosamente na constância da união entrariam na comunhão de bens.

Assim, não há prejuízo pelo fato das ações serem titularizadas exclusivamente pelo recorrente ou por sua falecida esposa, pois, se a conferência de bens para a integralização de capital social é uma modalidade de alienação patrimonial, e se a procuração concedia amplos poderes ao representante, inclusive para a alienação de bens, então é válido o negócio jurídico que integrará ao patrimônio comum do casal ações de uma sociedade anônima.

Assim, encontre-se suprida a outorga conjugal exigida pelo art. 1.647 do Código Civil.

Em situação idêntica à tratada nestes autos, esse Eg. Conselho Superior da Magistratura assim firmou seu entendimento:

Registro de Imóveis – Conferência de bens para integralização de capital social – Dúvida julgada procedente em primeira instância – Análise das três exigências – Óbito da outorgante da procuração ocorrido entre a conferência de bens e o registro do título – Afastamento do óbice –  Aplicação do artigo 674 do Código Civil – Falta de identificação dos imóveis a serem transferidos na procuração outorgada – Procuração que confere ao apelante amplos poderes para representar sua esposa, inclusive para alienação de bens – Afastamento do óbice – Precedente deste Conselho – Conferência de bens comuns do casal para integralizar participação em sociedade da qual apenas o marido se tornará sócio – Regime da comunhão parcial de bens – Participação societária que entrará na comunhão de bens, ainda que as ações fiquem em nome do recorrente – Inteligência do artigo 1.660, I, do Código Civil – Anuência suprida pelos termos da procuração e pela futura partilha da participação societária – Exigência afastada. (Apelação Cível n° 1001689-21.2015.8.26.0363, Des. PEREIRA CALÇAS).

Ante o exposto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJe/SP de 28.08.2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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