CSM/SP: Registro de Imóveis – Incorporação imobiliária – Incorporadora que não é titular da propriedade do terreno – Necessidade da participação da proprietária e da incorporadora nos atos de transmissão de direitos nos termos da lei nº 4.591/64 – Contrato preliminar particular não registrado, inexistência de direito real de aquisição – Direito pessoal que não pode ser opostos a terceiro por não possuir eficácia erga omnes – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1001503-02.2018.8.26.0457

Apelante: João Gilberto Pires

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Pirassununga

VOTO Nº 37.760

Registro de Imóveis – Incorporação imobiliária – Incorporadora que não é titular da propriedade do terreno – Necessidade da participação da proprietária e da incorporadora nos atos de transmissão de direitos nos termos da lei nº 4.591/64 – Contrato preliminar particular não registrado, inexistência de direito real de aquisição – Direito pessoal que não pode ser opostos a terceiro por não possuir eficácia erga omnes – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por João Gilberto Pires contra a r. sentença de fls. 77/81, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registros de Imóveis e Anexos da Comarca da Pirassununga, mantendo a recusa do ingresso de escritura pública de compra e venda de imóvel em razão da falta de anuência da incorporadora.

Sustenta a apelante o cabimento do registro em razão da presença de ato jurídico perfeito, inexistência de patrimônio de afetação e regularidade da escritura pública de compra e venda lavrada, competindo seu registro (fls. 90/109).

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 266/267).

É o relatório.

Na matrícula do imóvel há o registro da propriedade em nome de Macaw Incorporadora Ltda, bem como, da incorporação, este último em cumprimento a alvará judicial, sendo incorporadora a Associação Pró-Construção e Incorporação do Edifício Maison Royale (fls. 21/26).

Os artigos 31-A, caput, e 31-B, caput, da lei n. 4.591/64, tem a seguinte redação:

Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

Art. 31-B. Considera-se constituído o patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno.

Portanto, no caso em exame a constituição do patrimônio de afetação dependeria de atos formais a serem praticados conjuntamente pela proprietária do terreno e a incorporadora.

Como não ocorreu qualquer ato formal nesse sentido, e tampouco houve decisão judicial a respeito, observada a convicção do i. sentenciante, não houve a constituição de patrimônio de afetação.

O artigo 28, parágrafo único, da Lei n. 4.591/64, conforma o instituto da incorporação imobiliária nos seguintes termos:

Art. 28. Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

Nestes termos, o incorporador é a figura central relativamente aos atos necessários à construção da edificação, competindo várias atividades para consecução da incorporação imobiliária.

O artigo 29, caput, da Lei n. 4.591/64, traça os contornos jurídicos do incorporador ao dispor:

Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a têrmo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.

Assim, o incorporador pode ser o proprietário do terreno ou não.

No caso em julgamento, a incorporadora e a proprietária do terreno são pessoas jurídicas diversas.

Além disso, a incorporação e seu registro ocorreram por determinação judicial, não sendo fruto da autonomia privada da proprietária e incorporadora.

Na hipótese do incorporador não ser proprietário do imóvel no qual acontece a construção do empreendimento, este deve receber mandato outorgado por instrumento público, com poderes especiais, para concluir todos os negócios tendentes à alienação das frações ideais de terreno.

Essa previsão está contida no artigo 31, alínea “b” e parágrafo 1º, bem como, no artigo 35, parágrafo 4º, da Lei n. 4.591/64:

Art. 31. A iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador, que somente poderá ser:

(…)

b) o construtor (Decreto número 23.569, de 11-12-33, e 3.995, de 31 de dezembro de 1941, e Decreto-lei número 8.620, de 10 de janeiro de 1946) ou corretor de imóveis (Lei nº 4.116, de 27-8-62).

(…)

§ 1º No caso da alínea b, o incorporador será investido, pelo proprietário de terreno, o promitente comprador e cessionário dêste ou o promitente cessionário, de mandato outorgado por instrumento público, onde se faça menção expressa desta Lei e se transcreva o disposto no § 4º, do art. 35, para concluir todos os negócios tendentes à alienação das frações ideais de terreno, mas se obrigará pessoalmente pelos atos que praticar na qualidade de incorporador.

Art. 35. § 4º. Descumprida pelo incorporador e pelo mandante de que trata o § 1º do art. 31 a obrigação da outorga dos contratos referidos no caput dêste artigo, nos prazos ora fixados, a carta-proposta ou o documento de ajuste preliminar poderão ser averbados no Registro de Imóveis, averbação que conferirá direito real oponível a terceiros, com o consequente direito à obtenção compulsória do contrato correspondente.

Nessa linha, a outorga da escritura pública de compra e venda deverá ser realizada pelo proprietário do terreno e pelo incorporador, havendo disciplina legal da outorga de mandato pelo proprietário ao incorporador para tal finalidade.

Portanto, há necessidade da participação de ambos.

Na presente dúvida há a particularidade do registro da incorporação por ordem judicial, o que repercute na ausência de mandato voluntário na forma das prescrições legais acima referidas.

Seja como for, não é possível o registro do título apresentado em virtude da ausência de anuência da incorporadora.

A celebração do contrato de compra e venda, em forma publica, cumprindo o pactuado em instrumento particular celebrado em 10/02/2010, com termo de quitação firmado em 22/08/17 (fls. 04/20) encerra direito de natureza pessoal por não ter havido o registro de direito real de aquisição.

A natureza pessoal desse direito impede sua oposição à incorporadora, a qual, portanto, deve participar do contrato de compra e venda nos termos da Lei n. 4.591/64; notadamente em razão do registro da incorporação em data anterior à celebração da escritura pública de compra e venda.

A disponibilidade do direito da proprietária, por força do registro da incorporação, depende da participação do incorporador.

Nessa ordem de ideias, não é possível o registro do contrato de compra e venda sem a anuência da incorporadora.

Por todo o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJe/SP de 26.07.2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.