CSM/SP: Registro de Imóveis – Incorporação imobiliária – Incorporadora que não é titular da propriedade do terreno – Necessidade da participação da proprietária e da incorporadora nos atos de transmissão de direitos nos termos da lei nº 4.591/64 – Contrato preliminar particular não registrado, inexistência de direito real de aquisição – Direito pessoal que não pode ser opostos a terceiro por não possuir eficácia erga omnes – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1001503-02.2018.8.26.0457

Apelante: João Gilberto Pires

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Pirassununga

VOTO Nº 37.760

Registro de Imóveis – Incorporação imobiliária – Incorporadora que não é titular da propriedade do terreno – Necessidade da participação da proprietária e da incorporadora nos atos de transmissão de direitos nos termos da lei nº 4.591/64 – Contrato preliminar particular não registrado, inexistência de direito real de aquisição – Direito pessoal que não pode ser opostos a terceiro por não possuir eficácia erga omnes – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por João Gilberto Pires contra a r. sentença de fls. 77/81, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registros de Imóveis e Anexos da Comarca da Pirassununga, mantendo a recusa do ingresso de escritura pública de compra e venda de imóvel em razão da falta de anuência da incorporadora.

Sustenta a apelante o cabimento do registro em razão da presença de ato jurídico perfeito, inexistência de patrimônio de afetação e regularidade da escritura pública de compra e venda lavrada, competindo seu registro (fls. 90/109).

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 266/267).

É o relatório.

Na matrícula do imóvel há o registro da propriedade em nome de Macaw Incorporadora Ltda, bem como, da incorporação, este último em cumprimento a alvará judicial, sendo incorporadora a Associação Pró-Construção e Incorporação do Edifício Maison Royale (fls. 21/26).

Os artigos 31-A, caput, e 31-B, caput, da lei n. 4.591/64, tem a seguinte redação:

Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

Art. 31-B. Considera-se constituído o patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno.

Portanto, no caso em exame a constituição do patrimônio de afetação dependeria de atos formais a serem praticados conjuntamente pela proprietária do terreno e a incorporadora.

Como não ocorreu qualquer ato formal nesse sentido, e tampouco houve decisão judicial a respeito, observada a convicção do i. sentenciante, não houve a constituição de patrimônio de afetação.

O artigo 28, parágrafo único, da Lei n. 4.591/64, conforma o instituto da incorporação imobiliária nos seguintes termos:

Art. 28. Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

Nestes termos, o incorporador é a figura central relativamente aos atos necessários à construção da edificação, competindo várias atividades para consecução da incorporação imobiliária.

O artigo 29, caput, da Lei n. 4.591/64, traça os contornos jurídicos do incorporador ao dispor:

Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a têrmo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.

Assim, o incorporador pode ser o proprietário do terreno ou não.

No caso em julgamento, a incorporadora e a proprietária do terreno são pessoas jurídicas diversas.

Além disso, a incorporação e seu registro ocorreram por determinação judicial, não sendo fruto da autonomia privada da proprietária e incorporadora.

Na hipótese do incorporador não ser proprietário do imóvel no qual acontece a construção do empreendimento, este deve receber mandato outorgado por instrumento público, com poderes especiais, para concluir todos os negócios tendentes à alienação das frações ideais de terreno.

Essa previsão está contida no artigo 31, alínea “b” e parágrafo 1º, bem como, no artigo 35, parágrafo 4º, da Lei n. 4.591/64:

Art. 31. A iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador, que somente poderá ser:

(…)

b) o construtor (Decreto número 23.569, de 11-12-33, e 3.995, de 31 de dezembro de 1941, e Decreto-lei número 8.620, de 10 de janeiro de 1946) ou corretor de imóveis (Lei nº 4.116, de 27-8-62).

(…)

§ 1º No caso da alínea b, o incorporador será investido, pelo proprietário de terreno, o promitente comprador e cessionário dêste ou o promitente cessionário, de mandato outorgado por instrumento público, onde se faça menção expressa desta Lei e se transcreva o disposto no § 4º, do art. 35, para concluir todos os negócios tendentes à alienação das frações ideais de terreno, mas se obrigará pessoalmente pelos atos que praticar na qualidade de incorporador.

Art. 35. § 4º. Descumprida pelo incorporador e pelo mandante de que trata o § 1º do art. 31 a obrigação da outorga dos contratos referidos no caput dêste artigo, nos prazos ora fixados, a carta-proposta ou o documento de ajuste preliminar poderão ser averbados no Registro de Imóveis, averbação que conferirá direito real oponível a terceiros, com o consequente direito à obtenção compulsória do contrato correspondente.

Nessa linha, a outorga da escritura pública de compra e venda deverá ser realizada pelo proprietário do terreno e pelo incorporador, havendo disciplina legal da outorga de mandato pelo proprietário ao incorporador para tal finalidade.

Portanto, há necessidade da participação de ambos.

Na presente dúvida há a particularidade do registro da incorporação por ordem judicial, o que repercute na ausência de mandato voluntário na forma das prescrições legais acima referidas.

Seja como for, não é possível o registro do título apresentado em virtude da ausência de anuência da incorporadora.

A celebração do contrato de compra e venda, em forma publica, cumprindo o pactuado em instrumento particular celebrado em 10/02/2010, com termo de quitação firmado em 22/08/17 (fls. 04/20) encerra direito de natureza pessoal por não ter havido o registro de direito real de aquisição.

A natureza pessoal desse direito impede sua oposição à incorporadora, a qual, portanto, deve participar do contrato de compra e venda nos termos da Lei n. 4.591/64; notadamente em razão do registro da incorporação em data anterior à celebração da escritura pública de compra e venda.

A disponibilidade do direito da proprietária, por força do registro da incorporação, depende da participação do incorporador.

Nessa ordem de ideias, não é possível o registro do contrato de compra e venda sem a anuência da incorporadora.

Por todo o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJe/SP de 26.07.2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


Recurso Administrativo – Procedimento de Controle Administrativo – Pedido de reserva de cotas raciais em concurso público para outorga de delegação de serviços notariais e registrais – Impossibilidade – Autonomia do Tribunal – Precedentes – 1. A Resolução CNJ nº 203/2015 não assegura a reserva de vagas aos candidatos negros no caso de concurso para as atividades notariais e registrais, mas apenas para provimentos de cargos efetivos nos órgãos do Poder Judiciário – 2. A previsão de reserva de cotas raciais em concurso público para outorga de delegação de serviços notariais e registrais insere-se no campo da autonomia administrativa dos Tribunais de Justiça, não sendo possível sua imposição por parte do CNJ. Precedentes – 4. A inexistência de argumentos novos e suficientes a alterar a decisão monocrática impede o provimento do recurso administrativo – 5. Recurso administrativo conhecido e improvido.

Recurso Administrativo – Procedimento de Controle Administrativo – Pedido de reserva de cotas raciais em concurso público para outorga de delegação de serviços notariais e registrais – Impossibilidade – Autonomia do Tribunal – Precedentes – 1. A Resolução CNJ nº 203/2015 não assegura a reserva de vagas aos candidatos negros no caso de concurso para as atividades notariais e registrais, mas apenas para provimentos de cargos efetivos nos órgãos do Poder Judiciário – 2. A previsão de reserva de cotas raciais em concurso público para outorga de delegação de serviços notariais e registrais insere-se no campo da autonomia administrativa dos Tribunais de Justiça, não sendo possível sua imposição por parte do CNJ. Precedentes – 4. A inexistência de argumentos novos e suficientes a alterar a decisão monocrática impede o provimento do recurso administrativo – 5. Recurso administrativo conhecido e improvido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)


Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0001590-75.2019.2.00.0000

Requerente: JOENIO MARQUES

Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – TJSC

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE RESERVA DE COTAS RACIAIS EM CONCURSO PÚBLICO PARA OUTORGA DE DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS. IMPOSSIBILIDADE. AUTONOMIA DO TRIBUNAL. PRECEDENTES.

1. A Resolução CNJ n. 203/2015 não assegura a reserva de vagas aos candidatos negros no caso de concurso para as atividades notariais e registrais, mas apenas para provimentos de cargos efetivos nos órgãos do Poder Judiciário.

2. A previsão de reserva de cotas raciais em concurso público para outorga de delegação de serviços notariais e registrais insere-se no campo da autonomia administrativa dos Tribunais de Justiça, não sendo possível sua imposição por parte do CNJ. Precedentes.

4. A inexistência de argumentos novos e suficientes a alterar a decisão monocrática impede o provimento do recurso administrativo.

5. Recurso administrativo conhecido e improvido.

ACÓRDÃO Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Declarou impedimento o Conselheiro Márcio Schiefler Fontes. Plenário Virtual, 28 de junho de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e o então Conselheiro Valdetário Andrade Monteiro. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiro Henrique Ávila e, em razão do impedimento declarado, o Conselheiro Márcio Schiefler Fontes.

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Administrativo interposto por Joênio Marques contra decisão monocrática que julgou improcedente o pedido e determinou o arquivamento do feito, nos termos do artigo 25, X, do Regimento Interno do CNJ.

O relatório da decisão combatida foi sistematizado nos seguintes termos:

“Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido de liminar, proposto por Joênio Marques em face do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), no qual requer provimento que assegure a reserva de cotas raciais em concurso público para a outorga de delegação de serviços notariais e registrais do mencionado Estado (Edital n. 03/2019).

O requerente afirma ser necessária a revisão do posicionamento firmado no PCA n. 0000058-71.2016.2.00.0000, no qual entendeu-se pela possibilidade, a critério dos Tribunais de Justiça, da instituição de política de cotas nos concursos dessa natureza.

Argumenta que o STF já decidiu pela constitucionalidade da política de cotas raciais, bem como que a ausência de previsão dessa política ‘nos concursos públicos para delegação dos serviços de notas e de registro impede, por completo, a realização do direito constitucional à igualdade material no acesso a essas atividades delegadas a particulares’.

Prossegue defendendo que a igualdade material é norma constitucional cogente, razão pela qual a instituição das cotas não está sujeita à escolha política dos Tribunais de Justiça, revelando-se inadmissível o estabelecimento de tratamento diferenciado em relação à magistratura.

Pede, ao final:

(i) ‘Cautelar e liminarmente, nos termos do art. 25, XI do RICNJ, seja determinada a suspensão do concurso até que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina regulamente a matéria em seu Edital e inclua a cláusula de reserva de vagas;’

(ii) ‘no Mérito, seja determinado ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que estabeleça a política de ação afirmativa concernente à reserva de cotas para afrodescendentes no Edital nº. 03/2019, que dispõe sobre o concurso público para a outorga de delegação de serviços notariais e registrais pelo Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, e inclua a cláusula de reserva de vagas no importe de 20% no referido edital, conforme determina a legislação federal.’

Instado a manifestar-se, o TJSC informa que a pretensão objeto deste feito foi analisada e indeferida pela Comissão do Concurso, em decisão que julgou as impugnações ao edital. Por fim, sustenta que a Corte ‘observou o entendimento consolidado pelo Conselho Nacional de Justiça e agiu no exercício de sua autonomia e discricionariedade administrativa para a realização do concurso público aberto pelo Edital n. 3/2019’.

É o Relatório.” (Id 3601003)

Em sede recursal, o recorrente repisa os argumentos já expostos na petição inicial e, ao final, renova os mesmos pedidos nela deduzidos (Id 3616919).

Instado a apresentar contrarrazões, o TJSC limitou-se a reiterar as informações prestadas no Id 3589168.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso administrativo por ser tempestivo e próprio.

Após detida análise dos argumentos deduzidos na peça sob exame, averiguou-se não ter sido colacionada nenhuma nova tese ou informação capazes de reclamar a revisão da decisão monocrática.

Assim, por inteira pertinência, rememoram-se os termos do decisum (grifos no original):

“Em que pesem os judiciosos argumentos veiculados na petição inicial e embora se reconheça a necessidade de aperfeiçoamento das políticas públicas afirmativas – fundamentais para a redução das desigualdades sociais e raciais –, fato é que o Plenário deste Conselho já se manifestou em definitivo, no sentido contrário à pretensão do requerente, nos autos dos PCAs n. 0005035-43.2015.2.00.0000 e 0000058-71.2016.2.00.0000.

No PCA n. 0005035-43.2015.2.00.0000, decidiu-se que a Resolução CNJ n. 203/2015 não assegura a reserva de vagas a candidatos negros na hipótese de concurso público para ingresso em atividade notarial e registral.

Eis a ementa do acórdão:

‘RECURSO ADMINISTRATIVO. DECISÃO SINGULAR PROFERIDA EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS NOVOS A ENSEJAR A REFORMULAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Insurgência contra a ausência de reservas de vagas aos negros em Concurso Público para os cargos de Notário e Registrador do Estado do Pará (Edital nº 001/2015).

2. Resolução CNJ n.º 203/15 não assegura a reserva de vagas aos negros no caso de concurso para as atividades notariais e registrais, mas apenas para provimentos de cargos efetivos nos órgãos do Poder Judiciário.

3. A atividade notarial e registral não se enquadra no conceito de serviço público.

4. A inexistência de argumentos novos e suficientes a alterar a decisão monocrática impede o provimento do recurso administrativo.

5. Recurso administrativo conhecido e improvido.’

(CNJ RA – Recurso Administrativo em PCA Procedimento de Controle Administrativo 0005035-43.2015.2.00.0000 Rel. EMMANOEL CAMPELO 10ª Sessão Virtual j. 12/04/2016)

Em atenção a esse precedente, o eminente Conselheiro Fernando Mattos, em julgamento monocrático nos autos da Consulta n. 0005545-56.2015.2.00.0000, decidiu que ‘a Resolução CNJ 203/2015 não é aplicável aos concursos para outorga de delegações de notas e registros’.

Na ocasião, o Conselheiro adotou manifestação da Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas (CEOGP), que opinou pela impossibilidade ‘de que o Conselho Nacional de Justiça determine aplicação da Resolução/CNJ n. 203/2015 aos certames previstos na Resolução/CNJ n. 81/2009, tendo em conta que aquela fora elaborada levando em consideração um público específico, magistrados e servidores ativos do Poder Judiciário pátrio’.

Registre-se que essa manifestação da CEOGP fundamentou-se em parecer exarado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), órgão técnico deste Conselho.

Por inteira pertinência, convém transcrever trecho do citado parecer (g. n.):

‘Independentemente das linhas de interpretação a serem assumidas pelo Conselho Nacional de Justiça quanto à aplicabilidade formal do disposto na Resolução n. 203/2015, é oportuno mencionar que o Censo do Poder Judiciário, principal fonte de evidências utilizada em subsídio às decisões do CNJ neste assunto, esteve limitado ao público formado pelos magistrados e servidores ativos nos órgãos do Poder Judiciário enumerados no artigo 92, I, I-A, II, III, IV, V, VI e VII, da Constituição Federal.

Isto posto, ainda que se entenda que a Resolução N. 203/2015 seja aplicável aos concursos públicos de provas e títulos para a outorga das delegações de notas e de registro, tal realidade institucional não esteve considerada especificamente no Censo do Poder Judiciário e estudos dele derivados, a partir dos quais foram identificadas desigualdades raciais e sugeridos percentuais e tempos de vigência para as políticas afirmativas aplicáveis a cada um dos cargos a comporem a estrutura de pessoal do Poder Judiciário.

Não apenas os estudos já realizados não contemplaram as características específicas dos serviços notariais ou de registros, e de seus concursos públicos, como não foram feitos os cálculos especificamente voltados a estimar o tempo de vigência apropriado para uma eventual aplicação das ações afirmativas de reserva de vagas para a população negra.

Como, por ações afirmativas, devem ser entendidas ações, programas ou políticas temporárias de preferência por membros de determinados grupos no acesso a espaços sociais ou institucionais específicos, ao não contemplar tais especificidades em estudos prévios, a simples aplicação da Resolução CNJ N. 203/2015 a realidade institucional tão peculiar poderia resultar, ou em poucos efeitos práticos, ou em efeitos distintos daqueles esperados pelo Conselho Nacional de Justiça quando da edição da Resolução n. 203/2015.

A legitimidade das políticas afirmativas geralmente está relacionada ao reconhecimento da existência de processos sociais que desencadeiam desigualdades injustas, sempre tendo em vista perspectivas igualitaristas, com ênfase na ideia de igualdade real ou substantiva. Como as políticas afirmativas podem incidir em diversos processos organizacionais (ingresso, movimentação horizontal ou vertical nas carreiras), ao não levar em consideração as especificidades dos serviços notariais ou de registros, corre-se o risco de não estar atuando nos processos ou momentos institucionais mais importantes para o fim último de promoção da igualdade.

Apenas a título ilustrativo, ao se aventar as possíveis repercussões da aplicação, sem novos estudos, da Resolução CNJ N. 203/2015 à realidade dos concursos para outorga de delegações de notas e de registro, pode-se não estar impactando os temas mais relevantes em termos de promoção da igualdade, já que tais outorgas guardam especificidades não apenas em termos dos critérios e exigências dos concursos públicos em si, como também nos resultados do trabalho em termos de faturamento.

Sobre os concursos públicos, há especificidades não desprezíveis, como, por exemplo, as exigências em termos de títulos e/ou experiências superiores a dez anos em serviços notariais ou de registros, elemento bastante relevante para estudos com a finalidade de subsidiar políticas afirmativas.

Já sobre os resultados desta outorga, diferentemente dos concursos de provas e títulos para ingresso nas carreiras de magistrado e de servidor, ao se outorgar a titularidade dos serviços notariais e de registro, não há garantia de que os resultados desta outorga, sobretudo em termos de faturamento, são equiparáveis como são os cargos de servidores e magistrados. Portanto, há desigualdades entre os titulares dos serviços notariais que, talvez, devesse ser considerada quando da formulação de alguma política afirmativa.

Ainda que a consulta em tela diga respeito apenas aos concursos públicos para outorga da titularidade dos serviços notariais e de registro, é oportuno mencionar que, em termos do impacto de uma eventual política afirmativa na igualdade racial no mercado de trabalho, talvez a edição de nova Resolução que discipline a seleção da força de trabalho auxiliar dos cartórios extrajudiciais tenha ainda mais impacto na promoção da igualdade racial, atualmente feitas sem qualquer atenção ao princípio da igualdade e da isonomia.

Além dos efeitos diretos que a aventada nova Resolução teria na própria composição étnico-racial da força de trabalho auxiliar dos serviços notariais e de registro, é importante mencionar os eventuais efeitos positivos indiretos que força de trabalho mais diversamente composta nestes espaços teria em termos da qualidade dos serviços de interesse público prestados.’

Já no PCA n. 0000058-71.2016.2.00.0000, ponderou-se que ‘os precedentes anteriores deste Conselho Nacional definiram que não se pode determinar, com base na Resolução CNJ nº 203/2015, que determinado tribunal inclua cotas raciais em um concurso público para delegação de notas e registros. Todavia, não há ilegalidade a ser controlada quando o Tribunal, como no presente caso, valendo-se de sua autonomia e com amparo na jurisprudência pátria, inclusive do STF, buscando garantir a efetividade material do princípio da igualdade, coloca regra específica em edital prestigiando a política de cotas.’

O acórdão foi assim ementado (g. n.):

‘RECURSO ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE TOCANTINS – TJTO. CONCURSO PARA OUTORGA DE SERVENTIAS. RESPEITO AS REGRAS NORTEADORAS DO CONCURSO PÚBLICO. LEI FEDERAL N° 12.990/2014. CONCEITO DE JURIDICIDADE APLICÁVEL AO ATO DO TRIBUNAL. AUTONOMIA. ESCOLHA POLÍTICA.

1. Possibilidade de aplicação das Leis n° 12.990/2014 e 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) aos concursos de outorga de delegações em razão do efeito transcendente da ADC n° 41/DF, da exigência constitucional de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, e, por decorrência lógica, do dever de respeito aos princípios norteadores do concurso público.

2. Conceito de juridicidade aplicável ao caso, tendo em vista que extrapola a compreensão tradicional da legalidade estrita, pois deve a Administração Pública observar não apenas às leis, como também ao ordenamento jurídico como um todo, incluindo-se a Constituição e seus princípios jurídicos.

3. Ainda que não exista previsão expressa na Resolução CNJ  nº 203/2015 no tocante à obrigatoriedade de sua aplicação em relação aos concursos públicos para delegação de notas e registros, não há ilegalidade a ser controlada no caso concreto, posto que o ato impugnado configura uma escolha política do TJTO que, valendo-se de sua autonomia e com amparo na jurisprudência pátria inclusive do STF busca garantir a efetividade material do princípio da igualdade, a partir de regra específica no edital prestigiando a política de cotas.

4. Recurso administrativo a que se dá parcial provimento.’

(CNJ RA – Recurso Administrativo em PCA Procedimento de Controle Administrativo 0000058-71.2016.2.00.0000 Rel. ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO 272ª Sessão Ordinária j. 22/05/2018)

Também nessa linha de raciocínio foi o entendimento perfilhado pela Excelentíssima Ministra Cármen Lúcia no julgamento da ADC n. 41/DF. Nas palavras de Sua Excelência: ‘nós, talvez, só tenhamos que tornar claro, sendo essa a tese vencedora, que nós não estamos obrigando, porque, no espaço da autonomia federativa, obviamente, cada Estado haverá de adotar se quiser’.

Assim, conclui-se, na esteira da jurisprudência do CNJ, que as razões apresentadas pelo requerente não comportam acolhimento.

Cabe assinalar que os argumentos apresentados nestes autos – os quais, em linhas gerias, gravitam em torno da necessidade de promoção da igualdade material –, já foram devidamente considerados nas decisões interiores, inexistindo circunstâncias novas com aptidão para alterar o posicionamento firmado por este Conselho.

Diante do exposto, observada a prerrogativa constante do artigo 25, inciso X, do Regimento Interno deste Conselho, julgo improcedente o pedido.” (Id 3601003)

Conforme dito alhures, a peça recursal, em linhas gerais, apenas reiterou os argumentos apresentados na inicial, os quais, convém destacar, já foram especificamente analisados.

Por esse motivo, reafirmam-se os fundamentos da decisão monocrática, mantendo-se o entendimento de que não se pode determinar ao Tribunais a inclusão de cotas raciais em um concurso público para delegação de notas e registros, ficando a critério de cada Corte, no exercício de sua autonomia administrativa, a instituição de política de cotas nos concursos dessa natureza.

Diante do exposto, conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento.

É como voto.

Brasília, 30 de maio de 2019.

Conselheira Daldice Santana

Relatora

Brasília, 2019-07-02. /

Dados do processo:

CNJ – Procedimento de Controle Administrativo nº 0001590-75.2019.2.00.0000 – Santa Catarina – Rel. Cons. Daldice Santana – DJ 04.07.2019


Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


Câmara: Projeto autoriza saque nas contas do FGTS em janeiro de cada ano

O Projeto de Lei PL 3438/19 autoriza o saque em conta ativa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no mês de janeiro de cada ano, a critério do trabalhador. O texto insere essa possibilidade no rol de movimentações das contas vinculadas previsto na Lei do FGTS (8.036/90).

A proposta está em tramitação na Câmara dos Deputados. “Os trabalhadores, únicos e exclusivos proprietários dos recursos do FGTS, não possuem ingerência na gestão do dinheiro e sofrem prejuízos com a baixa remuneração”, afirmou o autor, deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE).

Nos últimos dez anos, disse ele, os rendimentos do FGTS só superaram a inflação em 2017.

Tramitação

A proposta tramita em caráter conclusivo e será analisada pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Agência Câmara Notícias

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.