Recurso Especial – Condomínio – Animais – Convenção – Regimento interno – Proibição – Flexibilização – Possibilidade – 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ) – 2. Cinge-se a controvérsia a definir se a convenção condominial pode impedir a criação de animais de qualquer espécie em unidades autônomas do condomínio – 3. Se a convenção não regular a matéria, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos arts. 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei nº 4.591/1964 – 4. Se a convenção veda apenas a permanência de animais causadores de incômodos aos demais moradores, a norma condominial não apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade – 5. Se a convenção proíbe a criação e a guarda de animais de quaisquer espécies, a restrição pode se revelar desarrazoada, haja vista determinados animais não apresentarem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio – 6. Na hipótese, a restrição imposta ao condômino não se mostra legítima, visto que condomínio não demonstrou nenhum fato concreto apto a comprovar que o animal (gato) provoque prejuízos à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores – 7. Recurso especial provido.


  
 

Recurso Especial – Condomínio – Animais – Convenção – Regimento interno – Proibição – Flexibilização – Possibilidade – 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ) – 2. Cinge-se a controvérsia a definir se a convenção condominial pode impedir a criação de animais de qualquer espécie em unidades autônomas do condomínio – 3. Se a convenção não regular a matéria, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos arts. 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei nº 4.591/1964 – 4. Se a convenção veda apenas a permanência de animais causadores de incômodos aos demais moradores, a norma condominial não apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade – 5. Se a convenção proíbe a criação e a guarda de animais de quaisquer espécies, a restrição pode se revelar desarrazoada, haja vista determinados animais não apresentarem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio – 6. Na hipótese, a restrição imposta ao condômino não se mostra legítima, visto que condomínio não demonstrou nenhum fato concreto apto a comprovar que o animal (gato) provoque prejuízos à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores – 7. Recurso especial provido. (Nota da Redação INR: ementa oficial).

RECURSO ESPECIAL Nº 1.783.076 – DF (2018/0229935-9)

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

RECORRENTE : LILIAM TATIANA FERREIRA FRANCO

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL

RECORRIDO : CONDOMÍNIO RESIDENCIAL DAS PALMEIRAS

ADVOGADO : KARINE FRANCELINA SOUSA – DF024709

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. ANIMAIS. CONVENÇÃO. REGIMENTO INTERNO. PROIBIÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Cinge-se a controvérsia a definir se a convenção condominial pode impedir a criação de animais de qualquer espécie em unidades autônomas do condomínio.

3. Se a convenção não regular a matéria, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos arts. 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei nº 4.591/1964.

4. Se a convenção veda apenas a permanência de animais causadores de incômodos aos demais moradores, a norma condominial não apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade.

5. Se a convenção proíbe a criação e a guarda de animais de quaisquer espécies, a restrição pode se revelar desarrazoada, haja vista determinados animais não apresentarem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio.

6. Na hipótese, a restrição imposta ao condômino não se mostra legítima, visto que condomínio não demonstrou nenhum fato concreto apto a comprovar que o animal (gato) provoque prejuízos à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores.

7. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 14 de maio de 2019(Data do Julgamento)

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por LILIAM TATIANA FERREIRA FRANCO, com fundamento no art. 105, III, “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios assim ementado:

“DIREITO CIVIL E CONDOMINIAL. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. CRIAÇÃO DE ANIMAIS. VEDAÇÃO EXPRESSA EM CONVENÇÃO CONDOMINIAL. INFRINGÊNCIA. TRANSTORNO AOS MORADORES.

1 – As normas inscritas na convenção condominial e regimento interno incidem sobre todos os moradores, razão pela qual a proibição expressa de permanência de animais nas unidades condominiais do edifício deve prevalecer sobre a vontade individual de cada morador.

2 – Deu-se provimento ao recurso” (fl. 197 e-STJ).

Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 243-255 e-STJ).

Nas razões recursais (fls. 256-265 e-STJ), a ora recorrente alega a existência de dissídio jurisprudencial quanto à interpretação do art. 1.228 do Código Civil de 2002.

Sustenta que o acórdão recorrido divergiu do entendimento dos demais Tribunais de Justiça ao reconhecer a validade da norma condominial que proíbe indistintamente qualquer tipo de animal dentro de apartamento em detrimento do direito de propriedade.

Pondera que “há excesso normativo ao existir vedação condominial genérica que restringe descabidamente o direito à propriedade”. Acrescenta que “tal direito, em área autônoma, apenas deve ser mitigado quando se fizer necessário à preservação da saúde, segurança e sossego dos demais condôminos” (fl. 264 e-STJ).

Com as contrarrazões (fls. 292-99 e-STJ), o Tribunal de origem não admitiu o apelo especial (fls. 300-301 e-STJ), ascendendo os autos a esta Corte com o agravo em recurso especial (fls. 307-310 e-STJ).

Diante das peculiaridades da causa, esta relatoria deu provimento ao agravo para determinar a conversão em recurso especial com vistas ao melhor exame da controvérsia (fls. 328-329 e-STJ).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

A irresignação merece prosperar.

Cinge-se a controvérsia a definir se a convenção condominial pode impedir a criação de animais de qualquer espécie em unidades autônomas do condomínio.

1. Do histórico

Na origem, Liliam Tatiana Ferreira Franco (ora recorrente) ajuizou ação de obrigação de não fazer com pedido de tutela de urgência contra o Condomínio Residencial das Palmeiras (ora recorrido) postulando o direito de criar animal de estimação (no caso, um gato) dentro de apartamento, haja vista a proibição prevista na respectiva convenção e no regimento interno (fls. 6-21 e-STJ).

O magistrado de primeiro grau julgou procedente o pedido para determinar que o condomínio “se abstenha de praticar ato que impeça ou inviabilize a criação e manutenção, pela demandante (LILIAM TATIANA FERREIRA FRANCO), da sua gata de estimação identificada na petição inicial, em sua unidade autônoma de residência” (fls. 152-155 e-STJ).

Interposta apelação (fls. 160-178 e-STJ), o Tribunal de origem deu provimento ao recurso, nos termos da seguinte fundamentação:

“(…)

A Lei n.º 4.591/64 em seu artigo 19 garante aos condôminos a possibilidade de usar e fruir da unidade autônoma considerando os interesses da coletividade, sem causar dissonância com os anseios destes. (…)

Realizadas as balizas do caso em análise, preambularmente, esclarece-se que as normas condominiais estão previstas na Convenção do Condomínio sendo aplicáveis a todos os condôminos.

Com efeito, o art. 1.333 do Código Civil trata da necessidade de observância da Convenção Condominial, a qual determinará direitos e obrigações aos titulares ou detentores de direitos sobre as unidades[1].

Nesse compasso o art. 1.334 do Código Civil estatui as matérias que serão tratadas na convenção do condomínio, elencando dentre elas as sanções a que estarão sujeitos os condôminos ou possuidores do imóvel[2].

No caso concreto, nota-se que o art. 5º, ‘o’, da Convenção do Condomínio estatui como vedação a manutenção e criação de animais nas respectivas unidades autônomas, bem como nas partes comuns, independentemente da espécie, raça ou porte (ID 2409860 – pág. 2): (…)

No mesmo sentido, os artigos 2º, VIII, e 3º, XV, do Regimento Interno, asseveram que (ID 2409860 – páginas 13 e 15): (…)

Apesar da ciência da autora acerca das normas condominiais que proíbem a existência de animais no edifício, a mesma defende a permanência da gata Nina Franco em sua residência, por considerá-la, ‘de certa maneira, verdadeiro membro da família’, que não causa transtorno no ambiente condominial.

Entretanto, as proibições expressas constantes da Convenção do Condomínio e do Regimento Interno se mostram suficientes para proibir a manutenção de animais no edifício.

Ademais, ainda que as 4 declarações constantes nas páginas 10/13 do ID 2409862, feitas a pedido da autora, registrem posicionamentos pessoais de desconhecimento de problemas causados pelo animal, a própria advertência expedida pelo síndico comprova que a inobservância das normas internas do condomínio causou transtorno no ambiente condominial (ID 2409862 – pág. 7).

Além disso, não pode ser deixada de lado a consideração de que a proibição de animais no condomínio possa ter sido um dos fatores para a escolha de outros condôminos na hora em que adquiriram uma propriedade no Condomínio.

O panorama que se apresenta nesta Corte de Justiça quanto ao tema é a manutenção da convenção condominial, confira-se: (…)

Em síntese, ao proibir categoricamente a criação de animais na habitação coletiva, independentemente das características do animal, a Convenção do Condomínio e o Regimento Interno veiculam normas que incidem sobre todos os moradores, razão pela qual a sentença deve ser reformada.

No tocante à imposição de multa pelo descumprimento das normas, cabe destacar que o artigo 54, II, do Regimento Interno do Condomínio já prevê a penalidade para a inobservância do normativo, constando, inclusive, disposições referentes aos casos de reincidência[3].

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para, reformando a r. sentença, JULGAR IMPROCEDENTE os pedidos da autora, devendo, portanto prevalecer as regras condominiais” (fls. 200-203 e-STJ).

Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 243-255 e-STJ).

Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do presente recurso.

2. Da regra proibitiva prevista na convenção condominial de criar animais de quaisquer espécies – art. 1.228 do CC/2002

A ora recorrente sustenta que o acórdão recorrido divergiu do entendimento dos demais Tribunais de Justiças ao reconhecer a validade da norma condominial que proíbe indistintamente qualquer tipo de animal dentro de apartamento em detrimento do direito de propriedade.

A cláusula da convenção em debate tem a seguinte redação:

“Art. 5º – São OBRIGAÇÕES dos condôminos:

(…)

o) – Não manter, nem criar ANIMAIS nas respectivas unidades autônomas, bem como nas partes comuns” (fl. 37 e-STJ).

Os arts. 2º, VIII, e 3º, XV, do Regimento Interno do Condomínio também apresenta idêntica disposição normativa:

“Art. 2º. São deveres dos Condôminos:

(…) VIII – Não manter, nem criar ANIMAIS nas respectivas unidades autônomas, bem como nas partes comuns (…)

Art. 3º. É proibido:

(…) XV – Possuir, manter nas unidades ou fazer circular no edifício, animais domésticos ou não, quaisquer que sejam a sua espécie, raça ou porte, independentemente do perigo, insalubridade ou desassossego que possam representar para os moradores ou visitantes” (fls. 48-50 e-STJ).

Consoante os arts. 1.332, 1.333 e 1.344 do CC/2002, a convenção condominial é a norma interna que disciplina as relações entre os condôminos, a forma de administração, a competência das assembleias, a forma de convocação e o quórum exigido para as deliberações, o uso de áreas exclusivas e comuns, o rateio de despesas ordinárias e extraordinárias, as sanções disciplinares etc.

O Código Civil permite à convenção ter outras regras que os “interessados houverem por bem estipular” (art. 1.334, caput). Desse modo, o rol das matérias previstas nos dispositivos acima indicados é meramente exemplificativo, revelando o conteúdo mínimo da regulamentação do condomínio.

Assim, a convenção representa o exercício da autonomia privada, cabendo aos interessados suprir as disposições legais em atenção às condições peculiares de cada condomínio (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações – 12ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016, pág. 94).

Nesse contexto, é verdade que a vida em condomínio impõe diversas restrições ao direito de uso das unidades autônomas com o intuito de possibilitar a convivência harmônica entre os moradores. Todavia, tais limitações podem ser apreciadas pelo Poder Judiciário sob o aspecto da legalidade e da necessidade do respeito à função social da propriedade (art. 5º, XXII, da Constituição Federal).

A questão acerca da permanência de animais em condomínio apresenta decisões díspares no âmbito dos tribunais de justiça, circunstância que merece análise mais aprofundada pelo Superior Tribunal de Justiça para estabelecer as balizas para uniformizar o tratamento da interpretação da lei federal.

Segundo dados do ano de 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil é o quarto maior país em número de animais de estimação (132 milhões) e o segundo em número de cães, gatos e aves canoras e ornamentais (Fonte:http://www.agricultura.gov.br/assuntos/camaras-setoriais-tematicas/documentos/camaras-tematicas/insumos-agropecuarios/anos-anteriores/ibge-populacao-de-animais-de-estimacao-no-brasil-2013-abinpet-79.pdf/view – Acesso em 30/4/2019).

O art. 19 da Lei nº 4.591/1964 assegura ao condôminos o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.

O art. 1.336, IV, do CC/2002 prescreve ser dever do condômino dar à sua parte exclusiva a mesma destinação que tem a edificação, utilizando-a de maneira a preservar o sossego, a salubridade, a segurança e os bons costumes.

Nesse panorama, podem surgir três situações: a) a convenção não regula a matéria; b) a convenção veda a permanência de animais causadores de incômodos aos demais condôminos e c) a convenção proíbe a criação e guarda de animais de quaisquer espécies.

Na primeira situação – convenção omissa -, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos supracitados arts. 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei nº 4.591/1964. Por conseguinte, a inexistência de regra impeditiva no estatuto condominial não confere autorização irrestrita para a manutenção de bichos de estimação em partes exclusivas.

Eis a seguinte lição doutrinária:

“(…) Claro está, nesse andar, que, aos condôminos, não é dado incomodar os demais moradores, menos ainda assumir posturas que representem insegurança, causem sobressaltos, atente contra a salubridade, tragam danos até de ordem material.

A inexistência de proibição longe está de se constituir em autorização irrestrita para a manutenção de animais.

Embora a lei não proíba animais em apartamentos, não se há de imaginar que só por isso se deve admitir a entrada indiscriminada de feras, a criação de um ambiente de verdadeiro pavor e sobressalto entre os moradores.

Atenuada a vedação presente à maioria das convenções, por razões que a seguir serão contempladas, ainda assim não surgirá a possibilidade de se dar abrigo a todo e qualquer animal.” (Condomínio edilício: aspectos relevantes. Coord.: Francisco Antônio Casconi e José Roberto Neves Amorim. São Paulo: Método, 2005, pág. 215 – grifou-se)

Na segunda hipótese, a norma condominial não apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade, cabendo eventual controvérsia ser analisada no caso concreto, prevalecendo, assim, o ajuste aprovado na respectiva assembleia.

A propósito:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. CRIAÇÃO DE ANIMAL. PROIBIÇÃO SOMENTE DAQUELES QUE COMPROMETAM A HIGIENE E A TRANQUILIDADE DO EDIFÍCIO. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE O ANIMAL DO AGRAVADO TENHA SIDO ALVO DE RECLAMAÇÕES ESPECÍFICAS. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Nos termos da orientação jurisprudencial do eg. Superior Tribunal de Justiça deve prevalecer o ajustado entre os condôminos na convenção do condomínio acerca da criação de animal em unidade condominial. Precedentes.

2. Na hipótese dos autos, a Corte de origem esclareceu que a convenção condominial somente veda a criação de animais que comprometam a higiene e a tranquilidade do edifício, não havendo, ainda, a prova de reclamação específica contra o animal do ora agravado.

3. Desse modo, infirmar as conclusões do julgado demandaria a interpretação da convenção condominial, bem como o revolvimento do suporte fático-probatório da demanda, o que encontra vedação nos enunciados das Súmulas 5 e 7 desta Corte Superior.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(AgRg no AREsp 676.852/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 20/8/2015, DJe 11/9/2015 – grifou-se)

No terceiro cenário, a proibição pode se revelar desarrazoada, haja vista que determinados animais não apresentam risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio.

O impedimento de criar animais em partes exclusivas se justifica na preservação da segurança, da higiene, da saúde e do sossego. Por isso, a restrição genérica contida em convenção condominial, sem fundamento legítimo, deve ser afastada para assegurar o direito do condômino, desde que sejam protegidos os interesses anteriormente explicitados.

Carlos Roberto Gonçalves ensina que “se a proibição for genérica, atingindo animais de qualquer espécies, poderá mostrar-se exagerada na hipótese de um condômino possuir um animal de pequeno porte e inofensivo” (Sinopses jurídicas – direitos das coisas – vol. 3. São Paulo: Saraiva, 1997, pág. 135).

Por oportuno:

“(…)

A tendência é aceitar a presente em condomínios, se não resultar em incômodo aos demais moradores, situação que se verifica se houver excesso de latidos em qualquer hora do dia ou da noite, de correria, de mau cheiro. Isto mesmo que conste na convenção a restrição à presença de animais. (…)

Se ofendidos os direitos básicos de sossego, da segurança e da salubridade, resta a proibição, com aplicação de multa, nas previsões do artigo 1.337 e seu parágrafo único do Código Civil.” (RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária – 5ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2017, págs. 82-83 – grifou-se)

“(…) tudo depende de situações peculiares no caso concreto e do grau de nocividade e agressividade do animal, pois quem mora num edifício tem que se submeter às restrições impostas pelas normas razoáveis de boa vizinhança. Contudo, não se justifica a proibição pura e simples de todo e qualquer animal, porque é inata no homem a tendência de conviver com animais domésticos” (FRANCO, J. Nascimento. Condomínio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, págs. 52-53 – grifou-se)

Nesse sentido:

“DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO. ANIMAL EM APARTAMENTO. VEDAÇÃO NA CONVENÇÃO. AÇÃO DE NATUREZA COMINATORIA. FETICHISMO LEGAL. RECURSO INACOLHIDO.

I – SEGUNDO DOUTRINA DE ESCOL, A POSSIBILIDADE DA PERMANÊNCIA DE ANIMAIS EM APARTAMENTO RECLAMA DISTINÇÕES, A SABER: A) SE A CONVENÇÃO DE CONDOMINIO E OMISSA A RESPEITO; B) SE A CONVENÇÃO E EXPRESSA, PROIBINDO A GUARDA DE ANIMAIS DE QUALQUER ESPÉCIE;

C) SE A CONVENÇÃO E EXPRESSAS, VEDANDO A PERMANÊNCIA DE ANIMAIS QUE CAUSAM INCOMODO AOS CONDÔMINOS.

II – NA SEGUNDA HIPÓTESE (ALÍNEA B), A RECLAMAR MAIOR REFLEXÃO, DEVE-SE DESPREZAR O FETICHISMO NORMATIVO, QUE PODE CARACTERIZAR O SUMMUM JUS SUMMA INJURIA, FICANDO A SOLUÇÃO DO LITIGIO NA DEPENDÊNCIA DA PROVA DAS PECULIARIDADES DE CADA CASO.”

(REsp 12.166/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 7/4/1992, DJ 4/5/1992)

Na situação dos autos, a autora (ora recorrente) pretende ter assegurado o direito de criar uma “gata de pequeno porte proveniente da mistura das raças persa e e angorá, de nome Nina, (…) medindo aproximadamente 40 centímetros de comprimento, 19 centímetros de altura e 10 centímetros de largura, pesando cerca de 2,1 quilogramas” (fl. 7 e-STJ).

Conforme antes esclarecido, o condomínio ora recorrido proíbem os moradores de “possuir, manter nas unidades ou fazer circular no edifício, animais domésticos ou não, quaisquer que sejam a sua espécie, raça ou porte, independentemente do perigo, insalubridade ou desassossego que possam representar para os moradores ou visitantes” (fls. 48-50 e-STJ).

Ademais, a sentença de piso, ao julgar procedente o pedido, destacou que “a revelia do demandado torna presumidamente verdadeiras as alegações da demandante de que seu animal de estimação é de pequeno porte e não pertuba o sossego ou a salubridade do condomínio” (fl. 152 e-STJ), motivo pelo qual tais fatos são incontroversos nos autos.

Dessa forma, a restrição imposta ao condômino recorrente não se mostra legítima, haja vista que o ora recorrido não demonstrou nenhum fato concreto apto a comprovar que o animal de estimação em questão provoque prejuízos à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores, motivo pelo qual o recurso deve ser provido.

Por fim, cumpre assinalar que a procedência do pedido não desonera a recorrente de preservar a incolumidade dos demais condôminos, a manter as condições de salubridade do ambiente e a impedir quaisquer atos de perturbação.

3. Do dispositivo

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar que o ora recorrido se abstenha de praticar ato que impeça ou inviabilize a criação da gata de estimação na unidade autônoma da recorrente.

Arcará o réu – ora recorrido – com o pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do art. 85, § 5º, do CPC/2015.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.783.076 – Distrito Federal – 3ª Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJ 24.05.2019

Fonte: INR Publicações

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