STJ: STF criminaliza homofobia e transfobia com aplicação por analogia à Lei do Racismo

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira, 13, por 8 votos a 3, pela criminalização da homofobia e da transfobia. Após seis sessões, está definido que quem discriminar ou ofender pessoas LGBTI será enquadrado no art. 20 da Lei do Racismo (7.716/1989), estando sujeito à punição de um a três anos de prisão. O crime é inafiançável e imprescritível.


Recurso Especial – Ação declaratória de inexistência de obrigação – Negativa de prestação jurisdicional – Inexistência – Fundamentação deficiente – Súmula 284/STF – Prequestionamento – Ausência – Súm. 211/STJ – Loteamento – Obras e serviços de manutenção e/ou infraestrutura – Contrato-padrão submetido a registro imobiliário – Cláusula que autoriza a cobrança das despesas – Hipótese não acobertada pela tese firmada em recurso especial repetitivo – Julgamento: CPC/73 – 1. Ação declaratória de inexistência de obrigação ajuizada em 10/02/2009, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 05/06/2014 e atribuído ao gabinete em 25/08/2016 – 2. O propósito recursal é dizer sobre a validade da cobrança de contribuição vinculada à prestação de serviços de manutenção, realizada pela administradora do loteamento em que situados os imóveis dos recorrentes – 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535, II, do CPC/73 – 4. Não se conhece do recurso quando ausente a indicação expressa do dispositivo que se tem por violado. Súmula 284 do STF – 5. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 211/STJ – 6. Hipótese dos autos que se distingue da acobertada pela tese firmada no REsp 1.439.163/SP, julgado pela sistemática dos recursos repetitivos, porque: (i) a recorrida é a própria loteadora do solo, que assumiu a administração do loteamento, e, portanto, não tem natureza jurídica de associação de moradores; (ii) há expressa autorização contratual para a cobrança de despesas administrativas; (iii) a escritura pública de compra e venda dos imóveis faz referência ao contrato-padrão arquivado no registro de imóveis, que autoriza expressamente tal cobrança – 7. O art. 18, VI, da Lei 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, exige que o loteador submeta o projeto de loteamento ao registro imobiliário, acompanhado, dentre outros documentos, do exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão, obrigatoriamente, as indicações previstas no seu art. 26 e, eventualmente, outras de caráter negocial, desde que não ofensivas dos princípios cogentes da referida lei – 8. É válida a estipulação, na escritura de compra e venda, espelhada no contrato-padrão depositado no registro imobiliário, de cláusula que preveja a cobrança, pela administradora do loteamento, das despesas realizadas com obras e serviços de manutenção e/ou infraestrutura, porque dela foram devidamente cientificados os compradores, que a ela anuíram inequivocamente – 9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido.

Recurso Especial – Ação declaratória de inexistência de obrigação – Negativa de prestação jurisdicional – Inexistência – Fundamentação deficiente – Súmula 284/STF – Prequestionamento – Ausência – Súm. 211/STJ – Loteamento – Obras e serviços de manutenção e/ou infraestrutura – Contrato-padrão submetido a registro imobiliário – Cláusula que autoriza a cobrança das despesas – Hipótese não acobertada pela tese firmada em recurso especial repetitivo – Julgamento: CPC/73 – 1. Ação declaratória de inexistência de obrigação ajuizada em 10/02/2009, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 05/06/2014 e atribuído ao gabinete em 25/08/2016 – 2. O propósito recursal é dizer sobre a validade da cobrança de contribuição vinculada à prestação de serviços de manutenção, realizada pela administradora do loteamento em que situados os imóveis dos recorrentes – 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535, II, do CPC/73 – 4. Não se conhece do recurso quando ausente a indicação expressa do dispositivo que se tem por violado. Súmula 284 do STF – 5. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 211/STJ – 6. Hipótese dos autos que se distingue da acobertada pela tese firmada no REsp 1.439.163/SP, julgado pela sistemática dos recursos repetitivos, porque: (i) a recorrida é a própria loteadora do solo, que assumiu a administração do loteamento, e, portanto, não tem natureza jurídica de associação de moradores; (ii) há expressa autorização contratual para a cobrança de despesas administrativas; (iii) a escritura pública de compra e venda dos imóveis faz referência ao contrato-padrão arquivado no registro de imóveis, que autoriza expressamente tal cobrança – 7. O art. 18, VI, da Lei 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, exige que o loteador submeta o projeto de loteamento ao registro imobiliário, acompanhado, dentre outros documentos, do exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão, obrigatoriamente, as indicações previstas no seu art. 26 e, eventualmente, outras de caráter negocial, desde que não ofensivas dos princípios cogentes da referida lei – 8. É válida a estipulação, na escritura de compra e venda, espelhada no contrato-padrão depositado no registro imobiliário, de cláusula que preveja a cobrança, pela administradora do loteamento, das despesas realizadas com obras e serviços de manutenção e/ou infraestrutura, porque dela foram devidamente cientificados os compradores, que a ela anuíram inequivocamente – 9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)


RECURSO ESPECIAL Nº 1.569.609 – SP (2015/0284370-5)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : FELICIO MELHEN

RECORRENTE : PEDRO LUIZ PACHECO

RECORRENTE : ROGERIO ROSSI

RECORRENTE : MARIA DEL CARMEN ROMAN RAMOS

ADVOGADOS : EDSON LOURENÇO RAMOS – SP021252

MARIA CAROLINA NUNES VALLEJO – SP247979

RECORRIDO : ADMINISTRADORA JARDIM ACAPULCO LTDA

AGRAVANTE : ADMINISTRADORA JARDIM ACAPULCO LTDA

ADVOGADO : CLÓVIS DE GOUVÊA FRANCO – SP041354

AGRAVADO : FELICIO MELHEN

AGRAVADO : PEDRO LUIZ PACHECO

AGRAVADO : ROGERIO ROSSI

AGRAVADO : MARIA DEL CARMEN ROMAN RAMOS

ADVOGADOS : EDSON LOURENÇO RAMOS – SP021252

MARIA CAROLINA NUNES VALLEJO – SP247979

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚM. 211/STJ. LOTEAMENTO. OBRAS E SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO E/OU INFRAESTRUTURA. CONTRATO-PADRÃO SUBMETIDO A REGISTRO IMOBILIÁRIO. CLÁUSULA QUE AUTORIZA A COBRANÇA DAS DESPESAS. HIPÓTESE NÃO ACOBERTADA PELA TESE FIRMADA EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. JULGAMENTO: CPC/73.

1. Ação declaratória de inexistência de obrigação ajuizada em 10/02/2009, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 05/06/2014 e atribuído ao gabinete em 25/08/2016.

2. O propósito recursal é dizer sobre a validade da cobrança de contribuição vinculada à prestação de serviços de manutenção, realizada pela administradora do loteamento em que situados os imóveis dos recorrentes.

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535, II, do CPC/73.

4. Não se conhece do recurso quando ausente a indicação expressa do dispositivo que se tem por violado. Súmula 284 do STF.

5. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 211/STJ.

6. Hipótese dos autos que se distingue da acobertada pela tese firmada no REsp 1.439.163/SP, julgado pela sistemática dos recursos repetitivos, porque: (i) a recorrida é a própria loteadora do solo, que assumiu a administração do loteamento, e, portanto, não tem natureza jurídica de associação de moradores; (ii) há expressa autorização contratual para a cobrança de despesas administrativas; (iii) a escritura pública de compra e venda dos imóveis faz referência ao contrato-padrão arquivado no registro de imóveis, que autoriza expressamente tal cobrança.

7. O art. 18, VI, da Lei 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, exige que o loteador submeta o projeto de loteamento ao registro imobiliário, acompanhado, dentre outros documentos, do exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão, obrigatoriamente, as indicações previstas no seu art. 26 e, eventualmente, outras de caráter negocial, desde que não ofensivas dos princípios cogentes da referida lei.

8. É válida a estipulação, na escritura de compra e venda, espelhada no contrato-padrão depositado no registro imobiliário, de cláusula que preveja a cobrança, pela administradora do loteamento, das despesas realizadas com obras e serviços de manutenção e/ou infraestrutura, porque dela foram devidamente cientificados os compradores, que a ela anuíram inequivocamente.

9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 07 de maio de 2019(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):

Cuida-se de recurso especial interposto por FELICIO MELHEM E OUTROS, fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/SP.

O agravo em recurso especial interposto por ADMINISTRADORA JARDIM ACAPULCO LTDA foi conhecido para não se conhecer do recurso especial que interpusera, por meio da decisão de fls. 1.484-1.492, e-STJ, contra a qual não foi interposto recurso.

Ação: declaratória de inexistência de obrigação proposta por FELICIO MELHEM E OUTROS e outros em face de ADMINISTRADORA JARDIM ACAPULCO LTDA, em virtude da cobrança de contribuição por serviços de administração do loteamento em que situados os imóveis dos autores.

Reconvenção: ajuizada pela ADMINISTRADORA JARDIM ACAPULCO LTDA em face de FELICIO MELHEM E OUTROS, pretendendo a cobrança das contribuições devidas pelos serviços prestados.

Sentença: julgou procedentes os pedidos deduzidos na ação para declarar inexigíveis quaisquer taxas de administração, manutenção ou conservação do loteamento, e julgou improcedente o pedido deduzido na reconvenção.

Acórdão: o TJ/SP, por maioria, deu parcial provimento à apelação interposta pela ADMINISTRADORA JARDIM ACAPULCO LTDA, nos termos da seguinte ementa:

DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. LOTEAMENTO FECHADO. Cobrança de taxa de conservação. Administradora incumbida dos serviços de manutenção e fiscalização do empreendimento. Sentença de procedência.

RECONVENÇÃO. Cobrança das mensalidades vencidas e não pagas no período de julho de 2006 até a presenta data. Sentença de improcedência. Data da distribuição da ação principal: 01/10/2009. Valor da causa: R$ 10.000,00.

Apelo da ré-reconvinte alegando cerceamento de defesa; existência de relação jurídica entre as partes, haja vista que desde a constituição do loteamento restou estabelecido no contrato padrão que seriam prestados serviços conservação mediante o pagamento do rateio entre os proprietários; os autores adquirira, o imóvel tendo ciência da existência da cláusula restritiva; durante vários anos os autores pagaram a mensalidade sem qualquer oposição; os serviços foram efetivamente prestados, justificando a cobrança e a procedência da reconvenção.

Cerceamento de defesa. Ausência de fase probatória. Insubsistência. Provas existentes nos autos suficientes para prolação de julgamento. Aplicável a Teoria da Causa Madura. Não há cerceamento de defesa quando verificado que a produção de prova requerida pela parte seja desnecessária para o deslinde da demanda. Preliminar rejeitada.

Ação declaratória de inexistência de relação jurídica. No contrato-padrão, inscrito do Cartório de Registro de Imóveis, a autora na qualidade de administradora do empreendimento foi incumbida a prestar os serviços de conservação das áreas comuns do loteamento, mediante contraprestação. tal condição estava prevista na escritura pública de compra e venda do imóvel. Autores quando da aquisição dos lotes tinham ciência de que a Ré era responsável pela prestação de diversos serviços no condomínio e que os moradores contribuíam com as despesas. Durante certo tempo, parte dos autores pagaram as mensalidades sem oposição. Legítima a cobrança das mensalidades. Ação declaratória improcedente.

Reconvenção. Pretensão de cobrança de mensalidades de taxa de administração de condomínio de fato, referentes a período de setembro de 1994 a 03 de dezembro de 2009.

Prescrição: Art. 219, § 5º do Código de Processo Civil. Loteamento fechado. Superado o prazo de três anos para a pretensão vinculada a ressarcimento por enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, IV, do CC) – Fundamento para a ação de cobrança de taxa de associação. Prescrição da pretensão de cobrança das mensalidades vencidas antes de 18/12/06 reconhecida.

Quanto ao período posterior, a cobrança está desprovida dos documentos comprobatórios das despesas. Não demonstrado o critério utilizado para fixar o valor da mensalidade. Memória de cálculo apresentada apenas fixa o período do débito e os consectários legais. Situação peculiar, porque a administração não foi confiada a uma associação de moradores, como usualmente ocorre, ficando a cargo da própria loteadora. Não há a figura assemelhada ao condomínio, com realização de assembleias para tomada de decisões de interesse comum. Na hipótese dos autos, a administradora só pode cobrar pro rata as despesas comprovadamente realizadas. Manutenção da sentença de improcedência da reconvenção por outros fundamentos.

Recurso provido em parte para julgar improcedente a ação declaratória de inexistência de relação jurídica, mantendo a sentença de improcedência da reconvenção, porém por fundamento diverso.

Embargos de Declaração: opostos por ambas as partes, foram rejeitados.

Embargos infringentes: opostos por FELICIO MELHEM E OUTROS, foram rejeitados nos termos da seguinte ementa:

EMBARGOS INFRINGENTES – DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA – ADMINISTRADORA QUE IMPLEMENTA MELHORIAS E PRESTA SERVIÇO NA ÁREA ONDE SE SITUA A PROPRIEDADE DOS RECORRENTES – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA QUE TRANSFERE À RECORRIDA OS DIREITOS E OBRIGAÇÕES REFERENTES À MANUTENÇÃO DO LOCAL – CIÊNCIA DOS ADQUIRENTES, CUJA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE ABARCA A AQUISIÇÃO DO IMÓVEL E AS OBRIGAÇÕES A ELE INERENTES – VALORIZAÇÃO DA PROPRIEDADE DOS EMBARGANTES – OBRIGAÇÃO DE CONTRIBUIR, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – DECISÃO MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO.

Recurso especial de FELICIO MELHEM E OUTROS: apontam violação dos arts. 333, I, e 535, II, do CPC/73, dos arts. 7º, 8º, 22, 24 a 27, da Lei 4.591/64, do art. 3º do Decreto-Lei 271/67, do Decreto-Lei 6.766/79, do art. 884 do CC/02, bem como dissídio jurisprudencial.

A par da negativa de prestação jurisdicional, sustentam que o loteamento (bairro Jardim Acapulco) em nada se assemelha a condomínio, não se aplicando as regras para ele previstas. E, ainda que assim não o fosse, na espécie não foram observadas as formalidades exigidas por lei para a sua administração.

Afirmam que as previsões orçamentárias e decisões devem ser aprovadas por assembleia e sua inexistência impede a cobrança dos valores pretendidos pelo recorrido.

Aduzem a inexistência de relação contratual entre as partes.

Alegam que a cláusula compulsória na qual se apega a recorrida é condicional e que a “condição há muito foi implementada – poderia haver a prestação de limpeza e conservação até que os poderes públicos ingressassem e os mesmos o fizeram há décadas” (fl. 1.357, e-STJ).

Defendem que não pode ser reconhecido o enriquecimento sem causa porque o pedido contido na reconvenção teve como fundamento a cobrança por serviços prestados, bem como porque não se demonstrou o alegado locupletamento.

Decisão de admissibilidade: o TJ/SP admitiu o recurso especial de FELICIO MELHEM E OUTROS.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):

RECURSO ESPECIAL DE FELICIO MELHEN E OUTROS

O propósito recursal é dizer sobre a validade da cobrança de contribuição vinculada à prestação de serviços de manutenção, realizada pela administradora do loteamento em que situados os imóveis dos recorrentes.

1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Com relação às alegações dos recorrentes pertinentes ao reconhecimento, com base no CDC, da abusividade da cláusula que estabelece o pagamento da contribuição; à indevida cobrança da contribuição pela recorrida, por não ter ela natureza jurídica de associação, nem observar as formalidades necessárias para impor a obrigação; e à atuação do Poder Público na prestação dos serviços contratados, decidiu o TJ/SP, ao julgar os embargos de declaração opostos pelas partes:

A existência da taxa advém desde o contrato-padrão. Quando os autores adquiriram seus imóveis no local, tinham ciência dessa situação e anuíram com tal circunstância. Inexiste ofensa ao CDC.

Não há que se discutir sobre associação, se a hipótese dos autos é diversa. A vinculação surge não do direito de se associar, mas da relação contratual.

(…)

Inocorrente comprovação documental de que o Poder Público já encampou todos os serviços prestados pela administradora, a ponto de autorizar a modificação da situação fática vivenciada no loteamento. (fls. 1.212-1.213, e-STJ)

E, no julgamento dos embargos infringentes, que manteve os fundamentos do acórdão embargado, registrou o TJ/SP, ainda, o seguinte:

Oportuno consignar que não se verifica afronta a dispositivo constitucional, eis que a própria Carta Constitucional, em seu art. 5º, permitindo livremente a criação de associações (inciso XVII), independentemente de autorização para funcionamento (inciso XVIII), impede que alguém seja compelido a associar-se (inciso XX), o que não ocorre no caso, já que os proprietários não foram obrigados a comprar o imóvel e, em consequência, a fixar um vínculo também com a administradora.

Não há imposição alguma. Para não serem responsabilizados, bastava que não adquirissem imóveis sob administração da recorrida.

(…)

Em suma, a natureza jurídica da ré não afasta a obrigação dos autores, considerando-se que, além da previsão contratual, o pagamento decorre da execução de benfeitorias e da efetiva prestação dos serviços, que são incontestes e indivisíveis e, bem por isso, a todos aproveita. (fls. 1.333-1.338, e-STJ)

Por todo o exposto, não há falar em violação do art. 535, II, do CPC/73.

2. DA DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO

Os recorrentes não apontaram como violado qualquer dispositivo do Decreto-Lei 6.766/79, o que importa na inviabilidade do recurso especial ante a incidência da Súmula 284/STF.

3. DA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO

O TJ/SP não decidiu, sequer implicitamente, acerca do art. 333, I, do CPC/73, bem como do art. 884 do CC/02, indicados como violados, tampouco se manifestou sobre os argumentos deduzidos nas razões recursais acerca dos referidos dispositivos legais, a despeito da oposição de embargos de declaração.

Por isso, o julgamento do recurso especial é inadmissível. Aplica-se, na hipótese, a Súm. 211/STJ.

4. DA VALIDADE DA COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO VINCULADA À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO PELA ADMINISTRADORA DO LOTEAMENTO

Sustentam os recorrentes a ilegalidade da cobrança de contribuição vinculada à prestação de serviços de manutenção realizada pela recorrida.

A propósito do tema, convém ressaltar, inicialmente, o entendimento da Segunda Seção no sentido de que “a existência de associação congregando moradores com o objetivo de defesa e preservação de interesses comuns em área habitacional não possui o caráter de condomínio, pelo que, não é possível exigir de quem não seja associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo, o pagamento de taxas de manutenção ou melhoria” (AgRg nos EAg 1.385.743/RJ, julgado em 26/09/2012, DJe de 02/10/2012).

Tal entendimento tornou-se consolidado nesta Corte a partir do julgamento do REsp 1.439.163/SP, pela sistemática dos recursos repetitivos, culminando com a fixação da tese de que “as taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram” (Segunda Seção, julgado em 11/03/2015, DJe de 22/05/2015).

No particular, entretanto, sobressaem do acórdão impugnado algumas peculiaridades que distinguem a hipótese dos autos daquela acobertada pela mencionada tese, a saber: (i) a recorrida é a própria loteadora do solo, que assumiu a administração do loteamento, e, portanto, não tem natureza jurídica de associação de moradores; (ii) “há expressa autorização contratual para a cobrança de despesas administrativas” (fl. 1.332, e-STJ); (iii) a escritura pública de compra e venda dos imóveis faz referência ao contrato-padrão arquivado no registro de imóveis, que autoriza expressamente tal cobrança.

A solução da controvérsia, portanto, envolve a análise da relação jurídica contratual havida entre as partes, assim delimitada pelo TJ/SP:

Os autores são proprietários de imóveis inseridos no loteamento denominado “Jardim Acapulco”.

Nas escrituras públicas de compra e venda dos aludidos imóveis consta que: “(…) estando referido imóvel sujeito as condições restritivas, relativas ao seu uso para preservação do loteamento, impostas pelas loteadoras e constantes do contrato tipo arquivado junto ao Cartório de Registro de Imóveis de Guarujá, por ocasião do registro do loteamento, as quais o COMPRADOR se obriga a cumprir e respeitar por si, seus herdeiros e sucessores”.

O contrato-padrão arquivado no registro de imóveis (f. 165/166) preconiza:

(…) os PROMITENTES poderão por si, ou por quem venham a indicar, executar no loteamento obras e serviços, tais como pavimentação das ruas, arborização, manutenção e limpeza das vias e logradouros de uso comum, guarda e fiscalização de loteamentos, etc… que direta ou indiretamente, beneficiarão o lote objeto deste contrato, até que os Poderes Públicos se encarreguem da manutenção de tais obras e serviços. Em tal caso, as PROMITENTES ou quem elas venham a indicar cobrarão do COMPROMISSÁRIO a parte que em rateio lhe caiba, do valor que for exigido por terceiros, pelas mencionadas obras e serviços, com um acréscimo de 20% (vinte por cento) em remuneração de sua administração. Os valores das cotas partes, para fins de caracterização de mora, aderirão ao valor da prestação mensal do presente contrato, de tal sorte que passarão a constituir um todo indivisível para os efeitos deste contrato, ficando assim, vedado ao COMPROMISSÁRIO efetuar o pagamento das prestações pactuadas na cláusula 3ª se não pagar também as parcelas de sua responsabilidade previstas na presente cláusula. (fls. 1.156-1.157, e-STJ – sem grifos no original)

Com efeito, o art. 18, VI, da Lei 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, exige que o loteador submeta o projeto de loteamento ao registro imobiliário, acompanhado, dentre outros documentos, do exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta Lei. O art. 26 daquela lei, por sua vez, assim prevê:

Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações:

I – nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes;

II – denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição;

III – descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características;

IV – preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal;

V – taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;

VI – indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado;

VII – declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.

De acordo com a doutrina de Walter Ceneviva, às indicações previstas no referido dispositivo, “podem ser acrescidas outras de caráter negocial, desde que não ofensivas dos princípios cogentes da lei 6.766/79” (Lei dos Registros Públicos comentada. 19ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 643).

Constata-se, a partir desse contexto, da doutrina e da legislação pertinente, que é válida a estipulação, na escritura de compra e venda, espelhada no contrato-padrão depositado no registro imobiliário, de cláusula que preveja a cobrança, pela administradora do loteamento, das despesas realizadas com obras e serviços de manutenção e/ou infraestrutura.

Constata-se, em consequência, que os recorrentes foram devidamente cientificados dessa possibilidade e a ela anuíram inequivocamente, tanto que, segundo o TJ/SP, “os autores Felício Melhen, Pedro Luiz Pacheco e Rogério Rossi efetuaram por certo tempo o pagamento das mensalidades, sem opor qualquer resistência (f. 146 e 218/283)” (fl. 1.157, e-STJ).

Assim, não há como declarar, como pretendem os recorrentes, a inexistência de obrigação perante a recorrida.

Inclusive, em hipóteses análogas à dos autos, a Terceira Turma decidiu que, “é viável a cobrança de taxas de manutenção ou de qualquer outra espécie feita por administradora de loteamento a proprietário de imóvel nele localizado, se esse vínculo foi estabelecido pelo loteador, em contrato-padrão levado a registro no respectivo cartório, ao qual aderiu o adquirente” (EDcl no AgRg no REsp 1.503.651/SP, julgado em 08.03.2016, DJe de 15.03.2016). No mesmo sentido: REsp 1.422.859/SP, Terceira Turma, julgado em 03.11.2015, DJe de 26.11.2015.

5. DA CONCLUSÃO

Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial interposto por Felicio Melhem e outros e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.569.609 – São Paulo – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 09.05.2019

Fonte: INR Publicações

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Execução – Penhora de direitos hereditários – Pretensão do credor em averbar no registro de imóveis a constrição – Impossibilidade – Imóveis sujeitos a absoluta indivisibilidade de domínio até ultimada a partilha – Inexistência de título necessário – Aplicação do previsto pelo art. 167, I, alíneas 24 e 25, e art. 172, ambos da Lei 6.015/73 – Recurso não provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2039538-90.2019.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante YAMAHA MOTOR DA AMAZÔNIA LTDA, são agravados NILTON ANTONIO PIRES JUNIOR e CHRISTIANE BENDINI MELLO PIRES.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso, V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores IRINEU FAVA (Presidente sem voto), JOÃO BATISTA VILHENA E SOUZA LOPES.

São Paulo, 30 de maio de 2019.

Paulo Pastore Filho

relator

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº: 27619

AGRV.Nº: 2039538-90.2019.8.26.0000

COMARCA: SÃO PAULO

AGTE. : YAMAHA MOTOR DA AMAZÔNIA LTDA.

AGDO. : NILTON ANTONIO PIRES JÚNIOR E CHRISTIANE BENDINI MELLO PIRES

EXECUÇÃO – Penhora de direitos hereditários – Pretensão do credor em averbar no registro de imóveis a constrição – Impossibilidade – Imóveis sujeitos a absoluta indivisibilidade de domínio até ultimada a partilha – Inexistência de título necessário – Aplicação do previsto pelo art. 167, I, alíneas 24 e 25, e art. 172, ambos da Lei 6.015/73 – Recurso não provido.

A agravante objetiva a reforma da decisão copiada a fls. 42, proferida na execução movida em face dos agravados que, apesar de deferir a penhora dos direitos sucessórios a que eles fazem jus, indeferiu a averbação da penhora nas respectivas matrículas dos imóveis que compõem o acervo hereditário.

Entendeu a r. decisão que não cabe a averbação pleiteada, porquanto a penhora recaiu sobre direitos hereditários, e não sobre a propriedade, de sorte que a pretensão da credora atenta contra o princípio da continuidade.

A agravante argumenta ser perfeitamente possível a averbação como requerida, tendo em vista o que estabelecem os arts. 828, 835, XIII, e 860, todos do Código de Processo Civil.

Diz, ainda, que o inventário dos bens objeto da penhora dos direitos hereditários se fez extrajudicialmente, cuja escritura de partilha não foi levada a registro para o fim de dar conhecimento a terceiros, de modo que a averbação requerida tem o objetivo de alertá-los, resguardar os direitos da credora e impedir eventual fraude à execução.

O recurso foi recebido no efeito devolutivo.

Os agravados ofereceram contraminuta (fls. 66/78), sustentando o acerto da r. decisão.

É o relatório.

A decisão merece ser mantida.

Em conformidade com o disposto no art. 1.784 do Código Civil, a herança se transmite, com a abertura da sucessão, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Portanto, até que se ultime a divisão entre os herdeiros, fica estabelecida a unificação de todos os bens conhecida como espólio, até que esta indivisão seja extinta pela partilha, levando-se para registro o título aquisitivo.

Não há, desta forma, título a indicar tal ou qual herdeiro como titular dos direitos decorrentes da abertura da sucessão.

Assim, enquanto pendente a partilha, possível, sem dúvidas, a penhora dos direitos hereditários pertencentes aos devedores; contudo, impossível a averbação da penhora dos direitos hereditários não partilhados, aplicando-se, na hipótese, os arts. 167, inciso I, alíneas 24 e 25, e 172, ambos da Lei 6.015/73.

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.

PAULO PASTORE FILHO

Relator – –/

Dados do processo:

TJSP – Agravo de Instrumento nº 2039538-90.2019.8.26.0000 – São Paulo – 17ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Paulo Pastore Filho – DJ 03.06.2019


Fonte: INR Publicações

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