CSM/SP: Registro de Imóveis – Servidão administrativa instituída por decisão judicial – I – Exigência de prévia averbação da inscrição do imóvel serviente no Cadastro Ambiental Rural – CAR que não deve subsistir – “Servidão administrativa” não se confunde com “servidão de passagem” para os fins do item 125.2 das NSCGJ – Informações que integram o CAR devem partir do proprietário ou possuidor do bem imóvel (objeto da inscrição), nos moldes da Lei nº 12.651/2012 e do Decreto nº 7.830/2012, e não da empresa concessionária do serviço público de transmissão de energia elétrica, até mesmo porque têm o condão de criar restrições de uso para os primeiros (delimitação dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal, nos moldes do art. 29, §1º, III, da Lei nº 12.651/2012) – Elaboração do CAR pela empresa concessionária que acarretaria, ainda, ônus desproporcional à extensão do direito de servidão administrativa – II – Emolumentos que devem ser fixados em consideração à avaliação estabelecida na demanda judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Recurso provido, para afastar a dúvida suscitada pelo oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Assis-SP

Apelação n° 1002363-69.2018.8.26.0047

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002363-69.2018.8.26.0047
Comarca: ASSIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1002363-69.2018.8.26.0047

Registro: 2019.0000358055

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002363-69.2018.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que é apelante TRIANGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ASSIS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, deram provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Pereira Calças, vencido, em parte, o Desembargador Pinheiro Franco, que votou por negar provimento. Declararão votos os Desembargadores Pinheiro Franco e Fernando Torres Garcia.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), vencedor, PINHEIRO FRANCO (CORREGEDOR GERAL), vencido, PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 30 de abril de 2019

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

RELATOR DESIGNADO

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002363-69.2018.8.26.0047

APELANTE: TRIANGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A

APELADO: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ASSIS

COMARCA: ASSIS

VOTO Nº 30.043

Registro de Imóveis – Servidão administrativa instituída por decisão judicial – I – Exigência de prévia averbação da inscrição do imóvel serviente no Cadastro Ambiental Rural – CAR que não deve subsistir “Servidão administrativa” não se confunde com “servidão de passagem” para os fins do item 125.2 das NSCGJ Informações que integram o CAR devem partir do proprietário ou possuidor do bem imóvel (objeto da inscrição), nos moldes da Lei nº 12.651/2012 e do Decreto nº 7.830/2012, e não da empresa concessionária do serviço público de transmissão de energia elétrica, até mesmo porque têm o condão de criar restrições de uso para os primeiros (delimitação dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal, nos moldes do art. 29, §1º, III, da Lei nº 12.651/2012) Elaboração do CAR pela empresa concessionária que acarretaria, ainda, ônus desproporcional à extensão do direito de servidão administrativa II – Emolumentos que devem ser fixados em consideração à avaliação estabelecida na demanda judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 Recurso provido, para afastar a dúvida suscitada pelo oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Assis-SP.

Trata-se de recurso de apelação interposto por TRIÂNGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A em face da r. sentença de fls. 141/144, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis, mantendo a recusa do ingresso da carta de adjudicação referente à servidão administrativa, em razão da ausência [i] de prévia inscrição no Cadastro Ambiental Rural do imóvel objeto da matricula nº 21.169 e [ii] de documentação atinente ao ITR, para cálculo das custas e emolumentos.

Afirma a apelante não estar obrigada à inscrição do imóvel no CAR, bem como que as custas e emolumentos devem ser calculados em conformidade com o valor econômico apurado na ação judicial que instituiu a servidão administrativa.

É o Relatório.

I. Respeitado o posicionamento manifestado no voto do Excelentíssimo Desembargador Corregedor Geral, é caso de dar provimento ao recurso de apelação.

I.1. A r. sentença de fls. 141/144, ao julgar procedente dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Assis-SP, confirmou o conteúdo da nota de exigências nº 211.747 (fl. 41), para submeter o registro de título constitutivo de servidão administrativa às seguintes determinações:

1) Providenciar a prévia averbação da inscrição no Cadastro Ambiental Rural do imóvel objeto da matricula nº 21.169, acompanhado do comprovante de inscrição, que se tornou condição para registro de servidão em imóveis rurais, nos termos da alínea “b” do item 125 e dos subitens 125.1 e 125.2, do capítulo XX, das Normas de Serviço da CGJ/SP, com as alterações do Provimento CG nº 37/2013.

2) Apresentar o atual CCIR, conforme dispõe o § 1° do artigo 22 da Lei 4.947/66, e a Declaração do ITR referente ao exercício de 2017, correspondente ao imóvel objeto da matrícula acima citada, para que seja possível a verificação do valor tributário do imóvel e, assim, cálculo das custas e emolumentos correspondentes ao registro pretendido.

I.2. No que toca à prévia averbação da inscrição do imóvel serviente no Cadastro Ambiental Rural CAR (tópico nº 1 da nota), a exigência não deve subsistir.

A apelante Triângulo Mineiro Transmissora S/A é empresa concessionária do serviço público de transmissão de energia elétrica. Nos autos do processo nº 1007595-04.2014.8.26.0047, foi instituída, em favor da apelante, servidão administrativa sobre uma faixa territorial inserida em prédio rústico (imóvel de matrícula nº 21.169 CRI da Comarca de Assis-SP), declarada de utilidade pública pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Resolução Autorizativa nº 4.663/2014).

Ao qualificar negativamente o título apresentado (mandado judicial), o Sr. Oficial sustentou que o registro da servidão estaria sujeito às formalidades do item 125, alínea “b”, e dos subitens 125.1 e 125.2 do capítulo XX das Normas de Serviço da CGJ, abaixo transcritos:

125. Poderão ser averbados:

[…]

b) o número de inscrição no CAR/SICAR-SP, enquanto não decorrido o prazo estabelecido no § 3º do artigo 29 da Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012, a partir do qual a averbação passará a ser obrigatória nos termos do subitem 12.5. deste Capítulo.

125.1. As averbações referidas na alínea b do item 125 serão realizadas mediante provocação de qualquer pessoa.

125.1.1. As averbações serão feitas de ofício pelo Oficial do Registro de Imóveis, sem cobrança de emolumentos, quando do primeiro registro e por meio do Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), assim que implantados os mecanismos de fluxo de informações entre a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA), a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), definidos no Acordo de Cooperação Técnica que entre si celebraram.

125.1.2. A averbação da reserva legal florestal será feita de ofício pelo Oficial do Registro de Imóveis, sem cobrança de emolumentos, por meio do Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), assim que o perímetro da reserva for validado pela autoridade ambiental e implantados os mecanismos de fluxo de informações entre a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA), a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), definidos no Acordo de Cooperação Técnica que entre si celebraram.

125.1.3. Na hipótese de compensação de Reserva Legal, a notícia deverá ser averbada na matrícula de todos os imóveis envolvidos após a homologação ou aprovação do órgão ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP.

125.1.4. O conceito de imóvel para fins de Cadastro Ambiental Rural (CAR/SICAR-SP), obedece ao disposto na Instrução Normativa 2, de 5 de maio de 2014, do Ministério de Meio Ambiente; e Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, inciso I, art. 4º, não sendo obrigatória a coincidência e total identidade entre a matrícula imobiliária e o Cadastro Ambiental Rural (SICARSP).

125.2. As averbações referidas na alínea b do item 125 condicionam as retificações de registro, os desmembramentos, unificações, outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro de servidões de passagem, mesmo antes de tornada obrigatória a averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural CAR, salvo se realizada a averbação tratada na alínea a do item 125.

125.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item 125.2, o Oficial deverá, à vista do número de Inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização da reserva legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A reserva legal florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP.

Tal orientação, em meu sentir, não se mostra acertada.

O item 125.2 enumera, como atos condicionados à averbação do número de inscrição no CAR, as retificações de registro, os desmembramentos, as unificações, outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro das servidões de passagem. Como se nota, não há, a rigor, menção específica à servidão administrativa, oriunda da ação interventiva do Estado na propriedade privada.

De proêmio, cumpre destacar que o caso não trata de retificação de área ou de qualquer outro ato modificativo das medições e confrontações do imóvel serviente, cuja matrícula apresenta suficiente descrição. Limita-se o registro pretendido à especificação da área destinada ao atendimento do serviço público de transmissão de energia elétrica, conforme declaração de utilidade pública da ANEEL e sentença constitutiva proferida no processo judicial nº 1007595-04.2014.8.26.0047.

Os precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura citados às fls. 06 e 182/183 não tratam, com a devida vênia, de hipótese idêntica à dos autos, eis que conjugam a servidão administrativa com outros temas já listados no item 125.2 (v.g., retificação imobiliária, desmembramento), estes sim indubitavelmente condicionados à averbação do nº de inscrição do CAR.

Também não parece adequado afirmar que a servidão administrativa estaria implicitamente contida na expressão “servidões de passagem”, haja vista que aquela apresenta natureza jurídica peculiar, inconfundível com a essência das servidões regidas pelo Direito Civil.

A servidão administrativa, vale lembrar, autoriza o uso da propriedade imóvel alheia pelo Estado e/ou seus delegatários, de forma a permitir a execução de obras e serviços de interesse da coletividade. Difere, nesse aspecto, da servidão de Direito Privado, pelo fato de ser instituída em prol do Poder Público e sofrer o influxo do regime jurídico de Direito Público. Na servidão administrativa, a coisa dominante não é exatamente um imóvel (como estabelece a lei civil), mas uma utilidade pública. [1]

O perímetro da servidão administrativa deve constar das informações do Cadastro Ambiental Rural, segundo dispõe o art. 13, inciso III, da Instrução Normativa nº 02/2014 do Ministério do Meio Ambiente. Diante disso, caso o item 125.2 das NSCGJ fosse aplicado, extensivamente, à servidão administrativa, haveria aparente contradição entre os comandos normativos: por um lado, o CAR não seria feito sem a discriminação das servidões administrativas; por outro, a própria formalização da servidão estaria submetida à prévia inscrição no CAR.

Ademais, requisitar da empresa concessionária a averbação da inscrição ambiental não seria, no caso, em termos práticos, a solução mais equânime.

Explico.

O Cadastro Ambiental Rural, criado pela Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), consiste em registro público eletrônico integrante do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente SINIMA, contemplando, nos termos do art. 5º do Decreto nº 7.830/2012, “os dados do proprietário, possuidor rural ou responsável direto pelo imóvel rural, a respectiva planta georreferenciada do perímetro do imóvel, das áreas de interesse social e das áreas de utilidade pública, com a informação da localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e da localização das Reservas Legais.” Cuidando-se de pequena propriedade familiar, a planta georreferenciada pode ser substituída por croqui que indique o perímetro do imóvel, as Áreas de Preservação Permanente e os remanescentes que formam a Reserva Legal, consoante art. 8º, caput, do mesmo Decreto.

As informações acima listadas, ante a sua complexidade e significativa extensão, devem ser fornecidas pelo proprietário ou possuidor do imóvel, conforme determina o art. 29, §1º, da Lei nº 12.651/2012 (“A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do proprietário ou possuidor rural: I – identificação do proprietário ou possuidor rural; II – comprovação da propriedade ou posse; III – identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal”).

Outrossim, dispõe o art. 5º, §4º, do Decreto nº 7.830/2012, que “a atualização ou alteração dos dados inseridos no CAR só poderão ser efetuadas pelo proprietário ou possuidor rural ou representante legalmente constituído.”

É certo que, uma vez efetivada a inscrição no CAR, a averbação do respectivo número junto ao Cartório de Registro de Imóveis pode ser feita por iniciativa de “qualquer pessoa”, como prevê o item 125.3 do capítulo XX das NSCGJ.

Contudo, nos casos em que o proprietário ou possuidor deixou de realizar o cadastro ambiental (hipótese sub examine), não se pode exigir que o titular de servidão administrativa promova, por si mesmo, a regularização do imóvel perante o SINIMA, para só então solicitar a averbação do respectivo número ao CRI e obter, finalmente, o registro do direito de servidão.

Primeiro, porque, como visto, as informações que integram o CAR devem partir do proprietário ou possuidor do bem imóvel (objeto da inscrição), nos moldes da Lei nº 12.651/2012 e do Decreto nº 7.830/2012. Até mesmo porque a inscrição no CAR, por demandar a “localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal” (art. 29, §1º, III, da Lei nº 12.651/2012), tem o condão de criar restrições de uso (obrigações de não fazer) para o proprietário ou possuidor. Não parece adequado, nesse contexto, que o titular de servidão administrativa, a qual atinge apenas uma fração do imóvel serviente (diminuta, no mais das vezes), possa estabelecer os limites de uso e fruição de todo o imóvel, afetando direitos alheios (do proprietário e do possuidor).

Segundo, porque a elaboração do CAR pela empresa concessionária acarretaria ônus desproporcional à extensão do direito de servidão administrativa, podendo prejudicar, em última análise, o atendimento dos interesses da coletividade.

Vale ponderar, a propósito, que a servidão conferida à empresa Triângulo restringe-se a uma faixa de 0,9529 hectare, equivalente a apenas 2,15% da área global do imóvel (44,5 hectares fls. 35 e 39). Para colher os dados necessários à realização do cadastro ambiental (perímetro total do imóvel, extensão dos trechos de vegetação nativa, localização de todas as APPs, planta georreferenciada, etc.), a apelante teria que esquadrinhar área muito mais ampla que aquela pertinente ao seu direito, responsabilizando-se, inclusive, por informações relativas a terceiros (art. 6º, §1º, do Decreto nº 7.830/2012). Tal método, além de difícil implementação prática, não contribuiria para o efetivo e célere cadastramento ambiental.

Possível imaginar, ainda, os efeitos negativos potencializados em escala nacional, caso exigidas tais providências das concessionárias de energia elétrica, para todas as propriedades sem CAR pelas quais passem as redes de transmissão.

Em seu r. voto, o N. Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco aduz que a imposição do dever de averbação do CAR à apelante Triângulo teria fundamento na necessidade de preservação do meio ambiente, com destaque para as áreas de Reserva Legal.

É preciso salientar, no entanto, que a Lei nº 12.651/2012 dispensa a criação de Reserva Legal sobre “áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica” (art. 12, §7º). Logo, nesse cenário, a delimitação da Reserva Legal continua a cargo do proprietário, que deve excluir do cálculo da Reserva o trecho abrangido pela utilidade pública (art. 23, inciso I, da Instrução Normativa MMA nº 02/2014).

I.3. No que tange à apresentação da declaração do ITR do imóvel para cálculo de emolumentos (tópico nº 2 da nota nº 211.747), reputo desnecessária a exigência formulada.

Com efeito, ao disciplinar o cálculo de emolumentos devidos ao Oficial de Registro de Imóveis, a Lei Estadual nº 11.331/2002 traz a seguinte previsão:

Artigo 7º – O valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadramento nas tabelas de que trata o artigo 4º, relativamente aos atos classificados na alínea “b” do inciso III do artigo 5º, ambos desta lei, será determinado pelos parâmetros a seguir, prevalecendo o que for maior:

I – preço ou valor econômico da transação ou do negócio jurídico declarado pelas partes;

II – valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetuado pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias;

III – base de cálculo utilizada para o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis.

Parágrafo único – Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea “b” do inciso III do artigo 5º desta lei.

Sustenta o Sr. Oficial que a exibição da declaração de ITR se prestaria à verificação do “maior valor” entre aqueles arrolados nos incisos I a III do art. 7º (preço do imóvel, valor lançado para fins de ITR ou base de cálculo do ITBI), conforme dispõe o caput do mesmo dispositivo.

Todavia, o caso em análise subsume-se ao parágrafo único do art. 7º, que vincula a base de cálculo dos emolumentos ao valor atribuído à coisa em sede de ação judicial ou procedimento fiscal (exceção à regra do caput). Assim, a quantia indenizatória fixada em favor do proprietário do imóvel (art. 40 do Decreto-Lei nº 3.365/1941) dá a justa dimensão patrimonial da servidão, devendo ser utilizada como parâmetro na apuração das despesas registrais.

II Isto posto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, para afastar a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Assis-SP, nos termos supra.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO Nº 37.690

Apelação Cível nº 1002363-69.2018.8.26.0047

Comarca: Assis

Apelante: TRIANGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis

DECLARAÇÃO DE VOTO

PARCIALMENTE DIVERGENTE

Trata-se de recurso de apelação interposto por Triângulo Mineiro Transmissora S/A contra a r. sentença de fls. 141/144, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis, mantendo a recusa do ingresso de carta de adjudicação de sentença referente a servidão administrativa, em razão da ausência de cadastro ambiental rural e documentação atinente ao ITR.

Sustenta a apelante não estar obrigada à inscrição do imóvel no cadastro ambiental rural nos termos da legislação incidente e também que os emolumentos devem ser calculados em conformidade ao valor econômico apurado na ação judicial, sendo desnecessário apresentar o ITR (fls. 147/169).

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 204/206).

É o relatório.

Pelo meu voto, com todo respeito à compreensão da Douta maioria, não caberia acesso do título ao registro imobiliário sem a devida inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR.

A natureza judicial do título apresentado não impede sua qualificação registral quanto aos aspectos extrínsecos ou aqueles que não foram objeto de exame pela Autoridade Jurisdicional.

A reserva legal nos termos do inciso III, do artigo 3º, da Lei n. 12.651/12, é a “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa“.

Por seu turno, o artigo 12, caput, do Código Florestal estabelece:

Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei.”

A reserva legal é fundamental à proteção do meio ambiente, daí a exigência legal que “deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa pelo proprietário do imóvel rural, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado” (Código Florestal, artigo 17, caput).

O Código Florestal também instituiu o Cadastro Ambiental Rural CAR, como se observa de seu artigo 29, caput:

Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.”

De outra parte, no CAR também constarão informações da reserva legal, como é expresso o artigo 29, parágrafo primeiro, inciso III, parte final, do Código Florestal.

A proteção da reserva legal somente terá efetividade se houver possibilidade do conhecimento de sua existência e exata localização.

Nessa linha, há obrigatoriedade de sua averbação no registro imobiliário, como dispõem, a contrário sensu, os artigos 18, parágrafo 4º, e 30, ambos do Código Florestal:

“Art. 18. § 4º. O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato.”

“Art. 30. Nos casos em que a Reserva Legal já tenha sido averbada na matrícula do imóvel e em que essa averbação identifique o perímetro e a localização da reserva, o proprietário não será obrigado a fornecer ao órgão ambiental as informações relativas à Reserva Legal previstas no inciso III do § 1o do art. 29.

Parágrafo único. Para que o proprietário se desobrigue nos termos do caput, deverá apresentar ao órgão ambiental competente a certidão de registro de imóveis onde conste a averbação da Reserva Legal ou termo de compromisso já firmado nos casos de posse.”

Nessa perspectiva, os imóveis rurais deverão possuir a indicação da reserva legal por meio da sua averbação no registro imobiliário ou no cadastro ambiental rural, este último desobrigando a primeira providência, todavia, com averbação da inscrição no CAR, na matrícula do imóvel.

Os itens 125, alíneas a) e b), 125.2 e 125.2.1., do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, estabelecem:

125. Poderão ser averbados:

a) os termos de responsabilidade de preservação de reserva legal e outros termos de compromisso relacionados à regularidade ambiental do imóvel, emitidos pelo órgão ambiental competente;

b) o número de inscrição no CAR/SICAR-SP, enquanto não decorrido o prazo estabelecido no § 3.º do artigo 29 da Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012, a partir do qual a averbação passará a ser obrigatória nos termos do subitem 12.5. deste Capítulo;”

“125.2. As averbações referidas na alínea b do item 125 condicionam as retificações de registro, os desmembramentos, unificações, outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro de servidões de passagem, mesmo antes de tornada obrigatória a averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, salvo se realizada a averbação tratada na alínea a do item 125.

125.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item 125.2, o Oficial deverá, à vista do número de Inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização da reserva legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A reserva legal florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP.” (grifos meus)

Portanto, no caso da servidão administrativa há obrigatoriedade da averbação do CAR, a qual, todavia, poderia ser substituída pela averbação da reserva legal.

Assim, a interpretação sistemática do artigo 18, parágrafo 4º, do Código Florestal, permite a conclusão da necessidade da averbação da reserva legal ou sua inscrição no CAR com o ingresso do número da inscrição, nesta última hipótese, no registro imobiliário.

Essa interpretação da legislação e das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça não fere o disposto no artigo 29, parágrafo 3º, do Código Florestal, com a redação dada pela Lei n. 13.295/16. Isso porque as normas administrativas, em consonância com o Código Florestal, obrigam a averbação da reserva legal ou o número de inscrição no CAR objetivando adequada proteção ao meio ambiente.

Ressalto que, no presente processo, a apelante não pretende a aludida substituição e sim a dispensa total da averbação do CAR no registro imobiliário, o que é contrário ao Código Florestal, como tratado.

Permito-me discordar quanto a não aplicação do regramento administrativo das NSCGJ às servidões administrativas, porquanto, apesar da diversidade do regime jurídico aplicável, a servidão administrativa é um direito real.

A natureza de direito real da servidão administrativa é afirmada por Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 774):

“Servidão administrativa é direito real que assujeita um bem a suportar uma utilidade pública, por força da qual ficam afetados parcialmente os poderes do proprietário quanto ao seu uso e gozo.

São exemplos de servidão administrativa: a passagem de fios elétricos sobre imóveis particulares, a passagem de aquedutos (…).”

Ainda que a servidão real de direito privado exija a existência de prédios de diferentes donos nos termos do artigo 1.378 do Código Civil, há imposição de um ônus ou utilidade em favor do titular de uma propriedade imóvel (prédio dominante) sobre outro titular (prédio serviente).

A servidão administrativa, apesar da aplicação do regime de direito público, segue a estrutura do instituto de direito privado.

Nesse sentido são as considerações de Maria Sylvia Zanela de Pietro (Direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 188/189):

Nas servidões administrativas ou de direito público, existem todos os elementos que caracterizam a servidão: a res serviens (prédio de propriedade alheia), prestando utilidade à res dominans (bem afetado a fim de utilidade pública ou a determinado serviço público).

(…)

Por exemplo, na servidão de energia elétrica, res serviens é o prédio particular por onde passam as linhas de distribuição e res dominans é o próprio serviço público de energia elétrica; na servidão ao redor de aeroportos, res serviens são os prédios vizinhos e res dominans, o próprio prédio onde funciona o serviço de navegação aérea.”

Nessa ordem de ideias, enquanto direitos reais, apesar da regência por princípios de direito privado na servidão real e princípios de direito público na servidão administrativa; é possível aplicação analógica das disposições administrativas das NSCGJ.

Além disso, o item 125.2 do Capítulo XX, das NSCGJ, ao referir “outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro de servidões de passagem”, torna claro o espírito do regramento em impor o registro no CAR em razão de qualquer registro relevante na matrícula do imóvel, como a servidão administrativa.

Essa previsão normativa decorre do CAR, na forma do artigo 29, caput, do Código Florestal, ter “a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento“; assim, a interpretação voltada à obrigatoriedade da inscrição, é conforme aos princípios protetivos do meio ambiente, sendo o registro imobiliário instituto de fundamental importância para a consecução desses mandamentos legais.

Nessa perspectiva, interpretação sistemática e teleológica das NSCGJ e do Código Florestal permite a conclusão da necessidade de prévia inscrição no CAR para o registro de servidão administrativa.

Em compreensão diversa do afirmado no r. voto vencedor, a disposição contida no art. 13, inciso III, da Instrução Normativa n. 02/2014 do Ministério do Meio Ambiente, evidencia a necessidade da inscrição da servidão administrativa no CAR, justamente em razão da necessidade de conhecimento do local de passagem das linhas de transmissão neste caso concreto.

É relevante à proteção do meio ambiente o conhecimento do exato local em que se situa a servidão administrativa e, notadamente, sua relação com a localização da reserva legal.

A alegação de ser custoso à empresa concessionária realizar os atos necessários para inscrição da totalidade do imóvel no CAR, a meu sentir, envolve o cumprimento de obrigação imposta pelo Código Florestal, assim, compete-lhe a realização dos atos pertinentes em face do proprietário para viabilizar a inscrição.

O ingresso da servidão administrativa, sem a exigência da inscrição das informações voltadas à proteção ambiental, com o máximo respeito, eventualmente, não atenderia ao interesse público.

O artigo 12, parágrafo 7º, da Lei n. 12.651/12, dispensa a criação de reserva legal sobre “áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica” (grifos meus).

No caso em exame ocorreu servidão administrativa, destarte, não houve transmissão do direito de propriedade por aquisição voluntária ou desapropriação.

Quanto à segunda exigência (cálculo dos emolumentos), não houve divergência, assim, reitero os fundamentos.

A servidão administrativa constante do título foi fixada por meio de ação judicial, em razão das divergências entre Administração e proprietários acerca do montante da indenização.

O artigo 7º da Lei Estadual n. 11.331/02 tem a seguinte redação:

Artigo 7º – O valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadramento nas tabelas de que trata o artigo 4º, relativamente aos atos classificados na alínea “b” do inciso III do artigo 5º, ambos desta lei, será determinado pelos parâmetros a seguir, prevalecendo o que for maior:

I – preço ou valor econômico da transação ou do negócio jurídico declarado pelas partes;

II – valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetuado pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias;

III – base de cálculo utilizada para o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis.

Parágrafo único – Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea “b” do inciso III do artigo 5º desta lei.”

A norma jurídica constante do parágrafo único excepciona o conteúdo do caput e seus incisos, assim, tendo sido fixada a servidão administrativa em ação de desapropriação, os emolumentos devem ser fixados a partir da utilização do valor considerado na decisão judicial, o qual corresponde ao direito real instituído sobre coisa alheia.

Por todo o exposto, pelo meu voto, e sempre com o devido respeito à douta maioria, nego provimento à apelação, com observação.

PINHEIRO FRANCO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA

APELAÇÃO Nº 1002363-69.2018.8.26.0047 – DÚVIDA DE REGISTRO

APELANTE: TRIÂNGULO MINEIRO TRANSMISSÕES S.A.

APELADO: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ASSIS

DECLARAÇÃO DE VOTO Nº 30.521

Trata-se de apelação interposta por Triângulo Mineiro Transmissora S/A contra a r. sentença (fls. 141/144) que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis, mantendo a recusa do ingresso de carta de adjudicação de sentença referente a servidão administrativa, em razão da ausência de cadastro ambiental rural e documentação atinente ao ITR.

A apelação se funda na inexistência de exigência do Cadastro Ambiental Rural, considerando a eficácia postergada do comando legal para data posterior à apresentação do título a registro, e que os emolumentos devem ser calculados em conformidade ao valor econômico apurado na ação judicial, sendo desnecessário apresentar o ITR (fls. 147/169).

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 204/206).

É o relatório.

Em que pese o brilho dos argumentos, sempre lúcidos, lançados no voto do E. CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA, ouso deles divergir em parte, especificamente para afastar o primeiro óbice ao registro, mantido o segundo, atinente ao cálculo dos emolumentos sobre o ato pretendido.

O presente procedimento de dúvida diz respeito à recusa de registro de carta de sentença que instituiu servidão administrativa sobre imóvel rural, tendo por finalidade a prestação de serviços de transmissão de energia elétrica por concessionária de serviços públicos, após decretação de utilidade pública do uso parcial do bem imóvel.

O fundamento essencial da recusa ao ingresso no fólio real é a necessidade de realização prévia do Cadastro Ambiental Rural, indicando o Sr. Registrador a norma prevista no item 125 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Entrementes, no caso concreto, a recusa não se justifica.

A servidão administrativa, embora se assemelhe à servidão de passagem do direito civil, tem natureza jurídica e regramento distintos, espelhando-se no regime geral apenas para o reconhecimento da natureza comum de direito real sobre coisa alheia. É que enquanto a servidão civil se vincula à necessidade de um prédio dominante sobre o serviente, na servidão administrativa o que se tem é o uso público parcial do bem em favor de um interesse público, no caso, a realização de instalações necessárias à construção e manutenção de rede de transmissão de energia elétrica.

Em comum, tem-se a limitação do uso do bem pelo proprietário.

Observa-se, de plano, que o caso ora em exame não traduz qualquer tipo de regularização fundiária ou retificação de área para fins de registro, vez que a matrícula juntada aos autos aparentemente indica suficiente descrição do imóvel em suas medições e confrontações. Não se tem, assim, qualquer caráter de alteração das confrontações ou medições do imóvel serviente, limitando-se a inscrição da servidão administrativa à especificação da área destinada ao atendimento da utilidade pública regularmente decretada e reconhecida na sentença constitutiva, este com suficiente amarração descritiva para fins de indicação precisa, na matrícula, da área sujeita à servidão.

Da confrontação da matrícula do imóvel e do título levado a registro, cuja recusa é objeto da presente dúvida, nota-se suficiente especificação objetiva para o registro, com pontos de amarração da servidão administrativa muito bem delimitados no título judicial.

Não há, assim, qualquer impedimento desta ordem para a realização do registro.

Faço a ressalva para relativizar a imposição da observância das normas do item 125.2 das Normas de Serviço da CGJSP, vez que aqui não se tem, em concreto, a ocorrência de desmembramento, unificações e outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis.

Justamente por isso, não têm lugar os precedentes apresentados nos autos que digam respeito, de forma específica, às alterações da descrição dos imóveis serviente e da área da servidão ou, ainda, que neguem a possibilidade do registro por conta da falta de amarração descritiva da servidão ou do imóvel serviente.

Objetivamente, o caso é de aferição da necessidade de imposição ao Poder Público, por si ou por seus concessionários em caso de servidão administrativa decorrente de utilidade pública, especialmente para fim de instalação de rede de transmissão e distribuição de energia elétrica, da observância do prévio Cadastro Ambiental Rural e, ainda, da legitimidade para se realizar tal cadastro.

A averbação da inscrição no Cadastro Ambiental Rural, como condição para o registro de servidões em imóveis rurais, foi regulada, no âmbito dos serviços extrajudiciais no Estado de São Paulo, nos itens 125, b, 125.1 e 125.2, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da CGJ de São Paulo, que aqui reproduzo:

Art. 125. Poderão ser averbados:

a) os termos de responsabilidade de preservação de reserva legal e outros emitidos de compromisso relacionados à regularidade ambiental do imóvel, emitido pelo órgão ambiental competente;

b) o número de inscrição no CAR/SICAR-SP, enquanto não decorrido o prazo estabelecido no § 3º do artigo 29 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, a partir do qual a averbação passará a ser obrigatória nos termos do subitem 12.5 deste Capítulo;

c) suprimido;    

d) a informação de adesão do interessado ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) de posses e propriedades rurais.

125.1. As averbações referidas na alínea b do item 125 serão realizadas mediante provocação de qualquer pessoa.

(…)

125.2. As averbações referidas na alínea b do item 125 condicionam as retificações de registro, os desmembramentos, unificações e outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro de servidões de passagem, mesmo antes de tornada obrigatória a averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural CAR, salvo se realizada a averbação tratada na alínea a do item 125.

125.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item 125.2, o Oficial deverá, à vista do número de inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização da reserva legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A reserva legal florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro ambiental Rural SICAR-SP.

(…).”

Em primeiro lugar, há de se fixar objetivamente a questão da legitimidade para requerer o Cadastro Ambiental Rural, assim como a sua averbação.

O Cadastro Ambiental Rural tem sua regulação a partir do art. 29, do Código Florestal, que estabelece:

Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

§ 1º A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do proprietário ou possuidor rural:

I – identificação do proprietário ou possuidor rural;

II – comprovação da propriedade ou posse;

III – identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal.

(…).”

Percebe-se que o Código Florestal, ao impor exigências ao proprietário e ao possuidor rural, indica que a legitimidade para a realização do CAR é somente destas duas figuras jurídicas, não se estendendo a legitimidade a possíveis interessados. É que a inscrição no CAR, por exigir a correta descrição objetiva do imóvel, além da qualificação de suas áreas de indicação de remanescentes de vegetação nativa, das APPs, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e da Reserva Legal, se existente e de impor ao proprietário e ao possuidor uma obrigação de não fazer futura, consistente em não promover supressões de vegetação nativa sem prévia autorização do órgão competente (art. 12, § 3º), deve ser feita por quem tenha efetivo vinculo fático jurídico com a totalidade do imóvel. Caso contrário, ter-se-á atuação de terceiro desvinculado do direito real de propriedade ou da posse rural, elegidos pelo legislador como elementos de vinculação à obrigação do cadastro, como meio suficiente para condicionar e limitar futuramente o livre uso da propriedade cadastrada.

Exigir-se do titular de direito real limitado, como a servidão administrativa, a realização do CAR, seria atribuir a terceiro ato que poderia, no futuro, limitar o próprio direito de fruir do proprietário. Seria limitação feita pelo titular de direito limitado a atingir, em sua plenitude, o titular do direito de propriedade.

Não se há de confundir a legitimação atribuída ao interessado em promover a averbação do CAR, prevista no item 125.1, das NSCGJ, por tal ato ter por pressuposto fático à própria existência do cadastro, de inscrição limitada a ato vinculado dos proprietários e possuidores do imóvel rural.

Desta forma, a exigência da realização do CAR ao titular de direito real limitado, no caso, de servidão administrativa, seria impor ao sujeito a realização de ato que afete interesse alheio sem que a lei o autorize.

De outra parte, de se observar que o caso concreto comporta regramento específico, por se tratar de instituição de servidão administrativa com base na utilidade pública no uso parcial do bem de titularidade de terceiro, não se igualando à servidão de passagem de imóveis, regulada pelo direito civil.

O regramento legal da desapropriação de áreas de utilidade pública deve ser aplicado para o caso de instituição de servidões que venham diretamente interferir na própria realização da atividade à qual se reconhece o caráter de utilidade pública. O art. 40, do Decreto Lei 3.365/1941, autoriza o expropriante a constituir servidões, devendo a instituição da servidão em favor do uso da propriedade expropriada ou mesmo da prestação do serviço público, ter regramento legal similar ao da própria desapropriação.

A previsão específica para concessionários de serviços públicos de transmissão de energia está no art. 10, da Lei 9.074/1995.

Art. 10. Cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, declarar de utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, perm.issionários e autorizados de energia elétrica”

O caso é, portanto, de servidão administrativa e não de mera servidão de passagem civil.

E, por se tratar de servidão administrativa, não está sujeita ao mesmo regime jurídico imposto a eventual servidão civil, especialmente quanto à aplicação de regras limitadoras decorrentes do direito ambiental. É que a utilidade pública afirmada sobre o uso do bem autoriza, nos limites da lei, a aplicação de regime distinto, sendo que o próprio Código Florestal reconhece, dentro do conceito de utilidade pública, as “obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de […] energia.” (art. 3º, VIII, b).

Pois bem.

Trata-se, como dito, de servidão administrativa para fins de passagem de rede de distribuição de energia elétrica, a partir de decreto de utilidade pública da área e de sentença judicial impondo ao proprietário do prédio serviente o uso limitado da área, mediante remuneração. Nestes casos, há exceção legal à necessidade de observação de Reserva Legal ambiental, por se tratarem de áreas destinadas à implantação de rede de distribuição de energia elétrica, conforme disposto no art. 12, § 7º, do Código Florestal:

Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguinte percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:

(…)

§ 7º Não será exigido Reserva Legal relativa às áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimento de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica.

(…)” (grifei).

Assim, a própria regra do art. 17, a exigir a conservação da área de Reserva Legal com cobertura nativa para ocupantes a qualquer título, deve ser interpretada a partir da exceção do art. 12, § 7º, que exclui a Reserva Legal para os casos de áreas utilizadas para a transmissão de energia elétrica, como aqui.

Ou seja, nos casos de instituição de servidão administrativa, não há impedimento de natureza ambiental fundado na existência ou localização de Reserva Legal no imóvel, posto que excepcionada a situação nos termos da Lei. Ou seja, se toda a área destinada à servidão administrativa fosse desapropriada para o fim de uso em atividade de reconhecida utilidade pública (construção de rede de transmissão de energia elétrica), não haveria limitação a seu uso decorrente da Reserva Legal, por expressa dispensa pelo art. 12, § 7º, do Código Florestal, cuja constitucionalidade já foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal, na decisão da ADIN 4.901 e na ADC 42.

Se a área desapropriada para tal fim poderia ser explorada sem limitação da Reserva Legal, o mesmo se deve aplicar para o caso de constituição de direito real limitado sobre a mesma área, no caso, a servidão administrativa.

Isto não significa, por certo, que estará o proprietário do prédio serviente dispensado de observar e registrar a Reserva Legal, por conta da realização do CAR.

O que se está a dizer é que a área destinada à servidão administrativa não estará obstruída em seu uso decorrente do decreto de utilidade pública por conta de ali se localizar ou poder se localizar futuramente uma Reserva Legal.

A natureza autônoma da servidão ambiental em relação ao CAR é observada mesmo de sua regulação administrativa. A Instrução Normativa nº 2, do Ministério do Meio Ambiente, de 6 de maio de 2014, indica que, dentre os requisitos para o proprietário ou possuidor realizar o Cadastro Ambiental Rural, está o dever de descrever as servidões administrativas que existam no imóvel rural.

Assim dispõe o art. 13, da Instrução Normativa:

Art. 13. A inscrição e o registro do imóvel rural no CAR é gratuita e deverá conter, conforme disposto no art. 5º do Decreto nº 7.830, de 2012, as seguintes informações:

I – Identificação do proprietário ou possuidor do imóvel rural;

II – comprovação da propriedade ou posse rural; e

III – planta georreferenciada da área do imóvel, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel e o perímetro das áreas de servidão administrativa, e a informação da localização das áreas remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das áreas de uso restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, a localização da Reserva Legal”

A própria existência da servidão administrativa deverá ser descrita pelo proprietário quando da realização do Cadastro Ambiental Rural, indicando a possibilidade de sua constituição precedente, eis que desvinculada de qualquer ato de vontade do proprietário.

Daí porque a falta do CAR, no caso, não traduz prejuízo à legislação ambiental, já que: a) áreas utilizadas para instituição de servidões administrativas para fins de instalação de linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica não estão sujeitas à Reserva Legal; b) a realização posterior do CAR não indica afastamento da norma ambiental, eis que haverá imposição da Reserva Legal no restante do imóvel, a ser descrita de forma suficiente quando da realização do CAR.

Assim, seja porque o caso concreto não caracteriza retificação de registro, desmembramento, unificação ou ato registral a alterar a figura geodésica dos imóveis, seja porque não se trata de servidão de passagem do direito civil, mas de servidão administrativa por utilidade pública, ou, ainda, seja porque a área destinada à instalação de rede de transmissão de energia elétrica por concessionária de serviço público não se sujeita a limitações decorrentes do Código Florestal, especialmente a Reserva Legal, possibilitando a realização posterior do Cadastro Ambiental Rural pelo proprietário, é que o ingresso do título no registro de imóveis não deverá ser obstaculizado por falta do CAR.

No que diz respeito ao segundo fundamento da recusa, acompanho integralmente o voto do E. Relator, DES. PINHEIRO FRANCO.

Em havendo fixação judicial da servidão administrativa, com avaliação judicial sobre o valor devido a título de indenização por força da restrição e uso do bem de propriedade do particular, incide a regra excepcional do parágrafo único do art. 7º, da Lei Estadual 11.331/2002, que assim prevê a fixação dos emolumentos: “Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avalição judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea ‘b’ do inciso III do artigo 5º desta lei”.

Desta forma, incidindo o caso em exceção legal à base de cálculo determinada nos incisos do caput do dispositivo, não prevalece a determinação do cálculo dos emolumentos a partir da base de cálculo do ITR, prevalecendo a avaliação judicial.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo, a fim de afastar a dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Assis e determinar o ingresso do título na matrícula do imóvel.

FERNANDO TORRES GARCIA

PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL

Nota:

[1] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 545.

Fonte: DJe/SP de 24.05.2019

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CGJ/SP: PROVIMENTO CG Nº 25/2019

PROVIMENTO CG Nº 25/2019

Espécie: PROVIMENTO
Número: 25/2019
Comarca: CAPITAL

PROVIMENTO CG Nº 25/2019

Renumera o subitem 4.2, que passará a corresponder ao subitem 4.1, e dá nova redação ao subitem 4.2, ambos do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

O Desembargador GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, NO USO DE SUAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS,

CONSIDERANDO a Meta 2 da Corregedoria Nacional de Justiça que foi adotada no “I Encontro de Corregedores do Serviço Extrajudicial”, realizado em 7 de dezembro de 2017;

CONSIDERANDO que na Comarca da Capital a Corregedoria Permanente das cento e vinte e seis delegações dos serviços extrajudiciais de notas e de registro é atribuída à 1ª e à 2ª Varas de Registros Públicos;

CONSIDERANDO o decidido nos autos do processo n. 2017/249211;

RESOLVE:

Artigo 1º – O subitem 4.2 do Capítulo XIII do Tomo II das NSCGJ fica renumerado para o subitem 4.1, com a seguinte redação:

“4.1. O Juiz Corregedor Permanente seguirá o termo padrão de correição disponibilizado pela Corregedoria Geral da Justiça e, dentro do prazo determinado em Comunicado a ser publicado anualmente, encaminhará Ata, via ‘Sistema de envio de Atas de Correição’, à Corregedoria Geral da Justiça.

Artigo 2º – A redação do subitem 4.2 do Capítulo XIII do Tomo II das NSCGJ passa a ter a seguinte redação:

4.2. Na Comarca da Capital, o termo padrão de correição previsto no subitem 4.1 deverá ser adotado em no mínimo dez correições, facultado o uso, nas demais unidades, de termo especial elaborado e aprovado pela Corregedoria Geral da Justiça“.

Artigo 3º – Este Provimento entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.

São Paulo, 21 de maio de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça

Fonte: DJe/SP de 24.05.2019

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Sucessão Provisória – Ingresso do título no fólio real condicionado à sucessão definitiva – Negativa de registro da escritura de compra e venda celebrado pela viúva meeira e herdeiros em atenção ao princípio da continuidade – Formal de partilha – Documentos pessoais das partes – Apresentação ao Tabelião que não supre a omissão apontada nos títulos prenotados junto à serventia imobiliária – Manutenção dos óbices apontados pelo registrador – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida

Apelação n° 1003262-94.2017.8.26.0114

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1003262-94.2017.8.26.0114

Comarca: CAMPINAS

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1003262-94.2017.8.26.0114

Registro: 2019.0000344276

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003262-94.2017.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são apelantes GISBERTO ANTONIO PIOVESAN e MARIA THEREZA CARELLI CAETANO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de abril de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1003262-94.2017.8.26.0114

Apelantes: Gisberto Antonio Piovesan e MARIA THEREZA CARELLI CAETANO

Apelado: 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS

VOTO Nº 37.729

Registro de Imóveis – Sucessão Provisória – Ingresso do título no fólio real condicionado à sucessão definitiva – Negativa de registro da escritura de compra e venda celebrado pela viúva meeira e herdeiros em atenção ao princípio da continuidade – Formal de partilha – Documentos pessoais das partes – Apresentação ao Tabelião que não supre a omissão apontada nos títulos prenotados junto à serventia imobiliária – Manutenção dos óbices apontados pelo registrador – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Gisberto Antonio Piovesan e Maria Thereza Carelli Caetano contra a sentença [1] proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro do aditamento ao formal de partilha expedido nos autos do processo nº 3175/97, que tramitou perante a 7ª Vara Cível daquela Comarca, referente à partilha da parte ideal de 7/48 ou 14,58% do imóvel objeto da matrícula nº 33.061 daquela serventia, bem como dos demais títulos protocolados relativos ao mesmo imóvel.

Alegam os apelantes, em síntese, que em relação à partilha dos bens deixados por Sylvio Caetano não há que se falar em sucessão provisória, sendo que a parte ideal de 14,58% do imóvel objeto da matrícula nº 33.061 foi atribuída à viúva e herdeiros mencionados no título. Aduzem que a menção equivocada à sucessão provisória não tem o condão de afastar o direito dos sucessores, devendo prevalecer a regra do art. 112 do Código Civil no sentido de que, nas declarações de vontade, mais se deve ater à intenção das partes que ao sentido literal da linguagem utilizada no título. Afirmam que houve regular processamento do inventário dos bens deixados pelo falecido, o que ensejou, inclusive, a lavratura de escritura de compra e venda do imóvel partilhado que, assim, merece ser registrada. Ainda, sustentam que a indisponibilidade decretada sobre uma pequena fração ideal do imóvel não pode reduzir o direito dos adquirentes e demais proprietários, sobretudo porque, à época da lavratura da escritura, não constava da matrícula nenhuma averbação de indisponibilidade. No mais, discordam da necessidade de apresentação dos documentos pessoais das partes, eis que já apresentados ao Tabelião de Notas quando da lavratura das escrituras que pretendem registrar[2].

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso[3].

É o relatório.

O dissenso versa sobre a registrabilidade:

a) do aditamento de formal de partilha expedido nos autos do Processo nº 3175/97, que tramitou perante a 7ª Vara Cível da Comarca de Campinas/SP (prenotação nº 338.998);

b) da escritura de venda e compra lavrada pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão Geraldo, Comarca de Campinas/SP, no Livro 171, pp. 185/186 (prenotação nº 338.999);

c) do formal de partilha expedido nos autos do Processo nº 2075/93, que tramitou perante a 5ª Vara Cível da Comarca de Campinas/SP (prenotação nº 339.001); e

d) da escritura de compra e venda lavrada pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão Geraldo, Comarca de Campinas/SP, Livro 153, pp. 388/391 (prenotação nº 339.296).

Os títulos foram devolvidos, argumentando o Registrador que:

a) o aditamento de formal de partilha expedido nos autos do Processo nº 3175/97, que tramitou perante a 7ª Vara Cível da Comarca de Campinas/SP (prenotação nº 338.998), não é passível de registro eis que necessária a apresentação da sucessão definitiva, devendo, caso superado esse óbice, ser instruído com as cópias autenticadas dos documentos pessoais (RG e CPF) de Maria Thereza Carelli Caetano e Silvio Caetano;

b) a qualificação da escritura de venda e compra lavrada pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão Geraldo, Comarca de Campinas/SP, Livro 171, pp. 185/186 (prenotação nº 338.999) resultou prejudicada, pois condicionada à superação dos óbices apresentados em relação ao título objeto da prenotação nº 338.998, em respeito ao princípio da continuidade dos registros previsto no art. 195 da Lei dos Registros Públicos;

c) o formal de partilha expedido nos autos do Processo nº 2075/93, que tramitou perante a 5ª Vara Cível da Comarca de Campinas/SP (prenotação nº 339.001), deveria estar acompanhado de cópias autenticadas dos documentos pessoais (RG e CPF) de João Carelli e Ana Casarin Carelli, em atenção ao disposto no art. 176 da Lei 6.015/73; e

d) a escritura de compra e venda lavrada pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão Geraldo, Comarca de Campinas/SP, Livro 153, pp. 388/391 (prenotação nº 339.296) foi qualificada negativamente ante a existência de averbação de ordem de indisponibilidade na matrícula do imóvel.

Primeiramente, é preciso lembrar que o instituto da ausência visa assegurar a situação patrimonial de quem tenha desaparecido sem deixar notícias ou quem o representasse, e seus reflexos perante terceiros. Deferida a sucessão provisória, são os herdeiros imitidos na posse dos bens deixados pelo ausente, mas não em caráter definitivo. Nomeia-se quem irá administrar os bens do ausente até que, decorrido certo tempo, os bens se transmitam, definitivamente, a quem de direito.

Ensinam Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira que: “Em garantia aos direitos de terceiros, cumpre aos herdeiros, imitidos na posse dos bens do ausente, prestar caução de os restituir. Essa garantia visa preservar os direitos do ausente para a hipótese de seu regresso. Mantém-se a regra no novo Código Civil, porém suavizada pela dispensa da garantia para posse nos bens do ausente por seus ascendentes, descendentes ou cônjuge, uma vez provada a sua qualidade de herdeiros (art. 30 e seu par. 2º). Cessa a sucessão provisória pelo comparecimento do ausente, de seu procurador ou de quem o represente, enquanto não vencido o prazo para conversão da sucessão em definitiva” (Inventários e Partilhas, Leud, 15ª. Edição, p. 234/235).

Como se vê, na sucessão provisória os herdeiros ainda não tem a propriedade definitiva dos bens, o que é incompatível com a segurança que se exige do registro de imóveis. Por essa razão, o ingresso no fólio real fica condicionado à sucessão definitiva, conforme já decidido por este Egrégio Conselho Superior, nas Apelações Cíveis nº 093.962-0/5 e nº 99010515.250-3.

Até lá, o caráter provisório da transmissão fica ainda mais evidente por força do disposto no art. 31 do Código Civil, que veda a alienação dos imóveis do ausente, salvo nas hipóteses específicas ali estabelecidas. Em outras palavras, os herdeiros não possuem plena disponibilidade dos imóveis.

A conversão da sucessão provisória em definitiva dá-se por sentença, a requerimento dos interessados, o qual poderá ser feito somente dez anos após o trânsito em julgado da sentença que deferiu a abertura da sucessão provisória. No caso concreto, porém, tendo sido o formal expedido nos autos do procedimento de sucessão provisória, sem apresentação da sentença declaratória da sucessão definitiva (Código Civil, art. 37), inviável o registro.

Correto, pois, o óbice apresentado pelo Oficial em relação ao aditamento de formal de partilha expedido nos autos do Processo nº 3175/97, que tramitou perante a 7ª Vara Cível da Comarca de Campinas/SP, prenotado sob nº 338.998 e, por força do princípio da continuidade, também em relação à escritura de compra e venda em que figuram a viúva meeira e os demais herdeiros como outorgantes vendedores, prenotada sob nº 338.999.

E ainda que dispensável a exigência de apresentação de cópias autenticadas do CPF de Ana Casarin Carelli, eis que possível a relativização do princípio da especialidade subjetiva diante da justificativa apresentada, o fato é que a simples alegação de que os demais documentos já foram apresentados ao Tabelião de Notas, por ocasião da escritura de compra e venda posteriormente lavrada, não afasta os óbices apresentados ao registro do formal de partilha expedido nos autos do Processo nº 2075/93, que tramitou perante a 5ª Vara Cível da Comarca de Campinas/SP, prenotado sob nº 339.001. É que o formal de partilha que deve estar apto a registro independentemente da regularidade do ato subsequente, isto é, da escritura de compra e venda lavrada na sequência.

Aliás, o registro desse formal de partilha é pressuposto do registro da escritura de compra e venda lavrada pelos herdeiros junto ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão Geraldo, Comarca de Campinas/SP, Livro 153, pp. 388/391, prenotada sob nº 339.296, de maneira que também se mostra correta a recusa formulada em relação a esse título, sobretudo diante da ordem de indisponibilidade averbada na matrícula e a impossibilidade de ser autorizada, no caso concreto, a cindibilidade do título.

Ressalte-se, a propósito, que no sistema dos registros públicos vige o princípio tempus regit actum. Em outras palavras, a registrabilidade do título é aferida por ocasião da prenotação, pouco importando, destarte, que a averbação de indisponibilidade tenha ocorrido após a lavratura da escritura de compra e venda.

Nesse cenário, correta a sentença prolatada.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Fls. 235/239.

[2] Fls. 250/253.

[3] Fls. 269/271.

Fonte: DJe/SP de 23.05.2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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