Enfiteuse registro posterior à entrada em vigor do Código Civil de 2002 – Impossibilidade – Precedente do E. CNJ – À luz do art. 2.038 do Código Civil de 2002, inviável o registro de enfiteuse depois de 1/11/03, ainda que o título que a veicula seja anterior – Precedente do E. CNJ – Inviabilidade, porém, de cancelamento dos registros já efetuados, que exigem que os interessados sejam partes da lide – A exigência de comprovação de quitação do laudêmio, na forma do item 59, j, do Capítulo XIV, Tomo II, das NSCGJ, para registro de transferência da propriedade, não prevalece para hipóteses em que a enfiteuse, por inércia, desídia ou omissão do interessado, não esteja registrada – Recurso parcialmente provido


  
 

Número do processo: 1005255-45.2016.8.26.0297

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 255

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1005255-45.2016.8.26.0297

(255/2017-E)

Enfiteuse registro posterior à entrada em vigor do Código Civil de 2002 – Impossibilidade – Precedente do E. CNJ – À luz do art. 2.038 do Código Civil de 2002, inviável o registro de enfiteuse depois de 1/11/03, ainda que o título que a veicula seja anterior – Precedente do E. CNJ – Inviabilidade, porém, de cancelamento dos registros já efetuados, que exigem que os interessados sejam partes da lide – A exigência de comprovação de quitação do laudêmio, na forma do item 59, j, do Capítulo XIV, Tomo II, das NSCGJ, para registro de transferência da propriedade, não prevalece para hipóteses em que a enfiteuse, por inércia, desídia ou omissão do interessado, não esteja registrada – Recurso parcialmente provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de recurso administrativo tirado de r. sentença que julgou improcedente pedido de providência para cancelamento de registros de enfiteuse lavrados depois da entrada em vigor do Código Civil de 2002.

Sustentou o recorrente que o art. 2.038 da lei Civil expressamente impede que se lavre, depois de 11/1/03, registro de enfiteuse, ainda que o título tenha sido pactuado antes daquela data. Requereu cancelamento de todos os registros de enfiteuse lavrados sob vigência do Código Civil de 2002, além de ordem para que o Sr. Registrador abstenha-se de efetuar registro de enfiteuse, bem como de exigir comprovação de pagamento de laudêmio para registrar título de transferência de propriedade, nas hipóteses em que a enfiteuse não esteja registrada.

O Ministério Público opinou pelo parcial provimento do recurso.

É o relatório.

À luz do art. 2.038 do Código Civil:

“Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores.”

O cerne da contenda está em definir se a enfiteuse considera-se constituída com a mera contratação hipótese em que o registro seria possível, mesmo depois de 11/1/2003 ou somente com o registro, que, pois, ficaria vedado a partir daquela data.

Nos moldes do ordenamento pátrio, é o registro que constitui direitos reais sobre imóveis. Até então, há apenas direito pessoal, a surtir efeito somente entre as partes contratantes. Pertinentes os magistérios de Francisco Eduardo Loureiro:

“O terceiro sistema, denominado misto ou eclético, foi o acolhido em nossos Códigos de 1916 e atual. Para nós, o registro é constitutivo do direito real sobre coisa imóvel. É ele que converte o título, gerador de simples direito de crédito, em direito real, irradiando seus efeitos contra todos.” (Código Civil Comentado, SP: Manole, 10ª ed., p. 1.127)

Assim é que a adequada intelecção do art. 2.038 resulta na vedação ao registro de novas enfiteuses, depois de 11/1/03, data da entrada em vigor do Código Civil. E é justamente para acertamentos como o registro das enfiteuses contratadas até então que se presta o prazo ânuo de vacatio legis, consideravelmente generoso, aliás, na hipótese vertente.

Analisando o artigo em comento, Nelson Rosenvald esclarece:

“O dispositivo veda a constituição de enfiteuses e subenfiteuses particulares a partir de 11.01.2003. Todavia, em respeito a situações jurídicas consolidadas na vigência do CC/1916, preserva as enfiteuses já registradas na conformidade de suas normas.” (Código Civil Comentado, SP: Manole, 10ª ed., p. 2.266)

Para o mesmo Norte aponta a orientação do Egrégio Conselho Nacional de Justiça, ao declarar nulo o Provimento 10/2013 da Altiva Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Piauí, que permitia, mesmo depois de 11/1/03, registro de enfiteuses lavradas sob a égide do Código Civil pretérito.

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA PARA REGISTRO DE ENFITEUSES APÓS O ADVENTO DO NOVO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. ANULAÇÃO DO PROVIMENTO N. 10/2013 DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ.

I. O Código Civil vigente (art. 2.038) proibiu a constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses civis, restando somente as administrativas e as civis constituídas sob a égide do Código Civil de 1916, ao qual se subordinam. A constituição de enfiteuses, por sua vez, só se opera pelo registro, antes do que existe apenas mero negócio jurídico.

II. O Provimento n. 10/2013 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Piauí, ao autorizar o registro tardio de “enfiteuses fáticas”, contraria o disposto no artigo 2.038 do Código Civil.

III. A permissão contida no ato administrativo atacado também afigura-se danosa à segurança jurídica da questão fundiária e registral daquele Estado, porquanto transfere aos titulares de Cartórios de Registros de Imóveis a extraordinária tarefa de verificar e atestar a regularidade de enfiteuses supostamente conferidas (de fato) até 11 de janeiro de 2003, data da vigência do atual Código Civil, dando azo a possíveis fraudes, conluios e “grilagens”.

IV. O ato administrativo impugnado perpetua indefinidamente a possibilidade de constituição (registro) de enfiteuses, bastando que o interessado “convença” o cartorário de que o negócio jurídico foi celebrado antes da vigência do atual Código Civil.

V. Essa permissão torna-se ainda mais preocupante quando se leva em conta a possibilidade de registro de enfiteuse de terra pública, com base em documentos supostamente antigos, em procedimento sintético e interno de uma serventia extrajudicial, em evidente risco para o erário.

VI. Pedido julgado procedente para declarar nulo o Provimento n. 10/2013 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Piauí.” (PCA 0007097-27.2013.2.00.0000, Rel. Conselheiro Rubens Curado, j. 2/12/14)

Na situação em berlinda, todavia, afigura-se inviável, à míngua da presença dos interessados em qualquer dos polos da lide, cancelar os registros de enfiteuse em análise. Com efeito, eventual decisão, ainda que administrativa, afetaria, de imediato, direitos de enfiteutas e senhorios, a impor as respectivas presenças como partes da demanda.

Resta obstar que novos registros de enfiteuse sejam lavrados.

De outro bordo, determina o item 59, j, do Capítulo XIV, Tomo II, das NSCGJ:

“59. As escrituras relativas a bens imóveis e direitos reais a eles relativos devem conter, ainda:

j) nas escrituras relativas à transferência do domínio útil, a referência ao comprovante de pagamento dos três últimos foros anuais, se a enfiteuse recair sobre propriedade privada;”

Não obstante, na esteira do quanto reiteradamente decidido no âmbito desta Ínclita Corregedoria Geral, a comprovação de quitação dos três últimos foros anuais só será essencial para que se lavre escritura de transferência de propriedade ou domínio útil nas hipóteses em que a enfiteuse “estiver devidamente registrada no fólio real, constando da respectiva certidão imobiliária” (Autos n.º 112/2016, parecer da lavra do MM. Juiz Assessor Roberto Maia, 13/3/06). Na ocasião, também se fez remissão a decisões no mesmo sentido nos autos CG 1.635/95 (Santa Adélia) e CG 146/91 (Bebedouro):

“Finalmente, tais julgados observaram ser diferente a hipótese de não haver sido registrado o aforamento por inércia, desídia ou omissão do interessado (o senhorio direto que não apresentou o título instituidor da enfiteuse ao fólio real).

Nestes casos, nenhuma providência caberá ao tabelião ou ao oficial registrador, que não exigirão comprovação de resgate do aforamento ou do pagamento de laudêmio.”

Por todo o exposto, o parecer que, respeitosamente submeto à apreciação de V. Exa é no sentido de se dar parcial provimento ao recurso, para determinar ao Sr. Oficial de Registro de Imóveis de Jales que se abstenha de: a) proceder a novos registros de quaisquer títulos com pactuação de enfiteuse particular, nos moldes do art. 2.038 do Código Civil; b) exigir comprovação de resgate do aforamento ou do pagamento do laudêmio, quando observar que, por inércia, desídia ou omissão do interessado, não há registro da enfiteuse.

Sub Censura.

São Paulo, 6 de julho de 2017.

Iberê de Castro Dias

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou parcial provimento ao recurso, para determinar ao Sr. Oficial de Registro de Imóveis de Jales que se abstenha de: a) proceder a novos registros de quaisquer títulos com pactuação de enfiteuse particular, nos moldes do art. 2.038 do Código Civil; b) exigir comprovação de resgate do aforamento ou do pagamento do laudêmio, quando observar que, por inércia, desídia ou omissão do interessado, não há registro da enfiteuse. Publique-se. São Paulo, 07 de julho de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 25.07.2017

Decisão reproduzida na página 203 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicações

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