CGJ/SP: Processo Administrativo Disciplinar – Prescrição – Lei n° 8.112/1990 – Incidência por analogia – Prazo bienal, contado da data em que a Autoridade Administrativa tomou conhecimento do fato – Escritura de venda e compra lavrada no ano de 1999 – Fato comunicado à Autoridade Administrativa no ano de 2015 – Prescrição não configurada – Recurso, nesse ponto, desprovido

Procedimento Administrativo Disciplinar – Portaria insubsistente – Ausência de descrição dos fatos imputados ao Tabelião – Omissão quanto a fatos considerados na sentença – Indicação da inobservância de normas que não estavam em vigor à época dos fatos – Previsão de pena máxima de repreensão e imposição, ao final, de pena de multa – Nulidade da Portaria reconhecida – Recurso provido.

Número do processo: 28046

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 31

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2017/28046

(31/2017-E)

Processo Administrativo Disciplinar – Prescrição – Lei n° 8.112/1990 – Incidência por analogia – Prazo bienal, contado da data em que a Autoridade Administrativa tomou conhecimento do fato – Escritura de venda e compra lavrada no ano de 1999 – Fato comunicado à Autoridade Administrativa no ano de 2015 – Prescrição não configurada – Recurso, nesse ponto, desprovido.

Procedimento Administrativo Disciplinar – Portaria insubsistente – Ausência de descrição dos fatos imputados ao Tabelião – Omissão quanto a fatos considerados na sentença – Indicação da inobservância de normas que não estavam em vigor à época dos fatos – Previsão de pena máxima de repreensão e imposição, ao final, de pena de multa – Nulidade da Portaria reconhecida – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de recurso administrativo tirado de sentença que condenou o Tabelião Octávio de Moraes Júnior, titular do 1º Tabelionato de Notas e de Protestos de Letras e Títulos da Comarca de Catanduva, à pena de multa de R$ 50.000,00, a teor de que não observou as normas da Corregedoria Geral da Justiça (itens 1.3, 5.1 e 44, Capítulo XIV, Tomo II das NSCGJ) e, ainda, contrariou os ditames da Lei 8.935/94 (art. 1º).

Alega o recorrente que estaria configurada a prescrição bienal, uma vez que o ato notarial tido por irregular foi praticado em 27 de agosto de 1999 e a aplicação de pena de multa por infração disciplinar deveria ter ocorrido dentro de dois anos contados dessa data ou, caso se considerasse o ajuizamento da ação anulatória (ciência do fato pela autoridade), dois anos após essa data, configurando-se a prescrição desde 2013. Fundamenta sua tese no disposto no art. 261, da Lei Estadual 10.261/68, com redação dada pela Lei Complementar 942/03. Prossegue sustentando que, caso superada a preliminar de prescrição, a sentença deveria ser revista porque feriria o princípio da congruência ou da simetria entre a conduta imputada na portaria e aquela considerada na sentença como fundamento para aplicar a sanção. Isso porque a portaria fez menção a possível ofensa ao art. 108 do Estatuto do Idoso, ao passo que, na sentença, afastou-se a incidência do dispositivo legal mencionado, por não estar em vigor na data do fato e, ainda, impôs-se sanção que não estaria relacionada com qualquer conduta narrada na portaria. Argumenta, ainda, que a sanção disciplinar não poderia extrapolar aquela anunciada na portaria. Por fim, alega que haveria de ser afastada qualquer punição disciplinar, uma vez que não teriam sido consideradas as provas carreadas aos autos, que afastariam a tese de que Rita da Rocha Telles Fritschy estivesse em situação vulnerável ou sem discernimento, uma vez que redigiu testamento particular dois anos após a prática do ato notarial tido por irregular. Aduz, ainda, que não sabia da situação de internação da alienante quando se dirigiu à casa dos vendedores com a escritura pronta para assinatura. Ainda assim, colheu a assinatura da alienante no hospital por ter certeza de que estava no pleno gozo de suas faculdades mentais e ciente do teor do ato notarial, que foi integralmente lido na ocasião. Embora tivesse o hábito de obter declarações médicas quando houvesse dúvida quanto à capacidade cognitiva do signatário, não tomou essa providência com relação à Rita, porque estava seguro quanto a sua lucidez. Destacou que as normas de serviço invocadas na sentença não estavam em vigor em 1999, época da lavratura do ato anulado. Acrescenta que não havia risco de violação de direitos hereditários, uma vez que a adquirente era a única filha viva dos alienantes. Por fim, aduz que sempre pautou suas atividades pela retidão e cuidado extremo, tendo sido asseguradas a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia do ato jurídico.

É o relatório. Opino.

A prescrição não está configurada.

Deveras, no caso da pena pecuniária e na ausência de previsão da Lei Federal 8.935/94, incide, em caráter subsidiário, a Lei Federal 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, iniciando-se a fluência do prazo prescricional da data do conhecimento do fato pela Autoridade Administrativa competente.

O prazo a ser considerado é aquele previsto no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo (Lei Estadual n. 10.261/68), que estabelece prazo bienal para imposição de pena de multa.

A autoridade em questão é o Juiz Corregedor Permanente do Tabelião recorrente, sendo ele a Autoridade Administrativa competente para impor a sanção disciplinar, não se sustentando, portanto, a tese de que seria o Juiz cível que processou e julgou a ação anulatória do ato notarial.

Há reiterada jurisprudência desta Corregedoria, no sentido de que a fluência do prazo prescricional se inicia com o conhecimento inequívoco da falta disciplinar pela Autoridade Administrativa (Processos 2012/00058240, 2011/00156082 e 2011/00156067, 2014/112.945, 2015/22.383).

No caso em exame, ao concluir o julgamento da ação anulatória da escritura pública de compra e venda, a Juíza sentenciante encaminhou à Juíza Corregedora Permanente do 1º Tabelião de Notas de Catanduva o ofício de fls. 05, datado de 18 de setembro de 2015 e recebido em 23 de setembro de 2015, sendo este o termo a quo do prazo prescricional da pretensão punitiva. A Portaria foi baixada em 14 de outubro de 2015, ao passo que a sentença foi proferida em 06 de outubro de 2016, portanto, antes de transcorrido o prazo prescricional.

Superada a preliminar de prescrição, forçoso reconhecer que a portaria inaugural é insubsistente.

Dispõe o art. 277, parágrafo 1º, da Lei 10.261/68, com as alterações trazidas pela Lei Complementar 942/03, que “Da portaria deverão constar o nome e a identificação do acusado, a infração que lhe é atribuída, com descrição sucinta dos fatos, a indicação das normas infringidas e a penalidade mais elevada em tese cabível”.

Entretanto, na Portaria em análise, não se encontram descritos os fatos imputados ao recorrente, limitando-se a mencionar, genericamente, a ofensa a “normas da Corregedoria” e ao disposto no art. 108, do Estatuto do Idoso. Não foram especificadas quais as normas de serviço que foram inobservadas e, como se não bastasse, houve referência a dispositivo legal que não estava em vigor à época dos fatos (ano de 1999), uma vez que o Estatuto do Idoso entrou em vigor no ano de 2007.

Da leitura da sentença, nota-se que dois foram os fatos considerados para a imposição da pena de multa: (1) omissão, na escritura pública, de um dos locais em que o ato foi praticado (hospital); (2) coleta de assinatura de pessoa que não estava com sua capacidade cognitiva plena, sem que fossem tomadas cautelas para verificação dessa capacidade. Entretanto, não apenas deixaram de ser mencionados ambos os fatos na Portaria, como também não há o menor indício de que seria objeto de apuração o primeiro fato acima indicado.

Não, portanto, foram respeitados os princípios da ampla defesa e do contraditório (Constituição Federal, art. 5º, inciso LV), inviabilizando-se a defesa do sindicado. Importante destacar a semelhança do procedimento administrativo disciplinar ao processo de natureza penal, uma vez que, em ambos os casos, há a apuração de ilícito e análise do cabimento ou não da imposição de pena. Fundamental, portanto, a regularidade da peça inaugural do procedimento disciplinar para que seja viabilizada a defesa do sindicado, mediante exata compreensão dos fatos objeto de apuração, das normas supostamente violadas e da penalidade máxima cabível.

Cediço que a jurisprudência entende aplicável o princípio da pas de nullité sans grief:

“Desnecessário que a Portaria inaugural do procedimento administrativo descreva, em minúcias, a imputação feita ao servidor. A documentação que acompanhou o referido ato esclareceu a situação, sendo suficiente para que o servidor apresentasse sua defesa, não havendo qualquer prejuízo. Após a juntada da informação disciplinar, ainda que posteriormente ao oferecimento das alegações finais, o servidor teve pleno acesso aos autos, tanto que se manifestou sobre outros aspectos.” (STJ, MS n. 8834/DF. DJ, p. 171, 28/04/2003, Rel. Min. Gilson Dipp)

Ocorre que, no caso em análise, o prejuízo do sindicado é evidente, uma vez que não pode se defender de fatos que foram considerados na sentença e que não foram mencionados na Portaria.

Com efeito, na Portaria não foi mencionada qualquer violação às normas contidas nos itens 5.1 e 44 do Capítulo XIV das NSCGJ, Tomo II. Entretanto, na sentença, a falta de menção ao local da prática do ato notarial foi considerada como um dos fundamentos para a punição imposta ao Tabelião. Inequívoca a inobservância do princípio da ampla defesa.

Prejudicada a defesa, ainda, porque não pode ser antevista a pena máxima aplicável, considerando que foi aplicada a pena de multa, ao passo que constou da Portaria a previsão de pena de repreensão.

Ainda que se considerasse válida a Portaria, está claro que a imposição da pena de multa fundamentou-se em violação de normas de serviço que ainda não estavam vigentes à época dos fatos. Todos os itens que fundamentaram a condenação foram acrescentados às normas de serviço da Corregedoria Geral da Justiça pelo Provimento CG n. 20/2012. Somente estava em vigor a Lei 8.935/94, que não foi sequer mencionada na peça inaugural.

Em suma, o procedimento disciplinar em análise está eivado de nulidade desde sua origem, devendo ser refeito, com possibilidade de aproveitamento das oitivas já realizadas, porém, sendo necessária elaboração de nova Portaria, com oportunidade de o sindicado dela se defender e, inclusive, requerer a produção de provas que entenda necessárias, a serem submetidas ao crivo da Juíza Corregedora Permanente.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de anular a Portaria inaugural e todo procedimento administrativo disciplinar, dando-se provimento, em parte, ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2017.

Tatiana Magosso

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo, pelas razões expostas, o parecer, para o fim de anular a Portaria inaugural e todo procedimento administrativo disciplinar, dando-se provimento, em parte, ao recurso. Publique-se. São Paulo, 20 de fevereiro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: MARCOS TADEU DE SOUZA, OAB/SP 89.710.

Diário da Justiça Eletrônico de 03.03.2017

Decisão reproduzida na página 026 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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