CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura pública de compra e venda de imóvel em que figura, como vendedora, pessoa jurídica – Distrato social registrado na Jucesp que não enseja a automática extinção da personalidade jurídica da empresa – Óbito da liquidante nomeada no distrato – Inventariante da sócia falecida que não tem poderes para representar a sociedade e praticar atos necessários à sua liquidação – Irregularidade na representação da pessoa jurídica – Apelação não provida


  
 

Apelação n° 1007331-86.2017.8.26.0271

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1007331-86.2017.8.26.0271
Comarca: ITAPEVI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1007331-86.2017.8.26.0271

Registro: 2018.0000962622

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1007331-86.2017.8.26.0271, da Comarca de Itapevi, em que é apelante SCOPEL EMPREENDIMENTOS E OBRAS S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAPEVI.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de novembro de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1007331-86.2017.8.26.0271

Apelante: Scopel Empreendimentos e Obras S/A

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itapevi

VOTO Nº 37.638

Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura pública de compra e venda de imóvel em que figura, como vendedora, pessoa jurídica – Distrato social registrado na Jucesp que não enseja a automática extinção da personalidade jurídica da empresa – Óbito da liquidante nomeada no distrato – Inventariante da sócia falecida que não tem poderes para representar a sociedade e praticar atos necessários à sua liquidação – Irregularidade na representação da pessoa jurídica – Apelação não provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por SCOPEL EMPREENDIMENTOS E OBRAS S/A. contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica, Civil das Pessoas Naturais, Interdições e Tutelas da Comarca de Itapevi/SP, que em procedimento de dúvida confirmou os óbices impostos pelo registrador para registro da escritura de compra e venda em que a apelante figurou como compradora e como vendedora, a empresa CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA MARCONI CIMAR LTDA.

Em suas razões de inconformismo, alega a apelante, em síntese, que a escritura foi lavrada em cumprimento a contrato de compromisso de compra e venda tendo por objeto os imóveis matriculados junto ao referido registro imobiliário, celebrado pela empresa vendedora quando ainda ativa, ou seja, antes de sua liquidação. Afirma que, à época, a pessoa jurídica estava representada por sua administradora que, posteriormente, foi nomeada liquidante. Vindo a ocorrer a extinção da pessoa jurídica, entende que, com o falecimento da liquidante, caberia ao único herdeiro da falecida dar cumprimento às obrigações assumidas em virtude dos poderes que a ela foram conferidos na qualidade de administradora da pessoa jurídica. Acrescenta que todos os princípios registrários estão sendo respeitados, sendo certo que o inventariante tem poderes para representar o espólio. Discorda da necessidade de alvará para transferência de titularidade de bens que nunca integraram o espólio da liquidante.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 283/286).

É o relatório.

Desde logo, importa ressaltar que não se desconhece o fato de que ao registrador cabe examinar, de forma exaustiva, o título apresentado e que, havendo exigências de qualquer ordem, estas deverão ser formuladas de uma só vez (NSCG, Cap. XX, item 40).  Ocorre que, a despeito da modificação do teor das exigências inicialmente formuladas quando da suscitação da dúvida, o fato é que ao apreciar a questão apresentada pode o MM. Juiz Corregedor Permanente, assim como este C. Conselho Superior da Magistratura requalificar o título por completo.

Com efeito, a qualificação do título realizada no julgamento da dúvida é devolvida por inteiro ao Órgão para tanto competente, sem que disso decorra decisão extra petita ou violação do contraditório e ampla defesa, como decidido por este Colendo Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 33.111-0/3, da Comarca de Limeira, em v. acórdão de que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha:

“Inicialmente, cabe ressaltar a natureza administrativa do procedimento da dúvida, que não se sujeita, assim, aos efeitos da imutabilidade material da sentença. Portanto, nesse procedimento há a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício (cf. Ap Civ 10.880-0/3, da Comarca de Sorocaba).

Não vai nisso qualquer ofensa ao direito de ampla defesa e muito menos se suprime um grau do julgamento administrativo. O exame qualificador do título, tanto pelo oficial delegado, como por seu Corregedor Permanente, ou até mesmo em sede recursal, deve necessariamente ser completo e exaustivo, visando escoimar todo e qualquer vício impeditivo de acesso ao cadastro predial.

Possível, portanto, a requalificação do título nesta sede, ainda que de ofício, podendo ser levantados óbices até o momento não argüidos, ou ser reexaminado fundamento da sentença, até para alteração de sua parte dispositiva” (“Revista de Direito Imobiliário”, 39/339).

Daí porque, em que pese a irregularidade verificada, a recusa do registro fundamentada em razão distinta daquela inicialmente apresentada não invalida o procedimento de dúvida, nem impede o prosseguimento do feito e tampouco a análise do mérito do presente recurso.

O dissenso versa sobre a registrabilidade da escritura de venda e compra lavrada em 06 de junho de 2017, por meio da qual a empresa CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA MARCONI CIMAR LTDA. vendeu imóveis de sua titularidade à apelante. No título consta que a pessoa jurídica teve seu distrato assinado em 12.01.2009, devidamente registrado junto à JUCESP, nele ficando consignado que caberia à falecida MARIA ANTONIA POLICHETTI a responsabilidade pelo ativo e passivo e cumprimento de todas as obrigações relativas à empresa. Constou, ainda, que as partes autorizavam, expressamente, o inventariante dos bens da de cujus a representar seu espólio, inclusive na qualidade de representante da empresa, dando, assim, cumprimento às obrigações assumidas pela pessoa jurídica, como previsto no distrato celebrado, podendo também outorgar escritura referente aos imóveis vendidos pela empresa antes de seu encerramento.

Entende o registrador que, por não se tratar de obrigação pessoal da falecida, mas sim da sociedade, o espólio não tem obrigação que possa ou deva ser transferida aos herdeiros. Por conseguinte, o inventariante do espólio não pode cumprir uma obrigação que caberia à liquidante da pessoa jurídica, havendo irregularidade na representação da sociedade vendedora já extinta.

Aduz a apelante, de seu turno, que as exigências apresentadas pelo registrador não se sustentam pois a escritura foi lavrada para dar cumprimento à obrigação assumida pela falecida, representante legal da pessoa jurídica quando ainda não havia sido extinta.  Ou seja, não se trata de inventariante representando a de cujus na condição de liquidante, mas sim, enquanto sócia e administradora da empresa em relação à obrigação assumida antes do distrato.

No caso concreto, mister consignar que, no distrato averbado na JUCESP, ficou expressamente constando que a “responsabilidade pelo ativo e passivo porventura supervenientes fica a cargo da ex-sócia, a Sra. MARIA ANTONIA POLICHETTI, que se compromete, também, manter em boa guarda os livros e documentos da sociedade ora distratada” (Cláusula 4ª do instrumento a fls. 266/2684).

O art. 51, caput, do Código Civil dispõe que nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para fins de liquidação, até que esta se conclua.

Importa lembrar que a dissolução da pessoa jurídica não extingue, de imediato, sua personalidade, que irá persistir até a finalização de sua liquidação, quando então se dará o cancelamento de sua inscrição no órgão competente (art. 51, § 3º, c.c. art. 1.109, caput, do Código Civil). É dizer: optando os sócios da pessoa jurídica pelo encerramento das atividades mercantis, o registro obrigatório do documento que formaliza a dissolução extrajudicial se caracteriza apenas como a primeira das três fases do procedimento de extinção da personalidade, disciplinadas pela lei (dissolução, liquidação e partilha).

Entende-se por liquidação a total destinação do acervo líquido da pessoa jurídica, com pagamento do passivo e rateio do ativo remanescente. Para tanto, se não houver designação do liquidante no contrato social, os sócios deverão deliberar a respeito (CC, art. 1.038, caput), ficando o escolhido incumbido de pagar o passivo e de receber os ativos, prestando contas ao final (CC, art. 1.108). Apenas após a prestação de contas tem-se por extinta a sociedade (CC, art. 1.109).

Considerando o panorama fático desenhado nos autos, é possível concluir que nem todas as obrigações assumidas pela pessoa jurídica foram cumpridas, eis que a liquidante nomeada no distrato veio a falecer sem outorgar escritura definitiva dos imóveis vendidos à apelante.

Nem se alegue, como pretende a apelante, que o inventariante não estaria a representar a falecida na condição de liquidante, mas sim, na condição de sócia administradora da empresa. É que a administração da sociedade é ato personalíssimo e, ademais, falecida a sócia, seu espólio ou seus herdeiros não se tornam sócios da pessoa jurídica, mas sim, passam a ser detentores de direito de crédito contra a empresa, consubstanciado na participação societária deixada pela de cujus.

Assim sendo, à luz do disposto nos arts. 1.103, inciso IV, 1.104 e 1.105 do Código Civil, não há como se concluir pela regularidade da representação da pessoa jurídica na escritura de compra e venda em questão, o que leva à confirmação do óbice apresentado pelo registrador.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação para manter a recusa ao registro do título.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJe/SP de 18/03/2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.