Artigo – Breves notas a respeito do impacto da Lei 13.811/19 que proibiu o casamento de menores de 16 (dezesseis) anos de idade – Por André Borges de Carvalho Barros


  
 

Ontem, 13 de março de 2019, foi publicada e entrou em vigor a Lei 13. 811, de 12 de março de 2019, conferindo nova redação ao art. 1.520 do Código Civil de 2002, para suprimir as exceções legais permissivas do casamento infantil, assim considerado aquele de quem ainda não completou a idade núbil (16 anos). Com a alteração, foi determinado que “não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código”.

Antes da alteração legislativa o art. 1.520/CC dispunha que “excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”. Tal redação sempre foi objeto de muita discussão e a doutrina especializada em direito de família era uníssona em criticar, há muitos anos, a exceção prevista na primeira parte do dispositivo: a odiosa autorização para contrair matrimônio como forma de evitar imposição ou cumprimento de pena.

Contudo, com as alterações promovidas pelo legislador no Código Penal brasileiro (DL 2.848/1940), havia certo consenso entre os civilistas quanto à revogação tácita desta autorização excepcional para o casamento. Primeiro, com o advento da Lei 11.106/2005, que revogou os incisos VII e VIII do art. 107, do Código Penal, que determinavam a extinção da punibilidade na hipótese de a vítima, dos antigamente denominados “crimes contra os costumes”, vir a se casar com o agente ou com terceiro. Segundo, com o advento da 12.015/2009 que alterou o capítulo do Código Penal relativo aos “crimes contra os costumes”, passando a tratar dos “crimes contra a dignidade sexual” e impedindo o perdão tácito da vítima que se casasse com o agressor ao afastar a ação penal privada e atribuir a ação penal pública.

De outro lado, quanto à segunda exceção prevista na antiga redação do art. 1.520/CC, autorizadora do casamento na hipótese de gravidez, as críticas não eram tão intensas. Em parte, por se tratar de situação não tão comum (não me refiro, claro, à gravidez de pessoas com menos de 16 anos, mas à pretensão de contrair casamento com base neste fato). Enquanto alguns autores acreditavam que a norma incentivava a gravidez na adolescência, outros enxergavam razões de ordem social e econômica para considerar que a permissão da conjugalidade infanto-juvenil poderia agravar uma situação de vulnerabilidade já existente.

Sem pretender aprofundar o debate e fazer juízo de valor quanto ao acerto ou erro do legislador, sob pena de fugir ao propósito dessas breves notas, deve ser destacado que a proibição para o casamento de menores de 16 anos em tais condições era a regra, e a sua autorização era concedida em caráter excepcional, sob a supervisão não só dos Oficiais de Registro Civil, como também do Ministério Público e do Poder Judiciário. Com o advento da Lei 13.811/19, foram eliminadas as exceções e proibido, “em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil”, surgindo algumas questões pontuais a serem analisadas:

Quais menores podem casar?

Desde o dia 13 de março de 2019 apenas podem casar no Brasil aqueles que já tiverem completado a idade núbil (16 anos), permanecendo em vigor o art. 1.517/CC que dispõe que “o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”. De outro lado, para os menores que ainda não completaram os 16 anos de idade o casamento está proibido.

E se o menor de 16 anos estiver emancipado?

Deve ser lembrado que com base nos incisos III, IV, IV, do art. 5º, é possível a emancipação legal de uma pessoa com menos de 16 anos. Contudo, embora a Parte Geral do Código Civil autorize o menor emancipado à prática dos atos da civil, o art. 1.517, da Parte Especial, deve ser lido como uma regra limitadora, uma exceção. Assim, ainda que emancipado para outros atos da vida civil, o menor com menos de 16 anos não poderá casar. Quanto aos menores emancipados com 16 ou 17 anos o casamento continua permitido, sem qualquer alteração.

O que deve ser feito com os procedimentos de habilitação em andamento que se enquadrem nos termos da recente lei?

Ainda que os nubentes tenham sido considerados previamente habilitados, a superveniência da lei lhes retirou a capacidade matrimonial necessária. Não há que se falar na hipótese em direito adquirido, mas em simples expectativa de direito ao casamento. O Oficial responsável pelo procedimento deverá apresentar a oposição de ofício e caso a parte não se conforme, suscitar dúvida ao Juiz Corregedor Permanente.

Qual é a consequência se o casamento for celebrado?

Essa questão é polêmica. Pode ser afirmado, de plano, que a consequência é a invalidade (gênero), o problema é definir de qual espécie: nulo ou anulável.

A nulidade pode ser apontada, pois o legislador proibiu expressamente o casamento dos menores de 16 anos e tal vedação pode ser interpretada sistematicamente com o art. 166/CC que dispõe que é nulo o negócio jurídico quando “a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção”. Teríamos, portanto, em vigor, mais uma hipótese de casamento nulo ao lado daquela prevista no art. 1548/CC (infringência de impedimento).

Por outro lado, também é possível defender a anulabilidade do casamento celebrado em tais condições, pois o legislador brasileiro não revogou o art. 1.550, I, do CC/02, que determina que é anulável o casamento “de quem não completou a idade mínima para casar”. Assim, havendo previsão específica na parte dedicada ao Direito de Família no Código Civil, ela deve ser aplicada, afastando a solução prevista na parte geral (nulidade – art. 166/CC).

Embora pareça a mais acertada, esta interpretação também se depara com um grave problema, pois, na sequência do Código Civil, o art. 1.551 dispõe que “não se anulará, por motivo de idade, o casamento de que resultou gravidez”. O objetivo deste dispositivo legal sempre foi o de proteger a família constituída de fato, protegendo seus integrantes, sobretudo os filhos concebidos. Ciente da ratio legis, fica difícil defender a aplicabilidade do art. 1.551/CC de forma restrita às hipóteses em que os filhos foram concebidos só após a celebração do casamento, afastando-a caso os filhos tenham sido concebidos antes.

Uma coisa é certa, esse debate perdurará por muito anos até que uma posição seja consolidada em nossos tribunais. De qualquer forma, não se deve esquecer que do ponto de vista administrativo cabe aos Oficiais de Registro Civil do país o cumprimento imediato da norma, impedindo tal celebração, ressalvada determinada decisão judicial em sentido contrário.

Também são inválidos os casamentos celebrados antes da vigência Lei 13.811/19?

Não! Os casamentos celebrados até o dia 12 de março de 2019, com base na redação anterior do art. 1.520/CC, são considerados válidos e não serão atingidos pelos efeitos da nova lei, pois, em regra, a incapacidade superveniente de uma pessoa não invalida os atos civis praticados por ela quando era capaz.

Pode ser obtida autorização judicial para celebração do casamento de menor de 16 anos?

O tema ainda é muito recente, mas parte da doutrina do direito de família entende que a vedação absoluta ao casamento infanto-juvenil pode vir a representar medida injusta em alguns casos concretos, aumentando a situação de vulnerabilidade enfrentada pelo casal menor de idade e pelo recém-nascido. Então, ao menos em tese, é possível que a aplicabilidade da norma seja afastada, mediante decisão judicial com declaração incidental de inconstitucionalidade, sustentada em princípios constitucionais protetivos das famílias, das crianças e dos adolescentes.

André Borges de Carvalho Barros
Mestre e Doutor em Direito Civil
Professor da Pós-Graduação da EPD/SP
Oficial de Registro Civil no Estado de São Paulo

Fonte: Arpen/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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