CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de Arrematação – Alienação Forçada – Aquisição Derivada – Domínio Útil – A aquisição de imóvel mediante alienação forçada em processo judicial não pode ser totalmente equiparada a alienação voluntária para fins de exigências do Oficial do Registro Imobiliário – Consideradas as particularidades não cabe prova do recolhimento do laudêmio e do cumprimento de demais obrigações perante a SPU em razão dessas obrigações do falido terem sido sub-rogadas no preço pago pelo arrematante – Recurso provido.


  
 

Apelação nº 1008007-61.2017.8.26.0068

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1008007-61.2017.8.26.0068
Comarca: BARUERI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1008007-61.2017.8.26.0068

Registro: 2018.0000876316

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1008007-61.2017.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que é apelante ARACO PROPERTIES LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARUERI.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da carta de arrematação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 30 de outubro de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1008007-61.2017.8.26.0068

Apelante: Comercial Araco Ltda

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barueri

VOTO Nº 37.580.

Registro de imóveis – Carta de Arrematação – Alienação Forçada – Aquisição Derivada – Domínio Útil – A aquisição de imóvel mediante alienação forçada em processo judicial não pode ser totalmente equiparada a alienação voluntária para fins de exigências do Oficial do Registro Imobiliário – Consideradas as particularidades não cabe prova do recolhimento do laudêmio e do cumprimento de demais obrigações perante a SPU em razão dessas obrigações do falido terem sido sub-rogadas no preço pago pelo arrematante – Recurso provido.

Trata-se de apelação interposta por Araco Properties Ltda contra r. sentença que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do registro de carta de arrematação do domínio útil de imóvel de propriedade da União por não cumprimento das disposições do artigo 3º, parágrafo 2º, inciso I, do Decreto- Lei no 2.398, de 1987.

A apelante sustenta a regularidade do título e o cabimento do registro em razão da legislação incidente e por se cuidar de arrematação em processo de falência.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 424/427).

É o relatório.

A natureza judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 119, do Capítulo XX, das NSCGJ. Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial.

As exigências do Sr. Registrador foram as constantes do artigo 3º, parágrafo 2º, inciso I, do Decreto-Lei n. 2.398, de 1987, o qual prescreve:

  • 2º Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio:

I – sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União – SPU que declare:

  1. a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos;
  2. b) estar o transmitente em dia com as demais obrigações junto ao Patrimônio da União; e
  3. c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público;

A alienação forçada em processo judicial encerra transmissão derivada do direito de propriedade imóvel por envolver manifestação de vontade do adquirente e do Estado, pressupondo relação jurídica anterior, donde emerge o caráter bilateral da aquisição, apesar da ausência de manifestação de vontade do titular do direito real.

Essa situação tem natureza de negócio jurídico entre o adquirente e o Estado, caracterizando aquisição derivada. Esse o entendimento de Araken de Assis (Manual da execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, itens 339 e 340.1), conforme segue:

Seguramente, essa construção enfatiza aspecto deveras relevante na alienação forçada: o ato do Estado e o ato do adquirente se mostram heterogêneos. O poder de quem aliena (Estado) é indiscutivelmente público, jurisdicional, sub-rogatório da vontade do executado ou, trilhando o percurso da ação material, do agir do exequente, impedido de agir de mão própria pelo veto à autotutela. E a declaração de vontade do terceiro, que lança e arremata (ou do exequente e do terceiro que adjudicam) ostenta cunho privado.

A conciliação é intuitiva, demonstrando a excelência da explicação seu cabal ajuste à realidade. Há oferta no lanço, e, no pedido de adjudicação, declaração de vontade que o Estado aceita, e, portanto, surge um típico negócio bilateral. Não existe contrato, porém: o negócio é de direito público e processual, classificado em categoria distinta. Em seu estilo característico, o autor da tese estigmatiza os críticos, acentuando: “Quando algum jurista investe, armas em riste, contra a afirmação de ser negocial a arrematação, ataca o quartel vizinho àquele que tinha de atacar, aquele que pertence aos contratos”.

Enfim, a reunião do poder de expropriar do Estado, prestando tutela jurídica ao exequente, e a declaração de vontade do adquirente, movido pelo seu próprio interesse, revela-se flagrante. Outra razão plausível para rejeitar a engenhosa explicação oposta consiste na observação trivial de que, na compra e venda em que os atos são “homogêneos”, também a aceitação (pelo vendedor) da oferta (feita pelo comprador) condiciona a consumação do negócio.

Por conseguinte, na alienação forçada se descortina negócio jurídico entre o Estado, titular do poder de expropriar o poder de dispor do executado, e o adquirente.

(…)

Quem equipara a alienação forçada à compra e venda, sem maiores hesitações, oferece ao quesito resposta tranquila: cuida-se de aquisição derivada, como é da índole do seu modelo privado.

Em contrapartida, os adeptos de primeira hora do caráter público do negócio, radicalizando a ideia de que o Estado substitui o proprietário, cindindo a continuidade da cadeia de transmissões, estimam originária a aquisição. Claro está que, nesta última perspectiva, despreza-se o caráter negocial da alienação forçada.

Respeitando a correlação entre dívida e responsabilidade (art. 789), ao Estado não cabe expungir dos bens do executado alguns ônus (v.g., servidão de passagem que grava o imóvel penhorado), que beneficiam a terceiros, ou assegurar, tout court, o domínio apenas aparente do devedor em face do verus dominus. Também aqui calha o velho brocardo: não se transfere mais do que se tem (nemo plus iuris in alios transferre potest quam ipse haberet). Em outras palavras, a transmissão é feita a título derivado ao arrematante.

Apesar da natureza derivada da aquisição ela não é uma aquisição derivada voluntária em conformidade com a faculdade de dispor do proprietário do bem imóvel frente ao caráter forçado da alienação.

Este C. Conselho Superior da Magistratura, em sua atual composição, analisou a situação da responsabilidade do arrematante pelas dívidas do executado, na Apelação Cível n. 1000063-31.2017.8.26.0319, j. 15.05.2018, como se observa do extrato do voto de minha relatoria:

Contudo, independentemente de se tratar de aquisição derivada de propriedade, o caso concreto envolve, em verdade, a limitação de eventual responsabilidade do arrematante por eventual débito existente em desfavor do titular da propriedade do bem alienado judicial. E aqui, há de se observar que o arrematante não assume, de forma alguma, qualquer ônus ou responsabilidade sobre débitos do executado que tem seu imóvel levado a leilão judicial,

Para além da inexistência de responsabilidade a qualquer título pelo arrematante por débitos pessoais do executado que tem o bem arrematado em leilão judicial, exceção óbvia às obrigações ambulatórias que figurem no edital, observa-se de fato que não existe qualquer registro ou averbação de ações reais ou reipersecutórias junto à matrícula do imóvel objeto do loteamento, além de inexistirem quaisquer ônus reais, tais como penhora, hipoteca, alienação fiduciária ou decretação de indisponibilidade (fl. 13/16).

E, mesmo que existissem alguma oneração sobre o bem, haveria se de avaliar, em concreto, se não se enquadraria naqueles casos em que a arrematação transfere o direito de garantia sobre o bem para o saldo obtido com a arrematação, entregando-se o bem isento de ônus ao arrematante.

(…)

Pensar de forma diversa seria responsabilizar o arrematante, que confiou na segurança jurídica estatal, pagou o preço e arrematou o bem, por todos os encargos vinculados ao anterior proprietário, o que comprometeria a eficiência da tutela executiva, em ofensa à segurança jurídica.

E refoge à lógica da arrematação judicial de bem por particular, no âmbito de processo executivo, a permanência dos efeitos de garantia patrimonial do bem sobre as dívidas que, em verdadeiro concurso de credores, haveriam de ser pagas com o saldo da arrematação, sendo impossível nova penhora sobre o bem arrematado por conta de débitos anteriores ou atuais havidos pelo devedor executado (STJ, REsp 866.191/SC – 1ª T. – rel. Min. Teori Albino Zavascki j. 22.02.2011 DJe 28.02.2011).

Compete, portanto, analisar as exigências legais sob o prisma da aquisição do imóvel em arrematação judicial.

O artigo 3º, caput, do Decreto-Lei n. 2.398, de 1987, dispõe:

Art. 3° A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias.

Assim, a obrigação do recolhimento do laudêmio, compete ao vendedor, no caso, a massa falida executada.

A falência da titular do direito real em questão, igualmente, pressupõe a existência de diversas dívidas e modo específico de sua satisfação no processo de falência.

Nessa perspectiva, considerada a alienação forçada do direito real em processo de falência, haveria dificuldade, senão impossibilidade, da adquirente (arrematante) satisfazer exigências concernentes a prova do recolhimento do laudêmio e da quitação das demais obrigações junto ao Patrimônio da União (v. certidão de débitos de fls. 331), justamente, em razão dessas obrigações competirem à massa falida.

De forma geral, o artigo 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional estabelece:

Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço. (grifos meus)

De forma específica, igualmente, o artigo 141, inciso II, da Lei n. 11.101/05, estabelece:

Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:

(…)

II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

Desse modo, as obrigações, cuja prova do adimplemento é exigida, são da alçada da falida e não da arrematante; somente teria lugar tais exigências na hipótese de alienação voluntária, o que não é a situação desta dúvida.

As exigências do Sr. Oficial do Registro Imobiliário devem ser afastadas, sob pena de jamais haver arrematantes em situações semelhantes frustrando a efetividade do sistema legal incidente.

A autorização da transferência, pelo fato do imóvel não se encontrar em área de interesse do serviço público é absolutamente indevida, pois, cumprida por meio da apresentação da Certidão de Autorização para Transferência CAT (a fls. 41/42).

Por fim, o ora decidido já tinha sido reconhecido pela Secretaria de Patrimônio da União quando da expedição da CAT (a fls. 41/42) inclusive com posteriores esclarecimentos (a fls. 348/349), não tendo havido ilegalidade alguma.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da carta de arrematação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJe de 01.03.2019 – SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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