Direito civil e processual civil – Recurso Especial – Ação de execução hipotecária – Adjudicação direta ao credor hipotecário pelo valor da avaliação do imóvel, indepentemente da realização de hasta pública – Possibilidade – 1. Ação de execução hipotecária, na qual o credor hipotecário requer a adjudicação do imóvel penhorado pelo valor constante do laudo de avaliação, independentemente da realização de hasta pública – 2. Ação ajuizada em 12/02/2008. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73 – 3. O propósito recursal é definir se pode ocorrer a adjudicação direta do imóvel ao credor hipotecário que oferece o preço da avaliação judicial do bem, independentemente da realização de hasta pública – 4. O art. 10 da Lei 5.741/71 preceitua, de forma expressa, que o Código de Processo Civil será aplicado, subsidiariamente, à ação executiva de que trata referida lei

Direito civil e processual civil – Recurso Especial – Ação de execução hipotecária – Adjudicação direta ao credor hipotecário pelo valor da avaliação do imóvel, indepentemente da realização de hasta pública – Possibilidade – 1. Ação de execução hipotecária, na qual o credor hipotecário requer a adjudicação do imóvel penhorado pelo valor constante do laudo de avaliação, independentemente da realização de hasta pública – 2. Ação ajuizada em 12/02/2008. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73 – 3. O propósito recursal é definir se pode ocorrer a adjudicação direta do imóvel ao credor hipotecário que oferece o preço da avaliação judicial do bem, independentemente da realização de hasta pública – 4. O art. 10 da Lei 5.741/71 preceitua, de forma expressa, que o Código de Processo Civil será aplicado, subsidiariamente, à ação executiva de que trata referida lei – 5. De fato, em um primeiro momento, o confronto entre os arts. 6º e 7º da Lei 5.741/71 e o art. 685-A do CPC/73 (introduzido pela Lei 11.382/06) sugere um possível conflito entre as suas redações, de forma a induzir o julgador à aplicação imediata do que previsto na lei especial – 6. Ressoa nítido que a lei especial prevê a realização de hasta pública (art. 6º), admitindo a adjudicação direta ao credor hipotecário apenas na hipótese de não haver qualquer licitante na praça (art. 7º), situação que, quando verificada, e após a adjudicação do bem, exonerará o devedor da obrigação de pagar o restante da dívida. De outra banda, o CPC/73 (art. 685-A) prevê a possibilidade de a adjudicação ao credor dar-se pela simples oferta de preço não inferior ao da avaliação, independentemente da prévia realização de hasta pública – 7. Entretanto, pode-se constatar que a suposta incompatibilidade entre os dispositivos legais é meramente aparente, não se circunscrevendo à mera aplicação do princípio da especialidade das normas. Isso porque dois escopos da legislação específica devem ser sempre considerados na sua interpretação: o fim social com que foram criadas todas as regras que tratam do Sistema Financeiro da Habitação e a rápida recuperação do crédito para a reintrodução do capital investido no fluxo do sistema para novos financiamentos, o que não deixa de traduzir, em certa medida, esse fim social – 8. Analisando-se a específica situação versada nos presentes autos, não há como se vedar o pleito do recorrente de adjudicação direta do imóvel pelo valor da avaliação judicial do bem, quando o mesmo expressamente curva-se à previsão da legislação especial de exoneração dos devedores ao pagamento do valor remanescente da dívida. A realização de hasta pública, na espécie, apenas comprometeria a celeridade da própria execução, ou seja, tardando a própria satisfação da dívida – 9. Recurso especial conhecido e provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.721.731 – SP (2015/0112347-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : ITAU UNIBANCO S.A

ADVOGADO : PAULO ROBERTO JOAQUIM DOS REIS – SP023134

RECORRIDO : EDUARDO ALVES FERREIRA

RECORRIDO : MARIA LUZENILDA DE QUEIROZ FERREIRA

RECORRIDO : HARLEY BOCCACINO JUNIOR

ADVOGADO : JOSE LUIZ SILVA GARCIA E OUTRO(S) – SP054789

EMENTA – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA. ADJUDICAÇÃO DIRETA AO CREDOR HIPOTECÁRIO PELO VALOR DA AVALIAÇÃO DO IMÓVEL, INDEPENTEMENTE DA REALIZAÇÃO DE HASTA PÚBLICA. POSSIBILIDADE.

1. Ação de execução hipotecária, na qual o credor hipotecário requer a adjudicação do imóvel penhorado pelo valor constante do laudo de avaliação, independentemente da realização de hasta pública.

2. Ação ajuizada em 12/02/2008. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73.

3. O propósito recursal é definir se pode ocorrer a adjudicação direta do imóvel ao credor hipotecário que oferece o preço da avaliação judicial do bem, independentemente da realização de hasta pública.

4. O art. 10 da Lei 5.741/71 preceitua, de forma expressa, que o Código de Processo Civil será aplicado, subsidiariamente, à ação executiva de que trata referida lei.

5. De fato, em um primeiro momento, o confronto entre os arts. 6º e 7º da Lei 5.741/71 e o art. 685-A do CPC/73 (introduzido pela Lei 11.382/06) sugere um possível conflito entre as suas redações, de forma a induzir o julgador à aplicação imediata do que previsto na lei especial.

6. Ressoa nítido que a lei especial prevê a realização de hasta pública (art. 6º), admitindo a adjudicação direta ao credor hipotecário apenas na hipótese de não haver qualquer licitante na praça (art. 7º), situação que, quando verificada, e após a adjudicação do bem, exonerará o devedor da obrigação de pagar o restante da dívida. De outra banda, o CPC/73 (art. 685-A) prevê a possibilidade de a adjudicação ao credor dar-se pela simples oferta de preço não inferior ao da avaliação, independentemente da prévia realização de hasta pública.

7. Entretanto, pode-se constatar que a suposta incompatibilidade entre os dispositivos legais é meramente aparente, não se circunscrevendo à mera aplicação do princípio da especialidade das normas. Isso porque dois escopos da legislação específica devem ser sempre considerados na sua interpretação: o fim social com que foram criadas todas as regras que tratam do Sistema Financeiro da Habitação e a rápida recuperação do crédito para a reintrodução do capital investido no fluxo do sistema para novos financiamentos, o que não deixa de traduzir, em certa medida, esse fim social.

8. Analisando-se a específica situação versada nos presentes autos, não há como se vedar o pleito do recorrente de adjudicação direta do imóvel pelo valor da avaliação judicial do bem, quando o mesmo expressamente curva-se à previsão da legislação especial de exoneração dos devedores ao pagamento do valor remanescente da dívida. A realização de hasta pública, na espécie, apenas comprometeria a celeridade da própria execução, ou seja, tardando a própria satisfação da dívida.

9. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 27 de novembro de 2018(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de recurso especial interposto por ITAU UNIBANCO S.A, fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/SP.

Recurso especial interposto em: 05/03/2014.

Atribuído ao Gabinete em: 26/08/2016.

Ação: de execução hipotecária, ajuizada pelo recorrente, em desfavor de EDUARDO ALVES FERREIRA e MARIA LUZENILDA DE QUEIROZ FERREIRA (e-STJ fls. 6-8).

O recorrente (credor hipotecário), por sua vez, requereu, nos termos do art. 685-A do CPC/73, fosse autorizada a adjudicação do imóvel penhorado pelo valor constante do laudo de avaliação, independentemente da realização de hasta pública, respeitada a exoneração dos devedores do pagamento do valor remanescente da dívida (e-STJ fls. 40-41).

Decisão interlocutória: indeferiu o pleito do recorrente de adjudicação do imóvel dado em garantia (e-STJ fl. 46).

Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa:

EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA. Credor que pretende a adjudicação direta do imóvel. Impossibilidade. Execução regida pela Lei n.º 5.741/71. Necessidade de realização de hasta pública antes da adjudicação do bem ao credor. Recurso não provido (e-STJ fl. 71).

Recurso especial: alega violação do art. 685-A do CPC/73, bem como dissídio jurisprudencial. Sustenta que:

a) é lícito ao credor hipotecário, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados; e

b) a adjudicação direta ao credor pelo valor da avaliação judicial não se mostra prejudicial aos recorridos, uma vez que os mesmos serão exonerados do restante do pagamento da dívida, dispensando, assim, a realização de hasta pública (e-STJ fls. 75-88).

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP inadmitiu o recurso especial interposto por ITAU UNIBANCO S.A (e-STJ fls. 98-100), ensejando a interposição de agravo em recurso especial (e-STJ fls. 103-112), que foi provido e reautuado como recurso especial, para melhor exame da matéria (e-STJ fl. 122).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR):

O propósito recursal é definir se pode ocorrer a adjudicação direta do imóvel ao credor hipotecário que oferece o preço da avaliação judicial do bem, independentemente da realização de hasta pública.

Aplicação do Código de Processo Civil de 1973 – Enunciado Administrativo n. 2/STJ.

1. DA POSSIBILIDADE DA ADJUDICAÇÃO DIRETA DO IMÓVEL AO CREDOR HIPOTECÁRIO (art. 685-A do CPC/73; e dissídio jurisprudencial)

Inicialmente, convém salientar que o TJ/SP consignou expressamente que a execução hipotecária deve seguir os ditames previstos em lei especial – Lei 5.741/71 –, aplicando-se apenas subsidiariamente as disposições constantes do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, e com base no art. 7º da Lei 5.741/71, concluiu não ser possível a adjudicação direta do bem ao credor hipotecário, pois seria imprescindível a prévia realização de hasta pública, “tendo em vista a possibilidade de se auferir um valor superior ao da avaliação do bem” (e-STJ fl. 72).

O recorrente, por sua vez, defende a possibilidade de adjudicação direta do imóvel ao credor hipotecário quando a oferta dá-se por preço não inferior ao da avaliação, com fulcro em dispositivo legal inserto no CPC/73 (art. 685-A), argumentando a ausência de incompatibilidade do mesmo com dispositivo legal previsto na lei especial, senão vejamos:

Equivocado o acórdão atacado, sendo certo que o deferimento da adjudicação direta pelo valor da avaliação judicial ao credor hipotecário, ora Recorrente, não se mostra prejudicial aos Recorridos, uma vez que os mesmos serão exonerados do restante do pagamento da dívida, em observância aos termos do artigo 7º da referida lei especial, dispensando assim, a realização de hasta pública.

Ao contrário, o prejuízo é do credor que terá que arcar com novos gastos com editais para o praceamento, que por fim serão inócuos, uma vez que deverá ser observada, a final, a quitação da totalidade da dívida pela adjudicação do imóvel por seu preço já estimado.

Neste sentido, não há incompatibilidade de normas, vez que o artigo 7º da lei 5.741/71 prevê que na ausência de licitantes na praça pública, o Juiz adjudicará ao credor o imóvel hipotecado, exonerando os devedores da obrigação de pagar o restante da dívida (e-STJ fl. 80).

Cabe, então, perquirir acerca de suposta incompatibilidade entre dispositivo legal previsto em lei especial – que prevê a venda do imóvel hipotecado em praça pública – e dispositivo legal previsto em lei geral – que trouxe como alternativa a faculdade da adjudicação do bem penhorado, pelo credor, por preço não inferior ao da avaliação, antes mesmo da oferta em hasta pública.

Com efeito, o art. 10 da Lei 5.741/71 preceitua, de forma expressa, que o Código de Processo Civil será aplicado, subsidiariamente, à ação executiva de que trata referida lei.

Esta Corte Superior, também, quando instada a manifestar-se sobre o tema, reconheceu a especialidade da Lei 5.741/71 e a prevalência de sua aplicação sobre os dispositivos legais do Código Processual Civil. A propósito, cita-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA. PREVALÊNCIA DAS NORMAS DA LEI N. 5.741/71 SOBRE AS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, POR SE TRATAR DE LEI ESPECIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 5º DA LEI 5.741/71.

1. A jurisprudência desta eg. Corte é pacífica em considerar que, em se tratando de execução hipotecária, o disposto no art. 5º da Lei n. 5.741/71, por se tratar de regra especial, prevalece sobre o art. 739, § 1º, do Código de Processo Civil.

2. Para a concessão de efeito suspensivo aos embargos do devedor, é necessário que o executado cumpra os requisitos insertos no art. 5º da Lei n. 5.741/71, comprovando que depositou integralmente o valor reclamado na inicial ou que pagou a dívida.

3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp 1.017.277/RS, 4ª Turma, DJe 26/03/2012).

Imperioso destacar, contudo, que este STJ possui entendimento de que a prevalência da Lei 5.741/71 sobre o Código de Processo Civil ocorre somente quanto às regras dissonantes entre os dois diplomas, sendo certa a subsidiariedade da aplicação da lei geral naquilo que não contrariar a lei específica:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEI 5.741/71. EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA. AÇÃO REVISIONAL ANTERIOR. TRATAMENTO ANÁLOGO AO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR. CONEXÃO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE UM DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 5º DA LEI 5.741/71.

1. A Lei 5.741/71, que regula a proteção do financiamento de bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, prevalece sobre o Código de Processo Civil ante a sua natureza especial, de modo que é possível a suspensão da execução hipotecária, desde que atendidos os requisitos previstos em seu art. 5º: a) oposição de embargos e b) depósito integral da importância reclamada ou o pagamento prévio da dívida. (Precedentes da Corte Especial do STJ).

2. Nessa linha, a prevalência da Lei 5.741/71 sobre o Código de Processo Civil ocorre somente quanto às regras dissonantes entre os dois diplomas, sendo certa a subsidiariedade da aplicação da lei adjetiva civil naquilo que não contrariar a lei específica.

3. A ação revisional ostenta a mesma natureza dos embargos do devedor – ação de conhecimento prejudicial à execução -, razão pela qual deve ter o mesmo tratamento àqueles dispensado quando ajuizada anteriormente à ação satisfativa. Precedentes.

4. Portanto, a suspensão do processo executivo hipotecário é medida que se impõe apenas quando efetuado o depósito integral da importância reclamada ou o pagamento prévio da dívida, o que não ocorreu no caso em julgamento.

5. Recurso especial provido para determinar o prosseguimento da execução (REsp 850.142/SE, 4ª Turma, DJe 06/12/2011).

De fato, em um primeiro momento, o confronto entre os arts. 6º e 7º da Lei 5.741/71 e o art. 685-A do CPC/73 (introduzido pela Lei 11.382/06) sugere um possível conflito entre as suas redações, de forma a induzir o julgador à aplicação imediata do que previsto na lei especial.

Registra-se o que disposto nos referidos dispositivos legais:

Lei 5.741/71

Art. 6º Rejeitados os embargos referidos no caput do artigo anterior, o juiz ordenará a venda do imóvel hipotecado em praça pública por preço não inferior do saldo devedor expedindo-se edital pelo prazo de 10 (dez) dias.

(…)

Art. 7º Não havendo licitante na praça pública, o Juiz adjudicará, dentro de quarenta e oito horas, ao exequente o imóvel hipotecado, ficando exonerado o executado da obrigação de pagar o restante da dívida.

CPC/73

Art. 685-A. É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados.

Ressoa nítido que a lei especial prevê a realização de hasta pública (art. 6º), admitindo a adjudicação direta ao credor hipotecário apenas na hipótese de não haver qualquer licitante na praça (art. 7º), situação que, quando verificada, e após a adjudicação do bem, exonerará o devedor da obrigação de pagar o restante da dívida.

De outra banda, o CPC/73 (art. 685-A) prevê a possibilidade de a adjudicação ao credor dar-se pela simples oferta de preço não inferior ao da avaliação, independentemente da prévia realização de hasta pública.

Entretanto, aprofundando-se no estudo da controvérsia, pode-se constatar que a suposta incompatibilidade entre os dispositivos legais é meramente aparente, não se circunscrevendo à mera aplicação do princípio da especialidade das normas.

Explica-se. É que, como mesmo explica Volnei Luiz Denardi, “dois escopos da legislação específica devem ser sempre considerados na sua interpretação: o fim social com que foram criadas todas as regras que tratam do Sistema Financeiro da Habitação e a rápida recuperação do crédito para a reintrodução do capital investido no fluxo do sistema para novos financiamentos, o que não deixa de traduzir, em certa medida, esse fim social” (Execuções judicial e extrajudicial no Sistema Financeiro da Habitação: Lei 5.741/1971 e Decreto-lei 70/1966. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 137).

Afinal, além de cada situação específica exigir particular reflexão, os dois objetivos de toda a normatização voltada ao Sistema Financeiro da Habitação devem servir de norte para a interpretação, inclusive para adaptar-se a execução especial hipotecária ao Código de Processo Civil.

A exemplo disso, cita-se que a Lei 5.741/71 estabeleceu modalidade particular de limitação da responsabilidade patrimonial, uma vez que sujeita à expropriação apenas o bem imóvel hipotecado, independentemente do seu valor ser ou não suficiente para o pagamento da dívida. Essa restrição decorre, justamente, do que vem estipulado nos arts. 6º e 7º da mencionada lei, quando obriga que a arrematação seja realizada por preço não inferior ao saldo devedor ou, na hipótese de adjudicação, exonera o executado da obrigação de pagar o restante da dívida.

Tal exceção, certamente, foi criada tendo em vista os escopos sociais e de celeridade processual estabelecidos na própria lei especial, afinal, essas regras atendem ao objetivo social do Sistema Financeiro de Habitação e visam a eximir o mutuário que não conseguiu pagar as prestações da casa própria de eventual saldo remanescente da dívida que, em tempos atuais, frequentemente torna-se superior ao próprio valor do imóvel.

Consoante destaca Evaristo Aragão Ferreira dos Santos:

Ou seja, isto permite afirmar, com toda segurança, que, na execução especial hipotecária, se admite que o credor, no caso concreto, po as deixar de receber tudo aquilo a que teria direito pela lei e pelo contrato, em benefício da celeridade do procedimento (isto é, do retorno rápido do capital investido) e da necessidade de se preservar o mutuário, limitando-se a satisfação do crédito, exclusivamente, ao imóvel através dele financiado (Processo de execução e assuntos afins / coord. Teresa Arruda Alvim Wambier; colab. Araken de Assis… [et al.]. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 216).

Já a lei processual civil, além de prever que o devedor responde, com todos os seus bens, presentes e futuros, para o adimplemento da obrigação (art. 591 do CPC/73), prevê que, requerida a adjudicação do bem pelo credor, se o valor do crédito foi superior ao do bem, a execução prosseguirá pelo saldo remanescente (art. 685-A, § 1º, do CPC/73).

Da confrontação de mencionados comandos, deve-se captar o real espoco da legislação específica, chegando-se à conclusão de que se a exceção da exoneração do restante da dívida prevista na Lei 5.741/71 tem objetivos específicos, não poderia ser revogada por dispositivo de lei geral posterior que prevê o prosseguimento da execução na hipótese de haver saldo remanescente.

Disso dessume-se a importância de se extrair da legislação especial a real exegese de sua norma, de forma a coordená-la conjuntamente com as disposições da lei geral – e, obviamente, sempre que não haja antinomia entre as mesmas.

Ora, analisando-se a específica situação versada nos presentes autos, não há como se vedar o pleito do recorrente de adjudicação direta do imóvel pelo valor da avaliação judicial do bem, quando o mesmo expressamente curva-se à previsão da legislação especial de exoneração dos devedores ao pagamento do valor remanescente da dívida.

A dúvida poderia surgir porque a lei especial sequer prevê a avaliação do bem imóvel penhorado. Como admitir-se, então, a aplicação do art. 685-A do CPC/73, que admite a adjudicação ao credor hipotecário pelo valor da avaliação do bem?

Quanto ao ponto, vale destacar o que frisa a doutrina:

A Lei 11.382/2006 trouxe como alternativa a faculdade da adjudicação do bem penhorado, pelo credor, por preço não inferior ao da avaliação, antes mesmo da oferta em hasta pública. É o que passou a constar no art. 685-A do Código de Processo Civil, estabelecendo ser “lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados”.

Sem dúvidas que o encurtamento dos atos de execução, com a eliminação de procedimentos para a oferta pública, agiliza a prestação da tutela jurisdicional e, assegurando-se que a adjudicação não se fará por preço inferior ao da avaliação, preserva-se também o interesse do devedor.

A dificuldade de adaptação dessa salutar alternativa para a execução hipotecária especial estaria na circunstância de a Lei 5.741/71 não exigir a avaliação do imóvel hipotecado e impor que a arrematação ou adjudicação dê-se, no mínimo, pelo valor do saldo devedor.

Como já assinalado anteriormente (…), a mesma Lei 11.382 veio autorizar a avaliação judicial pelo oficial de justiça quando da realização da penhora, o que pode oferecer ao juiz condições para permitir a adjudicação na execução especial hipotecária, sem prejuízo para nenhuma das partes, especialmente ao devedor, já que para o credor o parâmetro será sempre o saldo devedor.

Se o valor do imóvel hipotecado, pela estimativa do oficial de justiça, for superior ao saldo devedor, a adjudicação pelo credor, nessa fase, poderá se deferida se depositar a diferença, nos termos do § 1º do mesmo art. 685-A. Caso o valor do bem seja inferior, a adjudicação poderá se dar pelo saldo devedor. Esse critério permite harmonizar a execução especial ao Código de Processo Civil (DENARDI, Volnei Luiz. Execuções judicial e extrajudicial no Sistema Financeiro da Habitação: Lei 5.741/1971 e Decreto-lei 70/1966. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 161) (grifos acrescentados).

Com efeito, elucidou-se que o próprio CPC/73 autoriza a avaliação judicial do bem pelo oficial de justiça quando da realização da penhora, o que pode oferecer ao juiz condições para permitir a adjudicação na execução especial hipotecária, sem prejuízo para nenhuma das partes.

Assim, a depender do valor constante do laudo de avaliação, e conjugando-se com a limitação da responsabilidade patrimonial prevista na Lei 5.741/71, tem-se que, se o mesmo for inferior ao valor da dívida, ter-se-á por exonerado o devedor de eventual saldo remanescente; e se superior ao valor da dívida, o credor hipotecário deverá realizar depósito da diferença.

Por oportuno, convém transcrever exatamente o que requerido pelo recorrente na petição de fls. 40-41 (e-STJ):

2 – Com as alterações dispostas no Código de Processo Civil, no tocante ao novo sistema de adjudicação na fase executiva, temos que não mais se faz necessário aguardar a fase de hasta pública para realizar referido ato processual. A propósito, registre-se que, com esta reforma processual, a adjudicação de bens passa a ser a forma preferencial para satisfazer o crédito exequendo.

Diante do exposto, requer seja autorizada a adjudicação por iniciativa particular do imóvel penhorado pelo valor do lado de avaliação, respeitada a exoneração dos devedores no pagamento do valor remanescente da dívida, conforme previsão no art. 7º da Lei 5.741/71, nos termos do artigo 685-A do Código de Processo Civil e, consequentemente a expedição do Auto de Adjudicação, para os fins de direito (e-STJ fls. 40-41) (grifos acrescentados).

Logo, é patente que a adjudicação direta do imóvel ao credor hipotecário, observado o valor de avaliação do bem, não importará em prejuízo ao devedor – que será exonerado da obrigação de pagar o restante da dívida –, representando, ainda, inegável benefício àquele, que, além de deparar-se com a celeridade na satisfação da dívida, evitará gastos com editais de praceamento do bem.

Disso dessume-se, como anteriormente salientado, que não há, de fato, conflito entre as mencionadas normas, salientando-se a necessidade de interpretá-las, conjuntamente, de forma a melhor atender a finalidade do sistema.

Afinal, inócua seria a realização da praça a fim de possivelmente auferir valor superior ao da avaliação do bem – justificativa utilizada pelo Tribunal de origem – quando a adjudicação direta ao credor hipotecário importará na exoneração dos recorridos da obrigação de pagar saldo remanescente na dívida.

A realização de hasta pública, na espécie, apenas comprometeria a celeridade da própria execução, ou seja, tardando a própria satisfação da dívida.

Destarte, tem-se que, na hipótese dos autos, deve a Corte local, com base no valor constante do laudo de avaliação do bem, reconhecer a possibilidade de adjudicação direta do imóvel ao credor hipotecário, independentemente da realização de hasta pública, desde que exonerado o devedor da obrigação de pagar o restante da dívida.

Por fim, revela-se a necessidade de cautela por parte do Tribunal de origem a fim de analisar se o valor de avaliação do imóvel é superior ou não ao valor da dívida e, em sendo, determinar que o credor hipotecário deposite de imediato a diferença.

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por ITAU UNIBANCO S.A, e DOU-LHE PROVIMENTO, para autorizar a adjudicação direta do imóvel ao recorrente, observando-se a Corte local o valor constante do laudo de avaliação do bem e a necessidade de exoneração do devedor do pagamento de suposto saldo remanescente da dívida. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.721.731 – São Paulo – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi 

Fonte: INR Publicações

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STF: OAB questiona limitação de valores de indenizações por danos morais nas relações de trabalho

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6069, com pedido de liminar, para questionar alterações promovidas pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) referentes à reparação por danos morais decorrentes da relação de trabalho. OAB argumenta que os artigos 223-A e 223-G, parágrafos 1º e 2º, da CLT criaram uma espécie de tarifação para o pagamento de indenização trabalhista, utilizando como parâmetro o último salário contratual do ofendido.

A entidade lembra que a Medida Provisória (MP) 808/2017 havia alterado esse critério para prever como base de cálculo o teto de benefícios do INSS. Contudo, como a MP não foi convertida em lei, foram restabelecidas as regras previstas no texto questionado. “A medida provisória que caducou era mais benéfica ao trabalhador de baixa renda, embora ambas as regras caminhem em sentido diametralmente oposto aos princípios basilares do Estado de Direito, pois limitam a indenização, quando a regra é a reparação integral do dano, conforme disposto no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal”, argumenta. Além de ferir o dever constitucional de reparação integral do dano, as novas regras, segundo a OAB, violam os princípios da isonomia, da independência funcional dos magistrados, da proteção do trabalho e da dignidade da pessoa humana.

Tramitação

O ministro Gilmar Mendes (relator) determinou que a ADI 6069 seja apensada à ADI 5870, apresentada pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) contra a mesma legislação, visando à tramitação em conjunto.

Fonte: STF | 15/02/2019.

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TJ/MG: Justiça de Campo Belo reconhece filiação pluriparental

Juiz determina inclusão de nome de mãe socioafetiva no registro de nascimento de criança

O juiz da Vara Criminal, da Infância e da Juventude e de Execução Penal da comarca de Campo Belo, Leonardo Guimarães Moreira, determinou a inclusão do nome da mãe socioafetiva no registro de nascimento de uma menina de quatro anos.

A criança, que nasceu em janeiro de 2015, estava com dois meses quando a mãe biológica ficou doente e teve que ser submetida a um tratamento médico. Por esse motivo, a menina foi deixada, pelo pai, com o avô paterno e sua esposa. Porém, a mãe biológica não resistiu à doença e faleceu em maio de 2015. Com esse fato, a criança passou a ser criada definitivamente pelos parentes.

O casal acionou a Justiça requerendo a destituição do poder familiar do pai biológico e a adoção. O Ministério Público pediu a exclusão do nome do avô paterno do processo, por haver impedimento legal à adoção em razão de seu vínculo com a adotanda. Por isso, a guarda provisória foi concedida somente à mãe socioafetiva.

O Ministério Público também opinou pela procedência parcial do pedido para decretar a destituição do poder familiar do pai biológico, para deferir a adoção da menor em favor da requerente e para incluir o sobrenome dela no registro da criança.

O relatório social confirmou que a criança permaneceu sob a responsabilidade da autora e do marido, de quem recebe os cuidados necessários para se desenvolver com boa saúde física e emocional, mostrando-se bem cuidada em todos os sentidos.

O documento informa que o pai biológico concordou, de forma expressa, com o pedido de adoção, por confiar no casal. O pai biológico afirmou ainda que mantém um bom relacionamento com a filha e que a vê nos finais de semana.

Como o juiz verificou que o pai biológico nunca perdeu contato com a criança, a qual considera que tem dois pais, ele entendeu que o pedido deve ser deferido não para se destituir o poder familiar do pai biológico, nem para se concretizar a adoção.

O magistrado optou por atender ao pedido acrescentando ao registro de nascimento o nome da requerente como mãe socioafetiva e dos respectivos avós maternos socioafetivos, mantendo-se o nome da mãe biológica. “Em respeito à memória da falecida mãe biológica, o seu nome deve ser mantido no assento de nascimento da filha”, afirmou o juiz.

De acordo com o juiz Leonardo Moreira, a multiparentalidade e a paternidade socioafetiva encontram-se amparadas pelo vasto conceito de “família” e são noções consignadas implicitamente na Constituição.

“E é dever do Estado, atento às mudanças na forma de pensar sobre a família brasileira, proporcionar o fundamental para que o indivíduo possa buscar sua felicidade. Esta é uma realidade que a Justiça já começou a admitir. Embora não exista lei prevendo a possibilidade do registro de uma pessoa em nome de mais de dois genitores, não há proibição”, concluiu o magistrado, ao reconhecer a filiação pluriparental.

Assim, a criança passa a ter duas mães no seu registro de nascimento, tendo o sobrenome da mãe socioafetiva incluído.

Fonte: TJ/MG | 15/02/2019.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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