Apelação e Reexame Necessário – Mandado de Segurança – ITCMD sobre herança – Sobrepartilha extrajudicial – Cobrança de multas de protocolização e moratória e juros de mora em razão de recolhimento do tributo após o prazo legal – Afastada a cobrança da multa de protocolização (art. 21, inciso I, da Lei Estadual nº 10.705/00) – Reconhecida a incidência de multa e juros de mora (arts. 19 e 20) – Afastada a preliminar de inadequação da via eleita – Sentença concessiva da ordem – Recursos parcialmente providos para o fim de se conceder parcialmente a segurança.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1012054-89.2018.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, são apelados KARINA ROSSET WEINBERGER e FERNANDO ROSSET.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores VERA ANGRISANI (Presidente sem voto), LUCIANA BRESCIANI E CLAUDIO AUGUSTO PEDRASSI.

São Paulo, 31 de janeiro de 2019.

Renato Delbianco

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto nº 15.079

Apelação nº 1012054-89.2018.8.26.0053

Recorrente : JUÍZO EX OFFICIO

Apelante : ESTADO DE SÃO PAULO

Apelados : KARINA ROSSET WEINBERGER E OUTRO

Interessado : DELEGADO REGIONAL TRIBUTÁRIO DA DELEGACIA REGIONAL TRIBUTÁRIA DA CAPITAL – DRTC I

Comarca : SÃO PAULO

Juíza de 1º Grau: ANA LUIZA VILLA NOVA

APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de Segurança – ITCMD sobre herança – Sobrepartilha extrajudicial – Cobrança de multas de protocolização e moratória e juros de mora em razão de recolhimento do tributo após o prazo legal – Afastada a cobrança da multa de protocolização (art. 21, inciso I, da Lei Estadual n.º 10.705/00) – Reconhecida a incidência de multa e juros de mora (arts. 19 e 20) – Afastada a preliminar de inadequação da via eleita – Sentença concessiva da ordem – Recursos parcialmente providos para o fim de se conceder parcialmente a segurança.

Trata-se de reexame necessário e recurso de apelação interpostos nos autos do mandado de segurança que visava à desconstituição de cobrança de multas de protocolização e moratória e juros de mora em razão do recolhimento de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) após o prazo legal, tendo a ordem sido concedida pela r. sentença de fls. 420/422.

Ao recurso oficial somou-se tempestivo apelo do Estado de São Paulo, na condição de assistente litisconsorcial passivo (fls. 425/444), aduzindo, preliminarmente, inadequação da via mandamental, tendo em vista que a pretensão dos impetrantes se resume em afastar a aplicação da legislação de regência do ITCMD, em ofensa às Súmulas n.ºs 266, 269 e 271 do C. Supremo Tribunal Federal. No mérito, sustenta que o formal de partilha foi apresentado antes da declaração do ITCMD. Aduz que a exação decorre do princípio federativo (art. 155, inciso I, da Constituição Federal), tendo o Estado de São Paulo editado a Lei n.º 10.705/00, regulamentada pelo Decreto Estadual n.º 46.655/02, que prescrevem as hipóteses de incidência de penalidade quando o tributo for recolhido extemporaneamente, isto é, após o prazo de 60 dias da abertura da sucessão (arts. 20 e 21).

O recurso recebeu resposta (fls. 455/465).

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Cuida-se de mandado de segurança impetrado em face de ato praticado pela autoridade apontada como coatora, Delegado Regional Tributário da Capital (DRTC I), almejando à desconstituição de cobrança de multas de protocolização e moratória e juros de mora em razão do recolhimento de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) após o prazo legal, tendo a r. sentença concedido a segurança.

Apelou o Estado de São Paulo, na condição de assistente litisconsorcial passivo, pugnando pela inversão do julgado.

Inicialmente, afasta-se a preliminar de inadequação da via eleita, eis que a insurgência dos impetrantes se dá em face dos efeitos concretos da legislação que dispõe sobre a incidência do ITCMD no Estado de São Paulo, mais precisamente sobre penalidades e juros de mora, não havendo que se cogitar do manejo da via mandamental contra a lei em si e, portanto, em ofensa à Súmula n.º 266 do C. Supremo Tribunal Federal.

De igual modo, não se vislumbra ofensa ao entendimento sumulado nos verbetes n.ºs 269 e 271, também do Excelso Pretório, no sentido de que o mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança e não produz efeitos patrimoniais pretéritos, porquanto a pretensão dos impetrantes não é propriamente a de cobrar algo, e sim desconstituir uma cobrança que reputam ser ilegal e/ou abusiva.

No mérito, parcial razão assiste ao Fisco apelante.

Os impetrantes Karina Rosset Weinberger e Fernando Rosset, na condição de herdeiros de seu genitor Issac Mauro Rosset, falecido em 16.02.2016, promoveram extrajudicialmente o inventário e partilha dos bens deixados por seu genitor.

Posteriormente, o espólio de Isaac Mauro Rosset recebeu quinhão decorrente do falecimento do avô paterno dos impetrantes, e, especificamente, em novembro de 2017 foram transmitidas frações ideais de imóveis rurais. Com isso, foi providenciada escritura de sobrepartilha (fls. 262/283).

Alegam que, todavia, foram surpreendidos com a abusiva cobrança de ITCMD, pelo Fisco estadual paulista, das quantias correspondentes a: R$ 603,03, a título de multa de protocolização; R$ 603,03, a título de multa moratória; R$ 616,90, a título de juros moratórios, cobrados de cada um dos impetrantes, perfazendo-se o montante de R$ 3.015,15 (fl. 259).

Como cediço, nos termos do art. 2.022 do Código Civil, ficam sujeitos a sobrepartilha os bens sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se tiver ciência após a partilha. A legislação de regência permite a realização de sobrepartilha via escritura pública, nos termos do art. 25 da Resolução CNJ n.º 35/07[1], caso em que serão aplicadas as mesmas regras relativas ao inventário extrajudicial, notadamente a disposição atinente ao recolhimento do imposto antes da lavratura da escritura pública (art. 18, § 1.º, da Lei Estadual n.º 10.705/00).

No caso dos autos, inaplicável à espécie a incidência da chamada “multa de protocolização”, prevista no art. 21, inciso I, da Lei Estadual n.º 10.705/00, in verbis:

Art. 21. O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, fica sujeito às seguintes penalidades:

I – no inventário e arrolamento que não for requerido dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão, o imposto será calculado com acréscimo de multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor do imposto; se o atraso exceder a 180 (cento e oitenta) dias, a multa será de 20% (vinte por cento);

Como se pode observar, tal penalidade incide quando o inventário ou arrolamento não for requerido no prazo de 60 dias da abertura da sucessão. Ora, tendo o autor da herança falecido no dia 16.02.2016 e seus herdeiros promovido o inventário extrajudicial em 08.04.2016 (fls. 49/70), não há falar na aludida multa. Ademais, não é possível ao Fisco elastecer a hipótese de incidência de tal penalidade para aplicá-la aos casos de sobrepartilha quando o legislador assim não previu.

Com relação aos juros moratórios, bem como a multa moratória (arts. 19 e 20 da Lei Estadual n.º 10.705/00[2]), constata-se a existência de mora no recolhimento do imposto, pois, transcorreu o prazo máximo previsto em lei para recolhimento do imposto de transmissão mortis causa, a teor do disposto no art. 17, § 1.º, da Lei n.º 10.705/00[3], vale dizer, 180 dias, contados da expedição do formal de partilha do inventário dos bens de Henrique Rosset, em 21.09.2016 (fls. 73/74).

Observe-se que, com a homologação da partilha no inventário dos bens deixados pelo avô dos impetrantes, já se mostrava possível identificar o quinhão cabível ao seu pai e, consequentemente, todos os critérios da hipótese de incidência sobre o bem remanescente, do qual passaram a ter conhecimento oficialmente com a expedição do formal de partilha, e não a partir do recebimento dos bens pelo espólio, vale dizer, em novembro de 2017, como alegam os impetrantes.

Nesse sentido, decidiu o C. Superior Tribunal de Justiça em julgado citado pelos próprios impetrantes, ora apelados, inclusive:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO DEMONSTRADA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. HOMOLOGAÇÃO DOS CÁLCULOS. 1. Não se configura a alegada ofensa ao artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou, de maneira amplamente fundamentada, a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. 2. Na sistemática de apuração do ITCMD, há que observar, inicialmente, o disposto no art. 35, parágrafo único, do CTN, segundo o qual, nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários. 3. Embora a herança seja transmitida, desde logo, com a abertura da sucessão (art. 1.784 do Código Civil), a exigibilidade do imposto sucessório fica na dependência da precisa identificação do patrimônio transferido e dos herdeiros ou legatários, para que sejam apurados os “tantos fatos geradores distintos” a que alude o citado parágrafo único do art. 35, sendo essa a lógica que inspirou a edição das Súmulas 112, 113 e 114 do STF. 4. O regime do ITCMD revela, portanto, que apenas com a prolação da sentença de homologação da partilha é possível identificar perfeitamente os aspectos material, pessoal e quantitativo da hipótese normativa, tornando possível a realização do lançamento (cf. REsp 752.808/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 17.5.2007, DJ 4.6.2007, p. 306; AgRg no REsp 1257451/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 6.9.2011, DJe 13.9.2011). 5. Pelas características da transmissão causa mortis, não há como exigir o imposto antes do reconhecimento judicial do direito dos sucessores, seja mediante Arrolamento Sumário, seja na forma de Inventário, procedimento mais complexo. 6. Recurso Especial não provido. (REsp 1660491/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 16/06/2017).

(grifo nosso).

Com isso, correta a incidência de juros e multa de mora (arts. 19 e 20 da Lei Estadual n.º 10.705/00).

Observo, outrossim, inexistir “motivo justo”, tal como ressalvado no aludido art. 17, § 1.º, a caracterizar a hipótese de dilação do prazo para recolhimento do imposto na sobrepartilha em período superior a 180 dias, não tendo os impetrantes trazido aos autos qualquer informação a respeito de fatos que pudessem realmente justificar tal excepcionalidade, não sendo o caso de se aplicar tal benefício sob pena de se criar pernicioso precedente.

Por fim, entendo não ser o caso de se aplicar o disposto no art. 138 do Código Tributário Nacional[5], que cuida da chamada “denúncia espontânea”, tal como pugnado pelos impetrantes em sede de contrarrazões, pois o pagamento deve abranger, inclusive, os juros de mora para conferir eficácia liberatória quanto à responsabilidade pela infração à legislação tributária.

Comportam parcial acolhida, portanto, os recursos oficial e voluntário interpostos para o fim de se conceder parcialmente a segurança, determinando-se o recálculo do ITCMD incidente sobre a sobrepartilha de fls. 262/283 com a incidência de juros e multa de mora, consoante o esposado, ficando, no mais, mantida a r. sentença tal como prolatada.

Considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional aventada, observado que é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido analisada.

Ante tais ponderações, pelo meu voto, dou parcial provimento aos recursos para o fim de se conceder parcialmente a segurança.

RENATO DELBIANCO

Relator

Notas:

[1] Art. 25. É admissível a sobrepartilha por escritura pública, ainda que referente a inventário e partilha judiciais já findos, mesmo que o herdeiro, hoje maior e capaz, fosse menor ou incapaz ao tempo do óbito ou do processo judicial.

[2] Art. 19. Quando não recolhido nos prazos previstos na legislação tributária, o débito do imposto fica sujeito à incidência de multa, no percentual de 0,33% (trinta e três centésimos por cento) por dia de atraso, limitado a 20% (vinte por cento).

Art. 20. Quando não pago no prazo, o débito do imposto fica sujeito à incidência de juros de mora, calculados de conformidade com as disposições contidas nos parágrafos deste artigo.

§ 1.º A taxa de juros de mora é equivalente: 1. por mês, à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais, acumulada mensalmente; 2. por fração, a 1% (um por cento). § 2.º Considera-se, para efeito deste artigo: 1. mês, o período iniciado no dia 1° e findo no respectivo dia útil; 2. fração, qualquer período de tempo inferior a um mês, ainda que igual a um dia. § 3.º Em nenhuma hipótese, a taxa de juros prevista neste artigo poderá ser inferior a 1% (um por cento) ao mês. § 4.º Ocorrendo a extinção, substituição ou modificação da taxa a que se refere o § 1°, o Poder Executivo adotará outro indicador oficial que reflita o custo do crédito no mercado financeiro. § 5.º O valor dos juros deve ser fixado e exigido na data do pagamento do débito, incluindo-se esse dia. § 6.º A Secretaria da Fazenda divulgará, mensalmente, a taxa a que se refere este artigo.

[3] Art. 17. (…). § 1.º O prazo de recolhimento do imposto não poderá ser superior a 180 (cento e oitenta) dias da abertura da sucessão, sob pena de sujeitar-se o débito à taxa de juros prevista no artigo 20, acrescido das penalidades cabíveis, ressalvado, por motivo justo, o caso de dilação desse prazo

[5] Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1012054-89.2018.8.26.0053 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Renato Delbianco 

Fonte: INR Publicações

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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