CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Inventário e Partilha – Regime de Separação Obrigatória de Bens – Existência de compromisso de compra e venda entabulado e quitado enquanto o compromissário comprador era viúvo de primeiras núpcias – Existência de cessão onerosa de fração ideal na mesma escritura lavrada para cumprimento do compromisso – Ato translativo que impossibilita o ingresso do título – Inteligência da Súmula 377 do Eg. Supremo Tribunal Federal – Necessidade de prévia partilha dos bens deixados pela viúva pré-morta – Recurso desprovido.


  
 

Trata-se de apelação interposta pelo ESPÓLIO DE WILSON LUZ ROSCHEL contra r. sentença de fl. 141/144, da lavra do MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro de Imóveis e anexos de Campos do Jordão, que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo o óbice ao ingresso de escritura de inventário e partilha de bens deixados pelo de cujus.

Sustenta o apelante que o imóvel foi adquirido pelo de cujus por compromisso particular de compra e venda, registrado e quitado, no estado de viúvo do primeiro matrimônio, sendo apenas a escritura lavrada quando estava casado, de modo que não houve comunicação do bem com a segunda esposa do falecido.

Entende, assim, não haver óbice ao registro da partilha, tal como apresentada.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo (fl. 180/182).

É o relatório.

DECIDO.

O recurso não comporta provimento.

Foi lavrada escritura de inventário e partilha em 14/11/2016 (fl. 90/99), relativa aos bens deixados pelo falecimento de Wilson Luz Roschel.

O imóvel matriculado na serventia imobiliária sob o nº 8.167 (fl. 61/62) foi adquirido pelo de cujus na constância do casamento com Erica Wapler Roschel, pré-morta em 31/05/2005, incidindo, então, a interpretação da súmula n° 377 do Eg. STF, quanto à comunicação dos bens adquiridos onerosamente em regime da separação legal.

A aquisição de direito de compromissário comprador pelo de cujus foi realizada no estado civil de viuvez do primeiro casamento (negócio jurídico de 28/10/1974, fl. 39/54).

O recorrente tem razão ao afirmar que a aquisição se operou em cumprimento de compromisso de compra e venda celebrado enquanto solteiro. Se fosse apenas por isso, a escritura lavrada em 18/06/1980 (fl. 119/126) teria ingresso no registro imobiliário, já que o compromisso já estaria quitado integralmente quando da lavratura da escritura, em cumprimento à promessa de compra e venda.

Ocorre que a mesma escritura não retrata apenas o cumprimento do compromisso de compra venda. Há outra avença entabulada: a cessão onerosa de direitos correspondentes à metade ideal de Maria José Araújo Arents, feita, no mesmo ato, em favor do de cujus, casado à época em regime de separação obrigatória de bens (fl. 123).

É justamente essa cessão onerosa de direitos que inviabiliza o ingresso do título.

O registro do título aquisitivo faz presumir a propriedade e Produz todos os efeitos legais enquanto não for cancelado, ainda que, por outro modo, haja prova de que o título foi desfeito, anulado, extinto ou rescindido (art. 252 da Lei nº 6.015/73).

Portanto, a matrícula faz presumir que o de cujus adquiriu a metade ideal do imóvel, por cessão onerosa, quando era casado pelo regime da separação legal de bens, fato ocorrido na vigência do Código Civil de 1916.

Incidem, neste caso, os art. 195 e 237 da Lei n° 6.015/77, que dispõem:

“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Art. 297. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

Igual conclusão decorre da lição de AFRÂNIO DE CARVALHO:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público. (Registro de Imóveis, 4ª edição, Ed.Forense, 1998, pág. 253).”

Embora haja certa discussão doutrinária a respeito da aplicabilidade de tal Súmula, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a posição deste C. Conselho Superior da Magistratura é a de que ela ainda produz efeitos.

Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida. Escritura pública de venda e compra de imóvel. Aquisição da nua-propriedade pela mulher e do usufruto pelo marido. Regime de separação obrigatória de bens. Falecimento do cônjuge usufrutuário. Cancelamento do usufruto vitalício. Recusa do registro da compra e venda realizada pelo cônjuge sobrevivente sem a apresentação do formal de partilha. Comunicação dos aquestos nos termos da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Recusa do registro mantida. Recurso não provido” (Apelação nº 0000376-81.2013.8.26.0114, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 18/3/2014). REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Negativa de registro de escritura pública de alienação de imóvel sem prévio inventário do cônjuge pré-morto. Regime de separação legal de bens. Imóvel adquirido na constância do casamento. Comunicação dos aquestos. Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Ofensa ao princípio da continuidade. Registro inviável. Recurso não provido” (Apelação nº 0045658-92.2010.8.26.0100, Rel. Des. Maurício Vidigal, j. em 27/10/2011).”

Considerando, pois, que a cessão onerosa ocorrera na constância de casamento celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens, estabeleceu-se entre os cônjuges uma comunhão, que não se confunde com o condomínio.

Acerca da distinção, ensina LUCIANO DE CAMARGO PENTEADO:

“No condomínio há sempre duas facetas: a pluralidade de situações jurídicas e a pluralidade de sujeitos associados e organizados (Massimo Bianca). Preserva-se a possibilidade de personificação, mas esta não é necessária nem constitutiva de condomínio enquanto realidade. Na comunhão, não há essa possibilidade, porque os interesses não são unidirecionais e não há situações jurídicas diversas para pessoas diversas, mas as mesmas situações pertencentes simultaneamente a mais de uma pessoa. Na comunhão verifica-se uma situação jurídica em que o mesmo direito sobre determinada coisa comporta diferentes sujeitos. No condomínio ressalta-se o estado de indivisão de coisa, com direitos distintos, incidindo sobre partes do mesmo objeto, direitos estes que pertencem a sujeitos igualmente diversos (“Direito das Coisas”; 2ª ed. rev. atual. e ampl.; Editora Revista dos Tribunais; 2012; p. 454).”

Ademais, não há dúvidas de que a fração ideal do imóvel adquirido pelo casal, na constância do casamento, observado o regime legal de bens, pertence em sua totalidade a ambos os cônjuges.

Ao inventário é levado o todo, somente sendo apurada a parte pertencente a cada um deles com a extinção da comunhão. Em hipótese semelhante, já se decidiu que:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – Registro de formal de partilha – Transmissão de parte ideal de imóvel a viúva e herdeiros – Partilha que recai sobre a totalidade do bem – Hipoteca realizada em financiamento imobiliário que não afasta a norma geral – Acerto das exigências formuladas pelo Registrador – Recurso não provido. (TJSP; Apelação 0016589-34.2012.8.26.0071; Relator (a): José Renato Nalini; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Bauru – 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 26/09/2013; Data de Registro: 04/10/2013).”

Necessário, assim, seja registrada, primeiramente, a partilha dos bens deixados por Erica Wapler Roschel, falecida no estado civil de casada com o de cujus, Wilson Luz Roschel, pelo regime da separação obrigatória de bens, nos termos do art. 258 do Código Civil de 1916, vigente à época.

Correto, portanto, o posicionamento do Oficial de Registro, uma vez que a meação do cônjuge sobrevivente participa do estado indiviso do bem levado à partilha, salvo se, de forma diversa, vier a ser expressamente decidido pelo juízo do inventário.

Por estas razões, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: INR Publicações – DJe/SP | 07/02/2019.

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