CSM/SP: Loteamento – Hipoteca – Obrigação real – Possibilidade de oposição aos adquirentes dos lotes de estipulação constante do registro imobiliário quando do registro de hipoteca – A necessidade de anuência dos credores hipotecários não é impeditiva da alienação do bem, apenas integra os termos da garantia e o cancelamento da hipoteca decorrente é conforme as finalidades sociais da legislação incidente – Manutenção da recusa do registro – Recurso provido.


  
 

Trata-se de recurso de apelação interposto pelos Espólios de Jacintho Ferreira Sá e de Maria de Lourdes Carvalho Ferreira e Sá contra a r. sentença de fls. 68/70 que julgou improcedente a dúvida e determinou o registro de escritura de compra e venda.

Sustentam os apelantes a procedência da dúvida sob o fundamento da eficácia real da obrigação que estabeleceu a necessidade da anuência dos credores hipotecários aos contratos de compra e venda do loteamento, fixada na hipoteca, devidamente registrada; o que não ocorreu no título apresentado (fls. 76/124).

Os apresentantes do título, em contrarrazões, referem a desnecessidade da anuência dos credores hipotecários por ser nula disposição que impeça a alienação do bem hipotecado nos termos do artigo 1.475 do Código Civil (a fls. 136/141).

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 175/178).

É o relatório.

Os recorrentes são titulares da hipoteca que grava o imóvel objeto do registro em cuja especialização constou a necessidade da anuência dos credores hipotecários para alienação do bem e respectivo cancelamento da hipoteca, portanto, ante a situação jurídica de interessados, têm legitimidade recursal nos termos do artigo 202 da Lei de Registros Públicos.

O título protocolado encerra escritura pública de compra e venda do lote 01, da Quadra E, do loteamento denominado “Royal Park Prime” celebrada entre a loteadora e o apresentante do título.

O loteamento é gravado por hipoteca, celebrada em 19.06.1990 (a fls. 93/101) e registrada nas matrículas das glebas do loteamento em 06.07.1990 e 09.08.1999 (a fls. 21).

No contrato de hipoteca, registrado e transportado da matrícula de origem, constou a seguinte cláusula:

(…) os vendedores também concordam que os futuros lotes dos imóveis, seja alienados livremente pela compradora por venda e compra ou promessa de venda e compra, obrigando-se os vendedores a, pessoalmente, ou através de seus representantes legais manifestar sua anuência nos respectivos contratos ou escritura de alienação, concordando ainda, uma vez pago integralmente o preço da venda com o respectivo desligamento de cada lote assim negociado, da presente garantia hipotecária, de modo quea correspondente averbação no Registro de Imóveis competente se faça livre do presente ônus real.

O programa contratual celebrado envolvia a realização das obras e custos necessários à implantação e registro do loteamento pela loteadora e o pagamento dos espólios (vendedores da gleba) ocorreria por meio do recebimento de metade do valor obtido com a venda de cada lote.

As obrigações em favor dos espólios receberam como garantia especial, a hipoteca do imóvel vendido.

Dois pontos são controvertidos nesta dúvida: (i) a incidência do disposto no artigo 1.475 do Código Civil em hipoteca registrada na vigência do Código Civil de 1.916 e, (ii) a possibilidade de oposição das cláusulas do contrato de hipoteca perante futuros adquirentes dos lotes.

Os artigos 1.475 e 2.035 do Código Civil estabelecem:

Art. 1.475. É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado.

Parágrafo único. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado.

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Apesar da hipoteca ter sido celebrada e registrada ao tempo da vigência do Código Civil de 1.916, no qual não havia norma estabelecendo a nulidade de cláusula impeditiva da alienação do imóvel gravado, tal qual a constante do artigo 1.475 do Código Civil de 2.002; nos termos do artigo 2.035 do Código Civil compete o reconhecimento da ineficácia de disposição que não permita a venda do bem hipotecado.

Essa compreensão decorre do fato da circulação do bem hipotecado ser útil a economia e não afetar a garantia real do credor em razão do direito de sequela, portanto, a regra é de interesse social e norma de ordem pública incidente nos efeitos de negócio jurídico celebrado durante a vigência do Código Civil de 1.916.

Não obstante a isso, na particularidade do caso concreto, a previsão contratual não trata da impossibilidade da transmissão do imóvel gravado pela hipoteca, pelo contrário, é do interesse dos credores hipotecários a transmissão do bem, pois, somente receberão sua prestação contratual (50% do valor da venda do lote) ocorrendo alienação.

Diante disso, não há incidência do disposto no artigo 1.475 do Código Civil em razão da cláusula contratual não fixar a proibição de alienação, mas a participação dos credores hipotecários em conformidade à operação econômica (consubstanciada no contrato de hipoteca) havida e, ressalte-se, com levantamento da hipoteca no interesse do adquirente do lote.

A anuência do credor hipotecário que tem absoluto interesse na alienação, não se confunde com a vedação da alienação, pois, apenas complementa a segurança da garantia hipotecaria.

Cabe verificar a sujeição dos adquirentes dos lotes a estipulação contratual, da qual são terceiros, competindo ponderar acerca da aplicação do princípio do efeito relativo das convenções; uma das principais distinções dos direitos reais e pessoais.

Uma das figuras distintas, mas assemelhadas aos direitos reais no âmbito da eficácia, são as obrigações com eficácia erga omnes.

As obrigações com eficácia real, são referidas por Luciano de Camargo Penteado (Direito das coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 139) da seguinte forma:

As obrigações com eficácia real contra terceiros são aquelas situações jurídicas de natureza pessoal em que não integrantes da relação jurídica (não partes) podem ser por ela afetados mediante a oposição de seu conteúdo, com prevalência em face deste terceiro. Justamente esta prevalência ou preferência é que assemelha estas situações jurídicas àquelas de direito das coisas.

Ainda que não se trate de direito real, o ordenamento jurídico opta por um tratamento protetivo da obrigação real ao expandir sua eficácia perante terceiros.

Apesar da obrigação com eficácia real mais comum estar na Lei de Locações (cláusula de vigência e preferência de aquisição), a especialização e o registro da hipoteca repercutiu na eficácia em face de terceiros quanto à estipulação obrigacional que estabelece a participação dos credores hipotecários na alienação dos lotes com o levantamento da hipoteca incidente sobre os mesmos.

Também impende considerar que a Lei n. 6.766/79 encerra uma série de estipulações destinadas à proteção dos adquirentes de lotes por força do caráter social do parcelamento do solo, portanto, a presente decisão segue em estreita ligação com as finalidades sociais do referido diploma legislativo.

Nessa linha e forte nas particularidades do caso concreto, não é possível o registro do contrato sem a anuência dos titulares da garantia real, inclusive para fins de cancelamento da hipoteca.

Por todo o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar procedente a dúvida.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE

DÚVIDA REGISTRÁRIA AP.1001368-74.2017.8.26.0408

COMARCA DE OURINHOS

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença que julgou improcedente dúvida e determinou o registro de escritura de compra e venda.

O voto do eminente Relator deu provimento ao recurso por entender que cláusulas do contrato de hipoteca, uma vez registrada a garantia, podem ser opostas a futuros adquirentes do imóvel e que a exigência de anuência do credor hipotecário à venda, na hipótese, não violou o art. 1.475 do Código Civil.

Após a análise dos autos, acompanho o voto do eminente Relator, com algumas breves considerações.

Em primeiro lugar, a nulidade da cláusula não poderia ser declarada pela via administrativa, no procedimento de dúvida. A cláusula existe e foi registrada. Ela, portanto, é pública, válida e eficaz, até que, eventualmente, sua invalidade seja declarada na via jurisdicional. Se é assim, o registrador agiu corretamente ao impedir o registro, pois a ele também não é dado afastar cláusula inserta em hipoteca registrada, sob o argumento da invalidade.

Ainda que se entendesse de modo contrário, os apelantes venderam imóvel a Comercial e Empreendimentos Delfim Verde Ltda. para que realizasse empreendimentos no local e tornaram-se credores hipotecários porque o pagamento do preço seria feito quando da venda dos lotes oriundos desse empreendimento imobiliário.

A hipoteca foi registrada na matrícula do imóvel (R.2) com integral descrição da cláusula que obrigava os credores hipotecários a manifestar sua anuência no contrato ou na escritura de alienação do lote, para consequente levantamento da garantia real.

Com o registro da hipoteca e a transcrição da mencionada cláusula contratual na matrícula do imóvel, a exigência de anuência dos credores hipotecários ao negócio ganhou publicidade e, portanto, era de conhecimento dos adquirentes do imóvel.

No caso concreto, tal exigência não viola o art. 1.475 do Código Civil, que dispõe ser nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado.

Com efeito, aqui não há proibição de venda do imóvel hipotecado, mas, tão somente, condicionamento da alienação à anuência dos credores hipotecários.

E essa necessidade de concordância com o negócio não se mostra abusiva nem desarrazoada.

Ao contrário, ela atende às peculiaridades do negócio, uma vez que os credores hipotecários somente receberiam o preço quando da alienação dos lotes a terceiros. Desse modo, eles tinham legítimo interesse de se inteirar do negócio e conhecer suas condições.

Não há, portanto, no presente caso, qualquer abusividade na estipulação da anuência do credor hipotecário à alienação e tampouco violação ao art. 1.475 do Código Civil.

Também não há que se falar em desconhecimento dessa condição pelos adquirentes.

Pelo exposto, com as observações acima, acompanho o voto do eminente Relator para dar provimento ao recurso.

São Paulo, 03 de agosto de 2018.

GASTAO TOLEDO DE CAMPOS MELLO FILHO

Presidente da Seção de Direito Privado

Fonte: INR Publicações – DJe/SP | 29/01/2019.

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