TJ/RO: Corregedoria promove audiência e aprovados em Concurso Extrajudicial escolhem serventias

Os candidatos aprovados no V Concurso Extrajudicial escolheram as 24 serventias (cartórios) disponíveis para Outorga de Delegação de Notas e Registros nesta quinta-feira (11), em Porto Velho. O concurso foi promovido pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) e iniciou em junho do ano passado.

Participaram da mesa o corregedor-geral da Justiça, desembargador José Jorge Ribeiro da Luz; a tabeliã do Cartório do 2º Ofício de Registro Civil e Tabelionato de Notas de Porto Velho, Helena Carvajal; o juiz auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ), Fabiano Pegoraro e o diretor do Departamento Extrajudicial da CGJ, Adriano Lopes Medeiros.

O corregedor-geral da Justiça, José Jorge Ribeiro da Luz parabenizou a todos os aprovados e a equipe responsável pelo V Concurso Extrajudicial e declarou aberta a cerimônia. A audiência pública aconteceu no auditório do edifício-sede do TJRO e obedeceu rigorosamente a ordem de classificação dos candidatos aprovados.

Os aprovados na modalidade “remoção” foram os primeiros a serem chamados. Como não houve candidato portador de necessidade especial aprovado neste requisito, a Serventia do Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do Município de Nova Brasilândia D’Oeste passou a compor automaticamente as vagas para provimento por remoção.

Dentre as serventias vagas para remoção também estavam os Ofícios de Registros Civis das Pessoas Naturais e Tabelionatos de Notas dos Municípios de Rio Crespo; Parecis; Governador Jorge Teixeira; Itapuã do Oeste; Pimenta Bueno; Theobroma e Pimenteiras do Oeste.

O primeiro colocado na modalidade declinou da serventia e deixou manifestação reservada para reescolha. As serventias escolhidas pelos dois candidatos foram os cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas de Pimenta Bueno e Nova Brasilândia. O restante das serventias não escolhidas foram transferidas para a lista de cartórios destinados aos candidatos da modalidade “ingresso”.

Aprovados na modalidade “Ingresso”

Logo depois, o diretor do Depex, Adriano Lopes, convocou os aprovados na modalidade “Ingresso” para escolherem as serventias. Como especificado no edital, os nove candidatos PcD tiveram preferência e puderam escolher entre o 2º Tabelionato de Protesto de Títulos do Município de Ji-Paraná e o 2º Tabelionato de Protesto de Títulos do Município de Vilhena.

Sobraram 14 serventias vagas para os candidatos na modalidade “Ingresso”, sendo 86 aprovados. Todas as serventias vagas foram escolhidas. Os candidatos que não conseguiram tomar posse foram chamados para assinarem um termo de reserva para o direito de possível reescolha.

Dentre as serventias vagas estavam o Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do Município de Campo Novo de Rondônia; Distrito de Extrema de Rondônia; Distrito de Nova Estrela e município de São Felipe do Oeste.

Estavam vagos os Ofícios de Registros Civis das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas dos municípios de Seringueiras, Corumbiara, Teixeirópolis, Cabixi, Chupinguaia, Urupá e do distrito de Tarilândia. O tabelionato de Protesto de Títulos do Município de Ariquemes e o 4º Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do Município de Urupá também estavam disponíveis.

Ingresso x Remoção

As vagas destinadas para a modalidade de “Remoção” são destinadas a pessoas que já exercem a titularidade de uma serventia extrajudicial e pretendem se remover para exercer a atividade notarial para outro cartório. No caso do “Ingresso”, o candidato nunca exerceu a titularidade de um cartório e, para se candidatar, deve ser bacharel em Direito ou já ter exercido funções em serviços notariais e de registro por dez anos.

Concurso

O concurso foi promovido pela Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) e organizado pelo Instituto de Estudos Superiores do Extremo Sul (IESES), banca responsável pelo processo seletivo. Os detalhes de todo o processo seletivo podem ser conferidos no Edital do concurso publicado no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) 099, do dia 1º de junho de 2017.

Assessoria de Comunicação Institucional

Fonte: TJ/RO | 11/10/2018.

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Recurso Especial – Direito civil – Dissolução de união estável – Animal de estimação – Aquisição na constância do relacionamento – Intenso afeto dos companheiros pelo animal – Direito de visitas – Possibilidade, a depender do caso concreto

RECURSO ESPECIAL Nº 1.713.167 – SP (2017/0239804-9)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : L M B

ADVOGADO : ADRIANA CURY MARDUY SEVERINI E OUTRO(S) – SP106253

RECORRIDO : V M A

ADVOGADOS : FRANCO MAURO RUSSO BRUGIONI – SP173624

VINICIUS DE FIGUEIREDO TEIXEIRA – DF019680

ADVOGADA : CRISTINA DE ALMEIDA CANÊDO – DF026782

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.

1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII – “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”).

2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica.

3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade.

4. Por sua vez, a guarda propriamente dita – inerente ao poder familiar – instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar.

5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade.

6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente – dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado.

7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedadecom a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal.

8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido.

9. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Marco Buzzi negando provimento ao recurso especial por fundamentação diversa do relator, e o voto do Ministro Lázaro Guimarães no sentido da divergência,, por maioria, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator. Com ressalvas de fundamentação do Ministro Marco Buzzi. Votaram vencidos os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti e Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região).

Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 19 de junho de 2018(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. V. M. A. ajuizou ação objetivando regulamentação de visitas a animal de estimação em face de L. M. B., ao fundamento de que conviveram por mais de sete anos em união estável, sob o regime de comunhão universal de bens (desde 2004), tendo em 2008 adquirido uma cadela yorkshire de nome Kimi. Afirma que, com o passar do tempo, houve intenso apego ao animal, surgindo “…verdadeiro laço afetivo entre eles”, sendo o requerente o responsável pela totalidade do valor da compra e dos gastos atinentes ao cão.

Com a dissolução da união em 2011, as partes declararam não existir bens a partilhar, deixando de tratar em específico a respeito do animal de estimação.

Salienta o autor que, inicialmente, ficou com a cadela, mas logo depois ela permaneceu em definitivo com a requerida. Aduz que sempre manteve visitas regulares ao animal na residência da ré, até que, em tempos mais recentes, acabou sendo impedido de ter contatos com o seu “mascote”, o que vem lhe causando intensa angústia.

O magistrado de piso julgou improcedente o pedido ao fundamento de que “…malgrado a inegável relação afetiva, o animal de estimação trata-se de semovente e não pode ser alçado a integrar relações familiares equivalentes entre pais e filhos, sob pena de subversão dos princípios jurídicos inerentes à hipótese”, concluindo que, em sendo o animal objeto de direito, não há falar em visitação. Asseverou que a ré apresentou prova de exclusiva propriedade sobre o cachorro, devendo, portanto, ser tida como sua única proprietária (fls. 122-123).

Interposta apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu parcial provimento ao recurso, estabelecendo a forma de visitação, nos termos da seguinte ementa:

REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO – Ação ajuizada pelo ex-companheiro em face da ex-companheira – Improcedência do pedido – Inconformismo – Acolhimento – Omissão legislativa sobre a relação afetiva entre pessoas e animais de estimação que permite a aplicação analógica do instituto da guarda de menores – Interpretação dos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Cadela adquirida na constância do relacionamento – Relação afetiva demonstrada – Visitas propostas que são razoáveis – Sentença reformada – Recurso provido.

Opostos aclaratórios, foram rejeitados (fls. 196-200).

Irresignada, L. M. B. interpõe recurso especial com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, por vulneração aos arts. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal; 82, 445, § 2º e 2.022, do CC; 140, 489, § 1º, 669 e 733 do CPC/2015; 1.124-A da Lei n. 11.441/2007.

Aduz que o acórdão foi nulo por ter deixado de enfrentar a tese dos efeitos da coisa julgada sobre a escritura pública de dissolução de união estável.

Salienta que “foi transacionado pelas partes que outorgaram reciprocamente irrevogável quitação para nada mais reclamarem uns dos outros em razão da União Estável que existiu entre eles e ainda declaram que não existem bens móveis ou imóveis a partilhar”, sendo que, como estamos diante de um bem (animal), o recorrido poderia, à época da dissolução, “ter optado por manter o bem em condomínio”.

Afirma que o Tribunal de origem não poderia ter-se valido da analogia, quando a definição de animal vem disposta no art. 82 do CC.

Contrarrazões ao especial às fls. 220-238.

O recurso recebeu crivo de admissibilidade negativo na origem (fls. 239-240), ascendendo a esta Corte pelo provimento do agravo (fl. 294).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. De plano, afasto a preliminar de nulidade do acórdão porque teria deixado de enfrentar a tese dos efeitos da coisa julgada sobre a escritura pública de dissolução de união estável, já que as partes teriam transacionado e outorgado reciprocamente irrevogável quitação para nada mais reclamarem uns dos outros, declarando que não existiam bens móveis ou imóveis a partilhar”.

O acórdão recorrido afastou a omissão ao fundamento de “que a relação entre o embargado e o animal de estimação não se equiparava a um mero bem móvel. Tanto que aplicou por analogia os arts. 1.583 a 1.590 do Código Civil, que versam sobre guarda e visitas de menores” (fl. 199).

Realmente, a questão de haver ou não coisa julgada em relação à partilha (que afirmou a inexistência de bens a partilhar) e, consequentemente, nulidade por ausência de manifestação, acabou dependendo da análise do mérito da questão, ou seja, em tendo o julgado afastado a qualificação dos animais de estimação como meros bens móveis possíveis de partilha, acabou, por consequência, arredando eventual coisa julgada definindo o tema, tendo em vista que, no acordo transacionado, nada se definiu a respeito da custódia do animal de companhia.

Assim, não há falar em omissão nem em nulidade do acórdão de origem.

3. A controvérsia principal está em definir se é possível haver regulamentação de visitas a animal de estimação, após o fim da união estável entre os conviventes.

O Tribunal de origem, reformando a sentença de piso, reconheceu sua possibilidade, verbis:

O recurso merece parcial provimento.

Inicialmente, é importante lembrar que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige”, conforme prevê o art. 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.

Logo, para aplicar a lei é necessário saber anteriormente a finalidade para a qual foi criada.

Pois bem.

No Código Civil de 2002, os animais são tratados como objetos destinados a circular riquezas (art. 445, § 2º), garantir dívidas (art. 1.444) ou estabelecer responsabilidade civil (art. 936).

Com isso, é possível afirmar que a relação afetiva existente entre seres humanos e animais não foi regulada pelo referido diploma.

A propósito, tamanha é a notoriedade do referido vínculo atualmente que, com base em pesquisa recente do IBGE, é possível afirmar que há mais cães de estimação do que crianças em lares brasileiros (http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/brasil-tem-mais-cachorros-de-estimacao-do-que-criancas-diz-pesquisa-doibge-16325739).

Diante disso, pode-se dizer que há uma lacuna legislativa, pois a lei não prevê como resolver conflitos entre pessoas em relação a um animal adquirido com a função de proporcionar afeto, não riqueza patrimonial.

Nesses casos, deve o juiz decidir “de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”, nos termos do art. 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.

Considerando que na disputa por um animal de estimação entre duas pessoas após o término de um casamento e de uma união estável há uma semelhança com o conflito de guarda e visitas de uma criança ou de um adolescente, mostra-se possível a aplicação analógica dos arts. 1.583 a 1.590 do Código Civil, ressaltando-se que a guarda e as visitas devem ser estabelecidas no interesse das partes, não do animal, pois o afeto tutelado é o das pessoas.

Todavia, isso não significa que a saúde do bicho de estimação não é levada em consideração, visto que o art. 32 da Lei n. 9.605/1998 pune com pena privativa de liberdade e multa quem “praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais (…) domésticos ou domesticados”.

Pois bem, diante de tais fundamentos, passa-se a examinar a pretensão do apelante. No caso dos autos, na ausência de impugnação específica na contestação (v. fls. 88/95), restou incontroversa a afirmação de que a cadela foi adquirida na constância da união estável (v. fls. 2, segundo parágrafo).

Além disso, ficou bem demonstrada a relação de afeto entre o apelante e o animal de estimação (v. fls. 16/29).

Com isso, mostra-se possível a fixação de visitas nos termos da inicial, a saber:

“a) visitas em finais de semana e feriados prolongados alternados, com retirada na sexta-feira às 20:00 horas, retornando-a no domingo às 20:00 horas;

b) nas festas de final de ano como natal e ano novo, no primeiro ano passará o natal na companhia do Autor e o ano novo na companhia da Ré, invertendo-se tal ordem no ano seguinte e assim por diante, mantendo-se a alternância para os próximos anos;

c) o Autor poderá participar das atividades inerentes à cadela Kimi, bem como levá-la ao veterinário quando necessário” (v. fls. 8).

Por fim, caso se demonstre, durante as visitas, que a real intenção da demanda é criar uma forma forçada de manter contato com a recorrida no intuito de tentar reatar o relacionamento (v. fls. 144/151), o fato deve ser levado ao conhecimento do MM. Juízo a quo para as providências que entender cabíveis.

Em suma, impõe-se o provimento do recurso para julgar procedente o pedido, nos termos deste v. acórdão.

Sucumbente, a parte ré arcará com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso. (fls. 161-166)

Interessante observar que não há aqui qualquer discussão quanto a ressarcimento de despesas ou indenização pela compra do animal de estimação; o ponto do recurso é mesmo quanto à possibilidade de se estabelecer a visitação, após o rompimento da união estável.

4. Inicialmente, afasto qualquer alegação de que a questão que ora se aprecia é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte.

Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao canimal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII – “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”).

Ademais, em muitos países do mundo, esta questão envolvendo a mesma temática que ora se analisa já foi objeto de regulamentação por lei, o que ainda não ocorreu no Brasil.

Assim, parece mesmo muito relevante que esta Corte se debruce sobre o tema, máxime diante da dispersão da jurisprudência sobre a interpretação do diploma civil, e também em face de forte contróversia doutrinária, como se apresentará neste voto.

Nesse passo, é inegável que a degradação ambiental vem sendo objeto de maior conscientização do ser humano, notadamente no segundo pós-guerra, quanto à natureza e à qualidade do meio ambiente em que vive.

Especificamente em relação à proteção aos animais, diversas legislações, tanto no Brasil como em âmbito internacional, passaram a regular a questão, tendo a Constituição da República de 1988 estabelecido – como visto -, expressamente, tal abrigo dentro do contexto da preservação do meio ambiente, ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Cuida-se de direito fundamental de terceira geração, fundado no valor solidariedade, de caráter coletivo ou difuso, dotado “de altíssimo teor de humanismo e universalidade” (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 523).

Como direito de todos, tendo como contexto a ordem social, impôs-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225, § 1°, VII).

Diante desse panorama, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se posicionar em lides de alta relevância. A título de exemplos:

PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. […] VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada.

(ADI 4983, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 06/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-087 DIVULG 26-04-2017 PUBLIC 27-04-2017)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – BRIGA DE GALOS (LEI FLUMINENSE Nº 2.895/98) – LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE, PERTINENTE A EXPOSIÇÕES E A COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES, FAVORECE ESSA PRÁTICA CRIMINOSA – DIPLOMA LEGISLATIVO QUE ESTIMULA O COMETIMENTO DE ATOS DE CRUELDADE CONTRA GALOS DE BRIGA – CRIME AMBIENTAL (LEI Nº 9.605/98, ART. 32) – MEIO AMBIENTE – DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) – PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE – DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA FAUNA (CF, ART. 225, § 1º, VII) – DESCARACTERIZAÇÃO DA BRIGA DE GALO COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL – RECONHECIMENTO DA INCONSTITUIONALIDADE DA LEI ESTADUAL IMPUGNADA – AÇÃO DIRETA PROCEDENTE. LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE AUTORIZA A REALIZAÇÃO DE EXPOSIÇÕES E COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES – NORMA QUE INSTITUCIONALIZA A PRÁTICA DE CRUELDADE CONTRA A FAUNA – INCONSTITUCIONALIDADE. – A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. – A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos oudomesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. – Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga (“gallus-gallus”).

[…]

(ADI 1856, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-02 PP-00275 RTJ VOL-00220-01 PP-00018 RT v. 101, n. 915, 2012, p. 379-413)

Interessante notar que, recentemente, a Emenda Constitucional nº 96, de 2017, incluiu o § 7º ao art. 225, estabelecendo que, “para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos”.

No âmbito infraconstitucional, a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, denominada de Lei dos Crimes Ambientais, tutela os animais, colocando-os a salvo de qualquer tratamento abusivo, maus-tratos, ferimentos ou mutilações, aliás, desde o Decreto 24.645, de 1934, já se estabelecia medidas de proteção aos animais, colocando-os sob a tutela do Estado e protegendo-os contra abusos e crueldades.

5. Decerto, porém, que coube ao Código Civil o desenho da natureza jurídica dos animais, tendo o referido diploma os tipificado como coisas – não lhes atribuiu a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica, não podendo ser tidos como sujeitos de direitos – e, por conseguinte, objetos de propriedade.

De fato, os animais, via de regra, enquadram-se na categoria de bens semoventes, isto é, “os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social” (art. 82).

Não há dúvidas de que o Código Civil tipificou-os na categoria das coisas e, como tal, são objetos de relações jurídicas, como se depreende da dicção dos arts. 82, 445, § 2º, 936, 1.444, 1.445 e 1.446.

Nessa perspectiva, resta saber se tais animais de companhia, nos dias atuais, em razão de sua categorização, devem considerados como simples coisas (inanimadas) ou se, ao revés, merecem tratamento peculiar diante da atual conjectura do conceito de família e sua função social.

Isso porque “a nossa legislação tem-se mostrado incapaz de acompanhar a evolução, a velocidade e a complexidade dos mais diversos modelos de núcleo familiares que se apresentam como verdadeiras entidades familiares, embora o não reconhecimento legal. Esta inércia do Poder Legislativo, contudo, tem sido oposta a um proficiente ativismo do Poder Judiciário, cuja atuação eficiente tem estabelecido o liame imprescindível entre as expectativas sociais e o ordenamento jurídico, principalmente para garantir a dignidade dos membros de tais arranjos familiares e o alcance da justiça” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.O conceito de família e sua organização jurídica. In Tratado de Direito das famíliasRodrigo da Cunha Pereira (organizador). Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 57).

É notório o crescimento exponencial, em todo o mundo, do número de animais de estimação no âmbito das famílias e, cada vez mais, são tratados como verdadeiros membros destas.

Os Tribunais do país têm-se deparado com situações desse jaez, com divórcios e dissoluções de relações afetivas de casais em que a única divergência está justamente na definição da custódia do animal.

À guisa de exemplo, cito alguns casos, com as mais diversas soluções no âmbito dos Tribunais pátrios:

DIREITO CIVIL – RECONHECIMENTO/DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – PARTILHA DE BENS DE SEMOVENTE – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL QUE DETERMINA A POSSE DO CÃO DE ESTIMAÇÃO PARA A EX-CONVIVENTE MULHER – RECURSO QUE VERSA EXCLUSIVAMENTE SOBRE A POSSE DO ANIMAL – RÉU APELANTE QUE SUSTENTA SER O REAL PROPRIETÁRIO – CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA QUE OS CUIDADOS COM O CÃO FICAVAM A CARGO DA RECORRIDA – DIREITO DO APELANTE/VARÃO EM TER O ANIMAL EM SUA COMPANHIA – ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO CUJO DESTINO, CASO DISSOLVIDA SOCIEDADE CONJUGAL É TEMA QUE DESAFIA O OPERADOR DO DIREITO – SEMOVENTE QUE, POR SUA NATUREZA E FINALIDADE, NÃO PODE SER TRATADO COMO SIMPLES BEM, A SER HERMÉTICA E IRREFLETIDAMENTE PARTILHADO, ROMPENDO-SE ABRUPTAMENTE O CONVÍVIO ATÉ ENTÃO MANTIDO COM UM DOS INTEGRANTES DA FAMÍLIA CACHORRINHO “DULLY” QUE FORA PRESENTEADO PELO RECORRENTE À RECORRIDA, EM MOMENTO DE ESPECIAL DISSABOR ENFRENTADO PELOS CONVIVENTES, A SABER, ABORTO NATURAL SOFRIDO POR ESTA – VÍNCULOS EMOCIONAIS E AFETIVOS CONSTRUÍDOS EM TORNO DO ANIMAL, QUE DEVEM SER, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, MANTIDOS – SOLUÇÃO QUE NÃO TEM O CONDÃO DE CONFERIR DIREITOS SUBJETIVOS AO ANIMAL, EXPRESSANDO-SE, POR OUTRO LADO, COMO MAIS UMA DAS VARIADAS E MULTIFÁRIAS MANIFESTAÇÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, EM FAVOR DO RECORRENTE PARCIAL ACOLHIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO PARA, A DESPEITO DA AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA REGENTE SOBRE O THEMA, MAS SOPESANDO TODOS OS VETORES ACIMA EVIDENCIADOS, AOS QUAIS SE SOMA O PRINCÍPIO QUE VEDA O NON LIQUET, PERMITIR AO RECORRENTE, CASO QUEIRA, TER CONSIGO A COMPANHIA DO CÃO DULLY, EXERCENDO A SUA POSSE PROVISÓRIA, FACULTANDO-LHE BUSCAR O CÃO EM FINS DE SEMANA ALTERNADOS, DAS 10:00 HS DE SÁBADO ÀS 17:00HS DO DOMINGO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM

1. Cuida-se de apelação contra sentença que, em demanda de dissolução de união estável c/c partilha de bens, movida pela apelada em face do apelante, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer e dissolver a união estável havida entre as partes e determinou, ainda, que a autora ficasse com a posse do cão de estimação da raça Coker Spaniel.

2. Insurge-se o réu unicamente com relação à posse do animal de estimação, sustentando, em síntese, que o cachorro foi adquirido para si, ressaltando que sempre cuidou do cão, levando-o para passear e para consultas ao veterinário, destacando, ainda, que sempre arcou com os seus custos, inclusive com a vacinação.

3. De fato, da análise do conjunto probatório infere-se que a parte autora logrou comprovar que era a responsável pelos cuidados do cão Dully.

4. Contudo, não se pode ignorar o direito do apelante de, ao menos, ter o animal em sua companhia. Questão envolvendo animais de estimação cujo destino, caso dissolvida sociedade conjugal é tema que desafia o operador.

5. Semovente que, por sua natureza e finalidade, não pode ser tratado como simples bem, a ser hermética e irrefletidamente partilhado, rompendo-se abruptamente o convívio até então mantido com um dos integrantes da família.

6. Cachorrinho “Dully” que fora presenteado pelo recorrente à recorrida, em momento de especial e extremo dissabor enfrentado pelos conviventes, a saber, aborto natural sofrido por esta. Vínculos emocionais, afetivos construídos em torno do animal, que devem ser, na medida do possível, mantidos.

7. Solução que, se não tem o condão de conferir direitos subjetivos ao animal, traduz, por outro lado, mais uma das variegadas e multifárias manifestações do princípio da dignidade da pessoa humana, em favor do recorrente.

8. Recurso desprovido, fixando-se, porém, a despeito da ausência de previsão normativa regente o thema, mas sopesando todos os vetores acima evidenciados, aos quais se soma o princípio que veda o non liquet, permitir ao recorrente, caso queira, ter consigo a companhia do cão Dully, exercendo a sua posse provisória, devendo tal direito ser exercido no seu interesse e em atenção às necessidades do animal, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados, às 10:00h de sábado, restituindo-lhe às 17:00hs do domingo.

NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO.

(Apelação Cível n° 001 9757-79.201 3.8.19.0208, Rel. Des. Marcelo Lima Buhatem, 22ª Câmara Cível, Julgado em 27/01/2015)

CIVIL. PROCESSO CIVIL. INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. QUESTÃO DE DIREITO DEVIDAMENTE COMPROVADA NOS AUTOS. SOBREPARTILHA DE ANIMAL DOADO AO CASAL NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DIVÓRCIO. PARTILHA DO BEM. RECURSO DESPROVIDO.

1. Na atualidade, os bichos de estimação têm conseguido cada vez mais espaço no seio da família brasileira e mundial, tornando-se, em muitos casos, membros efetivos, equiparados aos próprios filhos do casal, de modo que, com o fim do casamento, não raro, as pessoas enfrentam problemas tanto em relação a com quem vai ficar o animal querido e até mesmo discussão sobre a propriedade desse ente, como é o caso em análise, pois esses animais, além de ter valor de estimação, que não pode ser quantificado economicamente, ostentam também valor comercial.

2. Importa destacar que em nosso sistema jurídico vige o princípio do livre convencimento motivado, onde o magistrado é livre para fundamentar sua decisão, desde que amparada na lei e nas provas dos autos. Assim, deve-se sopesar inicialmente os elementos de prova contidos nos autos, de acordo com as circunstâncias de cada caso, para, só então, aferir a viabilidade e/ou a (des)necessidade da produção de outras provas além daquelas que estiverem contidas no processo.

3. O indeferimento de prova testemunhal que tinha como objetivo demonstrar fatos já devidamente comprovados nos autos, não traduz cerceamento de defesa e, por conseguinte, não compromete a validade constitucional da sentença.

4. A doação feita, na constância do casamento, celebrado sob regime da comunhão parcial, apenas em nome de um dos cônjuges, deve ser considerada como feita ao casal. Portanto, o bem doado ainda que somente a um dos integrantes da conjugalidade, deve ser partilhado com o fim do matrimônio.

5. Recurso desprovido

(Acórdão n.885178, 20140110611494APC, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, Revisor: FÁTIMA RAFAEL, 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 29/07/2015, Publicado no DJE: 10/08/2015. Pág.: 240)

Direito Civil. Família. Divórcio. Sentença. Componente pragmático. Partilha de bens. Animal de Estimação. Posse. Abandono. Cônjuge mulher. Caracterização. Partilha. Cônjuge varão. Decisão confirmada. É característica marcante nas decisões proferidas nas varas de família um fortíssimo componente pragmático, que só devem ser reformadas pela instância revisora em casos de ilegalidade evidente, porquanto o Juiz que presidiu a produção da prova e teve contato pessoal com as partes está munido de melhores condições para decidir sobre a pensão de alimentos, guarda de filhos, regulamentação de visita e a quem deve caber na partilha os animais de estimação. Restando caracterizado oabandono de animal por um dos cônjuges, o outro adquire-lhe a propriedade se sob a sua posse ele ficar, dispensado-lhe tratamento devido. (TJMG – Apelação Cível 1.0694.02.006976-1/001, Relator(a): Des.(a) Manuel Saramago , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/04/2004, publicação da súmula em 07/05/2004)

UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DOS BENS. CONTRIBUIÇÃO. DESNECESSIDADE. Mantém-se a partilha igualitária do imóvel porque os elementos coligidos aos autos comprovam, à saciedade, que o bem foi edificado com a participação de ambos os conviventes, na medida de suas possibilidades e em terreno de propriedade dos pais da mulher. ALUGUEL PELO USO DO IMÓVEL COMUM. DESCABIMENTO. Não se pode exigir o pagamento de locativos enquanto não perfectibilizada a partilha dos bens. É que inexiste título jurídico que autorize a cobrança de aluguel contra o companheiro que permanece residindo no imóvel comum, posto que os bens ficam em mancomunhão. INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS A BEM PERTENCENTE AO VARÃO. Descabe a indenização quando não constatado o descuido da mulher na preservação do bem. Ademais, tratando-se de móvel usado e desmontado, provavelmente apresentaria alguma avaria decorrente do próprio uso. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. Mantém-se o cachorro com a mulher quando não comprovada a propriedade exclusiva do varão e demonstrado que os cuidados com o animal ficavam a cargo da convivente. Apelo desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70007825235, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 24/03/2004)

Aliás, como bem destacado pelo acórdão recorrido, tamanha é a notoriedade do vínculo afetivo entre homem e seu animal de estimação que, segundo recente pesquisa do IBGE, é possível afirmar que existem mais cães e gatos em lares brasileiros do que crianças.

De fato, “em 2015 existem mais lares com cachorros (44%) que com crianças (36%) no Brasil. Além dos motivos demográficos (redução do número de filhos), estariam também os econômicos, haja vista o alto custo de criação de filhos. As projeções de 2013, em 45 milhões de crianças e 52 milhões de cães, apontam para 2020 o aumento dessa diferença: 41 milhões de crianças contra 71 milhões de cães. Há ainda, uma tendência de aumento dos domicílios onde mora uma só pessoa. São denominados arranjos unipessoais, onde, principalmente, pessoas sozinhas com mais de 50 anos, são ‘potenciais pais de um totó’ […] Essa mudança ocorreu por diversos fatores, dentre eles famílias cada vez menores, maior número de pessoas morando sozinhas e o envelhecimento da população tem favorecido o aumento dos animais de estimação nos lares brasileiros” (SÉGUIN, Élida; ARAÚJO, Luciane Martins de; CORDEIRO NETO, Miguel dos Reis. Uma nova família: a multiespécie. Revista de Direito Ambiental. Vol. 82, ano 21, São Paulo: RT, abr./jun. 2016. p. 240).

Nos EUA, “estima-se que as disputas judiciais relativas à guarda de animais domésticos tenham crescido 23% apenas em 2011. Há, inclusive, indicação doutrinária de que recorrentemente o ex-casal consegue entrar em acordo relativamente aos bens, aos filhos menores, mas não se ajustam relativamente a quem ficará com os animais, iniciando sofridos, longos e dispendiosos litígios” (CHAVES, Marianna. Disputa de guarda de animais de companhia em sede de divórcio e dissolução de união estável: Reconhecimento da família multiespécie? Artigo Cientifico, 2015, 33f).

Tamanho são os vínculos psicológico e afetivo em determinadas situações, que se tem notícia de casos, no mínimo, inusitados. Basta lembrar o ocorrido em 2010, onde “uma americana milionária deixou o equivalente a R$ 21 milhões para sua cachorra em detrimento de seu filho que herdou apenas R$ 1,7 milhões. O filho briga na Justiça alegando insanidade materna. Guardadas as devidas proporções, há relato de caso semelhante no Brasil, onde uma viúva sem filhos deixou seu apartamento para uma gatinha (Mimi) e sua cadela (Fifi). Um irmão impugnou o testamento na qualidade de herdeiro. O testamento teria sido interpretado como encargo do herdeiro para que ele tomasse conta dos animais de estimação” (SÉGUIN, Élida; op. cit, p. 244).

Inclusive, é bom destacar que tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 1.058/2011 (no momento encontra-se arquivado), que tem como objetivo justamente dispor “sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras provídências”.

A necessidade de regulamentação da questão foi destacada em sua justificativa: “[…] Os animais não podem ser mais tratados como objetos em caso de separação conjugal, na medida em que são tutelados pelo Estado. Devem ser estipulados critérios objetivos em que se deve fundamentar o Juiz ao decidir sobre a guarda, tais como cônjuge que costuma levá-lo ao veterinário ou para passear, enfim, aquele que efetivamente assista o pet em todas as suas necessidades básicas […]”.

Entre outras diversas disposições, prevê o Projeto:

Art. 2.º. Decretada a separação judicial ou divórcio, ou fim da união estável pelo juiz, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda de animal de estimação, será ela atribuída a quem revelar ser o seu legítimo proprietário, ou, na falta deste, a quem demonstrar maior capacidade para o exercício da posse responsável.

Parágrafo único Entende-se como posse responsável os deveres e obrigações atinentes ao direito de possuir animal de estimação.

Art. 5.º. Para o deferimento da guarda do animal de estimação, o juiz observará as seguintes condições, incumbindo à parte oferecer:

I – ambiente adequado para a morada do animal;

II – disponibilidade de tempo, condições de trato, de zelo e de sustento;

III – o grau de afinidade e afetividade entre o animal e a parte;

IV – demais condições que o juiz considerar imprescindíveis à manutenção da sobrevivência do animal, de acordo com suas características.

Outras duas curiosidades do projeto de lei:

Art. 6º Na audiência de conciliação, o juiz informará às partes a importância, a similitude de direitos, deveres e obrigações à estes atribuídos, bem como as sanções nos casos de descumprimento de cláusulas, as quais serão firmadas em documento próprio juntado aos autos.

§ 1º Para estabelecer as atribuições das partes e os períodos de convivência com o animal sob a guarda compartilhada, o juiz poderá basear-se em orientação técnico-profissional para aplicação ao caso concreto;

§ 2º Na guarda unilateral, a parte a que não esteja o animal de estimação poderá visitá-lo e tê-lo em sua companhia, podendo, ainda, fiscalizar o exercício da posse da outra parte, em atenção às necessidades específicas do animal, e comunicar ao juízo no caso de seu descumprimento;

§ 3º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado das cláusulas da guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, bem como a perda da guarda em favor da outra parte;

§ 4º Se o juiz verificar que o animal de estimação não deverá permanecer sob a guarda de nenhum de seus detentores, deferi-la-á pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, consideradas as relações de afinidade e afetividade dos familiares, bem como o local destinado para manutenção de sua sobrevivência.

Art. 7º Nenhuma das partes poderá, sem a anuência da outra, realizar cruzamento, alienar o animal de estimação ou seus filhotes advindos do cruzamento, para fins comerciais, sob pena de reparação de danos.

Como se percebe, pelo Projeto, a guarda de animais de estimação traria disposição muito assemalhada com o instituto da guarda propriamente dita do Código Civil, inclusive podendo ser definida unilateralmente ou de forma compartilhada.

6. A preocupação com a proteção dos animais de companhia não é exclusividade dos brasileiros. Diversos outros ordenamentos, “como da Áustria, da Alemanha e da Suíça indicam expressamente que os animais não são coisas. Outros, como da França e da Nova Zelândia, vão mais além, indicando que os animais são seres sencientes” (CHAVES, Marianna. op. cit.).

Em Portugal, por exemplo, houve sensível modificação em seu Código Civil – Lei n° 8, de 2017 – dispondo que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade (art. 201-B) e que, na ausência de lei especial, deverão ser submetidos às disposições relativas às coisas, desde que não se mostrem incompatíveis com a sua natureza (art. 201-D).

O Código Civil Alemão (Bürgerliches Gesetzbuch), o conhecido BGB, por sua vez, alterou o título “Coisas” (Sachen) para que nele passasse a constar “Coisas. Animais” (Sachen. Tiere), prevendo em seu § 90-A, que “os animais não são coisas. Os animais são protegidos por leis especiais. Os animais são regulados pelas regras relativas às coisas, com as necessárias modificações exceto se de outra maneira for previsto”.

Já o Código Civil Francês previu que “os animais são seres vivos dotados de sensibilidade. Salvo disposição especial que os proteja, os animais são submetidos ao regime dos bens” (art. 515-14).

7. Aqui no Brasil, doutrina e jurisprudência vêm-se dividindo basicamente em três correntes.

Os que pretendem elevar os animais ao status de pessoa, haja vista que, biologicamente, o ser humano é animal, ser vivo com capacidade de locomação e de resposta a estímulos, inclusive em relação aos grandes símios, que, com base no DNA, seriam parentes muito próximos dos humanos. Em razão disso, ao animal deveria ser atribuído direitos da personalidade, o próprio titular do direito vindicado, sob pena de a diferença de tratamento caracterizar odiosa discriminação.

Alguns entendem que o melhor seria separar o conceito de pessoa e o de sujeito de direito, possibilitando a proteção dos animais na qualidade de sujeito de direito sem personalidade, dando-se proteção em razão do próprio animal, e não apenas como objeto (na qualidade de patrimônio do seu proprietário) ou de direito difuso como forma de proteção ao meio ambiente sustentável.

Segundo outros, os animais de companhia devem remanescer dentro de sua natureza jurídica posta, como semoventes, res, e, portanto objeto de direito das relações jurídicas titularizadas pelas pessoas.

Não se olvide, a discussão é extremamente sensível, movida, muitas vezes, por paixão, provocando a revisitação de conceitos e dogmas cristalizados e, ao mesmo tempo, o exame das necessidades prementes dos novos tempos, atraindo inúmeros questionamentos, perplexidades e, a depender de seu enquadramento, das mais diversas consequências jurídicas, o que torna ainda mais complexa a adoção de uma única e adequada solução.

De plano, importante trazer à baila algumas indagações suscitadas por César Fiuza, em artigo específico sobre a matéria, e que demonstra a dificuldade do trato com a matéria:

Conferir personalidade aos animais pode parecer muito simpático, a um primeiro olhar. Mas a que animais vamos conferir personalidade? A todos? Entram nesse rol as baratas, os pernilongos, os ratos, os mosquitos da dengue, os vírus, as bactérias nocivas e outros tantos dos quais queremos distância? Se a resposta for não, a pergunta se mantém: a que animais conferir personalidade? Apenas aos que nos forem úteis? Como, então, legitimar um churrasco de picanha? Ou um bife de vitela? Ou seremos todos vegetarianos? Como proteger um animal selvagem que não faz mal nem bem? Se a resposta ainda aqui for negativa, a pergunta permanece: a que animais conferir personalidade? Àqueles que não nos forem nocivos? Assim estaríamos protegendo não só os animais que nos sejam úteis, mas também os que não nos façam mal. De todo modo, continua o problema incontornável, para nós carnívoros, de comermos outras pessoas, o que culturalmente seria inaceitável. Em outras palavras, como legitimar um churrasco de picanha? Bem, se a reposta não é conferir personalidade aos animais, seria, então, a de conferir-lhes o status de sujeitos de direitos? Vimos, ainda há pouco que essa também não é a melhor solução. Um animal não pode ser sujeito de direito por um lado e objeto de propriedade por outro.

Um sujeito de direito não pode estar no cardápio de um restaurante. […] Se os animais não são pessoas, tampouco sujeitos de direitos, qual seria o fundamento de sua proteção? A resposta é muito simples: o ser humano.

Os animais são objeto de direito, podem ser objeto de propriedade, podem ser caçados e devorados; podem ser, inclusive, extintos, como desejamos o seja o mosquito da dengue. Isso não significa que não devam ser protegidos. Em que situações ocorre a tutela protetiva? Quando protegemos nossa propriedade, quando protegemos o meio ambiente e quando protegemos os animais contra atos de crueldade, ou seja, quando os protegemos aparentemente, por eles mesmos. Na realidade, em todas essas hipóteses, o sujeito do direito é o ser humano, seja o proprietário, seja aquele que deseja um meio ambiente saudável, seja o que se projeta no animal em sofrimento.

(FIUZA, César; GONTIJO, Bruno Resende Azevedo. Dos fundamentos da proteção dos animais: uma análise acerca das teorias de personificação dos animais e dos sujeitos de direito sem personalidade. Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo: Ed. RT, n. 1, v. 1, out.-dez. 2014., p. 200-201).

Realmente, diante da teoria geral do direito civil, o estudo da guarda propriamente dita – inerente ao poder familiar -, instituto de direito de família por sua essência, não pode ser, a meu juízo, simples e fielmente subvertido para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque “a guarda é um munus exercido no interesse tanto do(s) pai(s) quanto (principalmente) do filho”; não se está diante de uma faculdade e sim de “um direito, mas também um munus que impõe ao(s) pai(s) a observância dos deveres inerentes ao poder familiar” (LEAL, Adisson; SANTOS, Victor Macedo dos. Reflexões sobre a posição jurídica dos animais de estimação perante o direito das famílias: TJRJ. Revista IBDFAM Famílias e Sucessões. Belo Horizonte: IBDFAM, v. 9, p.170, maio-jun. 2015. p. 175).

É o destaque da doutrina especializada:

Seja como for, o que se pretende destacar é que, ainda que de simples coisas não se tratem e ainda que não estejam submetidos à simples partilha de bens, à guarda também não estarão, sendo necessário, caso se deseje, estipular regime jurídico próprio para este mister. O que não é possível, tampouco desejável, é a subversão de categorias dogmáticas há muito elaboradas e que dizem respeito à própria estrutura do sistema jurídico.

Como visto, o sistema jurídico, como sistema lógico, foi erigido com a função de ordenar os diversos interesses que emergem no seio social, dirimindo eventuais conflitos.

Para cumprir a sua função, o ordenamento jurídico atribui poderes e deveres, respectivamente, ao sujeito do interesse subordinante e ao sujeito do interesse subordinado.

[…]

Nesse sentido, se é verdade que a guarda é uma posição jurídica, necessariamente, por um imperativo lógico e de coerência sistêmica, deve-se atribuir à alguém – e não a algo – a correlata posição jurídica.

Assim, (a) ao considerar-se a guarda como um dever comportamental imposto aos pais (posição jurídica subjetiva passiva elementar, portanto), deve-se buscar aquele que titulariza a correlativa pretensão (posição jurídica subjetiva ativa elementar em enlace correlacional); (b) ao considerar-se a guarda como um dever autônomo com relação ao poder familiar, deve-se buscar aquele que titulariza o correlativo poder jurídico; (c) ao considerar-se a guarda como um “direito-dever” (um poder funcional composto, portanto, de poderes formativos e deveres comportamentais), deve-se buscar aquele que titulariza o correlativo dever de obediência ou as correlativas posições jurídicas de sujeição e de pretensão; e assim sucessivamente.

Seja qual for a natureza jurídica que se atribua à guarda, ela necessariamente estará em enlace correlacional com outra posição jurídica.

Não existem poderes ou deveres jurídicos (em sentido genérico) fora de relação jurídica.

Destarte, pergunta-se: (a) se a guarda é um dever comportamental, seria razoável pensar-se que um cachorro poderia exercer a correlativa pretensão (definida como o poder-exigir subordinação do interesse alheio ao próprio) em face do dono?; (b) se a guarda é um dever autônomo, seria razoável pensar-se que um cachorro pudesse ser titular de um poder jurídico em face do dono?; (c) se a guarda é um “direito-dever” – e aqui a situação é ainda mais peculiar –, seria razoável pensar-se que um cachorro poderia exercer os direitos e os deveres (!) correlativos? Seria razoável atribuir-se deveres a um animal? A não ser que alguém pretenda responder afirmativamente a qualquer uma dessas perguntas, uma verdade se impõe: o princípio da correspectividade de posições jurídicas ativas e passivas, a coerência e a base do sistema jurídico privado nacional, erigido sob a égide da Teoria da Relação Jurídica, impedem que se considere juridicamente possível animais figurarem como objeto de guarda em sentido técnico.

A relação jurídica, categoria básica do Direito Privado, é sempre entre sujeitos de direito, entre vontade e vontade.

[…]

Cumpre consignar, ademais, que, seja qual for a natureza jurídica que se atribua à guarda, a sua utilização para regular situações que envolvam animais implicaria, necessariamente, atribuir-lhes a condição de sujeitos de direito.

(LUKASCHECK PRADO, Augusto Cézar. A (im)possibilidade jurídica da guarda de animais. Revista de direito civil contemporâneo, São Paulo: RT, n. 5, v. 14, jan-mar./2018, p. 545-547)

Com efeitode lege lata, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica.

Apesar dissoobservada sempre a máxima venia, não se mostra suficiente o regramento jurídico dos bens para resolver, satisfatoriamente, tal disputa familiar nos tempos atuais, como se tratasse de simples discussão atinente à posse e à propriedade.

A despeito de animais, possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada.

O Judiciário necessita encontrar solução adequada para essa questão, ponderando os princípios em conflito, de modo a encontrar o resguardo aos direitos fundamentais e a uma vida digna.

Nesse passo, penso que a ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de companhia – sobretudo nos tempos em que se vive – e negar o direito dos ex-consortes de visitar ou de ter consigo o seu cão, desfrutando de seu convívio, ao menos por um lapso temporal.

Sociólogos vêm demonstrando “uma série de ocorrências que indicam que os animais de companhia galgaram o status de verdadeiros membros da família: existe um crescente número de casamentos e uniões que terminam pelo fato de um dos membros do casal não gostar de como o outro trata o animal de companhia; as pessoas demonstram a cada dia mais disposição em arcar com altos custos financeiros com veterinários e tratamentos com seus pets; a prática de pessoas deixarem heranças substanciais para os seus animais de estimação em seus testamentos ou para alguém sob a condição de cuidarem dos animais; a benção de animais por padres e pastores; a prática de enterrar os animais da família em cemitérios de animais; o crescente número de psicólogos e terapeutas que atendem pacientes em extremo sofrimento, vivenciando o luto pela perda do seu animal de estimação” (BOGDANOSKI, Tony. “Towards an Animal-Friendly Family Law: Recognising the Welfare of Family Law’s Forgotten Family Members”, em Griffith Law Review, Vol. 19, n. 2, pp. 197-237, 2010, p. 208 apud CHAVES, Marianna. op. cit.).

8. Nesse passo, não se pretende aqui humanizar o animal, tratando-o como pessoa ou sujeito de direito.

Também não é o caso de efetivar-se alguma equiparação da posse de animais com a guarda de filhos. Os animais, mesmo com todo afeto merecido, continuarão sendo não humanos e, por conseguinte, portadores de demandas diferentes das nossas.

Deveras, “o problema e que à ideia de pessoa, como hodiernamente concebida, jaz intrínseca a capacidade ampla de direitos e obrigações. Elevar os animais ao status de pessoas seria garantir a eles amplos direitos, inclusive patrimoniais, e criar a possibilidade de eles serem responsabilizados por seus atos, solução, a nosso ver, incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro” (FIUZA, César; op.cit, p. 196).

Ocorre que não se pode fechar os olhos para a realidade social, para o vínculo afetivo formado.

No ponto, bem assinala José Fernando Simão que:

A propriedade de animais não humanos passa por um filtro óbvio: os animais não humanos são coisas especiais, pois são seres dotados de sensibilidade e passíveis de sofrimento e dor. É por isso que o direito de propriedade sobre os animais, segundo interpretação sistemática do Código Civil, não pode ser exercido de maneira idêntica àquele que se exerce sobre as coisas inanimadas ou não dotadas de sensibilidade.

(SIMÃO, José Fernando. Direito dos animais: natureza jurídica. A visão do direito civil. Revista Jurídica Luso-brasileira, v. 4, ano 3, 2017, p. 899).

Nesse sentido, aliás, parece ter sido o entendimento da Segunda Turma do STJ, quando do julgamento do REsp 1.115.916/MG, Rel. Ministro Humberto Martins.

Na ocasião, discutia-se o uso de procedimentos cruéis para o extermínio de animais, tal como morte por asfixia, e a necessidade de se utilizar métodos amenizadores ou inibidores do sofrimento quando o aniquilamento for imprescindível à saúde humana, acabando por concluir que o Administrador não pode valer-se da discricionariedade administrativa para justificar a prática de tais atos.

Em seu voto, destacou o Relator que ” não há como se entender que seres, como cães e gatos, que possuem um sistema nervoso desenvolvido e que por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou seja, que possuem vida biológica e psicológica, possam ser considerados como coisas, como objetos materiais desprovidos de sinais vitais. Essa característica dos animais mais desenvolvidos é a principal causa da crescente conscientização da humanidade contra a prática de atividades que possam ensejar maus tratos e crueldade contra tais seres”.

Assim, segundo o douto Ministro Relator, a proteção que deve ser dispensada aos animais “não possui origem na necessidade do equilíbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que os animais são dotados de uma estrutura orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor”.

O acórdão foi assim ementado:

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. CENTRO DE CONTROLE DE ZOONOSE. SACRIFÍCIO DE CÃES E GATOS VADIOS APREENDIDOS PELOS AGENTES DE ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE QUANDO INDISPENSÁVEL À PROTEÇÃO DA SAÚDE HUMANA. VEDADA A UTILIZAÇÃO DE MEIOS CRUÉIS.

1. O pedido deve ser interpretado em consonância com a pretensão deduzida na exordial como um todo, sendo certo que o acolhimento do pedido extraído da interpretação lógico-sistemática da peça inicial não implica em julgamento extra petita.

2. A decisão nos embargos infringentes não impôs um gravame maior ao recorrente, mas apenas esclareceu e exemplificou métodos pelos quais a obrigação poderia ser cumprida, motivo pelo qual, não houve violação do princípio da vedação da reformatio in pejus.

3. A meta principal e prioritária dos centros de controles de zoonose é erradicar as doenças que podem ser transmitidas de animais a seres humanos, tais quais a raiva e a leishmaniose. Por esse motivo, medidas de controle da reprodução dos animais, seja por meio da injeção de hormônios ou de esterilização, devem ser prioritárias, até porque, nos termos do 8º Informe Técnico da Organização Mundial de Saúde, são mais eficazes no domínio de zoonoses.

4. Em situações extremas, nas quais a medida se torne imprescindível para o resguardo da saúde humana, o extermínio dos animais deve ser permitido. No entanto, nesses casos, é defeso a utilização de métodos cruéis, sob pena de violação do art. 225 da CF, do art. 3º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, dos arts. 1º e 3º, I e VI do Decreto Federal n. 24.645 e do art. 32 da Lei n. 9.605/1998.

5. Não se pode aceitar que com base na discricionariedade o administrador realize práticas ilícitas. É possível até haver liberdade na escolha dos métodos a serem utilizados, caso existam meios que se equivalham dentre os menos cruéis, o que não há é a possibilidade do exercício do dever discricionário que implique em violação à finalidade legal.

6. In casu, a utilização de gás asfixiante no centro de controle de zoonose é medida de extrema crueldade, que implica em violação do sistema normativo de proteção dos animais, não podendo ser justificada como exercício do dever discricionário do administrador público. Recurso especial improvido.

(REsp 1115916/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 18/09/2009)

9. Nessa ordem de ideias, a premissa básica a se adotar é a atual tipificação e correspondente natureza jurídica dos animais de estimação, isto é, trata-se de semoventes, coisas, passíveis de serem objeto de posse e de propriedade, de contratos de compra e venda, de doação, dentre outros.

Realmente, “para tutelar os animais e lhes conferir adequada proteção, não é necessário conferir-lhes personalidade, tampouco subjetividade. Como objeto de direito podem receber proteção mais que suficiente. A extensão dessa proteção, os valores da sociedade, da cultura é que irá determinar. Repita-se, o homem é a medida de todas as coisas. Não escapamos de Protágoras” (FIUZA, César; op.cit, p. 203).

No entanto, penso que a solução também deve ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar, em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal.

Portanto, a definição da lide deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade.

Isso porque, o ordenamento jurídico pátrio é voltado para “a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 326)

Somado a isso, deve ser levado em conta o fato de que tais animais são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente – dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, o seu bem-estar deve ser considerado. Nessa linha, há uma série de limitações aos direitos de propriedade que recaem sobre eles, sob pena de abuso de direito.

Portanto, buscando atender os fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, independentemente do nomen iuris a ser adotado, penso que a resolução deve, realmente, depender da análise do caso concreto, mas será resguardada a ideia de que não se está diante de uma “coisa inanimada”, sem lhe estender, contudo, a condição de sujeito de direito. Reconhece-se, assim, um terceiro gêneroem que sempre deverá ser analisada a situação contida nos autos, voltado para a proteção do ser humano, e seu vínculo afetivo com o animal.

O Enunciado 11 do IBDFAM, aprovado no X Congresso Brasileiro de Direito de Família, possui justamente esta dicção, verbis: “na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal”.

Nesse sentido, também é a conclusão de Simão:

Depois de analisadas todas essas questões, as regras do direito de propriedade dos animais restam limitadas, abrandadas.

Ainda que o animal seja comum, levando-se em conta os três dados contidos no artigo 1793-A do Código Civil [Português], o juiz pode estipular que o animal seja confiado a apenas um deles que indenizará a metade ao cônjuge preterido. Há uma exclusão do animal da partilha. Nessa hipótese, não se afasta a possibilidade de eventual direito de visitas por parte daquele que não é mais dono do animal.

Se o animal pertencer a apenas um dos cônjuges (bem particular), poderá o juiz estipular a copropriedade em caso de clara relação afetiva e de cuidado de ambos para com o animal. A sua guarda, nesse caso, poderá ser unilateral de um dos cônjuges com visita do outro, ou mesmo compartilhada. A solução depende da situação fáticas e das provas colhidas pelo magistrado.

Questão mais complicada é saber se o animal for bem particular, pertencer a apenas um dos cônjuges, se o juiz pode determinar que ele seja confiado ao outro que não seu proprietário. A resposta deve ser afirmativa. Alguns poderiam afirmar que retirar a propriedade de um dos cônjuges significaria verdadeiro confisco.

Aqui há uma sutileza. O juiz confiará a posse, mas não a propriedade, ao outro cônjuge. Há uma restrição de uso e gozo, mas não de reaver o animal de um terceiro quem injustamente o detenha. É mais uma limitação ao direito de propriedade levando-se em conta o bem-estar animal.

(SIMÃO, José Fernando. Direito dos animais: natureza jurídica. A visão do direito civil. Revista Jurídica Luso-brasileira, v. 4, ano 3, 2017, p. 908-909)

Na hipótese ora em julgamento, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela foi adquirida na constância da união estável e que teria ficado bem demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, destacando, ao final, que eventual desvirtuamento da pretensão inicial (caso se volte, por exemplo, apenas para forçar uma reconciliação do casal) deverá ser levada ao magistrado competente para a adoção das providências cabíveis.

Assim, diante do contexto dos autos, penso ser plenamente possível o reconhecimento do direito do recorrente de efetuar visitas à cadela de estimação, tal como determinado pelo acórdão recorrido.

10. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Senhor Presidente, cumprimento o Eminente Relator pelo seu minucioso voto que trouxe a doutrina e também elementos de outras legislações, pedindo, todavia, a máxima vênia à Sua Excelência para dele divergir.

Parto da premissa da diferença entre o âmbito do Direito, da Moral e da Psicologia. Penso que não é o afeto, por si só, que gera direitos subjetivos. No âmbito das relações familiares, o afeto é tratado dentro da disciplina de relação jurídica em que todos são sujeitos de direito, tanto os pais como os filhos.

No caso, o Tribunal de origem fez analogia, a meu ver, de todo inadequada, buscando a regulamentação de guardas e visitas de menores para disciplinar relação, que é de domínio. Os animais, nos termos do art. 82 do Código Civil, são bens, submetidos à regência das regras de direito de propriedade.

É certo que o eminente Relator trata a questão não como um direito dos animais, mas sob a ótica do direito do seu proprietário. Entende que haveria uma limitação do direito de propriedade do ex-cônjuge, que detém a posse e o domínio do animal.

Anoto que, no caso ora em exame, não se cogita mais de partilha de bens. Já houve, quando do rompimento da união, uma escritura declaratória de que nada havia a partilhar. Anos após foi ajuizada a presente ação, com o objetivo de “regulamentação de guarda e visitas” do animal.

Penso, data maxima venia, que as limitações ao direito real de propriedade são as previstas em lei. Não há nenhuma limitação de direito de propriedade baseada em afeto. Penso que essa questão demanda atuação concreta do legislador, tal como consta do voto do eminente Relator existir, por exemplo, no Código Português. E aqui houve um projeto de lei também mencionado pelo eminente Relator, mas que não está tramitando, está arquivado, o que demonstra, ao meu sentir, não lacuna, mas silêncio eloqüente do legislador.

Penso que estamos na seara de competência do legislador e não do julgador. Que não há fundamento, data maxima venia, seja sob prisma de limitação do direito de propriedade, seja sob o instituto da composse, porque aqui sequer há composse, pois é incontroverso que o animal pertence à ré e, após a separação, está sob a sua posse.

Penso que também não se trata da dignidade da pessoa humana e que, compreendidas nas agruras inevitáveis de uma separação, várias circunstâncias causam profundo sofrimento e a elas o Direito não pode dar solução. Esse sofrimento encontra melhor amparo na psicologia, não cabendo, ao meu sentir, regulamentação de visitas do animal. Mesmo que sob o título de “limitação do direito de propriedade”, segundo o entendimento do eminente Relator, na prática, houve regulamentação de visitas, nos mesmos moldes previstos para menores. Lê-se do acórdão recorrido que houve uma regulamentação de visitas:

“Visitas em finais de semana e feriados prolongados, alternados, com retirada na sexta-feira, às 8 horas da noite, retornando no domingo às 8 horas. Nas festas de fim de ano como Natal e Ano-Novo, no primeiro ano passará o Natal na companhia do autor e no ano novo na companhia da ré, invertendo-se tal ordem no ano seguinte, assim por diante. O autor poderá participar das atividades inerentes à cadela, bem como levá-la ao veterinário quando necessário; e caso se demonstre, durante as visitas, que a real intenção da demanda é criar uma forma forçada de manter contato com a recorrida, no intuito de reatar o relacionamento, o fato deverá ser levado ao conhecimento do juízo para as providências que entender cabíveis”

Ou seja, não só estaria havendo essa regulamentação como sendo antevista a possibilidade de outros incidentes para que fossem arbitrados conflitos, eventualmente, resultantes desse sistema de visitação do animal.

Portanto, data maxima venia do eminente Relator, eu penso que não há amparo no ordenamento jurídico atual para tal pretensão, podendo – eventualmente – passar a haver caso seja editada uma lei sobre o assunto.

Registro, por fim, que aqui não se alega que o animal precisa de proteção ou está sendo mal tratado.

Com efeito, embora a legislação trate os animais como bens semoventes, passíveis de propriedade e não como sujeitos de direito, há lei específica, Lei n. 9.605/98 e, também, previsão constitucional que veda a submissão de animais a tratamento cruel e degradante.

É indene de dúvidas que há diferença entre coisas inanimadas e semoventes. As coisas inanimadas, se houver violência contra elas, o tipo penal correspondente será crime de dano. Se houver tratamento degradante contra animal há tipo penal específico. Mas, no caso, não se alega que essa providência esteja sendo tomada para evitar que a ré dê tratamento degradante ao animal, isso não está em questão. O que se pretende é exercer, com base em decisão judicial, um direito de visitas que não é previsto no ordenamento jurídico atual no Brasil. Parece-me que, no caso, não se trata de lacuna legal, mas de consciente opção do legislador de não regulamentar a matéria, tanto que havendo projeto legislativo para tanto, ele não teve andamento.

Penso que escapa, portanto, à atribuição do Poder Judiciário criar direitos e impor obrigações não previstos em lei.

Com a devida vênia, dou provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença que deu pela improcedência do pedido.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI:

Cuida-se de recurso especial interposto por L. M. B. com amparo no art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição Federal, em desafio a acórdão proferido em apelação cível pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Na origem, V. M. A. ajuizou demanda contra L.M. B. objetivando, em síntese, fosse a ré condenada a permitir a convivência do autor com a cadela “Kimi”, por meio do convívio e da responsabilidade simultânea das partes em relação ao animal de estimação.

O magistrado a quo julgou improcedente o pedido, sob a alegação de que “malgrado a inegável relação afetiva, o animal de estimação trata-se de semovente e não pode ser alçado a integrar relações familiares equivalentes entre pais e filhos, sob pena de subversão dos princípios jurídicos inerentes à hipótese”, motivo pelo qual não há falar em direito de visitação.

Interposto recurso de apelação, o Tribunal Paulista deu provimento ao reclamo, aplicando, analogicamente, o disposto no diploma civilista acerca da guarda compartilhada e visita de filhos. O acórdão ficou assim ementado:

REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO – Ação ajuizada pelo ex-companheiro em face da ex-companheira – Improcedência do pedido – Inconformismo – Acolhimento – Omissão legislativa sobre a relação afetiva entre pessoas e animais de estimação que permite a aplicação analógica do instituto da guarda de menores – Interpretação dos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Cadela adquirida na constância do relacionamento – Relação afetiva demonstrada – Visitas propostas que são razoáveis – Sentença reformada – Recurso provido.

Opostos aclaratórios pela ré, foram esses rejeitados pelo acórdão de fls. 196-200.

Nas razões do recurso especial (fls. 202-216), aduz a insurgente, além de dissenso jurisprudencial, violação aos dispositivos normativos que elenca, sobre os quais sustenta: a) ocorrência de nulidade no acórdão em razão de não ter enfrentado a tese afeta à coisa julgada incidente sobre a escritura pública de dissolução de união estável; b) houve transação pelas partes acerca dos bens, com a outorga recíproca e irrevogável de quitação; e, c) inviabilidade de utilização da analogia pelo Tribunal a quo para a definição de animal, visto que prevista expressamente no art. 82 do Código Civil.

O reclamo ascendeu a esta Corte Superior, tendo o e. relator Ministro Luis Felipe Salomão, em judicioso voto, proposto negar provimento ao recurso especial ante os seguintes fundamentos:

a) preliminarmente, inocorrente a alegada nulidade do acórdão, pois “a questão de haver ou não coisa julgada em relação a partilha (que afirmou a inexistência de bens a partilhar) e, consequentemente, nulidade por ausência de manifestação, acabou dependendo da análise do mérito da questão, ou seja, em tendo o julgado afastado a qualificação dos animais de estimação como bens móveis possíveis de partilha, acabou, por consequência, arredando eventual coisa julgada definindo o tema, tendo em vista que no acordo transacionado, nada se definiu a respeito da custódia do animal de companhia”;

b) a natureza jurídica dos animais, segundo o nosso legislador, é de coisa, não sendo a eles atribuída a qualidade de pessoas, motivo pelo qual, por não serem dotados de personalidade jurídica, inviável considera-los sujeitos de direitos;

c) a despeito de inexistir regramento jurídico acerca da guarda de animais, há projeto de lei (hodiernamente arquivado) que aproxima a relação mantida entre os humanos e os animais de estimação com o instituto da guarda propriamente dita, nos moldes do direito alienígena, bem ainda doutrina e jurisprudência que, ante lacuna legislativa, aplicam o instituto de forma analógica;

d) em que pese seja inviável equiparar a posse de animais com a guarda de filhos, inegavelmente não se pode fechar os olhos para a realidade social, para o vínculo afetivo formado, motivo pelo qual “a premissa básica a se aditar é a atual tipificação e correspondente natureza jurídica dos animais de estimação, isto é, trata-se de semoventes, coisas, passíveis de serem objeto de posse e de propriedade, contratos de compra e venda, de doação, dentre outros”, sendo que “a definição da lide deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade”, isso porque “o nosso ordenamento é voltado para a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as formas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e internas do indivíduo no social”, motivo pelo qual, para entender de forma diversa do Tribunal de origem, seja quanto à propriedade, seja quanto ao afeto do ex-consorte em relação ao animal, seria necessário o revolvimento fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7 do STJ.

Inaugurando divergência, a e. Ministra Isabel Gallotti dá provimento ao reclamo para restabelecer a sentença de improcedência do pedido, porquanto, no seu entender, o Tribunal a quo aplicou a analogia de forma inadequada, buscando a regulamentação de guarda e visitas de menores para disciplinar relação que é de domínio, visto que os animais, nos termos do art. 82 do Código Civil, são bens submetidos à regência das regras de direito de propriedade. Aduz que, na hipótese, inviável cogitar em partilha de bens, pois quando do rompimento da união foi redigida uma escritura declaratória de que nada havia a partilhar, sendo incontroverso dos autos que o animal pertence à ré, motivo pelo qual sequer viável falar em composse.

Assevera, ainda, inaplicável a temática da dignidade da pessoa humana para a solução da controvérsia, pois acerca das agruras inevitáveis de uma separação, esse sofrimento encontra melhor amparo na psicologia, não cabendo na seara jurídica, face a ausência de amparo legal, a regulamentação de visitas do animal, mesmo que sob o título de limitação ao direito de propriedade, pois escapa “a atribuição do Poder Judiciário criar direitos e impor obrigações não previstos em lei”.

Ante os calorosos debates travados e a disparidade de entendimentos frente à controvérsia posta em julgamento, pedi vista dos autos para melhor análise.

É o relatório.

Voto

Com a devida vênia aos entendimentos manifestados até então pelos eminentes pares, é de se afastar a preliminar de nulidade do julgado e, no mérito, negar-se provimento ao recurso especial por fundamentação diversa daquela preconizada pelo relator.

1. Delimitação da Controvérsia

A controvérsia ora em debate diz respeito ao direito de um dos litigantes compartir a convivência com um animal de estimação, na hipótese, a cadela Kimi, com a qual se afeiçoaram os ex-companheiros ao longo do tempo em que mantiveram vida em comum, agora já rompida.

1.1 Da inaplicabilidade da súmula 7/STJ

À sua solução, diversamente do entendimento delineado pelo e. Relator, não se afigura impreterível promover o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, pois as premissas acerca da propriedade do animal e de quando ele foi adquirido (na constância da união estável), e ainda, a demonstração quanto ao afeto do ex-consorte em relação ao pet, bem como o convívio para com esse, inclusive após a separação do casaltodas essas matérias e provas alusivas a tais temáticas já estão amplamente delineadas de forma incontroversa na hipótese, motivo pelo qual, inaplicável à espécie o óbice da súmula 7/STJ, haja vista que o exame da questão é eminentemente jurídico.

2. Considerações iniciais

À guisa de considerações preliminares, rememora-se que, em regra, não é cabido ao Judiciário deflagrar as ações que aí estão aguardando julgamento, mas sim decidir/deliberar acerca dos questionamentos surgidos no âmbito da sociedade, ainda que de tal modo elementares, como o ora em tela, acerca do convívio entre os litigantes e um cachorro.

As disputas não voluntariamente solvidas no seio social são levadas ao Estado, que, por meio do Poder Judiciário, é instado a se manifestar, por força do art. 5º, XXXV da Constituição Federal, de grafia similar ao recente caput do art. 3º do NCPC, in verbis: “não se excluirá da apreciação jurisdicional, ameaça ou lesão a direito”, ambos positivando o princípio da inafastabilidade de jurisdição. É dizer, no Brasil, o monopólio da jurisdição pertence ao Estado.

Portanto, o caso sub judice, como milhões de tantos outros, requer, sim, preciosas horas dos operadores do direito para alcançar solução.

Assim, não há como negar jurisdição ao caso em tela, como muito apropriadamente destacou o e. relator, ainda que surjam indagações no que toca à razoabilidade da mobilização de todo aparato judicial, pesado e caro, a fim de se deliberar sobre assunto que, ao menos em tese, é simples.

Partindo-se dessa premissa, o conflito bem poderia ter sido pacificado via os denominados métodos mais adequados de solução de conflitos, como lecionam os professores Kazuo Watanabe e, saudosa, Ada Pellegrini Grinover.

É de se recordar que, ao tempo do ajuizamento da presente demanda, já existia a política pública do Poder Judiciário em prol de soluções consensuais, instaurada no seio do Movimento Nacional pela Conciliação, capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, inclusive anteriormente à expedição da conhecida Resolução nº. 125 do ano de 2010.

2.1 A tendência de Humanização dos animais

O filósofo grego Protágoras foi quem proferiu a frase “o homem é a medida de todas as coisas”, a qual está gravada em destaque no painel/mural existente no Salão Nobre do Superior Tribunal de Justiça.

E, ao contrário do que apressadamente pode ser deduzido ao cabo da leitura do focado enunciado, o ser humano não é o centro do universo, nem do restrito ambiente da sua convivência. A ideia de humanidade origina-se no animus que habita cada pessoa, nas noções elaboradas pelo indivíduo, a contar da sua razão e de todo o universo do seu próprio conhecimento, com o qual o humano lida com tudo que existe, razão por que o homem percebe o mundo segundo as medidas, as noções aprendidas com o seu saber.

E nem haveria como ser diferente.

Tudo aquilo que é reconhecido e designado como humanização dos animais merece, sim, os maiores e melhores elogios, jamais reprovação. Retrata, pois, uma conduta admirável do ser humano, o qual, ao adotar essa postura, na verdade, deseja dar o melhor tratamento possível àquilo que ama, tanto que propicia aportes materiais, afetivos e de estima, iguais ou próximos daqueles que ensejaria a um querido semelhante humano.

Na medida em que o humano torna-se mais sensível, mais compreensivo e tem mais apurada a sua percepção em relação ao universo em que está contido, passa a cuidar melhor de todas as coisas (animadas ou inanimadas) que aí estão, no âmbito do complexo, fantástico e delicadíssimo lugar em que habita, o planeta terra e tudo que nele está.

Definido como uma categoria positiva, algo bom, o sentimento que humaniza as coisas, a bem da verdade, deseja dar o melhor tratamento possível àquilo que entende ser relevante.

Nesse contexto, seja por entender omisso o sistema legal vigente no país, seja por concluir que o legislador pátrio deliberadamente não desejou até então disciplinar, especificamente, a matéria pertinente à relação entre o ser humano e os seus animais de estimação, o fato é que alguns admitem ser possível, com fundamento na elogiável tendência denominada como humanização dos animais, a utilização das regras de direito que disciplinam as relações familiares, notadamente no âmbito da guarda dos filhos.

Portanto, destaca-se não se ignorar que a designação “humanização dos animais” refere-se a atribuir ao relacionamento para com esses as regras de direito destinadas ao ser humano. Entretanto, na presente exposição, o que se defende é que, para dirimir o conflito oriundo da relação entre os humanos e os animais, é desnecessária a aplicação de normativo que não aquele já existente nas relações entre os seres humanos e os bens que os cercam, visto que o direito tradicional pátrio, conquanto possa ser aperfeiçoado ou especializado, contém regramento suficiente para resolver a controvérsia deduzida em juízo.

Reitera-se, é louvável a intenção que anima aqueles que buscam tutelar situações como esta ora em debate mediante a aplicação das regras do direito de família, sob o argumento de inexistir normativo capaz de fazê-lo com a plenitude que almejam. Todavia, até mesmo rendendo homenagens a tal atitude, pois voltada para o bem, ao propósito de dar guarida jurisdicional a pretensões como essa contida nestes autos, não é necessário, como adiante será demonstrado, empreender ampliação de interpretação legal diante do sistema normativo vigente no Brasil.

2.2 O normativo

Desde os primórdios, seres humanos e animais possuem uma estreita ligação, porém, originariamente, este relacionamento estava amparado no instinto de sobrevivência do homem, ora evitando ser predado pela fera, ora dela se valendo como recurso primário de subsistência.

A evolução social, o aperfeiçoamento das relações entre as pessoas e os animais – destacadamente aqueles que passaram a ser utilizados nas fainas do campo, na produção de bens, na proteção da moradia e no convívio familiar – ensejaram significativas mudanças no que concerne às qualidades inerentes ao conceito do animal não humano.

A decisão a ser dada na presente hipótese traduz os desafios enfrentados pelos magistrados e Tribunais brasileiros que, ante uma alegada ausência de legislação específica à solução dos conflitos envolvendo animais domésticos, no mais das vezes oriundas das relações surgidas em âmbito familiar, ensejam discussões que transcendem as questões patrimoniais propriamente ditas, guarda de filhos, direito de visitas e pensões alimentícias, estando, não raras vezes, o embate do casal, restrito à custódia e destino do animal de estimação, gerando celeuma jurídica, como no caso ora em julgamento.

Inegavelmente, as crises, as dificuldades, enfim, os próprios conflitos são verdadeiras oportunidades para o aperfeiçoamento do establishment, e, portanto, senão necessários, ao menos resultam úteis ao progresso das relações individuais e coletivas em uma sociedade, conforme, aliás, aludido desde as décadas de 50 e 60 no âmbito da Teoria dos Jogos.

Tradicionalmente, no Brasil, esses conflitos são resolvidos, em geral, pelo Estado, por meio do Poder Judiciário, ao qual, como já dito, foi conferido o monopólio jurisdicional. Em virtude disso, não pode o Judiciário, ainda que ante a hipótese de lacuna legislativa decorrente da ausência de regramento específico para a realidade dos animais de estimação, deixar de cumprir seu ofício, ainda que mediato, de promover a pacificação social.

Com efeito, se para a solução da presente lide não há necessidade de recorrer sequer à analogia, pois existe, sim, normativo suficiente para dirimir o caso sub judice, também se acredita oportuno recordar que não é empreendido, aqui, nenhum exercício de ativismo ou protagonismo judicial, uma vez que, ao menos nesta hipótese, reitere-se, o caso sequer comporta atuação no âmbito daquelas searas.

A solução da controvérsia, inclusive, prescinde de interpretação elastecida do texto constitucional, a ensejar postura proativa do Judiciário em interferir nas opções institucionais dos demais poderes, não havendo falar em determinação para que seja redigida essa ou aquela norma, estabelecida essa ou aquela política pública.

Ademais, embora ausente, sim, uma norma específica para lidar com o fato ora submetido a julgamento, é suficiente utilizar as diretrizes atinente ao Direito das Coisas, ao qual pertence a categoria de animais de estimação (bens semoventes infungíveis e indivisíveis), pois, ainda que haja forte tendência por parte da sociedade contemporânea ao tratamento diferenciado e carinhoso para com esses, tal atitude não obriga, tampouco exige equipará-los ao ser humano.

Ou seja, não há sequer necessidade da “humanização dos animais”, desde que a mesma sociedade se proponha, verdadeira e honestamente, a dar-lhes cuidado, proteção, zelo e atenção adequado, sejam eles domésticos ou selvagens.

3. O Direito das Coisas e a solução jurídica do caso

Voltando-se à hipótese concreta dos autos, é incontroversa entre as partes e reconhecida pelo Tribunal a quo a circunstância de que, por ocasião da dissolução da união estável, a mulher permaneceu com o animal, nada tendo sido decidido sobre a propriedade dele, conforme a escritura pública de fls. 30-31, no bojo da qual constou inexistirem bens móveis ou imóveis a partilhar, pretendendo agora o homem, por razões que alega ditadas pelo afeto, obter provimento judicial que garanta a sua possibilidade de compartilhar convivência com o pet.

A lide se instaurou, pois, em razão da benquerença que os litigantes têm para com o animal que em comum possuíam no recesso do lar.

Diante da resistência da mulher à pretensão do homem, o autor da ação almeja em sua petição inicial seja dado ao pet tratamento similar ao dispensado ao ser humano, tanto que na fundamentação do pedido inicial aduz como premissa o seguinte:

considerando o espaço que os animais de estimação têm ocupado no ambiente familiar, na medida em que são efetivamente abrangidos no conceito de família das pessoas e que possuem sensibilidade e afeto significativos e cientificamente provados, é possível conferir-lhes status de pessoa, ou seja, membro da família, para fins pessoas, de guarda e visitas“.

O juiz de primeiro grau indeferiu de plano a pretensão sendo que o Tribunal a quo, ao invocar a aplicação analógica, ao caso, dos artigos 1583 a 1590 do Código Civil, aduziu existir na disputa por animal de estimação uma semelhança com o conflito de guarda e visitas de criança ou adolescente.

Como se vê, o entendimento preconizado pela Corte de origem trouxe para o âmbito do Direito de Família o enfrentamento de um tema que dogmaticamente diz respeito à seara do Direito das Coisas, daí a necessidade de perquirir sobre a classificação ou o enquadramento dado pelo sistema à natureza jurídica dos animais de estimação.

Comumente, frente ao próprio termo “estimação”, a relação que se forma entre pessoa e o animal (de estimação) é baseada na afetividade, no apreço, no amor, na ternura, na afeição, no carinho, na benquerença.

Juridicamente, contudo, conforme o conjunto normativo vigente no país, o laço de afeto para com um animal de estimação não tem o condão de transformar a afetividade para com o pet em uma relação pessoal/familiar, tampouco de equipará-lo a membro da família a fim de aproximá-lo da categoria sujeito de direito/pessoa.

No sistema jurídico vigente no Brasil, o animal de estimação, por mais afeto que possa merecer e receber, não equivale ao ser humano, sujeito de direitos, com personalidade, estando enquadrado na categoria de bem.

Enquanto os animais silvestres são definidos como bens de uso comum do povo e bens públicos (art. 225 da Constituição Federal e arts. 98 e 99 do Código Civil), os domésticos são considerados bens móveis/coisas, conforme está no do art. 82 do Código Civil: “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”.

É precisamente nesse contexto que o ordenamento jurídico pátrio insere os animais de estimação, não havendo em relação a esses omissão legislativa no que concerne à sua natureza jurídica, tampouco necessidade de se valer de normativo diverso, seja por analogia ou qualquer outro recurso integrativo.

Em que pese os estudiosos do direito civil levantem distinções entre coisas bens, a grande maioria alarga a classificação do Código Civil para considerar os animais como bens semoventes, porém não ousam afastá-los/retirá-los da classificação de bens, motivo pelo qual recebem, na prática, o mesmo tratamento jurídico dos bens móveis propriamente ditos, ainda que o pet se enquadre também na classificação de bem semovente infungível e indivisível, que pela sua qualidade individual, têm um valor especial, não podendo ser substituído por outro sem que isso acarrete uma alteração substancial no seu conteúdo.

Não se pode ignorar haver uma evidente distinção entre os animais de estimação e os demais bens, pois a relação de afeto faz dos animais com os quais o ser humano mantém relacionamento próximo – como, por exemplo, no recesso do recinto da residência – bens especiais que desafiam um tratamento jurídico diferenciado. Entretanto, não se pode negar que tais bens se submetam às regras do direito de propriedade, sempre interpretadas à luz do sujeito do direito, o homem, sendo o animal o objeto da relação.

E isso é assim – não porque o carinho para com um deles, o ser humano ou o animal de estimação, seja ou deva ser considerado um superior ao outro, mais qualificado, ou inferior, menos sofisticado – mas, sim, em razão da configuração essencial da categoria a que cada qual pertence, da inegável diferença que há na própria e singela classificação dos entes, da concreta distinção entre as espécies, afinal, o ser humano nessa relação é o único, juridicamente, sujeito de direito, sendo que o animal, embora bem semovente infungível não assume o papel de sujeito da relação jurídica, mas de objeto.

Tal não significa, todavia, que a sociedade ou o legislador neguem importância ou deixem de dar o devido valor aos animais, inclusive aos de estimação.

Longe disso.

Nessa senda, é necessário estar sensível à evidência de que, diante da intensidade que determinados interesses foram adquirindo nas últimas décadas, no seio das sociedades em geral, também no Brasil o tratamento legal acerca dos animais de estimação tende a receber enfoque mais específico do legislador, tanto é que se constata o trâmite, perante o Legislativo Nacional, de projetos de lei versando sobre as relações com os animais domésticos.

Essa atenção mais específica e pontual, por parte da sociedade brasileira, já aconteceu em relação a diversos outros temas, tendo sido editados normativos inerentes à proteção ao meio ambiente, à infância e juventude, ao consumidor, ao idoso, à tutela da mulher, das cidades, do patrimônio histórico, à regulação dos períodos de pesca (defeso), entre outros.

Ocorre que, mesmo anteriormente à edição de regramentos específicos, inerentes às peculiaridades e singularidades de muitos dos temas antes referidos, os conflitos então submetidos ao Judiciário não ficaram sem solução, pois, via de regra, outros normativos, ainda que gerais, conferiam amparo à adequada deliberação judicial.

Dessa forma, independentemente de considerações, sempre oportunas e bem-vindas acerca do direito comparado, trazidas pelo e. relator, e, ainda que ausente uma legislação especial para lidar com os fatos ora submetidos ao juízo, inviável dizer exista lacuna no sistema jurídico interno, de tal modo a exigir, para equiparação a modelos alienígenas, o emprego da analogia de sorte a solucionar a presente lide, pois existem regras gerais no direito interno que disciplinam a temática.

Nesse ponto, portanto, diverge-se do e. relator no que afirma não se mostrar “suficiente o regramento jurídico dos bens para resolver, satisfatoriamente, tal disputa familiar nos tempos atuais, como se tratasse de simples discussão atinente a posse e propriedade“.

De outro lado, também não se comunga do respeitável entendimento lançado pelo alicerçado voto divergente da Ministra Isabel Gallotti, porquanto, como já afirmado, a pretensão deduzida em juízo encontra respaldo no âmbito do Direito das Coisas.

Aqui, repisa-se uma vez mais, embora se trate de conflito no qual ambos os contendores, ex-companheiros, desejam manter o vínculo com o animal de estimação, cuidando-o, alimentando-o, perfectibilizando o afeto que por ele nutrem, não há como integrar essa lide ao Direito de Família, isto é, dispender em relação ao pet idêntico tratamento dado à “guarda compartilhada de filhos”.

Também não basta para a solução do conflito seja simplesmente determinada a venda do bem e a consequente partilha do quantum apurado, de modo a solucionar a problemática, tal como ocorre em diversas lides submetidas ao Judiciário, quando em jogo pendências sobre bens móveis em geral, mesmo porque, no presente caso, sequer é esse o pedido da inicial.

Assim, a tutela jurisdicional deve considerar o afeto que as partes nutrem pelo pet, e bem assim, os necessários cuidados que esse requer, de modo a concretizar o intento dos litigantes, que se lançam em juízo em busca daquilo que compreendem seja o ideal para o cachorro de estimação. Daí por que tanto o seu bem-estar, bem como o dos litigantes devem ser sopesados.

Nessa esteira, para a efetiva distinção, atribuindo-se tratamento jurídico diverso daquele que se dá aos objetos inanimados, não é necessário retirar os animais das categorias dos bens e situá-los em outra, intermediária, ou mesmo na categoria jurídica das pessoas, como pretendem alguns. (LEAL, Adisson; SANTOS, Victor Macedo. “Decisão comentada – Reflexões sobre a posição jurídica dos animais de estimação perante o direito das famílias: TJRJ”, em Revista IBDFAM Famílias e Sucessões, Vol. 9 (maio/jun.), pp. 159-177, 2015.)

Portanto, levando em consideração as ponderações acima declinadas, afirma-se que é exatamente na disciplina que rege a relação entre o sujeito humano e os bens que o cercam, as coisas com as quais lida, que está situado o tratamento jurídico a ser dispensado ao tema.

Dito isso, repita-se, é incontroverso dos autos o afeto do ex-consorte para com a cadela Kimi, e ainda que tenha constado na escritura pública de dissolução de união estável inexistirem bens a partilhar, foi ela adquirida na constância da sociedade conjugal. Confira-se, por oportuno, o trecho do acórdão recorrido no ponto:

Pois bem, diante de tais fundamentos, passa-se a examinar a pretensão do apelante. No caso dos autos, na ausência de impugnação específica na contestação (v. fls. 88/95), restou incontroversa a afirmação de que a cadela foi adquirida na constância da união estável (v. fls. 2, segundo parágrafo).

Além disso, ficou bem demonstrada a relação de afeto entre o apelante e o animal de estimação (v. fls. 16/29).

Consoante estabelecido no art. 1.725 do Código Civil, “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Na hipótese, conforme consta na escritura de união estável (fls. 14-15), elegeram as partes para reger as relações patrimoniais da união estável as normas similares ao regime da comunhão universal de bens, motivo pelo qual desnecessário perquirir acerca de quem efetivamente adquiriu o animal ou quem consta como proprietário no certificado do pedigree, haja vista que a cadela Kimi, bem semovente infungível e indivisível, é de propriedade de ambos os demandantes, por força do regime de bens estabelecido entre as partes.

Também restou incontroverso nos autos – consoante se depreende da própria contestação ofertada pela ré (trecho a fl. 93), mesmo após a dissolução da união estável ocorrida em 27/07/2011 -, que foi preservado o contato do autor com o animal de estimação, mantido por meio de visitas até o momento no qual a ex-consorte impediu a preservação da convivência, vindo daí o ingresso da ação.

Confira-se o seguinte trecho da contestação:

(…) os e-mails enviados demonstram sem sombra de dúvida que a cadela Kimi era o único elo entre o AUTOR e a RÉ, cujo contato ocorrida através das visitas concedidas por mera liberalidade pela REQUERIDA e isto ocorreu até os idos de 2012. (…)

Assim, ainda que desfeita a sociedade conjugal, o autor continuou a realizar visitas periódicas ao animal de estimação, embora esse permanecesse, por maior tempo, com a ex-companheira, tendo havido, portanto, inegável conduta por parte da ré a denotar que o animal permanecera em mancomunhão, como bem indiviso que é, mantendo-se a copropriedade e na prática uma posse conjunta, exercendo ambos os ex-consortes o uso, o gozo e fruição sobre o bem, com vistas à manutenção não só vínculo afetivo para com o animal, mas também, o dever de cuidar, guardar e conservar, deveres esses que são inerentes à propriedade, ainda que de bens semoventes.

A copropriedade ocorre quando o mesmo bem pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes, sendo obrigado a concorrer com as despesas para a sua conservação e preservação, inclusive suportando os ônus a que estiver sujeito.

Em se tratando de coisas indivisas, pertinente a lição doutrinária de Maria Helena Diniz:

Concede-se a cada consorte uma cota ideal qualitativamente igual da coisa e não uma parcela material desta; por conseguinte, todos os condôminos têm direitos qualitativamente iguais sobre a totalidade da coisa, sofrendo limitação na proporção quantitativa em que concorrem com os outros comunheiros na titularidade sobre o conjunto. Deveras, as cotas-partes são qualitativa e não quantitativamente iguais, pois, sob esse prisma, a titularidade dos consortes é suscetível de variação. Só dessa forma é que se poderia justificar a coexistência de vários direitos sobre um mesmo bem. (Dicionário Jurídico, 2ª edição, 2005, Editora Saraiva) – grifos nossos.

Como visto, nos termos dos artigos 1.314 e 1.315 do Código Civil, a copropriedade exercida sobre o bem semovente não necessita ser quantitativamente proporcional, ou seja, mediante o estabelecimento de quantidade de dias precisos sobre os quais terá cada qual dos sujeitos o direito de exercer a posse/guarda, mas sim que sejam os direitos qualitativamente proporcionais sobre a totalidade do bem, viabilizando que a posse/guarda e estabelecimento do vínculo afetivo sejam exercidos por ambos os ex-consortes.

Nessa medida, sendo desnecessária a aplicação por analogia do instituto da guarda compartilhada no caso concreto, em virtude de existir no ordenamento jurídico pátrio ditame legal atinente ao Direito das Coisas – aplicação do instituto da copropriedade – para a solução da contenda, deve ser mantido o entendimento do Tribunal a quo que estabeleceu as diretrizes para esse exercício, bem delineando a distribuição – qualitativa – dos comunheiros sobre o animal, conforme deliberado às fls. 164-165 do acórdão recorrido.

Deve ser afastado, contudo, o tratamento dado por aquela Corte, alusivo ao instituto da guarda e do direito de visita no âmbito familiar, aplicando-se ao caso concreto o ditame da copropriedade e terminologia pertinente (uso, gozo, fruição e reivindicação).

Portanto, em que pese lastrado em fundamentação diversa daquela adotada pelo Tribunal de origem, o comando da deliberação por ele adotada fica preservado, com as ressalvas acima declinadas.

4. Dispositivo

Por essa razão, com a devida vênia da divergência e por fundamentação diversa da estabelecida pelo e. relator, nego provimento ao recurso especial, mantendo a solução conferida pela Corte local acerca da divisão qualitativa da copropriedade sobre o bem semovente.

Em virtude do ditame contido no art. 85, § 11, do NCPC, majoro a verba honorária sucumbencial fixada pelo Tribunal de origem (R$ 2.500,00), em R$ 500,00 (quinhentos reais).

É como voto.

VOTO-VENCIDO

O SR. MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO): Senhor Presidente, ouvi com atenção desde a sessão em que o recurso foi colocado em julgamento as posições dos eminentes Ministros Relator, Luis Felipe Salomão, e dos não menos eminentes Ministros Maria Isabel Gallotti e Marco Buzzi, que têm posições diferentes em relação à questão, dando soluções com fundamentação diferente.

O Ministro Salomão aplica analogia para preservar a solução dada pelo Tribunal local, a de destinar ao animal uma espécie de guarda compartilhada. O Ministro Marco Buzzi já adota fundamentação diferente, que por sinal não é aquela constante do debate da causa, mas é uma solução que é buscada a partir da compreensão dessa disputa do animal pela existência de copropriedade. A Ministra Maria Isabel Gallotti vai na esteira da sentença de primeiro grau para julgar improcedente a demanda, entendendo que é incabível a aplicação do direito invocado pela parte, que busca a visita, a guarda compartilhada desse animal.

Em primeiro lugar me parece que realmente não há possibilidade, embora o Ministro Salomão tenha ido buscar em algumas legislações estrangeiras, que chegam a dispor sobre relação do homem com o animal, mas no nosso ordenamento não há essa disposição, não há qualquer regramento que assim autorize, que se determine direito de visita e guarda de um animal no momento da dissolução ou para eleger o comportamento das pessoas que se unem no caso de união estável. Parece-me que realmente não há. E não seria possível a analogia. Inclusive, valho-me de uma constatação do fenômeno da alienação no homem, na sociedade em função do fetiche da coisa.

Mas o que me parece é que essa solução do direito de visita, da guarda compartilhada, além de não encontrar respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, parece-me, é resultado de uma visão, repito, data maxima venia, sem querer refutar qualquer argumento no plano filosófico que Vossa Excelência tenha, qualquer base filosófica ou ideológica que Vossa Excelência pretenda dar, parece-me que há um sentido alienante, algo que decorre não de uma evolução, mas de uma involução, como eu disse, no fetiche em relação à coisa, seja coisa inanimada, sejam os animais, que se percebe em nossa sociedade. Os exageros que se constatam em relação ao trato com animais e inclusive com coisa inanimadas também na nossa sociedade. Isso ocorre. E mais: ainda um outro aspecto que eu gostaria de destacar é que vemos que, na nossa sociedade, sociedade globalizada que tem abrangência mundial, há uma interpenetração muito forte entre o público e o privado que termina descaracterizando um e outro, uma invasão do privado pelo público, e do público pelo privado. Hannah Arendt analisa essa situação com muita propriedade, partindo da concepção de público e privado no direito romano e mostrando como hoje realmente há essa invasão desses campos.

Neste caso concreto, parece-me que a relação, o afeto de uma pessoa com um animal tem que estar e deve estar no âmbito estritamente privado, é algo que tem que se resumir à família, às pessoas, como elas se comportam.

Agora, passando à fundamentação dada pelo Ministro Marco Buzzi de copropriedade, o que me parece é que, no momento em que se desfez a união estável e que se disse que não havia bens a compartilhar, o animal que estava com a mulher é de propriedade única da mulher.

Ele poderia visitá-la. Se a casa que ficou com a mulher é a casa da mulher, o fato de o ex-marido visitar a casa não importa em copropriedade. Do mesmo modo, com tudo que estiver na casa, todos os móveis e também os seres moventes. O animal, Kimi, é da mulher. Se há essa afetividade do homem em relação a esse animal, ele tem que se conformar em visitá-lo e estar com o animal na casa da mulher e não se valer do ordenamento quanto às relações de pais e filhos e relação à guarda e visitas.

Gostaria só de dizer isso, pedindo a máxima vênia aos eminentes Ministros que discordaram da Ministra Gallotti, mas me parece que a solução acertada é essa, que foi dada inicialmente pelo Juiz de primeiro grau e aqui no Tribunal pela Ministra Gallotti. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.713.167 – São Paulo – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 09.10.2018

Fonte: INR Publicações.

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Segue ao Plenário projeto que regula emissão de duplicata eletrônica

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou nesta terça-feira (16) um projeto de lei que regulamenta a duplicata eletrônica. A proposta, aprovada no dia 10 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), segue com urgência para o Plenário do Senado.

O projeto (PLC 73/2018) moderniza o lançamento desse comprovante de crédito, gerado pela venda de mercadorias ou prestação de serviços por uma empresa.

Apresentada na Câmara pelo deputado Julio Lopes (PP-RJ), a proposta estabelece que as informações das duplicatas deverão ser obrigatoriamente registradas em um sistema eletrônico. Entidades autorizadas pelo Banco Central serão responsáveis pelo registro nacional de duplicatas. Elas deverão guardar os títulos, controlar os documentos, formalizar provas de pagamento e fazer a transferência de titularidade. Atualmente, essas informações ficam dispersas. Caberá ao Conselho Monetário Nacional (CMN) fixar as diretrizes para escrituração das duplicatas eletrônicas.

A duplicata em papel não será extinta. Deverá continuar sendo emitida normalmente, especialmente em localidades menos desenvolvidas do país e com mais dificuldades de acesso aos recursos de informática.

Segundo o relator na CAE, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), o projeto  ajudará na redução de fraudes e facilitará a transação desses papéis, o que ajudaria a baixar os juros para empresas. Ele afirmou que há acordo de lideranças para votação no Plenário ainda nesta semana.

— O ganho de segurança e a redução de custos operacionais poderão gerar aumento do acesso ao crédito e a taxas de juros mais baixas para o sistema produtivo e para o comércio, em função da facilidade de emissão e de utilização como garantia e da segurança jurídica adicional proporcionada pelo detalhamento jurídico da duplicata escritural — afirmou Bezerra.

Requisitos

O projeto detalha elementos e requisitos do sistema eletrônico de escrituração, suporte para a emissão da duplicata virtual. Considera título executivo, sujeito a protesto, tanto a duplicata escritural quanto a virtual. Mas exige, para a execução da emitida eletronicamente, que esteja acompanhada dos extratos de registros eletrônicos realizados pelos gestores do sistema.

A proposta também torna nula cláusula contratual que impeça a emissão e a comercialização da duplicata virtual e determina a aplicação subsidiária da Lei 5.474/1968, que regula as duplicatas emitidas em papel, inclusive em assuntos relacionados à apresentação da duplicata para aceite ou recusa e para protesto.

Vantagens

O relatório foi redigido pelo senador Armando Monteiro (PTB-PE), que relatou o texto na CCJ.

Armando cuidou de relacionar, ainda, vantagens da adoção da duplicata virtual. Além de evitar fraude, possível com a emissão de “duplicatas frias” — títulos falsos que não correspondem a uma dívida real e podem ser levados a protesto sem o conhecimento do suposto devedor —, a inovação deve eliminar o registro de dados incorretos sobre valores e devedores.

“Evitar esses fatos representará maior segurança ao ambiente comercial e maior proteção aos cidadãos. Assim, poupa-se o dinheiro e o tempo gastos com ações judiciais visando demonstrar a inexistência do crédito cobrado. Vale lembrar, ainda, que os mais onerados por esse tipo de problema são as pequenas e as médias empresas, que não dispõem de departamentos jurídicos e, portanto, têm maior dificuldade para lidar com tais eventos”, afirmou no parecer.

Armando acredita haver potencial de empréstimos usando esse instrumento de crédito da ordem de 5,3% do produto interno bruto (PIB) — ou de R$ 347 bilhões —, “desde que se criem as condições para se ampliar a segurança e agilidade nas transações desses títulos”.

Emenda

Todas as emendas foram rejeitadas. Entre elas, uma do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) que buscava tornar restrita a consulta ao nome de devedores inadimplentes e aos protestos realizados. Segundo Flexa, a alteração visaria garantir ao cidadão o acesso livre e gratuito a todas as informações referentes a sua situação de adimplência ou inadimplência.

— A emenda tem como único objetivo proteger o cidadão. Da forma como está redigido o projeto, qualquer cidadão pode chegar na rede mundial de computadores e acessar se algum cidadão tem uma inadimplência bancária ou comercial. Ou seja, vai tornar aberta para todo mundo a vida da pessoa — disse o senador, que votou contra a redação aprovada pela CAE.

Bezerra reconheceu o mérito da emenda, mas afirmou que a preocupação de Flexa poderá ser resolvida por meio de uma norma do Banco Central.

Fonte: Agência Senado | 16/10/2018.

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