Registro civil – Pretendida supressão de patronímico adotado pelo autor em razão de seu matrimônio – Inadmissibilidade – Acréscimo levado a efeito por ato voluntário

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1056590-78.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MAURICIO DE PALMA NUNES BARTAH, é apelado JUÍZO DA COMARCA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores PAULO ALCIDES (Presidente sem voto), RODOLFO PELLIZARI E VITO GUGLIELMI.

São Paulo, 10 de agosto de 2018.

Ana Maria Baldy

Relator

Assinatura Eletrônica

Apelação nº 1056590-78.2017.8.26.0100

Apelante : Mauricio de Palma Nunes Bartah

Advogada : Elizete Maria Bartah (Fls: 06)

Apelado : Juízo da Comarca

Comarca: São Paulo

Voto nº 04253

REGISTRO CIVIL. Pretendida supressão de patronímico adotado pelo autor em razão de seu matrimônio. Inadmissibilidade. Acréscimo levado a efeito por ato voluntário. Inviabilidade da alteração fora dos casos legais e no curso da sociedade conjugal. Ausência de justificativa plausível de seu requerimento. Alegação genérica de dificuldade na sua atuação empresarial que não pode ser acolhida, sobretudo quando arguida após 13 anos da adoção do patronímico. Admissão como sócio na empresa ocorrida após o matrimônio. Erro ao fazer constar no contrato social seu nome de solteiro. Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO.

Trata-se de ação de retificação de registro civil proposta por MAURICIO DE PALMA NUNES BARTAH, pretendendo a exclusão de seu nome BARTAH, adquirido de sua mulher por ocasião de seu casamento em 21.04.2005, porque o sobrenome estaria trazendo embaraços à sua vida profissional.

O Ministério Público opinou favoravelmente à possibilidade de supressão do nome, desse que produzidas provas que justificassem a retificação (fls. 67/68).

Sobreveio a r. sentença de fls. 74/75, que julgou improcedente o pedido, vez que não provada a legitimidade dos motivos do autor para a subtração de um de seus nomes, julgando o feito extinto, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Irresignado apela o autor, objetivando a reforma do julgado, sustentando que as justificativas para retificação de seu nome foram demonstradas, em consonância com a sua vontade e a de sua esposa, bem como que a pretendida modificação não causará prejuízo alheio ou dúvidas quanto a sua identidade. Aduz que a retificação do seu assento não traz risco de lesão a interesse de terceiros e que há concordância do representante do Ministério Público, que apenas por cautela requereu a produção de provas.

Afirma que apenas pretende retirar o nome que acrescentou, que não mudará sua personalidade, pois, mesmo após o casamento, continuou a usar o nome de solteiro, sendo que nenhum de seus documentos pessoais ou o contrato social em que figura como empresário sofreram alterações para se incluir o nome de casado (fls. 82/92).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do apelo (fls. 100/102).

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

Cuida-se de pedido judicial de retificação de registro civil ajuizado com o objetivo de ver suprimido do nome do autor o patronímico “BARTAH”, voluntariamente adotado quando de seu matrimônio com sua atual cônjuge.

A regra do artigo 57 da Lei nº 6.015/73[1] dispõe que o nome é definitivo, somente podendo ser alterado de maneira motivada e excepcionalmente.

Todavia, não há qualquer elemento nos autos a justificar a procedência da demanda. Observa-se que, conquanto possível a substituição do prenome ou até mesmo o acréscimo de patronímicos, quando ocorrer erro de grafia ou exposição de seu portador ao ridículo, homonímia, além de casos específicos e peculiares, como o casamento, a separação, a adoção e o reconhecimento de filho, a pretensão dos apelantes esbarra no princípio da imutabilidade ou inalterabilidade do nome (Rubens Limongi França, “Do Nome Civil das Pessoas Naturais”, Ed. RT, 1958, p. 251; Adriano de Cupis, “Os Direitos da Personalidade”, Ed. Romana Jurídica, 2004, p. 183).

O princípio inserto na lei visa à preservação do nome, pois, como bem ressalta a doutrina de CARLOS ROBERTO GONÇALVES (in Direito Civil Brasileiro, vol. 1, p. 168):

“(..) o direito ao nome é espécie dos direitos da personalidade, pertencente ao gênero do direito à integridade moral, pois todo indivíduo tem o direito à identidade pessoa, de ser reconhecido em sociedade por denominação própria. Tem ele caráter absoluto e produz efeito erga omnes, pois todos têm o dever de respeitá-lo. Dele deflui para o titular a prerrogativa de reivindicá-lo, quando lhe é negado (…)”

A assertiva é aplicável ao patronímico assumido pelo nubente por ocasião do casamento e, eventuais modificações, devem ser devidamente fundamentadas.

Na hipótese, tem-se que a autor, por ocasião do matrimônio em 09/05/2005 com sua atual cônjuge, ELIZETE MARIA BARTAH (fls. 12), adotou o patronímico “BARTAH”, passando a chamar-se MAURICIO DE PALMA NUNES BARTAH, nome que, segundo alega, vem lhe trazendo dificuldades e dispêndio material em sua vida empresarial. Consigne-se que o patronímico que é objeto do pedido de supressão fora adotado por decorrência de ato voluntário do autor que, no momento de seu matrimônio, houve por livre e conscientemente optar pelo acréscimo, nos termos do § 1º do artigo 1.565 do Código Civil de 2002[2].

Ressalte-se que não há alegações de qualquer vício de vontade ou consentimento nessa opção. Ao exercer a faculdade legal de identificar-se com a nova entidade familiar, uma vez que ainda subsiste a sociedade conjugal constituída, não se admite a alteração por mera conveniência da parte.

A justificativa apresentada para a supressão não merece prosperar, a uma porque buscada apenas depois de passados mais de 13 anos da adoção do sobrenome com o casamento e, a duas, porque a própria forma de atuação empresarial do autor torna inverossímil a ocorrência das dificuldades somente pelo fato de ter que comprovar que é casado.

Verifica-se que ele foi admitido em 05/03/2007 como sócio na empresa que já pertencia à sua cônjuge, e que não há prova de que tenha havido “embaraços” pelo uso do sobrenome no exercício da sua profissão de empresário. Ao que parece, o autor utiliza-se do nome da pessoa jurídica Mercadofer Indústria e Comércio de Ferragens Ltda. (fls. 13/18) e não seu nome pessoal.

Logo, não há que se falar “que os entraves profissionais revestem-se na constante comprovação de que o mesmo necessita comprovar de que se trata de casado para dar continuidade às suas atividades negociais causando-lhe grande infortúnio e dispêndio material, uma vez que documentos devem ser refeitos; bancos recusam-se a realizar a retificação de seu nome, sendo que o principal motivo é que o mesmo é conhecido no meio empresarial somente por seu nome de solteiro, conforme consta de todos os seus documentos pessoais”.” (fls. 02, 3º parágrafo) ou que “desde o seu casamento nenhum de seus documentos pessoais ou o contrato social em que figura como empresário sofreram alterações para se incluir o nome de casado” (fls. 86, 2º parágrafo), uma vez que tornou-se sócio após o matrimônio e não fez constar o sobrenome adotado, utilizando-se por mera liberalidade, seu nome de solteiro.

Ao que consta, o contrato social é que não reflete a verdade dos fatos, pois o autor, de forma espontânea alterou seu nome, mas omitiu a inclusão do sobrenome da esposa no contrato social da empresa ressalte-se – alterado quase 2 anos após o matrimônio.

O mesmo ocorre com a carteira de motorista emitida em 06/08/2014 (fls. 7) e com o documento de identidade/RG emitido em 05/11/2011 (fls. 10). Assim, não se trata de alterar o nome para acompanhar os documentos e, sim, alterar os documentos que foram emitidos após o acréscimo ocorrido com o casamento realizado há mais de 13 anos.

Na realidade e até pela intransponível dificuldade do autor em justificar, com base em fatos ou circunstâncias concretas, as razões de seu pedido, forçoso concluir-se que se trata de situação de mero arrependimento ou necessidade de adequação do seu nome ao que indicou no contrato social da sua empresa e em seus documentos pessoais, o que nem de longe autoriza a pretendida alteração do nome voluntariamente constituído.

Assim sendo, somente em casos excepcionais e com fundamento justificado e provado, a legislação e a jurisprudência têm permitido a alteração do nome.

E como bem asseverou o D. Promotor de Justiça, em seu parecer de fls. 67/68:

“Assim, o Requerente tem a possibilidade de suprimir seu sobrenome, suprimindo o patronímico aderido com a sociedade conjugal. Porém, fazse necessário produção de provas para justificar o motivo da retificação. Ante o exposto, nos termos do quanto fundamentado, requeiro a oitiva das testemunhas para maior produção de meios probatórios, uma vez que possam a vir demonstrar prejuízos a terceiros.”  grifei

Desta forma, verificando que nas razões da apelação não há qualquer elemento novo, capaz de alterar o entendimento manifestado em primeiro grau, forçoso concluir pela manutenção do r. sentença.

Nesse sentido:

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Pretendida a supressão de patronímico adotado pela autora em razão do matrimônio. Inadmissibilidade. Ato voluntário. Inviabilidade da alteração fora dos casos legais. Não comprovação da justificativa de seu requerimento. Alegação genérica de dificuldade na sua atuação empresarial. Requerimento após quatro anos da adoção do patronímico. Precedentes desta Corte. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação 1087067-21.2016.8.26.0100; Relator (a): Beretta da Silveira; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível  2ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 29/08/2017; Data de Registro: 29/08/2017)

REGISTRO CIVIL. RETIFICAÇÃO. PRETENDIDA SUPRESSÃO DE PATRONÍMICO ADOTADO PELO REQUERENTE EM RAZÃO DE SEU MATRIMÔNIO. INADMISSIBILIDADE. ACRÉSCIMO LEVADO A EFEITO POR ATO VOLUNTÁRIO. INVIABILIDADE DA ALTERAÇÃO FORA DOS CASOS LEGAIS E NO CURSO DA SOCIEDADE CONJUGAL. HIPÓTESE, OUTROSSIM, EM QUE SEQUER COMPROVOU OU MESMO INDICOU O REQUERENTE, DE FORMA ESPECÍFICA E CONCRETA, A JUSTIFICATIVA DE SEU REQUERIMENTO. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE DIFICULDADE NA SUA ATUAÇÃO EMPRESARIAL QUE NÃO PODE SER ACOLHIDA, SOBRETUDO QUANDO FORMULADO O REQUERIMENTO APÓS QUATRO ANOS DA ADOÇÃO DO PATRONÍMICO. PRECEDENTES DO TJSP. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO IMPROVIDO. (TJSP; Apelação 0035734-55.2013.8.26.0002; Relator (a): Vito Guglielmi; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II  Santo Amaro  4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/10/2014; Data de Registro: 16/10/2014).

“APELAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ASSENTO DE CASAMENTO. Pleito deduzido por mulher casada com vistas à supressão do sobrenome de seu marido e acréscimo do sobrenome de seu genitor, tal qual era seu nome de solteira. Improcedência, carreando à autora o pagamento das custas e despesas processuais, ressalvada a gratuidade. Apelo da autora enfatizando ser conhecida no meio social pelo nome de solteira e contar, em seu pleito, com a anuência do próprio marido. Ausência de justificativa plausível para exclusão do sobrenome do marido, adotado quando do casamento. Hipótese não autorizada por lei. Sentença mantida. Negado provimento ao recurso.”(v.17018). (TJSP; Apelação 0000944-84.2013.8.26.0280; Relator (a): Viviani Nicolau; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itariri – Vara Única; Data do Julgamento: 11/11/2014; Data de Registro: 12/11/2014)

“Apelação. Retificação de registro civil. Assento de casamento. Pretendida exclusão do sobrenome “Machado” advindo do marido. Permanência no estado de casada. Hipótese não autorizada pela lei, pois não existe erro de grafia, tampouco o nome a expõe a qualquer tipo de dificuldade ou constrangimento. Sentença de parcial procedência mantida. Recurso não provido.” (TJSP, Apelação Cível nº. 0004055-27.2011.8.26.0416, Panorama, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. João Carlos Saletti, j. 11.02.2014)

“Retificação de Registro Civil. Pedido de supressão de patronímico do cônjuge após matrimônio. Sentença de improcedência. Alteração do nome que é medida excepcional. Artigo 57 da Lei 6.015/73. Adoção do sobrenome da esposa por livre arbítrio. Situação de fato não identificada com as exceções legais a ensejar a alteração. Apelação desprovida.” (TJSP, Apelação Cível nº. 0003204-59.2010.8.26.0242, Igarapava, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. João Pazine Neto, j. 06.08.2013)

“Retificação de Registro Civil  Assentamento de Casamento  Pedido de supressão do patronímico da mulher pelo marido  Alegação de erro na lavratura do registro  Não ocorrência  Requerente que optou livremente pela adoção do patronímico da mulher que não permite alteração apenas por mero arrependimento  Principio da inalterabilidade do nome  Aplicação do artigo 57 da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973  Recurso desprovido.” (TJSP, Apelação Cível nº. 0003965-32.2012.8.26.0368, Monte Alto, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Carlos Henrique Miguel Trevisan, j. 18.04.2013)

“Retificação de Registro Civil (Assento de Casamento)  Improcedência  Pedido de retificação que busca a supressão do patronímico do cônjuge  Inadmissibilidade  Opção exercida quando da celebração do casamento (art. 1.565, § 1º, do Código Civil)  Exclusão do referido patronímico somente nas hipóteses previstas no art. 1.571, § 2º, do mesmo diploma legal  Ausência ainda de quaisquer situações excepcionais previstas nos artigos 56, 57 e 58 da Lei 6.015/73 (redação dada pela Lei 9.708/98)  Alegadas desavenças com a família do cônjuge não autorizam a retificação pretendida  Precedentes  Sentença mantida – Recurso improvido.” (TJSP, Apelação Cível nº. 0015860-35.2010.8.26.0020, São Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Mendes Pereira, j. 17.10.2012)

“Retificação de registro civil Alteração de nome Pretendida exclusão do patronímico do marido Inadmissibilidade Princípio da imutabilidade do nome civil Danos não efetivamente demonstrados Improcedência Mantida Apelo Desprovido” (TJSP, Apelação Cível nº. 0279785-18.2009.8.26.0000, Piracicaba, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Dimas Carneiro, j. 24.03.2010)

De qualquer modo, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial, considero pré-questionada toda matéria infraconstitucional e constitucional, observando o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, tratando-se de pré-questionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida (EDROMS 18205 / SP, Ministro FELIX FISCHER, DJ 08.05.2006 p. 240).

Do exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

ANA MARIA BALDY

Relatora

Notas:

[1] Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009).

[2] Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§ 1º Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1056590-78.2017.8.26.0100 – São Paulo – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Ana Maria Baldy – DJ 16.08.2018

Fonte: INR Publicações.

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Apelação Cível – Ação declaratória – ISSQN – Serviço notarial e de registro – 1) Responsabilidade tributária – Sucessão – Impossibilidade – Ausência de responsabilidade do novo tabelião pelos tributos devidos em período anterior à posse no cargo – Delegação assumida mediante concurso público, de forma originária

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 4004569-35.2013.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante/apelada JANAINA ISA COLOMBO VANTINI e Recorrente JUIZO EX OFFÍCIO, é apelado/apelante PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARUJA.

ACORDAM, em 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos recursos. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SILVA RUSSO (Presidente sem voto), RAUL DE FELICE E ERBETTA FILHO.

São Paulo, 9 de agosto de 2018.

EUTÁLIO PORTO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 31403

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 4004569-35.2013.8.26.0223

COMARCA: GUARUJÁ

APELANTE/APELADO: JANAINA ISA COLOMBO VANTINI

RECORRENTE: JUIZO EX OFFÍCIO

APELADO/APELANTE: PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARUJA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL  Ação declaratória – ISSQN – Serviço notarial e de registro. 1) Responsabilidade tributária – Sucessão – Impossibilidade – Ausência de responsabilidade do novo tabelião pelos tributos devidos em período anterior à posse no cargo – Delegação assumida mediante concurso público, de forma originária. 2) Base de cálculo – Valor pago a título de emolumentos, excluídos os valores destinados aos órgãos públicos – Não incidência de ISS sobre os repasses oriundos do SINOREG a título de compensação dos atos gratuitos – Inteligência do art. 19, inciso I, “a”, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Recurso da Municipalidade improvido. 3) Honorários advocatícios – Pretendida redistribuição dos ônus de sucumbência – Impossibilidade – Rejeição do pedido principal, embora com acolhimento de pedido subsidiário, que acarreta a sucumbência recíproca das partes – Precedentes do STJ – Recurso da autora improvido. Sentença mantida – Recursos improvidos.

RELATÓRIO

Trata-se de ação declaratória proposta por JANAINA ISA COLOMBO em face da PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARUJÁ objetivando seja reconhecido o direito ao recolhimento do ISS sobre os serviços notariais e de registro público de acordo com o disposto no artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68, a partir de 01/07/2013, data em que assumiu a titularidade da serventia. Requereu, subsidiariamente, que os valores recebidos pelo SINOREG a título de compensação dos atos gratuitos não sejam incluídos na base de cálculo do tributo.

A sentença de fls. 256/262, proferida pelo MM. Juiz Marcelo Machado da Silva, cujo relatório se adota, julgou parcialmente procedente a ação, para declarar a inexigibilidade, em relação à autora, dos valores do ISSQN calculado sobre as verbas recebidas pela serventia extrajudicial em datas anteriores a 1 de julho de 2013, data em que a autora assumiu a atividade delegada, declarando a inexistência de relação jurídico-tributária por inexistência de sucessão, bem como a inexigibilidade, por parte da ré, dos valores do ISSQN calculado sobre todas as verbas referentes às indenizações recebidas pelo Fundo de Compensação aos Oficiais de Registro Civil para custeio dos serviços gratuitos prestados pela autora. Diante da sucumbência recíproca, foram repartidas as custas e as despesas processuais, e os honorários advocatícios fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), com base no art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, valor que deverá ser atualizado monetariamente até o efetivo pagamento.

Houve embargos de declaração (fls. 264/266), que foram rejeitados às fls. 273/276.

Inconformada, a autora apelou às fls. 278/288, requerendo a reforma da sentença no que tange à distribuição do ônus de sucumbência. Alegou que a sentença acolheu pedido alternativo, devendo a Municipalidade arcar com o pagamento integral das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios. Subsidiariamente, sustentou que sua sucumbência foi mínima, em razão do acolhimento da maior parte de seus pedidos.

Recurso tempestivo e preparado às fls. 289, com contrarrazões às fls. 303/309.

A Municipalidade também apelou às fls. 292/300, requerendo a reforma da sentença. Sustentou a responsabilidade da autora pelas dívidas relativas aos serviços prestados anteriormente, nos termos do art. 133 do CTN. Alegou que os valores repassados pelo SINOREG devem compor a base de cálculo do ISS.

Recurso tempestivo e isento de preparo, com contrarrazões às fls. 310/315.

Este é, em síntese, o relatório.

VOTO

A sentença deve ser mantida.

1) Responsabilidade tributária em período anterior à delegação

De acordo com o que consta do art. 14 da Lei nº 8.935/94, que regulamenta o art. 236 da CF, a delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende da aprovação em concurso público de provas e títulos.

Trata-se, portanto, de delegação por concurso público, cuja titularidade é originária, não se enquadrando nos termos da sucessão na responsabilidade tributária prevista no art. 133 do CTN, que estabelece:

“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.”

Com efeito, na sucessão das empresas, o sucessor assume o ativo e o passivo, incluindo débitos tributários, trabalhistas e previdenciários, decorrente de um negócio jurídico firmado entre o antigo e novo proprietário, com a transferência de todos os elementos que integram a empresa, como capital social, fundo de comércio, ramo da atividade comercial.

Tal situação é diversa da que ocorre com os cartórios extrajudiciais, posto que seus titulares são nomeados através de concurso público, não ocorrendo, por isso, sucessão.

Nesse sentido é o entendimento do STJ, consoante decisão monocrática do Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, que reconheceu que: “a titularidade de uma serventia sempre é adquirida de forma originária ou derivada, através de concurso público de ingresso ou remoção, não podendo, portanto, ser transferida” (REsp 1463734, p. 27/06/2017).

Constou ainda da referida decisão que:

“Entretanto, tenho que as serventias não podem ser consideradas pessoas formais, tal como são a massa falida, a sociedade de fato, o espólio e a herança jacente ou vacante, pois esses entes consubstanciam uma universalidade de bens e direitos, com conteúdo econômico imediato, sendo capazes de contrair direitos e obrigações.

Os cartórios ou serventias, por sua vez, de modo diverso, representam apenas o espaço físico onde é exercida a função pública delegada, compostos de bens pertencentes exclusivamente a cada um de seus titulares, além de documentos públicos que ostentam natureza de arquivo público e, portanto, não comercializáveis.”

De modo que, a despeito do cartório, quanto à sua organização administrativa, constituir uma pessoa jurídica, porém, ele só assume a responsabilidade decorrente de seus atos após assumir a delegação, porque, como menciona a lei, trata-se de uma delegação originária, não podendo se responsabilizar por ato praticado por tabelião anterior, já que não há sucessão.

Esse entendimento de separar a delegação pessoal, que é originária, da administração do cartório enquanto pessoa jurídica é importante para impor limites às responsabilidades e afastar do conceito de sucessão, posto que o novo delegatário, ao assumir a atividade, cria uma pessoa jurídica própria; a sucessão somente existiria se o delegatário anterior transferisse ao atual a pessoa jurídica por ele instituída.

Há, com isso, um caráter dúplice do delegatário, que ao mesmo tempo assume originariamente as atribuições, no entanto, administrativamente assume a administração de um cartório já em funcionamento, mas não pode responder pelos atos anteriores praticados pelo antigo oficial.

A propósito, o art. 21 da Lei nº 8.935/94, que estabelece expressamente que:

“Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços”.

Fica claro, com isso, a ausência de sucessão no tocante às responsabilidades assumidas pelo antigo delegatário, já que a própria lei atribui responsabilidade exclusiva do titular.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar as questões atinentes à responsabilidade trabalhista tem afastado a responsabilidade referente aos contratos firmados pelo titular anterior do Cartório, aplicando os termos do art. 21 da Lei nº 8.935/94, como se verifica dos acórdãos da relatoria dos Des. Sales Rossi e J. B, Paula Lima, lavrados nos seguintes termos:

“AÇÃO REGRESSIVA – Procedência – Ação regressiva ajuizada por Tabelião que respondeu por créditos trabalhistas de funcionário do Cartório referente a período anterior à sua nomeação – cada titular de cartório, ou seu substituto ad hoc é responsável pelos contratos de trabalho que efetiva, não podendo tal ônus ser transferido ao novo titular que assumiu a serventia mediante aprovação em concurso público – inteligência do art.21 da Lei 8.935/94 – Sentença mantida – Recurso improvido”. (AP 0032186-53.2011.8.26.0564, Rel. Salles Rossi, 20ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, julgado em 30/05/2017)

“INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL – Apelante ex-funcionária de Cartório Extrajudicial vinculada ao regime estatutário – Competência da Justiça Estadual – Precedentes deste Eg. Tribunal de Justiça – ILEGITIMIDADE PASSIVA – Serviços notariais e de registro delegados pelo Poder Público – Delegação de caráter originário – Inexistência de obrigatoriedade de assunção dos vínculos e obrigações trabalhistas anteriores à delegação – O titular atual não responde por eventuais créditos trabalhistas dos prepostos da gestão delegada anterior – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO”. (AP 3000214-72.2013.8.26.0619, Rel. J.B. Paula Lima, 10ª Câmara de Direito Privado, 06/10/2015)

2) Da base de cálculo do ISS

No que tange à base de cálculo do tributo, há que se considerar que os serviços prestados pelo tabelião são remunerados pelo usuário por intermédio de taxa, da qual o Estado permite que os agentes delegados retenham diretamente determinada parcela, que se destina a remunerar o serviço prestado por este.

Com efeito, a retribuição pelos serviços prestados pelo notário corresponde somente ao montante residual verificado após a dedução, do valor pago pelo usuário, dos repasses destinados aos órgãos públicos descritos pela Lei.

Nesse sentido, o Colendo Órgão Especial deste Tribunal já decidiu sobre a inconstitucionalidade de legislação municipal que determina a incidência do ISS sobre a receita bruta dos serviços cartorários e notariais, nos seguintes termos:

“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – DÉCIMA QUINTA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO – AÇÃO DECLARATÓRIA – Incidência do ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, a teor da Lei Complementar 116/03 e Lei Municipal 93/03 – Atividade privada – Receita bruta que não pode servir como a grandeza do elemento tributário quantitativo – Base de cálculo do ISS que deve ser, tão-somente, o valor auferido pelo oficial delegatário, daí estando excluídos, por óbvio, os demais encargos a ele não pertencentes – Artigo 236, “caput”, da Constituição Federal – Arguição acolhida, para conferir à Lei Complementar Municipal 93/03, do Município de Santa Fé do Sul, interpretação conforme a Constituição Federal – INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE”. (Arguição de Inconstitucionalidade nº 185.740-2/8-00, Rel. Des. Xavier de Aquino, Comarca de Santa Fé do Sul, j. 26.5.2010).

Isto porque, o artigo 19, da Lei Estadual n° 11.331/02, que dispõe sobre a distribuição dos emolumentos, estabelece em seu inciso I, “a”, que apenas 62,5% são receitas dos notários e registradores.

Note-se que referido dispositivo é expresso em indicar que somente esta parcela, correspondente a 62,5% dos emolumentos pagos pelos usuários, constitui receita dos notários e registradores, redação que vai ao encontro do que dispõe os artigos 6º e 44, respectivamente das Leis Complementares nºs 1065/2003 e 13/2008, a qual refere como base de cálculo do ISS o “preço do serviço, sem quaisquer dedução ao qual se aplicam as alíquotas (…)”.

Quanto à incidência de ISS sobre o valor recebido pelo SINOREG – a título de compensação dos atos gratuitos, verifica-se que mencionado repasse também não pode ser objeto de tributação, não constituindo fato gerador do tributo, nem sua base de cálculo.

Ademais, a jurisprudência desta 15ª Câmara de Direito Público, no julgamento do AI nº 0057633-18.2013.8.26.0000, da Comarca de Jundiaí/SP, cujo voto, de lavra do Des. Silva Russo, dispôs que: “No pertinente aos pagamentos do SINOREG – complementação de renda – os quais, em princípio, não se constituem fato gerador do tributo, nem sua base de cálculo, pois não caracterizaria preço pela remuneração de serviço prestado”.

Dispõe o art. 21 da Lei nº 11.331/02 que: “A arrecadação e os devidos repasses das parcelas de compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e de complementação da receita mínima das serventias deficitárias serão geridos por entidade representativa de notários ou registradores indicada pelo Poder Executivo”.

De sorte que, o repasse recebido pelo SINOREG possui natureza de compensação, não podendo ser considerado como receita auferida pelo delegatário, uma vez que a própria Lei determina no art. 19, inciso I, alínea “d” que 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias.

3) Dos honorários advocatícios

Com efeito, o E. Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que na cumulação alternativa de pedidos o acolhimento de qualquer um deles satisfaz por completo a pretensão do autor, devendo os ônus da sucumbência ser integralmente suportados pelo réu.

Por outro lado, na cumulação subsidiária, os pedidos são formulados em grau de hierarquia, denotando a existência de um pedido principal e outro (ou outros) subsidiário(s). De sorte que, se o pedido principal foi rejeitado, embora acolhido outro de menor importância, os ônus sucumbenciais devem ser suportados por ambas as partes, na proporção do sucumbimento de cada um.

Nesse sentido, o seguinte julgado do E. STJ, cuja ementa segue transcrita:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ART. 289 DO CPC.

CUMULAÇÃO IMPRÓPRIA SUBSIDIÁRIA DE PEDIDOS (CUMULAÇÃO EVENTUAL).

ACOLHIMENTO DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO E REJEIÇÃO DO PRINCIPAL.

SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

(…)

2. Na cumulação alternativa não há hierarquia entre os pedidos, que são excludentes entre si. O acolhimento de qualquer um deles satisfaz por completo a pretensão do autor, que não terá interesse em recorrer da decisão que escolheu uma dentre outras alternativas igualmente possíveis e satisfativas. Se não há interesse recursal, conclui-se que os ônus da sucumbência devem ser integralmente suportados pelo réu.

3. Já na cumulação subsidiária, como é o caso dos autos, os pedidos são formulados em grau de hierarquia, denotando a existência de um pedido principal e outro (ou outros) subsidiário(s). Assim, se o pedido principal foi rejeitado, embora acolhido outro de menor importância, surge para o autor o interesse em recorrer da decisão.

Se há a possibilidade de recurso, é evidente que o autor sucumbiu de parte de sua pretensão, devendo os ônus sucumbenciais serem suportados por ambas as partes, na proporção do sucumbimento de cada um.

(…)

6. A orientação consagrada no aresto paradigma, na linha dos precedentes desta Corte, não traz o inconveniente. Havendo a rejeição do pedido principal e o acolhimento de outro subsidiário, estará configurada a mútua sucumbência, podendo o juiz, no caso concreto e com recurso ao juízo de equidade, atribuir os ônus sucumbenciais integralmente ao réu, quando reconhecer a sucumbência mínima do autor naqueles casos em que há parcial equivalência entre os pedidos principal e subsidiário.

7. Embargos de divergência providos.

(EREsp 616.918/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/08/2010, DJe 23/08/2010)

No caso dos autos, a autora formulou dois pedidos: 1) que fosse reconhecido seu direito ao recolhimento de ISS sob a forma de trabalho pessoal, ou seja, com base em valores fixos, a partir de 01/07/2013; 2) “Caso ainda este não seja o entendimento de Vossa Excelência”, que fosse reconhecido que os valores recebidos pelo SINOREG devem ser excluídos da base de cálculo do tributo.

Verifica-se, destarte, que a autora estabeleceu ordem de preferência entre os pedidos, de sorte que a rejeição do pedido principal (recolhimento do ISS por valor fixo) e o acolhimento do pedido subsidiário (que os valores recebidos pelo SINOREG sejam excluídos da base de cálculo do tributo) caracteriza a sucumbência recíproca, como bem fixado pelo MM. Juiz a quo.

Face ao exposto, nega-se provimento aos recursos, nos termos do acórdão.

EUTÁLIO PORTO

Relator

(assinado digitalmente)

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 4004569-35.2013.8.26.0223 – Guarujá – 15ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Eutálio Porto – DJ 16.08.2018

Fonte: INR Publicações.

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