CSM/SP: Registro de Imóveis – Usufruto – Indicação de pessoas distintas para que se sucedam, uma após a morte da outra, como usufrutárias com exclusividade – Direito personalíssimo que não pode ser alienado ou transferido a terceiro – Hipótese que não se confunde com direito de acrescer – Registro negado – Recurso não provido.


  
 

Apelação nº 1002147-49.2017.8.26.0369

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002147-49.2017.8.26.0369
Comarca: MONTE APRAZÍVEL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1002147-49.2017.8.26.0369

Registro: 2018.0000557172

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1002147-49.2017.8.26.0369, da Comarca de Monte Aprazível, em que são partes é apelante OTAVIO LUIZ GOMES BARCA, é apelado CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MONTE APRAZÍVEL/SP.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Negaram provimento e mantiveram a recusa do registro, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 24 de julho de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1002147-49.2017.8.26.0369

Apelante: Otavio Luiz Gomes Barca

Apelado: Cartório de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Monte Aprazível/SP

VOTO Nº 37.487

Registro de Imóveis – Usufruto – Indicação de pessoas distintas para que se sucedam, uma após a morte da outra, como usufrutárias com exclusividade – Direito personalíssimo que não pode ser alienado ou transferido a terceiro – Hipótese que não se confunde com direito de acrescer – Registro negado – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que julgou procedente dúvida inversamente suscitada em razão da recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Monte Aprazível e negou o registro, na matrícula nº 15.087, de usufruto que foi instituído em favor do apelante, de forma sucessiva, para vigorar somente depois da morte da usufrutuária anterior.

O apelante sustenta, em suma, que o imóvel foi de propriedade de sua genitora que o doou aos netos com reserva de usufruto. Disse que na escritura pública de doação constou que após a morte de sua genitora, que era a usufrutuária original, o usufruto passaria a vigorar em seu favor, de forma integral e automática, sendo, portanto, beneficiário sucessivo desse direito real. Aduziu que deve ser considerada a real vontade da instituidora do usufruto, como previsto no art. 112 do Código Civil. Asseverou que o direito de acrescer e de instituição de beneficiários sucessivos é reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência e encontra amparo no art. 1.411 do Código Civil. Afirmou que a escritura pública de instituição do usufruto constitui ato jurídico perfeito e gera direito adquirido e que a não admissão do registro pretendido retira a validade da doação em que previsto o benefício. Requereu a reforma da r. sentença para que seja promovido o registro do usufruto ou, subsidiariamente, a anulação da doação do imóvel.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 97/101).

É o relatório.

Anoto, inicialmente, que o título para o registro do usufruto é a escritura pública de doação reproduzida às fls. 27/31 que não tem prenotação válida porque, conforme a nota de devolução reproduzida às fls. 35, o prazo de validade do protocolo decorreu em 10 de julho de 2017, ao passo que a presente dúvida inversa somente foi suscitada em 14 de setembro de 2017 (fls. 01).

Contudo, diante da impossibilidade do registro pretendido, mostra-se desnecessária a conversão do julgamento em diligência para novo protocolo do título.

Pela escritura pública de fls. 27/31 Waldomira Joaquina de Santiago doou para seus netos, Luis e Ana, o imóvel objeto da matrícula nº 15.087 do Registro de Imóveis de Monte Aprazível, com reserva de usufruto vitalício em seu favor (fls. 28).

Além disso, a doadora dispôs que depois de sua morte o usufruto passaria a ter o apelante como único beneficiário, de forma sucessiva, constando da escritura:

1º) – QUE, a outorgante doadora, em cumprimento ao art. 548, do Código Civil Brasileiro, quer e determina, mesmo tendo eles renda suficiente para a garantia de sua subsistência, que dita doação seja feita com reserva de USUFRUTO VITALÍCIO, a favor da mesma e por ocasião de sua morte, dito usufruto, passará integralmente e automaticamente, ao pai dos donatários, Sr. OTÁVIO LUIZ GOMES BARCA, retro nomeado e qualifica e quando da morte de ambos, obedecerá a sucessão que está inserida no contexto da imposição das cláusulas restritivas de direito, ora imposta (03 gerações), prédeterminando o aludido usufruto como sucessivo (exercício dos donatários)…” (fls. 28).

O usufruto constituído em favor da doadora foi registrado na matrícula do imóvel, bem como foi averbado seu cancelamento em razão da morte da usufrutuária (fls. 33).

Ocorre que o usufruto constitui direito personalíssimo do usufrutuário que não pode vende-lo (art. 1.393 do Código Civil), nem transmitir sua titularidade a terceiro.

Em decorrência, não é possível o registro de usufrutos instituídos de forma sucessiva, o primeiro para vigorar em favor da donatária da nua propriedade do imóvel enquanto for viva, e o segundo para vigorar em favor de outra pessoa que apenas passará a ter direito depois da morte da usufrutuária anterior. Nesse sentido:

No que tange à primeira característica, o usufruto configura direito real estabelecido em benefício de um indivíduo, que não poderá ser substituído em sua posição jurídica, pelo caráter personalíssimo do direito a ele conferido (San Tiago Dantas, Programa, p. 345). ‘Constituído para o favorecimento de determinado beneficiário, não tolera o usufruto substituições’ (Gustavo Tepedino, Usufruto, p. 23). Para críticas à excessiva restrição promovida pelo CC à alienabilidade do usufruto, v. Comentários ao art. 1.393, infra. Evidencia-se, assim, o caráter alimentar do usufruto e sua finalidade precípua, qual seja, a de garantir os meios de subsistência à pessoa do usufrutuário (Darcy Bessone, Direitos Reais, p. 349)” (Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, Código Civil interpretadoconforme a Constituição da República, Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 801/802).

A vedação à alienação do usufruto não é afastada pela vontade da doadora e usufrutuária original porque decorre de norma cogente, ou de ordem pública, não se convalesce em prol de interesse privado (arts. 606, parágrafo único, e 2.035, parágrafo único, ambos do Código Civil):

A inalienabilidade do usufruto não tem nenhuma incompatibilidade com a extinção por consolidação. O que proíbe a norma cogente é que o direito real de usufruto sobreviva sob a titularidade de terceiro, porque é personalíssimo do usufrutuário” (Francisco Eduardo Loureiro, in Código Civil Comentado, 9º ed., Coord. Min. Cezar Peluso, Manole, Barueri, 2015, p. 1.373).

A proibição de constituição de usufrutos sucessivos, cada um para vigorar após a morte do usufrutuário anterior, não se confunde com o direito de acrescer previsto em favor de usufrutuários simultâneos, pois neste caso se cuida de um só direito real de usufruto que se extingue, por completo, com a morte do último usufrutuário:

Art. 1.411. Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente“.

A escritura pública em que prevista a sua instituição, por seu turno, não é suficiente para constituir o usufruto desde logo, pois a constituição desse direito real sobre imóvel depende do registro do título aquisitivo no Registro de Imóveis, como previsto no art. 1.391 do Código Civil:

Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis“.

Em razão disso, não há direito real constituído em favor do apelante que, em decorrência, não goza de direito adquirido ao usufruto.

Por fim, o presente procedimento não é adequado para o pedido de anulação da doação realizada em favor dos atuais proprietários do imóvel porque não se configura, neste caso concreto, nulidade de pleno direito do registro (art. 214 da Lei nº 6.015/73) e porque, para essa finalidade, é indispensável o recurso às vias ordinárias, com uso de ação contenciosa a ser movida contra todos os legitimados para agir.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 17.08.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações | 17/08/2018.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.