TJ/PE: Ministro Humberto Martins visita Corregedoria Geral da Justiça

O ministro Humberto Martins, que assumirá como corregedor nacional da Justiça no final do mês, esteve, no último dia 2 de agosto, em visita de cortesia à CGJ-PE. Recebido pelo desembargador Fernando Cerqueira, corregedor geral da Justiça de Pernambuco, ele teve oportunidade de conhecer as instalações da Corregedoria e foi apresentado ao SiCor – o sistema de informações da Corregedoria.

Também estiveram no encontro o presidente do Conselho Superior da Escola de Direito Notarial e de Registro (ENNOR) e da Confederação Nacional de Notários e Registradores (CNR), Rogério Bacellar, o juiz Márcio Evangelista, juiz auxiliar da Corregedoria do CNJ, os juízes assessores especiais da CGJ Fernanda Chuahy e Honório Gomes, e os juízes corregedores auxiliares Paulo Victor Vasconcelos, Sônia Stamford, Marcus Vinicius Torres, Janduhy Finizola e Carlos Damião Lessa.

Fonte: TJ/PE | 06/08/2018.

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Recurso Especial – Processual civil e hipoteca – Interesse de agir – Necessidade da intervenção judicial e adequação da medida requerida – Compra e venda com mútuo e pacto adjeto de hipoteca – Pagamento do preço da compra – Extinção da compra e venda – Mutuante – Ajuizamento de execução para a observância de padrões construtivos – Possibilidade

RECURSO ESPECIAL Nº 1.400.607 – RS (2013/0286960-0)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : HABITASUL CRÉDITO IMOBILIÁRIO S/A

ADVOGADO : LUIS CLÁUDIO BARBOSA E OUTRO(S)  RS051219

RECORRIDO : LUIS ANTÔNIO AVILA NUNES

ADVOGADO : RICARDO EHRENSPERGER RAMOS  RS049266

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E HIPOTECA. INTERESSE DE AGIR. NECESSIDADE DA INTERVENÇÃO JUDICIAL E ADEQUAÇÃO DA MEDIDA REQUERIDA. COMPRA E VENDA COM MÚTUO E PACTO ADJETO DE HIPOTECA. PAGAMENTO DO PREÇO DA COMPRA. EXTINÇÃO DA COMPRA E VENDA. MUTUANTE. AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO PARA A OBSERVÂNCIA DE PADRÕES CONSTRUTIVOS. POSSIBILIDADE.

1. O interesse de agir deve ser verificado em tese e de acordo com as alegações do autor no pedido, sendo necessário verificar apenas a necessidade da intervenção judicial e a adequação da medida jurisdicional requerida, de acordo com os fatos narrados na inicial. (REsp 1.349.453/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe 2/2/2015)

2. A hipoteca é direito real de garantia por meio do qual o devedor permanece com o domínio e posse, mas, em caso de inadimplência ou perecimento da coisa, o credor tem a faculdade de promover a venda judicial do bem, recebendo o produto até o valor total do crédito, com preferência.

3. Foram firmados dois pactos: um de mútuo, entre a instituição financeira integrante do SFH e aquele que adquire o imóvel; e outro de compra e venda, entre o proprietário inicial do imóvel e o comprador. Uma vez pago o preço da compra com o produto do mútuo e investido o comprador no domínio do imóvel adquirido, extingue-se a relação contratual atinente à compra e venda, restando apenas a mantida entre o mutuante e o mutuário.

4. Como o contrato de compra e venda e mútuo com pacto adjeto de hipoteca prevê a observância a padrões construtivos desrespeitados pelo mutuário, e a função da hipoteca é assegurar e garantir ao credor o pagamento da dívida, vinculando o bem dado em garantia à sua satisfação, ressai nítido o interesse do credor hipotecário em não ver, ao arrepio do pactuado, depreciado o bem que consubstancia a garantia real de seu crédito.

5. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

Brasília (DF), 17 de maio de 2018(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Luis Antônio Avila Nunes opôs embargos à execução de obrigação de não fazer movida por Habitasul Crédito Imobiliário S.A. Afirma que a exequente não tem legitimidade ativa para promover a execução, pois firmou contrato de compra e venda com pacto adjeto de hipoteca com a sociedade empresária Guerino S.A., responsável pelo loteamento. Assevera que não há também interesse de agir da embargada, pois a relação entre as partes é apenas fruto do mútuo havido para o pagamento da compra do imóvel, resolvendo-se pelo pagamento do preço ajustado no contrato.

Expõe não haver “como se negar que o referido contrato é taxativo, estabelecendo a utilização de alvenaria nas fachadas externas”. Todavia a demolição vindicada na execução é medida exagerada e desproporcional.

Pondera que, conforme o cronograma de obras que instrui os embargos, as reformas de revestimento e reboco das paredes externas, necessárias para a regularização da construção, levariam 90 dias  mesmo prazo conferido pelo Juízo para a demolição requerida, que “poria a baixo” sua residência.

Afirma que a casa de madeira construída no terreno “foi devidamente aprovada e licenciada junto aos órgãos competentes da Prefeitura”.

O Juízo da 2º Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, observando ter sido demonstrado que a casa é de construção mista (alvenaria e madeira), julgou improcedente o pedido formulado na exordial.

Interpôs o embargante apelação para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que deu provimento ao recurso.

A decisão tem a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. O credor hipotecário somente possui legitimidade para alegar descumprimentos contratuais relativos àquilo que lhe toca na contratação. No caso, não há falar em legitimidade ativa da parte ora embargada para propor execução em que alegado desalinho com os parâmetros construtivos do loteamento. Extinção da execução que se impõe. ACOLHERAM A PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Sobreveio recurso especial da demandada, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas c, da Constituição Federal, sustentando violação aos arts. 3º e 267, VI, do CPC/1973 e 8º da Lei n. 4.380/1964.

Afirma que a questão que traz a debate refere-se, exclusivamente, à legitimidade do agente financeiro para fiscalizar as obras para moradia, e que os arts. 3º e 267, VI, do CPC/1973 devem ser interpretados conjuntamente com o art. 8º da Lei n. 4.380/1964, a revelar o interesse da Casa Bancária no tocante à observância do padrão construtivo na área em que está investindo.

Pondera que atua na relação jurídica material como integrante ativa do Sistema Financeiro da Habitação  destinando a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia  e que o adquirente de moradia deveria respeitar os padrões construtivos para a área, conforme expresso no contrato de que participaram as partes litigantes.

Assevera não carecer de legitimidade, por ser nítido seu interesse em velar e fiscalizar as construções, de modo a evitar que as unidades não sejam desvalorizadas, pois o desrespeito aos padrões construtivos do empreendimento contratualmente estabelecido resulta em perda de valor de mercado das unidades habitacionais, afetando de forma direta os seus interesses como credora hipotecária.

Não houve oferecimento de contrarrazões.

O recurso especial foi admitido.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A questão controvertida consiste em saber se o credor hipotecário – que participou da avença de compra e venda de imóvel e mútuo feneratício com pacto adjeto de hipoteca  tem interesse de agir para propor ação em face do mutuário visando ao cumprimento de cláusula contratual que determina a observância aos padrões construtivos do loteamento.

Para melhor compreensão da controvérsia, a sentença, no que não infirmada pelo acórdão recorrido, anotou:

É notório  e portanto dispensa prova  vem sendo a embargada demandada em ações de indenização, por adquirentes de lotes do empreendimento, que sustentam a desvalorização do seu imóvel ante a não observância dos padrões de edificação ajustados.

Ademais, trata-se de obrigação decorrente de contrato celebrado entre a embargada e embargante. Daí, pois, a legitimidade da primeira para promover a execução da obrigação contratual.

No mérito, o próprio embargante admite o não atendimento à especificação, situação confirmada pela testemunha ouvida à fl. 73, pelo que cabível a adoção de providências pela embargada, através do ajuizamento da demanda executória.

O acórdão recorrido, por seu turno, dispôs:

Mostra-se impositivo o acolhimento da preliminar suscitada pelo embargante, visto que latente a ilegitimidade ativa da parte ora embargada para propor a execução em apenso.

Isso porque o instrumento de compra e venda foi pactuado entre o embargante e a Guerino S/A Construções e Incorporações, figurando a exequente apenas como credora hipotecária (fls. 10-13v.).

Nesta linha, evidente que a Habitasul somente possui legitimidade para discutir eventuais descumprimentos contratuais relativos à garantia, situação que inocorre na hipótese em exame, visto que o descumprimento alegado é o apontado desalinho da construção em relação aos parâmetros impostos pelo loteamento.

Assim, não incumbe à credora hipotecária alegar eventuais descumprimentos do anexo ao contrato (fl. 16), porquanto a sua legitimidade é restrita tão-somente àquilo que o contrato lhe toca, devendo, por consequência, ser extinta a execução.

Quanto ao tema, mostra-se ilustrativa a transcrição de parte do voto de lavra da Desª. Liege Puricelli Pires, quando do julgamento da apelação nº 70045902954, porquanto retrata hipótese similar à presente:

“(…) a presença da Habitasul, na qualidade de credora hipotecária, não lhe atribuiu legitimidade para responder pela demanda, relativa à resolução contratual, própria entre as partes como alienante e adquirente.”

3. Não parece pertinente adentrar, neste momento, na discussão doutrinária sobre a subsistência ou não da categoria “condições da ação” como gênero de que são espécies a legitimidade ad causam e o interesse (que, segundo Fredie Didier Jr., subsumir-se-iam, após o CPC de 2015, à categoria dos “pressupostos processuais”), mas a verdade é que tais requisitos de admissibilidade são imprescindíveis para qualquer postulação em juízo, tais como o ajuizamento da demanda, a apresentação da respectiva defesa, a interposição de recurso e a suscitação de incidentes processuais.

A legitimidade ad causam , neste passo, refere-se ao elemento subjetivo da demanda. Cuida-se da “pertinência subjetiva da ação”, assim definida na doutrina:

Parte legítima é aquela que se encontra em posição processual (autor ou réu) coincidente com a situação legitimadora, “decorrente de certa previsão legal, relativamente àquela pessoa e perante o respectivo objeto litigioso” .

Para exemplificar: se alguém pretende obter uma indenização de outrem, é necessário que o autor seja aquele que está na posição jurídica de vantagem e o réu seja o titular, ao menos em tese, do dever de indenizar.

Essa noção revela os principais aspectos da legitimidade ad causam : a) trata-se de uma situação jurídica regulada pela lei (“situação legitimante”; “esquemas abstratos”, “modelo ideal”, nas expressões normalmente usadas na doutrina); b) é qualidade jurídica que se refere a ambas as partes do processo (autor e réu); c) afere-se diante do objeto litigioso, a relação jurídica substancial deduzida  “toda legitimidade baseia-se em regras de direito material” , embora se examine à luz da situação afirmada no instrumento da demanda.

A legitimidade ad causam é bilateral, pois o autor está legitimado para propor ação em face daquele réu, e não em face de outro. “Pode-se dizer, no que tange à legitimidade do réu, que não constitui ela normalmente uma legitimidade autônoma e desvinculada daquela do autor. Ambos são legitimados quando inseridos na mesma relação jurídico-processual emergente da pretensão. Da mesma forma, serão ambos carentes de legitimidade quando um deles estiver alheio a tal relação” . (DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 386-387)

Por sua vez, o interesse de agir consiste em requisito processual a ser identificado pelo binômio necessidade-utilidade. Desse modo, o autor, na inicial, deve demonstrar a necessidade da tutela jurisdicional para a obtenção do bem da vida pretendido, bem como a aptidão concreta do pedido formulado para melhorar sua situação fática.

De fato, o que caracteriza mesmo o interesse de agir é o binômio necessidade-adequação. Assim, é preciso que, a partir do acionamento do Poder Judiciário, se possa extrair algum resultado útil e, mais, que, em cada caso concreto, a prestação jurisdicional solicitada seja necessária e adequada (MARCATO, Antonio Carlos. Código de processo civil interpretado. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 813).

Nesse diapasão, conclui-se que o interesse de agir deve ser verificado em tese e de acordo com as alegações do autor no pedido, sendo necessário verificar apenas a necessidade da intervenção judicial e a adequação da medida jurisdicional requerida, de acordo com os fatos narrados na inicial. (REsp 1.349.453/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe 2/2/2015)

Sobre o tema, cumpre transcrever, mais uma vez, excerto da obra de Fredie Didier Jr.:

10.4.2. O interesse-utilidade

Há utilidade sempre que o processo puder propiciar ao demandante o resultado favorável pretendido; sempre que o processo puder resultar em algum proveito ao demandante.

A providência jurisdicional reputa-se útil na medida em que, “por sua natureza, verdadeiramente se revele  sempre em tese  apta a tutelar, de maneira tão completa quanto possível, a situação jurídica do requerente” . Explica Cândido Dinamarco: “Sem antever no provimento pretendido a capacidade de oferecer essa espécie de vantagem a quem o postula, nega-se a ordem jurídica a emiti-lo e, mais que isso, nega-se a desenvolver aquelas atividades ordinariamente predispostas à sua emissão (processo, procedimento, atividade jurisdicional)” .

É por isso que se afirma, com razão, que há falta de interesse processual quando não mais for possível a obtenção daquele resultado almejado  fala-se em “perda do objeto” da causa. É o que acontece, p. ex., quando o cumprimento da obrigação se deu antes da citação do réu  se o adimplemento se deu após a citação, o caso não é de perda de objeto (falta de interesse), mas de reconhecimento da procedência do pedido (art. 487, III, “a”, CPC).

(…)

10.4.3. O interesse-necessidade e as ações necessárias

O exame da “necessidade da jurisdição” fundamenta-se na premissa de que a jurisdição tem de ser encarada com última forma de solução de conflito.

Esse pensamento só é correto, entretanto, para as situações em que se pretende exercitar, pelo processo, direitos a uma prestação (obrigacionais, reais e personalíssimos), pois há a possibilidade de cumprimento espontâneo da prestação. Perceba-se, ainda, que a pretensão penal somente pode ser exercitada pelo processo. Se não houver meios para a satisfação voluntária, há necessidade de jurisdição.

(…)

Há, no entanto, as chamadas “ações constitutivas necessárias”: são demandas em que se afirma um direito que somente pode ser realizado em juízo, já que o bem da vida ou o estado jurídico que se pretende obter somente pode ser alcançado por intermédio do Poder Judiciário. Por exemplo: a interdição de uma pessoa somente pode ser decretada pelo Poder Judiciário; a ação de interdição é, por isso, uma ação necessária. É o que acontece, ainda, com boa parte das hipóteses de jurisdição voluntária, com as ações de anulação de contrato, falência, rescisória de sentença, etc. Nesses casos, o exame da “necessidade”, para a verificação do interesse, é dispensável, pois está in re ipsa. Nas ações necessárias, há presunção absoluta da necessidade de ir em juízo.

Nas ações “condenatórias” (consideradas como todas aquelas em que se busca a certificação e a efetivação de uma determinada prestação), o autor deve afirmar a existência do fato constitutivo do seu direito (causa ativa), bem como do fato violador desse direito  para a configuração do interesse, basta a afirmação da lesão, pois a verificação de sua existência é questão de mérito. Se se tratar de ação preventiva, anterior à violação, é necessário alegar, além do fato constitutivo do seu direito, a ameaça/risco/perigo de violação a esse direito. (DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 404-407)

De outra parte, é consabido que, no âmbito desta Corte, prevalece a chamada teoria da asserção ou da prospettazione (em contraposição à teoria da apresentação ou da exposição). Sob essa ótica, o exame da legitimidade ad causam e do interesse processual deve ser realizado in status assertionis , ou seja, à luz das afirmações do autor constantes na petição inicial, sem qualquer inferência sobre a veracidade das alegações ou a probabilidade de êxito da pretensão deduzida.

Nesse diapasão, destaca-se a notável lição do saudoso Barbosa Moreira:

É conquista irreversível da moderna ciência do processo a distinção entre o mérito da causa e as chamadas ‘condições da ação’ (rectius: condições do legítimo exercício do direito de ação).

No estádio atual da evolução científica, pode reputar-se descabida qualquer confusão entre juízo de mérito  no qual se declara fundada ou infundada a pretensão do autor, procedente ou improcedente o pedido -, e o juízo preliminar, em que se apura a concorrência daquelas condições, entre as quais se inclui a legitimatio ad causam .

Uma coisa é saber se o autor tem ou não tem, na verdade, o direito que postula; outra, bem diversa, é saber se ele está ou não habilitado a postulá-lo, a obter sobre a matéria o pronunciamento do órgão judicial, em sentido favorável ou desfavorável ao que pretende.

Tal diferenciação não é apenas de ordem doutrinária: consagra-a  e é o que mais importa  o nosso direito positivo. Basta lançar os olhos ao art. 267, VI, do Código de Processo Civil [vide art. 485, VI, do CPC/2015], segundo o qual o processo se extingue, sem julgamento do mérito, “quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual” .

Para que o autor deva ser considerado parte legítima, não tem a menor relevância perquirir-se a efetiva existência do direito que ele alega. Nem será possível, aliás, antepor-se tal investigação ao juízo sobre a presença (ou ausência) do requisito da legitimidade, que é necessariamente, conforme se disse, preliminar. Averbar de ilegítima a parte, por inexistir o alegado direito, é inverter a ordem lógica da atividade cognitiva. A parte pode perfeitamente satisfazer a condição da ‘legitimatio ad causam’ sem que, na realidade, exista o direito, a relação jurídica material. Mais: não há lugar para a verificação dessa inexistência senão depois que se reconheceu a legitimidade da parte; só o pedido de parte legítima é que pode, eventualmente, ser repelido no mérito, isto é, julgado improcedente.

O exame da legitimidade pois – como o de qualquer das ‘condições da ação -, tem de ser feito com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se ao julgador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui a ‘res in judicium deducta’. Significa isso que o órgão judicial, ao apreciar a legitimidade das partes, considera tal relação jurídica ‘in statu assertionis’, ou seja, à vista do que se afirmou. Tem ele de raciocinar como quem admita, por hipótese, e em caráter provisório, a veracidade da narrativa, deixando para a ocasião própria (o juízo de mérito) a respectiva apuração, ante os elementos de convicção ministrado pela atividade instrutória.

Nada disso, aliás, representa novidade. Sob a vigência do Código anterior, e até em data mais recuada, já se sublinhava em sede doutrinária a necessidade de respeitar-se a sistemática acima descrita. Em clássica monografia, publicada pela primeira vez em 1939, prelecionava, com a clareza de sempre, MACHADO GUIMARÃES: “Deve o juiz, aceitando provisoriamente as afirmações feitas pelo autor  ‘si vera sint exposita’  apreciar preliminarmente as condições da ação, julgando, na ausência de uma delas, o autor carecedor de ação; só em seguida apreciará o mérito principal  isto é, a procedência ou a improcedência da ação” (A instância e a relação processual, in Estudos de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro-S. Paulo, 1969, pág. 73).

A lição foi reiterada pelo inesquecível processualista, em trabalho referente à Carência de ação, onde recordava o ensinamento de LIEBMAN, contido em conferência que o mestre peninsular pronunciou quando de sua estada em nosso País, ‘verbis’: “… todo problema, quer de interesse processual, quer de legitimação ad causam, deve ser proposto e resolvido admitindo-se, provisoriamente e em via hipotética, que as afirmações do autor sejam verdadeiras; só nesta base é que se pode discutir e resolver a questão pura da legitimação ou do interesse” (in Carência de ação, publicada conjuntamente com Limites Objetivos do Recurso de Apelação, Rio de Janeiro, 1961, pág. 19). (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Artigo “Legitimação para agir. Indeferimento de petição inicial.” Temas de direito processual . São Paulo: Saraiva, 1977, p. 199/201) (grifei)

Ademais, no tocante ao interesse de agir, como bem asseverou o Ministro Roberto Barroso, em sede de julgamento com repercussão, no RE n. 631.240, trata-se de “uma condição da ação essencialmente ligada aos princípios da economicidade e da eficiência. Partindo-se da premissa de que os recursos públicos são escassos, o que se traduz em limitações na estrutura e na força de trabalho do Poder Judiciário, é preciso racionalizar a demanda, de modo a não permitir o prosseguimento de processos que, de plano, revelam-se inúteis, inadequados ou desnecessários. Do contrário, o acúmulo de ações inviáveis poderia comprometer o bom funcionamento do sistema judiciário, inviabilizando a tutela efetiva das pretensões idôneas”.

Na mesma toada, foi o entendimento perfilhado pela Terceira Turma, por ocasião do Julgamento do REsp 1.431.244/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, quando Sua Excelência pontuou que a verificação da adequação, da necessidade e da utilidade relaciona-se à possibilidade de o provimento jurisdicional pleiteado pelo autor ser capaz de lhe conferir um benefício. Note-se o que fora alinhavado naquele precedente:

I. Das condições da ação

As condições da ação ingressaram no ordenamento jurídico nacional por influência de Enrico Tulio Liebman, que as definiu como requisitos de ordem processual que devem estar presentes para que seja examinado o mérito de um determinado processo.

Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, as condições da ação correspondem a “questões prejudiciais de ordem processual ”–, que devem ser averiguadas, pela teoria da asserção, conforme o exercício concreto do direito de agir na formulação da petição inicial, pois não podem se confundir com a resolução do mérito da causa.

O interesse de agir é uma dessas questões prejudiciais de ordem processual reconhecidas pelo Direito Processual Civil e previstas nos arts. 3º do CPC/73 e 17 do CPC/2015. Refere-se à necessidade, utilidade e adequação do provimento jurisdicional pleiteado para amparar, em um juízo abstrato, a pretensão deduzida no processo.

A verificação da adequação, da necessidade e da utilidade relaciona-se à possibilidade de o provimento jurisdicional pleiteado pelo autor ser capaz de lhe conferir um benefício. Esse benefício só pode ser alcançado com o exame de uma situação de fato que possa ser corrigida por meio da pretensão de direito material citada na petição inicial.

Em outras palavras, só é útil, necessária e adequada a tutela jurisdicional se o provimento de mérito requerido for apto, em tese, a corrigir a situação de fato mencionada na inicial, entendimento corroborado pelas doutrinas de José Frederico Marques e de Vicente Greco Filho.

A menção à situação de fato, por sua vez, remete-se à adoção, pelo direito processual brasileiro, da teoria da substanciação, segundo a qual apenas os fatos vinculam o julgador.

Diante disso, por aplicação da teoria da substanciação, ao examinar o interesse de agir, o julgador deverá verificar se os fatos se correlacionam logicamente com a pretensão de direito material deduzida na inicial; ou seja, se a pretensão de direito material tem aptidão para solucionar a questão de fato objeto de controvérsia.

4. A hipoteca é direito real de garantia por meio do qual o devedor permanece com o domínio e posse, mas, em caso de inadimplência ou perecimento da coisa, o credor tem a faculdade de promover a venda judicial do bem, recebendo o produto até o valor total do crédito, com preferência. A hipoteca tem característica de indivisibilidade e acessoriedade, e a coisa dada em garantia, embora não suscetível ao pacto comissório, fica sujeita, por vínculo real, a cumprimento da obrigação principal (CHALHUB, Melhim Namem. Direitos reais. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 230-239).

Não obstante, os direitos reais de garantia, segundo remansosa doutrina, incidem sobre o direito de propriedade  e é dele dependente , de modo que permaneça o devedor com suas faculdades limitadas em razão do gravame, e conferem ao credor a pretensão de obter a solução do crédito diretamente sobre o bem garantidor.

Dessarte, a função da hipoteca é assegurar e garantir ao credor pagamento da dívida, vinculando o bem dado em garantia à sua satisfação.

Assim, por um lado, à luz da causa de pedir da execução, não bastasse ressair nítido o interesse do credor hipotecário em não ver, ao arrepio do contrato, depreciado o bem que consubstancia a garantia real de seu crédito, o art. 1.474 do CC estabelece que a hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel.

Por outro lado, o art. 1.425, I, do CC estabelece que a dívida considera-se vencida: se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir.

Com efeito, em sendo imprevisível se a eventual venda do bem imóvel dado em garantia seria suficiente para o pagamento da dívida do executado, data máxima venia, penso que é patente o interesse de agir da exequente, visto que, mesmo com a subsistência do terreno, é mesmo possível a depreciação do bem dado em garantia em vista de ter sido erigido construção incompatível com os padrões estabelecidos para o loteamento.

Outrossim, é bem de ver que os próprios custos da demolição, que terão de ser arcados pelo eventual comprador do bem hipotecado, podem implicar depreciação até mesmo do próprio lote objeto do “contrato particular de compra e venda e mútuo com pacto adjeto de hipoteca” (fl. 9) de que participaram as partes ora litigantes.

Na verdade, o contrato de mútuo foi pactuado para propiciar a aquisição do bem imóvel, tanto é assim que foi constituída como garantia hipotecária contratual pelo executado/embargante.

Com efeito, de modo diverso do entendimento perfilhado pela Corte local, entendo que, em linha de princípio, poderia ser discutível o interesse de agir da vendedora do imóvel, mas jamais da credora hipotecária, uma vez previsto no contrato a obrigação de observância aos padrões construtivos do loteamento.

Ora, no caso, foram firmados dois pactos: um de mútuo, entre a instituição financeira integrante do SFH e aquele que adquire o imóvel; e outro de compra e venda, entre o proprietário inicial do imóvel e o comprador.

Uma vez pago o preço da compra com o produto do mútuo e investido o comprador no domínio do imóvel adquirido, extingue-se a relação contratual atinente à compra e venda, restando apenas a mantida entre o mutuante e o mutuário (ARAGÃO, José Maria. Sistema financeiro da habitação: uma análise sociojurídica da gênese, desenvolvimento e crise do sistema. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 516 e 517).

E tanto é assim que, se o mutuante não recebe os recursos que desembolsou, o vendedor original não terá nenhum prejuízo porque terá recebido à vista o preço do imóvel. É para garantir ao mutuante que ele receberá a totalidade do que lhe é devido, como prescreve o art. 586 do Código Civil, que as partes estabelecem a garantia real hipotecária.

Menciona-se o precedente deste Colegiado, contido no REsp 1.176.000/PR, assim ementado:

PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA, MÚTUO FENERATÍCIO E RESOLUÇÃO CONTRATUAL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. FINANCIAMENTO DE IMÓVEL POR ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. NÃO INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. HÁ DIFERENÇAS SENSÍVEIS E MARCANTES ENTRE AS ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA. EMBORA AMBAS EXERÇAM ATIVIDADE ECONÔMICA, APENAS AS ABERTAS SÃO INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, QUE OPERAM EM REGIME DE MERCADO E PODEM AUFERIR PROVEITO ECONÔMICO. AS ENTIDADES FECHADAS, CONTUDO, POR FORÇA DE LEI, SÃO ORGANIZADAS SOB A FORMA DE FUNDAÇÃO OU SOCIEDADE SIMPLES, SEM FINS LUCRATIVOS, HAVENDO UM CLARO MUTUALISMO ENTRE A COLETIVIDADE INTEGRANTE DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS ADMINISTRADOS POR ESSAS ENTIDADES, QUE SÃO PROTAGONISTAS DA GESTÃO DA ENTIDADE E DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS. ORIENTA A SÚMULA 563/STJ QUE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR É APLICÁVEL ÀS ENTIDADES ABERTAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, NÃO INCIDINDO NOS CONTRATOS PREVIDENCIÁRIOS CELEBRADOS COM ENTIDADES FECHADAS. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE ABUSIVIDADE COM BASE NO CDC E RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, VISTO QUE FIRMADO COM TERCEIRO. O ESTABELECIMENTO DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA” COM A DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PAGAS E DO IMÓVEL, SÓ SERIA ADMISSÍVEL SE, EM VEZ DE MUTUANTE, A ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA RECORRENTE FOSSE A VENDEDORA OU PROMITENTE VENDEDORA DO IMÓVEL.

[…]

5. O contrato de mútuo foi pactuado para propiciar a aquisição do bem imóvel, tendo sido firmados dois contratos: um de mútuo, entre a entidade de previdência privada e aquele que adquire o imóvel e outro, de compra e venda, ou de promessa de compra e venda, entre o proprietário inicial do imóvel e o comprador.

Uma vez pago o preço da compra com o produto do mútuo e investido o comprador no domínio do imóvel adquirido, extingue a relação contratual atinente à compra e venda, restando apenas a mantida entre o mutuante e o mutuário. Se o mutuante não recebe os recursos que desembolsou, o vendedor original não terá nenhum prejuízo porque terá recebido à vista o preço do imóvel; para garantir ao mutuante que ele receberá a totalidade do que lhe é devido, como dispõe o art. 586 do Código Civil, é que as partes estabelecem a garantia real hipotecária. (ARAGÃO, José Maria. Sistema financeiro da habitação: uma análise sociojurídica da gênese, desenvolvimento e crise do sistema. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 516 e 517)

[…]

8. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1176000/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 05/04/2016)

5. Ademais, a título de oportuno registro, a sentença consigna ser notório que a exequente/embargada, ora recorrente, vem sendo demandada em ações de indenização, por adquirentes de lotes do empreendimento, que sustentam a desvalorização do imóvel ante a não observância dos padrões de edificação ajustados, de modo que se faz presente o interesse de agir para o manejo de ação de conhecimento de obrigação de fazer, com esteio nos arts. 186 e 187 do CC.

6. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para dar por superado o entendimento acerca da ausência de interesse de agir da recorrente, anulando o acórdão da apelação, de modo que o Tribunal de origem prossiga no julgamento do apelo.

É o voto.

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.400.607 – Rio Grande do Sul – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 26.06.2018

Fonte: INR Publicações.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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