Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Mora – Consolidação da propriedade em nome da fiduciária – Alegação de que os valores em atraso foram pagos diretamente à credora fiduciária – Pedido de cancelamento da averbação que consolidou a propriedade


  
 

Número do processo: 1012250-49.2017.8.26.0100

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 328

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1012250-49.2017.8.26.0100

(328/2017-E)

Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Mora – Consolidação da propriedade em nome da fiduciária – Alegação de que os valores em atraso foram pagos diretamente à credora fiduciária – Pedido de cancelamento da averbação que consolidou a propriedade – Impossibilidade – Purgação da mora que deve ocorrer no Registro de Imóveis – Inteligência dos artigos 26, §5º, da Lei n° 9.514/97 e 327 do Código Civil – Purgação que, ademais, não foi comunicada pela fiduciária, que requereu a consolidação da propriedade do bem em seu nome – Recurso improvido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto por Tecnisa Engenharia e Comércio Ltda. contra a sentença de fls. 86/89, que impediu o cancelamento da averbação n° 8 da matrícula n° 150.311 do 7º Registro de Imóveis da Capital, na qual foi materializada a consolidação da propriedade do imóvel em nome da recorrente e credora fiduciária.

Sustenta a recorrente que: a) embora fora da Serventia Imobiliária, houve a purgação da mora por parte dos devedores fíduciantes; e b) a jurisprudência admite a purgação da mora até a expedição do auto de arrematação e, por essa razão, o cancelamento da averbação teria o efeito de restituir às partes ao “status quo ante”.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 117/118).

É o relatório.

Opino.

A análise dos autos revela que a recorrente, no ano de 2008, vendeu o imóvel objeto da matrícula n° 150.311 a Agnaldo Faria de Souza e Ligia Rodrigues de Mello Souza (R.05 – fls. 64), concedendo-lhes financiamento, à época, no valor de R$201.263,81. Em garantia do negócio, os compradores alienaram fiduciariamente o imóvel à recorrente (R.06 – fls. 65). Inadimplidas parcelas do financiamento, a recorrente, credora fiduciária, se dirigiu ao 7° Cartório de Registro de Imóveis, que notificou os devedores para purgação da mora. Decorrido “in albis” o prazo para pagamento, a credora fiduciária apresentou requerimento acompanhado do recolhimento do ITBI e foi averbada a consolidação da propriedade do imóvel em nome da recorrente (Av.8 – fls. 65/66).

Alega a recorrente que houve purgação da mora. Todavia, o alegado adimplemento não ocorreu na Serventia Imobiliária, como preceitua o §5º do artigo 26 da Lei n° 9.514/97. Segundo a recorrente, o valor teria sido pago diretamente na sede da empresa.

Baseado nisso, pretende a recorrente a reforma da sentença de primeiro grau, com o cancelamento da averbação que consolidou a propriedade em seu nome.

Sem razão, porém.

O artigo 26 da Lei n° 9.514/97 estabelece o procedimento por meio do qual se dá a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, decorrente da mora do fíduciante.

Em resumo: com a mora, o fiduciário se dirige ao Oficial do Registro de Imóveis da situação do bem, que intima o fiduciante a pagar, em quinze dias, as prestações vencidas e vincendas, além dos encargos decorrentes do atraso (§1° do artigo 26). A partir daí, duas são as situações possíveis: a) efetua-se o pagamento da dívida no Registro de Imóveis, e o contrato de alienação fiduciária convalescerá (§5° do artigo 26); b) o fíduciante permanece inerte, e o Oficial do Registro de Imóveis, à vista da prova do pagamento pelo fiduciário do imposto de transmissão inter vivos, promove a averbação da consolidação da propriedade em nome desse último (§7° do artigo 26).

Na hipótese de consolidação da propriedade, nos moldes do artigo 27 da Lei n° 9.514/97, o fiduciário terá trinta dias para realizar o leilão público do imóvel.

No caso em análise, após a regular intimação dos fíduciantes, a mora teria sido purgada em local diverso do estabelecido em Lei, que textualmente preceitua que o pagamento ocorrerá no Registro de Imóveis[1].

Não houve, portanto, válida purgação da mora.

Com efeito, o art. 327 do Código Civil estabelece que o pagamento – e a purgação da mora aí se inclui – “será efetuado no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias” (grifei). Desse modo, se o artigo 26, §5º, da Lei n° 9.514/97 fixa o Registro de Imóveis como o local adequado para os fiduciantes purgarem a mora, pagamento efetuado em local diverso não terá o condão de cessar os seus efeitos, os quais, na hipótese, resultaram na consolidação da propriedade em nome da fiduciária.

Mas não é só.

A consolidação da propriedade contou com participação ativa da recorrente.

Decorrido o prazo para purgação da mora, a recorrente requereu a consolidação da propriedade fiduciária em seu nome, juntando, inclusive, prova do pagamento do ITBI, em obediência ao §7° do artigo 26 da Lei n° 9.514/97.

Depois disso, houve a averbação da consolidação da propriedade em nome da fiduciária (fls. 65/66).

Uma vez efetuado o pagamento pelos fiduciantes, seria de se esperar que a recorrente, tendo recebido o valor em atraso, comunicasse esse fato ao Oficial Registrador, evitando a consolidação da propriedade em seu nome. Ao invés disso, indicando que a purgação não havia ocorrido, a recorrente não só requereu a consolidação da propriedade em seu nome, como pagou o imposto de transmissão.

Dessa forma, observado todo o procedimento traçado pela Lei n° 9.514/97, a consolidação da propriedade em nome da fiduciária se tornou ato perfeito e acabado, não havendo razão que justifique o cancelamento da averbação.

Repactuada a dívida, resta aos interessados celebrar novo negócio jurídico, com o pagamento de todos os encargos decorrentes desse ato.

E nem se argumente que consolidada a propriedade em nome do fiduciário, em virtude da redação do artigo 27 da Lei n° 9.514/97[2], fica o fiduciante impossibilitado de recuperar o bem. Isso porque o artigo 39 da Lei n° 9.514/97 prescreve que são aplicáveis à alienação fiduciária de coisa imóvel os artigos 29 a 41 do Decreto-lei n° 70/66. Esse, por seu turno, em seu artigo 34, estabelece que “é lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito”. E é justamente essa uma das teses invocada pela recorrente.

Ao contrário do que se sustenta, nada impede que o bem, cuja propriedade se consolidou em nome do fiduciário, não seja levado a leilão e permaneça vinculado ao fiduciante que, anteriormente, não efetuou o pagamento de modo correto. Basta, para isso, que as partes contratantes assim decidam.

Nesses termos, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 12 de setembro de 2017.

Paula Lopes Gomes

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MMª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 13 de setembro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: JUNDIVAL ADALBERTO PIEROBOM SILVEIRA, OAB/SP 55.160.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.09.2017

Decisão reproduzida na página 257 do Classificador II – 2017

Notas:

[1] Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fíduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

(…)

§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária. (grifei)

[2] Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. (grifei)

 

Fonte: INR Publicações.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.