Apelação e Reexame Necessário – Mandado de Segurança – ITCMD – Doação de quotas de capital social – Base de cálculo do tributo – Cálculo que deve recair sobre o valor patrimonial das ações e não o ativo que integra o patrimônio da empresa – Exegese do art. 14, parágrafo 3º, da Lei 10.705/2000


  
 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 1005873-09.2016.8.26.0032, da Comarca de Araçatuba, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados MATOS AGROPECUÁRIA PARTICIPAÇÕES LTDA, FLAVIO AGUIAR PAIVA MATOS, WALDYR RIBEIRO AGUIAR PAIVA MATOS e RAMIRO PEREIRA DE MATOS.

ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos recursos. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores OSCILD DE LIMA JÚNIOR (Presidente) e AROLDO VIOTTI.

São Paulo, 19 de junho de 2018.

MARCELO L THEODÓSIO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

11ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO

APELAÇÃO nº 1005873-09.2016.8.26.0032

APELANTE: ESTADO DE SÃO PAULO

APELADOS: MATOS AGROPECUÁRIA PARTICIPAÇÕES LTDA, FLAVIO AGUIAR PAIVA MATOS, WALDYR RIBEIRO AGUIAR PAIVA MATOS E RAMIRO PEREIRA DE MATOS

INTERESSADOS: DELEGADO REGIONAL TRIBUTÁRIO DE ARAÇATUBA E CHEFE DO POSTO FISCAL / 11 – ARAÇATUBA

COMARCA: ARAÇATUBA

VOTO Nº 12186

Apelação e Reexame Necessário – Mandado de Segurança – ITCMD – Doação de quotas de capital social – Base de cálculo do tributo – Cálculo que deve recair sobre o valor patrimonial das ações e não o ativo que integra o patrimônio da empresa – Exegese do art. 14, parágrafo 3º, da Lei 10.705/2000 – Complementação do recolhimento do referido tributo – Inadmissibilidade – Observância ao princípio da legalidade – Presença do direito líquido e certo – Precedente deste Egrégio Tribunal de Justiça – Sentença de concessão da ordem mantida – Recursos oficial e voluntário improvidos.

Trata-se de mandado de segurança impetrado por MATOS AGROPECUÁRIA PARTICIPAÇÕES LTDA E.OS. contra ato do DELEGADO REGIONAL TRIBUTÁRIO DE ARAÇATUBA e do CHEFE DO POSTO FISCAL DE ARAÇATUBA/SP, alegando que os sócios Eduardo e Arminda efetuaram doação de cotas de capital para os demais sócios (filha e netos), com o recolhimento do ITCMD; todavia, a impetrada cobra a complementação do referido imposto, pois ao invés de tomar como base de cálculo o valor patrimonial das cotas de capital (objeto da doação), passou a arbitrar o valor dos imóveis como se a doação fosse de bem imóvel e não de cota de capital social. Requer a abstenção da autoridade impetrada de efetuar lançamentos tributários diferentes do tributo exigido.

Informações às fls. 269/284, alegando, em síntese, que os impetrantes utilizaram a referida empresa para, na prática, antecipar a legítima dos herdeiros, promovendo a transmissão de cotas representativas do capital social integralizado com utilização de base de cálculo do ITCMD que não corresponde, efetivamente, ao valor de mercado dos bens transmitidos por doação, como exigido na legislação de regência.

Manifestação do Ministério Público às fls. 302/304, declinando do interesse nos autos.

A r. sentença às fls. 306/313 julgou procedente o pedido para conceder a segurança. Anotou o reexame necessário.

Recurso de apelação às fls. 315/318, buscando a reforma do r. julgado e reiterando, em suma, as alegações contidas nas informações. Preliminarmente, suscitou carência da ação por falta de interesse de agir.

Contrarrazões às fls. 321/331, pugnando pela manutenção da r. sentença.

Há o reexame necessário.

É O RELATÓRIO.

Os recursos oficial e voluntário não comportam provimento.

Inicialmente, afasto a preliminar recursal de carência da ação por falta de interesse de agir, tendo em vista a cobrança do ITCMD na esfera administrativa utilizando uma forma de cálculo em que discordam os impetrantes; caracterizando, assim, o interesse processual.

No mérito, melhor sorte não assiste à Fazenda, ora apelante.

Trata-se de mandado de segurança cuja controvérsia resume-se em estabelecer se a base de cálculo do referido tributo há de levar em conta o valor patrimonial das cotas de capital social ou o valor de mercado dos imóveis incorporados à sociedade empresarial.

O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCMD) incide sobre os bens e direitos transmitidos em virtude de falecimento de pessoa física ou por doação, nos termos do artigo 155, inciso I e §1º e incisos, da Constituição Federal:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;”

§ 1.º O imposto previsto no inciso I:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

IV – terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;”

Nesta toada, o ITCMD restou disciplinado pela Lei Estadual Paulista nº 10.705/2000, que assim dispõe em seu artigo 9º quanto a base de cálculo do imposto:

“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).”

No mesmo sentido, dispõe artigo 38 do Código Tributário Nacional, que a base de cálculo do imposto incide sobre o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim entendido seu valor em condições normais de mercado, para pagamento à vista:

“Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.”

Compete, ainda, aos fiscais de renda, aferir a incidência do referido imposto nas transações efetuadas entre os particulares, por força do que dispõe o artigo 29 da Lei Estadual Paulista nº 10.705/2000, in verbis:

“Artigo 29 – Em harmonia com o disposto no artigo anterior, cabe aos Agentes Fiscais de Rendas investigar a existência de heranças e doações sujeitas ao imposto, podendo, para esse fim, solicitar o exame de livros e informações dos cartórios e demais repartições.”

Por outro lado, doação é contrato por meio do qual uma parte assume a obrigação de entregar à outra, a título gratuito, determinado bem, que é por esta aceito. (Senise Lisboa, Roberto, in Manual de Direito Civil, v. 3, 4ª ed. reform., São Paulo, Saraiva). Portanto, é contrato em que uma pessoa, por mera liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

Como é cediço, a incorporação de imóvel ao capital social da empresa, não constitui aquisição econômica por parte do proprietário, por não estar equiparada a ato de comércio ou a cessão de direitos.

Com efeito, no caso em tela, verifica-se que tanto o montante apurado para o recolhimento do ITCMD, como a base de cálculo para a sua incidência, foram devidamente observados pelos impetrantes, ora apelados.

Isto porque a lei de regência do ITCMD é muito clara em relação a base de cálculo do referido imposto no caso de doação de quotas de capital social, no sentido de se considerar o valor patrimonial das quotas e não o valor dos ativos da sociedade, conforme dispõe o artigo 14, § 3º, da Lei 10.705/2000:

“Art. 14 – No caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9º, 10 e 13, a base de cálculo é o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo.

§ 3.º – Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, admitir-se-á o respectivo valor patrimonial.

Observo, por oportuno, que o Banco Central do Brasil assim define o conceito de valor patrimonial de ação: “Valor obtido mediante a divisão do valor do patrimônio líquido pela quantidade de ações ou quotas representativas do capital social integralizado”.

Não se confundem, portanto, o ativo que integra o patrimônio da empresa, com o valor patrimonial de suas ações, de modo que apenas este último é que serve de base de cálculo para incidência do ITCMD.

Noutras palavras, significa dizer que a Fazenda busca a utilização de métodos estranhos para o cômputo da base de cálculo que não se insere naqueles estipulados na letra da lei.

Nesse sentido, é o entendimento deste Egrégio Tribunal de Justiça: “APELAÇÃO CÍVEL – ITCMD – Doação de Ações – Sociedade Anônima – Recolhimento do Imposto – Cálculo que deve recair sobre o valor patrimonial das ações – Inteligência do artigo 14, parágrafo 3º, da Lei n. 10.705/00 – Impossibilidade de alteração da base de cálculo por convenção das partes – Observância do princípio da legalidade” (TJSP, 8ª Câmara de Direito Público Ap. 0002748-59.2013 Rel. Des. Cristina Cotrofe)

Assim, in casu, constata-se a existência do direito líquido e certo dos impetrantes a amparar a impetração do presente mandamus.

É o que deflui dos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, para quem direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meiosjudiciais. (…) Por se exigir situações e fatos comprovados de plano é que não há instrução probatória no mandado de segurança. Há, apenas, uma dilação para informações do impetrado sobre as alegações e provas oferecidas pelo impetrante, com subsequente manifestação do Ministério Público sobre a pretensão do postulante. Fixada a lide nestes termos, advirá a sentença considerando unicamente o direito e os fatos comprovados com a inicial e informações. (…) Vê-se, portanto, que o objeto normal do mandado de segurança é o ato administrativo específico. (Mandado de Segurança, 30ª ed., São Paulo, Malheiros, p. 38/39 e 41).

No mesmo sentido, preleciona André Ramos Tavares que questão de primeira ordem em sede de mandado de segurança, e diretamente conectada à distintividade dessa ação, é a da prova. Trata-se, aqui, como já ficou afirmado anteriormente, de uma das grandes particularidades do instituto, e que o tem tornado, ao longo da História, uma ação de rito célere. Por força da determinação constitucional de que se trate de direito líquido e certo, conforme já foi amplamente desenvolvido acima, não se admite dilação probatória em sede de mandado de segurança. Vedam-se, por força constitucional, (i) a juntada de documentos após o ajuizamento da ação e (ii) o protesto pela produção de provas durante o curso do processo (v.g, audiência para oitiva de testemunhas). O autor da ação deverá estar muito atento para esta particularidade do mandado de segurança. Em determinadas circunstâncias, pois, o uso da via especial do mandado de segurança, apesar de todas as suas facilidades, pode ser altamente desaconselhado, o que deve ser aferido, em cada caso, pelo patrocinador da causa. (Manual do Novo Mandado de Segurança, Rio de Janeiro, Forense, p. 33/34).

Consigne-se que, para fins de prequestionamento, estar o julgado em consonância com os dispositivos legais e constitucionais mencionados nas razões recursais.

Ante o exposto, nego provimento aos recursos oficial e voluntário.

MARCELO L THEODÓSIO

Relator

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1005873-09.2016.8.26.0032 – Araçatuba – 11ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Marcelo L Theodósio – DJ 05.07.2018

Fonte: INR Publicações.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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