CSM/SP: Registro de imóveis – Venda por cerca de 10% do valor venal do imóvel – Escritura lavrada em pequeno município de outra unidade da federação – Instrumento sem indícios de falsidade material – Valor de negócio que não será considerado para o cálculo do ITBI – Limites da qualificação registral – Dúvida improcedente – Recurso provido.


  
 

Apelação nº 1047695-31.2017.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1047695-31.2017.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1047695-31.2017.8.26.0100

Registro: 2018.0000294471

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1047695-31.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante NELSON ALVES DA SILVEIRA NETO, é apelado 7º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso e julgaram improcedente a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de abril de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1047695-31.2017.8.26.0100

Apelante: Nelson Alves da Silveira Neto

Apelado: 7º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 37.302

Registro de imóveis – Venda por cerca de 10% do valor venal do imóvel – Escritura lavrada em pequeno município de outra unidade da federação – Instrumento sem indícios de falsidade material – Valor de negócio que não será considerado para o cálculo do ITBI – Limites da qualificação registral – Dúvida improcedente – Recurso provido.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do 7º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que julgou procedente em parte dúvida suscitada para o fim de manter a recusa a registro de escritura pública de compra e venda de imóvel, lavrada em Avaí do Jacinto/MG, por preço de cerca de 10% do valor venal dos imóveis transmitidos. Considerou ter havido simulação. Afastou, ainda, a exigência de apresentação de CND.

O apelante afirma, em síntese, não caber ao registrador averiguar os motivos que levaram as partes a decidirem qual o preço da compra e venda imobiliária. Refutou a prática de simulação e ponderou que o valor do ITBI teve, como base de cálculo, o valor venal dos bens.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Presentes pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito, o recurso merece provimento.

Todos sabem que a qualificação registral é considerada atribuição fundamental e indissociável da atividade do Oficial Imobiliário, com natureza obrigatória, inafastável e vinculada ao princípio da legalidade.

Não por outro motivo, a própria redação do Item 40 do Capítulo XX das Normas de Serviço dispõe que é dever do Registrador proceder ao exame exaustivo do título apresentado.

Por essas razões, a qualificação deve observar os princípios legais e regras administrativas aplicáveis, mas limitada ao âmbito registral, não podendo ultrapassar tais limites, sob pena de ingresso indevido do Oficial nos elementos intrínsecos do título apresentado.

E isso não pode ocorrer, por melhores que sejam as intenções do diligente Oficial Registrador.

À luz do art. 167, §1º, II, do Código Civil, a simulação é vício que leva à nulidade do negócio jurídico:

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

(…)

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

Na hipótese dos autos, cuida-se de escritura de compra e venda de três imóveis, transacionados pelo preço total de R$ 107.800,00, quando, ao tempo em que celebrada a contratação, o valor venal dos imóveis perfazia R$ 1.215.299,00.

Além disso, a escritura de compra e venda foi lavrada no Distrito de Avaí do Jacinto, no Estado de Minas Gerais, pese ambos os contratantes serem domiciliados nesta cidade de São Paulo, em que também estão situados todos os imóveis transacionados.

Contudo, a verdade é que não há óbice legal à escolha do local em que a escritura será lavrada.

Muito embora chegue a causar espécie a escolha de tabelionato situado em pequeno e distante distrito de cidade igualmente pequena, em Minas Gerais, também não se pode concluir que tal conduta represente pura e simplesmente simulação.

Fosse assim, entraríamos no perigoso terreno das presunções de má-fé das partes, pelo exercício regular de um direito, que é o de escolha da circunscrição onde será lavrado o ato notarial, instrumento do negócio jurídico realizado.

E assim o fazendo, o segundo passo seria o questionamento quanto ao tamanho do município para fins de presunção de fraude, se a cidade não for tão pequena, ou se não for tão grande, presumir-se-ia ou não a má-fé.

Da mesma forma, o valor irrisório declarado pelas partes, apesar de também ser inverossímil, também dependeria de outros elementos a serem apurados em ação própria, movida por qualquer prejudicado, caso haja algum.

Esse diminuto valor sequer representaria prejuízo ao erário, uma vez que a base de cálculo do ITBI não será o valor de declaração, mas o valor venal dos imóveis.

Frise-se ser da essência da simulação a conduta praticada em conluio, em ardil, e que, pois, demandará ação própria, de natureza jurisdicional, com contraditório e ampla defesa, o que não é possível seja feito na esfera administrativa, sob pena de invasão na livre declaração de vontade das partes.

A Lei n° 6.015/73, no que diz respeito à hipótese em exame, trata das nulidades dos registros nos art. 214 e 216:

Art. 214 – As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.

§ 1o A nulidade será decretada depois de ouvidos os atingidos. Art. 216 – O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução

Ocorre que, nos termos do art. 252 da Lei n° 6.015/73, o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, seja provado que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.

Não existe qualquer informação quanto a indícios de falsidade material, ou mesmo ideológica, mas sim a presunção de negócio simulado com base em fatos intrínsecos levados em conta no momento da qualificação.

As hipóteses legais de nulidades a serem declaradas no próprio registro de imóveis são restritas, valendo a releitura do art. 214 da Lei n° 6.015/73, que reserva essa possibilidade somente para nulidades cujo exame se verifique no próprio registro, desligadas do título que lhe deu origem. Noutros termos, apenas para nulidades de pleno direito, como, por exemplo, ofensa à territorialidade, prioridade, continuidade, legalidade, especialidade etc.

O próprio art. 250 da Lei de Registros Públicos admite outra hipótese, prevista em seu inciso IV, mas que somente é aplicável aos casos em que a declaração administrativa da rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso de imóvel rural tiver sido feita para fins de regularização fundiária, que não se confunde com a hipótese aqui tratada.

Também existe previsão do referido cancelamento diretamente no registro imobiliário para a hipótese do art. 1° da Lei n° 6.739/79, que dispõe que, a requerimento de pessoa jurídica de direito público ao Corregedor-Geral da Justiça, são declarados inexistentes e cancelados a matrícula e o registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito, ou feitos em desacordo com o art. 221 da Lei de Registros Públicos.

Para a hipótese aqui tratada, de fato, é necessária eventual propositura de ação jurisdicional, com o devido contraditório e ampla defesa, a fim de que seja declarada a nulidade do título e de seu respectivo registro, se for o caso, com base em vício intrínseco, o que, deveras, demanda análise casuística.

Por fim, a matéria relativa à exigência da CND foi bem tratada na r. sentença, afastando o referido óbice, conforme reiterados precedentes deste Eg. Conselho Superior da Magistratura, devendo ser confirmado neste ponto.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso e julgo improcedente a dúvida.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 05.07.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações | 05/07/2018.

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