CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de Arrematação – Título judicial que não escapa à qualificação registral – Forma derivada de aquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade – Cancelamento objetivado, com a finalidade de possibilitar a inscrição do título, que não comporta exame na via administrativa – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

Apelação nº 1061979-44.2017.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1061979-44.2017.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1061979-44.2017.8.26.0100

Registro: 2018.0000296544

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1061979-44.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante MARIA BENEDITA DE FARIA, é requerido 16º OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de abril de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1061979-44.2017.8.26.0100

Apelante: Maria Benedita de Faria

Requerido: 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

VOTO Nº 37.349

Registro de imóveis – Carta de Arrematação – Título judicial que não escapa à qualificação registral – Forma derivada de aquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade – Cancelamento objetivado, com a finalidade de possibilitar a inscrição do título, que não comporta exame na via administrativa – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

Inconformada com a r. sentença que confirmou o juízo negativo de qualificação registral [1]MARIA BENEDITA DE FARIA interpôs apelação [2] objetivando o registro da carta de arrematação expedida em seu favor nos autos do processo nº 0019266-53.2003.8.26.0006, que tramitou perante a 1ª Vara Cível do Foro Regional VI – Penha de França, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 107.124 junto ao 16º Cartório de Registro de Imóveis da Capital. Alega, em síntese, que o imóvel foi penhorado em 04 de maio de 2009 e que, na qualidade de credora hipotecária, a Caixa Econômica Federal foi regularmente intimada a respeito em 28 de dezembro de 2009. Sustenta que a questão relativa à preferência do crédito hipotecário foi amplamente discutida e definitivamente decidida naquele feito, ficando afastada a pretensão da Caixa Econômica Federal. Acrescenta que a penhora deferida na ação de cobrança de condomínio é anterior à adjudicação do imóvel pela credora hipotecária que, assim, deve ser cancelada para consequente registro da carta de arrematação devolvida pela Oficial do 16º Cartório de Imóveis da Capital.

Apesar de devidamente intimada, a credora hipotecária deixou de ofertar contrarrazões de apelação [3].

A fls. 122/123 foi noticiado o óbito da apelante, com requerimento de ingresso do espólio nos autos, representado por Leonardo de Faria.

A Procuradoria Geral da Justiça, em seu parecer, opinou pelo não provimento da apelação [4].

É o relatório.

Desde logo, ante o comprovado falecimento da apelante (fls. 125), defiro o ingresso de seu espólio nos autos, como requerido (CPC, art. 110). Anote-se.

A parte interessada, não se conformando com as exigências formuladas pelo registrador, suscitou dúvida inversa [5], criação pretoriana historicamente admitida por este C. Conselho Superior da Magistratura [6] e regrada pelas NSCGJ [7]. Ou seja, ao invés de requerer a suscitação de dúvida ao Oficial de Registro, dirigiu seu inconformismo diretamente à MM.ª Juíza Corregedora Permanente da 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.

dúvida inversa foi julgada procedente, ficando mantida a negativa de registro da carta de arrematação expedida em favor de Maria Beneditade Faria.

No caso concreto, consta da nota de devolução expedida pela registradora que: “Conforme R-7 na matrícula 107.124, o imóvel foi adjudicado aCaixa Econômica Federal pela Ação de Execução Extrajudicial datada de18/10/2010 e registrada em 19/11/2011″.

Entende a apelante que o óbice apresentado pela registradora deve ser afastado, na medida em que a penhora deferida na ação de cobrança de condomínio é anterior à adjudicação havida em favor da credora hipotecária, bem como porque definitivamente afastada a pretensão da Caixa Econômica Federal nos autos do processo em que o imóvel foi arrematado.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 119, do Capítulo XX, das NSCGJ [8]. Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial [9].

Da análise da Matrícula nº 107.126 do 16º Cartório de Registro de Imóveis da Capital [10], é possível constatar que o apartamento nº 132, localizado no 13º pavimento do “Edifício Los Angeles” – (Edifício 3), integrante do empreendimento denominado “City Park III”, foi adjudicado pela Caixa Econômica Federal, estando atualmente registrado em seu nome.

Ocorre que o imóvel em questão foi arrematado pela parte apelante no bojo de ação de cobrança de condomínio, em fase de cumprimento de sentença, movida contra Carla Cristina Castilho. Como se vê, a devedora, na execução em que havida a arrematação, é pessoa diversa daquela que atualmente figura, perante o fólio real, como titular de domínio do imóvel arrematado.

Nesse cenário, não há como se afastar o óbice apresentado pela registradora, sob pena de se configurar injustificado rompimento na cadeia de sucessão dos titulares do bem. Trata-se de obedecer ao princípio da continuidade registrária, previsto no art. 195 da Lei de Registros Públicos:

“Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome dooutorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do títuloanterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidadedo registro.”

De seu turno, dispõe o art. 237 do mesmo diploma legal:

“Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro quedependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve acontinuidade do registro.”

Sobre o tema, merecem destaque as lições de Afrânio de Carvalho [11] e de Narciso Orlando Neto [12], transcritos na sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente.

A propósito, mister lembrar que a arrematação judicial constitui forma de alienação forçada, que, segundo Araken de Assis, revela negócio jurídico entre o Estado, que detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade do adquirente (“Manual da Execução”. Editora Revista dos Tribunais; 14ª edição; São Paulo. 2012. p. 819). É ato expropriatório por meio do qual “o órgãojudiciário transfere coativamente os bens penhorados do patrimônio do executadopara o credor ou para outra pessoa”.

Não se desconhece que, em data relativamente recente, este C. Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação constituía modo originário de aquisição da propriedade [13]. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário (executado) e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

E se assim é, tratando-se a arrematação judicial de modo derivado de aquisição de propriedade, mantido o vínculo com a situação pretérita do bem, há que ser respeitado o princípio da continuidade. Consoante ensina o magistrado Josué Modesto Passos:

“Diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária” [14].

E, então, enfatiza:

“A arrematação não pode ser considerada um fundamento autônomo do direito que o arrematante adquire. A arrematação é ato que se dá entre o Estado (o juízo) e o maior lançador (arrematante), e não entre o mais lançador (arrematante) e o executado; isso, porém, não exclui que se exija – como de fato se exige -, no suporte fático da arrematação (e, logo, no suporte fático da aquisição imobiliária fundada na arrematação), a existência do direito que, perdido para o executado, é então objeto de disposição em favor do arrematante. Ora, se essa existência do direito anterior está pressuposta e é exigida, então – quod erat demonstrandum – a aquisição é derivada (e não originária)” [15].

No mesmo sentido, é pacífica a atual jurisprudência deste C. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ARREMATAÇÃO – FORMA DERIVADA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE – EXECUTADA QUE NÃO FIGURA COMO PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL NA RESPECTIVA MATRÍCULA – AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – RECURSO DESPROVIDO. [16]

REGISTRO DE IMÓVEIS – ARREMATAÇÃO EM HASTA PÚBLICA – FORMA DERIVADA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE – EXECUTADA QUE NÃO FIGURA COMO PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL NA RESPECTIVA MATRÍCULA – AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – CARTA DE ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL PREVIAMENTE EXPEDIDA EM FAVOR DA EXECUTADA, MAS NÃO LEVADA A REGISTRO, QUE NÃO BASTA PARA PERMITIR EXCEÇÃO À CONTINUIDADE – RECURSO DESPROVIDO [17].

Ressalte-se que, a despeito da alegada anterioridade, a penhora deferida na ação judicial não havia sido registrada na matrícula do imóvel. Além disso, a adjudicação pela atual proprietária do imóvel ocorreu em 18 de outubro de 2010 e foi registrada em 29 de junho de 2011 (R-7/107.124 [18]), ao passo que a apelante arrematou o imóvel em 22 de agosto de 2013 [19], mais de dois anos depois do registro da adjudicação, pois.

Como se vê, a apelante tinha meios de verificar, antes da arrematação, que o imóvel já não mais era de propriedade da executada.

No mais, mister ressaltar a impossibilidade de examinar, no âmbito administrativo, a pertinência de cancelamentos de registro resultante de procedimento de expropriação extrajudicial realizado pela credora hipotecária, devendo a questão ser debatida em sede própria.

Nesse cenário, justifica-se a confirmação da r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente e, portanto, do juízo negativo de qualificação, em atenção ao princípio da continuidade registral.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator


Notas:

[1] Fls. 90/95.

[2] Fls. 102/107.

[3] Certidão a fls. 110.

[4] Fls. 246/249.

[5] Fls. 01/04.

[6] Apelação Cível n.º 23.623-0/1, Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 20.2.1995; Apelação Cível n.º 76.030-0/8, rel. Des. Luís de Macedo, j. 8.3.2001; e Apelação Cível n.º 990.10.261.081-0, rel. Des. Munhoz Soares, j. 14.9.2010.

[7] Item 41.1. do Cap. XX.

[8]119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

[9] Apelação Cível n° 413-6/7; Apelação Cível n° 0003968-52.2014.8.26.0453.

[10] Fls. 18/21.

[11]“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público.” (Registro de Imóveis, 4ª edição, Ed. Forense, 1998, p. 254).

[12]“Existe uma inteiração dos princípios da especialidade e da continuidade na formação da corrente filiatória. Quando se exige a observância da continuidade dos registros, exige-se que ela diga respeito a um determinado imóvel. O titular inscrito, e só ele, transmite um direito sobre um bem específico, perfeitamente individualizado, inconfundível, sobre o qual, de acordo com o registro, exerce o direto transmitido. É por este corolário dos princípios da continuidade e da especialidade, reunidos, que o § 2º do art. 225 da Lei nº 6.015/73 dispõe: “Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.” (Retificação do registro de imóveis, Ed. Juarez de Oliveira, 2ª ed., 1999, p. 67/68).

[13] Apelação Cível n.° 0007969-54.2010.8.26.0604.

[14]PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pp. 111/112.

[15]Op. cit., p. 118.

[16] TJSP; Apelação 1047731-10.2016.8.26.0100; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 29/09/2017; Data de Registro: 16/10/2017.

[17] TJSP; Apelação 1009832-65.2014.8.26.0223; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Guarujá – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/09/2016; Data de Registro: 06/10/2016.

[18] Fls. 20/21.

[19] Fls. 47/49. (DJe de 23.05.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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