A atuação do STJ na garantia dos direitos das pessoas homoafetivas

A possibilidade de reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, a partir do julgamento de um recurso especial pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 25 de outubro de 2011, está entre as principais conquistas jurídicas da comunidade LGBTI (como se designam lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e os que têm outras orientações).

Pouco antes, em maio daquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar duas ações constitucionais, havia decidido que as uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo deveriam ter o mesmo tratamento legal dado àquelas formadas por heteroafetivos.

Em maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução 175, que regulamenta a celebração de casamento civil e a conversão da união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2013 e 2016, foram registrados 19,5 mil casamentos homoafetivos nos cartórios brasileiros, com média de aproximadamente 5 mil por ano, o que representa cerca de 0,5% do total anual de uniões do país.

A jurisprudência do STJ apresenta uma série de julgados que refletem as mudanças da sociedade em relação aos direitos dos homoafetivos e dos transexuais em temas diversos, como a possibilidade de mudança no registro civil e a adoção de crianças.

Casamento

Depois de três anos vivendo juntas, duas mulheres requereram habilitação para se casar em Porto Alegre, mas o pedido foi negado em dois cartórios. Na Justiça, a pretensão também foi indeferida em primeira e segunda instância, ao argumento de que o Código Civil de 2002 só admitia o casamento entre homem e mulher.

Em julgamento histórico concluído em 25 de outubro de 2011, a Quarta Turma do STJ deu provimento ao recurso das mulheres para declarar que nenhum dispositivo do Código Civil veda expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Ao contrário, conforme assinalou o relator, ministro Luis Felipe Salomão, não haveria como enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta aos princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana, do pluralismo e do livre planejamento familiar.

“Se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os arranjos familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes”, disse o ministro.

“Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo ‘democraticamente’ decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão”, acrescentou.

“Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário – e não o Legislativo – que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista à proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos”, concluiu Salomão.

Registro civil

Em maio de 2017, a Quarta Turma do STJ entendeu ser possível a alteração do gênero constante no registro civil de transexual, independentemente da realização de cirurgia de adequação de sexo. A decisão foi resultante do pedido de modificação de prenome e de gênero de transexual que apresentou avaliação psicológica pericial para comprovar sua identificação social como mulher.

Ao pedir a retificação de registro, a autora ressaltou que, mesmo sem ter se submetido à operação de transgenitalização, passou por outras intervenções cirúrgicas e hormonais para adequar a aparência física à realidade psíquica, o que gerou evidente dissonância entre sua imagem e os dados apresentados no assentamento civil.

Em seu voto, o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que o STJ já permitia a alteração de nome e gênero nos registros dos transexuais submetidos a cirurgia de transgenitalização. O ministro assinalou que a extensão desse direito aos que não passaram pelo procedimento cirúrgico representa uma evolução da jurisprudência.

“A citada jurisprudência deve evoluir para alcançar também os transexuais não operados, conferindo-se, assim, a máxima efetividade ao princípio constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hordiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarredável de respeito às diferenças”, afirmou Salomão.

Exposição ao ridículo

A Terceira Turma confirmou o entendimento da Quarta Turma e do STF ao analisar o caso de transexual não submetido à cirurgia de transgenitalização que conseguiu a alteração do prenome por decisão judicial, mas não obteve deferimento para que o gênero fosse alterado para feminino nos documentos.

O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, esclareceu que a Lei de Registros Públicos “não contém norma que autorize a modificação do sexo civil, contendo apenas autorização para se modificar o prenome, nos casos de substituição por apelidos públicos notórios, ou no caso de exposição ao ridículo”.

No entendimento do relator, a discrepância entre o prenome de um determinado gênero e o sexo indicado nos documentos expõe a pessoa ao ridículo, o que enquadra a situação em uma das possibilidades indicadas pela Lei dos Registros Públicos.

Em seu voto, Sanseverino citou precedente de relatoria da ministra Nancy Andrighi sobre a situação dos transexuais. “A relatora também alertou que esse transtorno, segundo a literatura médica, além de causar intenso sofrimento psíquico, pode levar a pessoa a praticar tentativas de automutilação e até mesmo de autoextermínio”, destacou.

Adoção

O STJ também já tomou decisões favoráveis a pessoas homoafetivas em matéria de adoção. A Terceira Turma concluiu que um casal em união homoafetiva há 12 anos apresentou as condições necessárias para permanecer com a guarda de um bebê de dez meses até a finalização do processo regular de adoção.

Em 2016, o bebê, de apenas 17 dias, foi encontrado dentro de uma caixa de papelão em frente à casa da mãe de um dos companheiros. Após acolher a criança, o casal procurou a Polícia Civil para reportar o ocorrido e contratou um detetive particular para descobrir quem era a mãe da criança. Ao ser encontrada, a mãe alegou ter escolhido o casal para cuidar do bebê por não ter condições financeiras de criá-lo.

O relator do processo, ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou a existência nos autos de um relatório da equipe de adoção do Juizado da Infância e Juventude demonstrando que o casal mantinha lar estruturado e apresentava o desejo genuíno de permanecer com a criança de forma definitiva. Além disso, não foi apontada nenhuma das hipóteses de violação dos direitos do menor previstas no artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

“Admitir-se a busca e apreensão de criança, transferindo-a a uma instituição social como o abrigo, sem necessidade alguma, até que se decida em juízo sobre a validade do ato jurídico da adoção, em prejuízo do bem-estar físico e psíquico do infante, com risco de danos irreparáveis à formação de sua personalidade, exatamente na fase em que se encontra mais vulnerável, não encontra amparo em nenhum princípio ou regra de nosso ordenamento”, concluiu o relator.

Limite de idade

Em agosto de 2015, a Terceira Turma analisou recurso do Ministério Público do Paraná (MPPR) que contestava o pedido de habilitação de inscrição para adoção de criança com idade entre três e cinco anos por uma pessoa homoafetiva solteira.

O MPPR alegou que, nas hipóteses de adoção por pessoa homoafetiva, o adotando deveria ter o mínimo de 12 anos de idade para poder manifestar a concordância ou não com a adoção.

O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou que o artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente “não veda a adoção de crianças por solteiros ou casais homoafetivos, tampouco impõe qualquer restrição etária ao adotante nessas hipóteses”.

A Terceira Turma concordou com o posicionamento do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que reconheceu, com base na documentação juntada aos autos, que o interessado na adoção reunia as condições psíquicas, sociais, econômicas, jurídicas, físicas e habitacionais, além da motivação legítima em sua pretensão.

“Não se vislumbra, portanto, nenhum impedimento legal para que o recorrido figure no registro de pessoas interessadas na adoção de crianças e adolescentes, inclusive, sem qualquer restrição etária”, confirmou Villas Bôas Cueva.

Proteção integral

Em março de 2017, a Quarta Turma, em caso semelhante, reforçou o entendimento de que é possível a inscrição de pessoa homoafetiva no cadastro de interessados em adoção de menores de qualquer idade. Na ocasião, a pessoa interessada em adotar buscava uma criança de até três anos. No entanto, o MPPR alegou que o possível adotante deveria ter, pelo menos 12 anos, em atendimento ao princípio da proteção integral.

“A Terceira Turma desta corte já teve a oportunidade de analisar o tema, tendo igualmente decidido, por unanimidade, pela inexistência de previsão legal para a limitação etária pretendida pelo Ministério Público em razão da orientação sexual do candidato a adotante”, explicou o relator do processo, ministro Raul Araújo.

Varas competentes

Ao julgar caso de reconhecimento de dissolução de união estável homoafetiva, em maio de 2013, a Terceira Turma reforçou que não deve existir diferenciação no tratamento das uniões homoafetivas e heteroafetivas, inclusive no que diz respeito às varas competentes.

Segundo o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o caso em análise, de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, seria de competência do juízo cível.

No entanto, a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, concluiu ser o tema de competência da vara de família, em razão da equiparação das uniões estáveis homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas, independentemente das limitações apresentadas no Código de Organização e Divisão Judiciária.

“Se a prerrogativa de vara privativa é outorgada ao extrato heterossexual da população brasileira, para a solução de determinadas lides, também o será à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza”, ressaltou a ministra Nancy Andrighi.

Partilha de bens

Em junho de 2015, a Terceira Turma analisou o pedido de partilha de bens de um ex-casal formado por duas mulheres que viveram juntas por 12 anos. Segundo o relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, os bens adquiridos durante a união deveriam ser partilhados, independentemente da real contribuição de cada uma na construção do patrimônio.

“Nos autos, é incontroverso que as partes tiveram uma relação de parceria por longos anos – 28 de agosto de 1994 a dezembro de 2006 –, não havendo dúvidas de que houve aquisição de patrimônio comum pelo esforço e contribuição de cada uma das conviventes. Mesmo que uma tivesse melhores condições financeiras que a outra, é certo que também esta exercia atividade remuneratória e, evidentemente, dava seu contributo para o bem da relação e formação do patrimônio comum”, ressaltou o relator.

Esse entendimento havia sido adotado previamente, em fevereiro de 2014, quando a Terceira Turma concluiu que o direito à partilha nas uniões homoafetivas não depende da comprovação do esforço comum para a aquisição dos bens. No caso em análise, o reconhecimento da união estável, pelo tribunal de origem, ocorreu após a morte de um dos integrantes do casal.

“Ao assim decidir, o tribunal local se coaduna com a jurisprudência tanto desta corte, como do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a dignidade de uma pessoa não pode ficar atrelada à sua orientação sexual, superando-se toda a carga preconceituosa que recai sobre as relações homossexuais, fato que não pode ser renegado pelo direito”, concluiu o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva.

Os números dos processos não são divulgados em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ | 03/06/2018.

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PB: OAB-PB firma convênio com IEPTB para protesto de sentenças transitadas em julgado

A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paraíba (OAB-PB), e o Instituto de Estudos de Protestos de Títulos do Brasil, Secção Paraíba (IEPTB-PB), assinaram convênio, nessa quinta-feira (24), objetivando viabilizar o encaminhamento de títulos de protesto das Certidões de Divida Ativa (CDAs) no âmbito do Estado, através da Central de Remessa de Arquivos (CRA-PB).

O convênio foi assinado durante solenidade na Associação dos Notários e Registradores da Paraíba (Anoreg-PB) com a presença do presidente da OAB-PB, Paulo Maia, do secretário geral, Assis Almeida, do presidente IEPTB-PB, Germano Carvalho Toscano de Brito, e do tabelião Vinicius Toscano de Brito.

Paulo Maia destaca que o convênio permitirá que o advogado ou advogada realize o protesto das sentenças transitadas em julgado. “Com a entrada do Novo CPC em vigor (Lei 13.105/15) houve a regulamentação efetiva de meios alternativos ao credor para recebimento de créditos, na fase de execução extrajudicial e judicial, consistente na possibilidade de protesto de sentença judicial transitada em julgado e a inclusão do nome do devedor perante os órgãos de proteção ao crédito”, explicou o presidente da OAB-PB.

O artigo 517 do Novo CPC regulamenta a forma como o protesto da sentença judicial transitada em julgado deve ocorrer, ao passo que os artigos 528, parágrafo primeiro, e 782 prevêem a possibilidade de inclusão do nome do devedor perante o cadastro de inadimplentes.

“No tocante ao protesto de sentença judicial transitada em julgado, após esgotado o prazo de pagamento da dívida de 15 dias, bastará que o credor leve a certidão específica de inteiro teor da decisão judicial ao cartório de protestos, a fim de que haja a lavratura do protesto, ressaltando-se que o cancelamento do protesto a pedido do devedor somente ocorrerá se este comprovar a quitação da dívida em juízo”, acrescenta.

Fonte: Anoreg/PB | 01/06/2018.

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Residir no mesmo local não gera direito de reconhecimento de união estável

A 8ª Câmara Cível do TJRS  negou pedido de união estável requerida pela mulher de homem que se suicidou.  A decisão manteve a sentença do 1º grau.

Caso

A autora da ação afirmou a existência de uma relação interpessoal e requereu o reconhecimento de existência de vínculo marital de união estável entre ela e o falecido. Segundo ela, a profundidade do relacionamento foi esclarecida por testemunhas do processo, no sentido de que dividiam a mesma casa.

No Juízo da Comarca de Candelária, o pedido foi considerado improcedente e a autora recorreu da decisão.

Recurso

O relator do processo, Desembargador José Antônio Daltoé Cezar, afirmou que para que se configure união estável, é necessária a presença de requisitos como o convívio público, contínuo e duradouro, a mútua assistência e o intuito de constituir família. Também destaca que a lei não exige tempo mínimo para o reconhecimento de união estável, demandando apenas o preenchimento dos requisitos para identificação da união estável como núcleo familiar.

Com relação ao caso, o magistrado afirmou que há procuração outorgada pelo falecido à autora, na qual consta que eles dividiam o mesmo endereço. Porém, restou comprovado que o suicídio do homem ocorreu quando ele estava na casa da autora, declarando ela que aquela era sua residência quando do registro da ocorrência. “Todavia, a visitação é prática comum entre pessoas que mantém um relacionamento, ainda que esse não esteja inclinado à constituição familiar”,

As provas documentais do processo demonstraram que a mãe do falecido era sua dependente previdenciária, recebendo, inclusive, o benefício da pensão por morte. Também, os pais foram os responsáveis pelos custos do funeral do filho, que os ajudava nas despesas mensais.

“Em que pese o falecido tenha declarado em uma procuração que residia no endereço da apelante e cometido suicídio em sua casa, o estante da prova documental é no sentido de que esse não possuía o intuito de constituir família e tinha seu núcleo familiar junto dos pais”, afirmou o relator.

No voto, o magistrado afirma que causa estranheza não ter sido juntada uma única foto que comprove o convívio público do casal (existe apenas uma foto distante), como acontece em ações semelhantes.

Assim, o relator decidiu pela manutenção da sentença de improcedência do pedido.

“Não há qualquer prova de que a apelante, tendo conhecimento da situação de dependência química e transtornos psiquiátricos do falecido, como declarou no registro de ocorrência relativo a seu suicídio, o auxiliava na situação. Isso porque, ao que tudo indica, eram os genitores que prestavam esse apoio ao filho, estando de posse da documentação médica relativa a seu tratamento”, afirmou o Desembargador Daltoé.

Também participaram do julgamento e acompanharam o voto do relator os Desembargadores Luiz Felipe Brasil Santos e Ricardo Moreira Lins Pastl.

Processo nº 70076079540

Fonte: TJ/RS | 01/06/2018.

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