TJ/SC: Depressão por infidelidade, sem atestado, impede anulação de partilha em divórcio

A 3ª Câmara Civil do TJ negou recurso em ação anulatória ajuizada por mulher com o objetivo de tornar sem efeito partilha e sobrepartilha acordadas em ação de divórcio firmada com o ex-marido. Ela sustentou ter sido levada a erro por conduta dolosa do ex-companheiro, além de alegar que seu consentimento estava viciado em razão de depressão que lhe acometera, tantos foram os relacionamentos extraconjugais do então marido.

A câmara, contudo, registrou que as alegações da mulher vieram desacompanhadas de provas. “Nada no processo revela que ela tenha sido induzida a erro”, anotou o desembargador Saul Steil, relator da apelação. Ele observou que, através de prova oral em audiência, foi possível concluir que a autora estava consciente e não se encontrava sob influência de medicamentos nas tratativas e na assinatura do acordo. Tanto é, acrescenta, que fez exigências atendidas na minuta final do ajuste firmado.

“Mas o mais importante é que a apelante não apresentou nenhuma prova técnica de (sua) incapacidade”, resumiu Steil. A discussão no processo envolveu seis imóveis que não constavam na partilha. Durante a instrução processual, a mulher pediu – e obteve – que dois daqueles bens fossem integrados a empresa do ex, como forma de proteção ao patrimônio das filhas do casal. Em relação à existência de outros quatro lotes de terra ventilada no pedido, o órgão foi categórico ao indicar a falta de provas. A decisão foi unânime e o processo tramitou em segredo de justiça.

Fonte: TJ/SC | 08/05/2018.

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Apelação – Retificação de registro civil – Supressão do sobrenome do marido na constância do vínculo conjugal – Possibilidade – Princípio da imutabilidade do nome que não é absoluto – Previsão expressa da Lei nº 6.015/73 quanto à possibilidade de alteração do nome em circunstâncias excepcionais e justificadas (LRP, art. 57)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1037055-03.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FABIANA CHAMLIAN BOCCALINI, é apelado JUÍZO DA COMARCA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ENIO ZULIANI (Presidente) e MAIA DA CUNHA.

São Paulo, 20 de abril de 2018.

Hamid Bdine

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto n. 19.036 – 4ª Câmara de Direito Privado.

Ap. n. 1037055-03.2016.8.26.0100.

Comarca: São Paulo.

Apelante: FABIANA CHAMLIAN BOCCALINI.

Apelado: O JUÍZO.

Juíza: Renata Pinto Lima Zanetta.

APELAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. SUPRESSÃO DO SOBRENOME DO MARIDO NA CONSTÂNCIA DO VÍNCULO CONJUGAL. Possibilidade. Princípio da imutabilidade do nome que não é absoluto. Previsão expressa da Lei n. 6.015/73 quanto à possibilidade de alteração do nome em circunstâncias excepcionais e justificadas (LRP, art. 57). Dispositivo que deve ser interpretado à luz do princípio constitucional de promoção da dignidade da pessoa humana. Dimensão personalística do nome que não implica na impossibilidade de autolimitação voluntária, desde que não prejudique a identificação social da pessoa e nem direitos de terceiros. DISPENSA DE MOTIVAÇÃO para a supressão do patronímico do cônjuge que, ademais, melhor se coaduna com o regramento especial dos arts. 1.565, §1º e 1.578, §2º, do CC. Interpretação que acompanha a tendência da jurisprudência de ampliação do espaço de autodeterminação no tocante ao nome. Motivação suficiente que deve ser exigida apenas para a rejeição do pedido de exclusão do sobrenome de casada, e não ao seu acolhimento. Sentença reformada. Recurso provido.

A r. sentença de fs. 151/153, julgou improcedente o pedido de retificação do registro civil da autora para exclusão do patronímico do cônjuge, “Boccalini”, por considerar ausente circunstância excepcional que justifique a superação dos princípios da imutabilidade e indisponibilidade do nome.

Inconformada, a autora apelou. Sustentou, em síntese, a ausência de impedimento legal à pretensão de supressão do sobrenome do marido e a ausência de prejuízo aos apelidos de família e a terceiros. Ressaltou que o pedido encontra justificativa no fato de o sobrenome adotado por ocasião do casamento não corresponder ao que foi atribuído aos filhos, circunstância que quase a impossibilitou de viajar com eles ao exterior. Destacou a concordância do cônjuge.

Recurso regularmente processado, com parecer da D. Procuradoria de Justiça pelo provimento do apelo (fs. 184/187).

Sem oposição ao julgamento virtual, nos termos da Resolução n. 772/2017 do Órgão Especial deste E. Tribunal.

É o relatório.

O recurso merece provimento.

Trata-se de ação de retificação de registro civil, por meio do qual a apelante pretende a exclusão do patronímico do marido “Boccalini”, sob o fundamento de que não corresponde ao que foi atribuído aos filhos do casal, Julia Chamlian De Nigris e Andre Chamliam De Nigris, circunstância que suscita confusões, a exemplo da dificuldade que enfrentou para embarcar com os filhos aos Estados Unidos.

A controvérsia se deve essencialmente ao fato de a pretensão ser exercida na constância do casamento, diferenciandose, pois, da hipótese prevista no art. 1.578, §2º, do CC, que concede ao cônjuge a opção pela manutenção ou não do nome de casado em razão da dissolução do vínculo conjugal.

O caso foi analisado pelo MM. Juiz à luz da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), a qual excepciona o princípio da imutabilidade do nome apenas na situação do art. 56, que cuida da alteração imotivada do prenome no primeiro ano após o atingimento da maioridade civil, e do art. 57, que admite “a alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público”.

Por considerar que a razão declinada na inicial não constituía um motivo forte e efetivamente justificado, o pedido foi julgado improcedente para manter a apelante com o nome de casada, independentemente da sua vontade e da de seu marido.

A D. Procuradoria de Justiça, no exercício da atividade de fiscalização da ordem jurídica, opinou pela reforma da sentença ao relevante argumento de que, uma vez que o Código Civil dispensa a existência de motivo justificado para a alteração do nome pelo casamento ou divórcio, exigi-lo poderia acarretar situação absurda de se buscar aquela via apenas para obter a tutela que fora recusada.

Como se vê, a solução da causa depende, num primeiro momento, de se definir se a hipótese dos autos atende aos requisitos do art. 57 da LRP e, em caso negativo, se ainda assim autoriza a supressão ou exclusão do sobrenome do cônjuge na vigência do casamento.

As certidões de fs. 77/89 revelam que não haverá prejuízo a terceiros, porém o evento narrado na inicial (dificuldade para embarcar aos Estados Unidos com os filhos) não ficou comprovado, pois os documentos juntados as fs. 128/136 confirmam apenas a realização da viagem, sem outros elementos.

Ainda que a circunstância tivesse sido comprovada, não poderia ser considerada apta à supressão do sobrenome, pelo simples fato de que dessa mudança não adviria a solução para o problema narrado; a alteração da causa. Afinal, os filhos já carregavam o patronímico materno “Chamlian” e, segundo a apelante, isso não foi suficiente para evitar a confusão originada pelo fato de apenas eles adotarem o sobrenome “De Nigris”, o que não será alterado com a mera exclusão, pela apelante, do sobrenome “Boccalini”.

Em situações semelhantes, este E. Tribunal já ressaltou “que a lei, ao exigir motivação do pedido, não vai ao ponto de impor razões objetivas e indiscutíveis”, mas apenas que não decorram de “caprichos ou infantilidades e prejuízos a terceiros” (Ap. n. 1015171-15.2016.8.26.0100, Rel. Des. José Roberto Furquim Cabella, j. 31.8.2017).

Embora inegável o avanço na interpretação do art. 57 da LRP, a manutenção da exigência de “motivo”, além de dar margem a subjetivismos, não se justifica nas hipóteses em que o que se pretende não é a alteração do prenome e nem dos apelidos de família, mas apenas do sobrenome adquirido pelo casamento.

O tema é polêmico.

O Superior Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a possibilidade de supressão imotivada do patronímico do cônjuge na constância da união e mesmo no âmbito deste E. Tribunal prevalece ainda o entendimento de que não seria possível.

É preciso observar, contudo, que os julgados mais antigos eram todos pela impossibilidade de arrependimento quanto à opção pretérita, interpretando-se de forma restritiva o art. 57 da LRP para, no mais das vezes, exigir a exposição à situação vexatória ou circunstância semelhante (Ap. n. 0000944-84.2013.8.26.0280, Rel. Des. Viviani Nicolau, j. 11.11.2014; Ap n. 0007610-81.2011.8.26.0568, Rel. Des. Miguel Brandi, j. 11.12.2013; Ap n. 9157825-73.2008.8.26.0000, Rel. Des. Adilson de Andrade, j. 17.3.2009)

Embora ainda existam julgados atuais no mesmo sentido (Ap. n. 1005239-22.2015.8.26.0008, Rel. Des. Natan Zelinschi, j. 28.1.2016), os mais recentes têm atenuado o rigor do princípio da imutabilidade do nome para ampliar as hipóteses de cabimento da pretensão, principalmente quando se trate de sobrenome do cônjuge.

Como enfatizado pelo E. Des. Ênio Zuliani, a retificação do nome, por questões relacionadas com o casamento, não deve ser interpretada e decidia da mesma forma com que se lida com retificação de prenome ou do nome porque o sentido da norma (art. 57, da Lei 6015/73) não é totalmente idêntico nas duas situações:

“Há em comum o propósito de manter a segurança jurídica, pois a imutabilidade dos assentos decorre de presteza na identificação das pessoas, negócios e tudo o mais que demande a personificação dos sujeitos. Não são recomendáveis alterações de nome a bel prazer, como igualmente escapa da sensatez obrigar que um sujeito conviva com seu nome contrariado ou em total desconforto, sendo, pois, imperioso que paire motivo relevante para primazia do direito personalíssimo. O nome é atributo pessoal e envolve a dignidade da pessoa humana.

São inúmeros os motivos que conduzem nubentes a adotar e não adotar o sobrenome do outro, e as intenções são respeitáveis, até porque representa um momento único e soberano. O juiz não interfere para que a pessoa que case acrescente o nome do cônjuge, como também não influencia para que não o faça. Quando há arrependimento e esse é o caso da autora, o Magistrado é chamado a atuar e sua decisão será guiada pela razoabilidade.” (Ap n. 1030207-34.2015.8.26.0100, j. 21.2.2017) (g.n).

Respeitada opinião em sentido contrário, a razoabilidade que deve orientar a análise do julgador não deve ter por base, em primeiro lugar, os motivos que ensejaram a propositura da ação, mas sim as circunstâncias que impediriam o acolhimento do pleito. Inverte-se a lógica para admitir que a retificação se opere independentemente de motivação, só podendo ser obstada se houver justificativa relevante, como o prejuízo a terceiros.

Além de ser esta a interpretação mais consentânea com os arts. 1.565, §1º, e 1.571, §2º, do Código Civil – que regulam especificamente a inclusão ou exclusão do sobrenome do cônjuge e não exigem qualquer motivação por ocasião do casamento ou do divórcio é a que confere maior eficácia à dignidade da pessoa humana, sobrelevando a dimensão personalística do nome.

Como ensina Maria Berenice Dias “O nome é um dos direitos mais essenciais da personalidade e goza de todas essas prerrogativas. À luz da psicanálise, o nome não retrata só a identidade social, mas, principalmente, a subjetiva, permitindo que a pessoa se reconheça enquanto sujeito e se identifique jurídica e socialmente. Trata-se de um bem jurídico que tutela a intimidade e permite a individualização da pessoa, merecendo proteção do ordenamento jurídico de forma ampla. Assim, o nome dispõe de um valor que se insere no conceito de dignidade da pessoa humana (C/F 1.º III)” (Manual de Direito de Famílias, 10ª Ed., 2015, pág. 112).

Relevante notar que o Código Civil elencou o direito ao nome no rol dos direitos da personalidade (art. 16), deixando claro que, em primeiro lugar, deve servir para a proteção da esfera individual.

É certo que o direito ou dever ao nome serve ainda como importante mecanismo de identificação social e é justamente a partir dessa dimensão patrimonialista que se desenvolveu o princípio da imutabilidade do nome, sempre com vistas à estabilização das relações sociais e à segurança jurídica.

A esse respeito, Roxana Cardoso Brasileiro Borges observa que “na maioria das vezes, os interesses de terceiros quanto à imutabilidade do nome das pessoas é de natureza econômica, disponível, enquanto o interesse de uma pessoa na alteração de seu nome é, na maior parte das vezes em que isso chega ao Poder Judiciário, questão de conservação e exercício de seus atributos de personalidade. Assim, a ratio que fundamenta a regra da imutabilidade do nome não está, historicamente, ligada à proteção dos direitos de personalidade, mas à proteção de interesses (legítimos) de terceiros, o que, estranhamente, não se coaduna com os fundamentos nem com as finalidades dos direitos de personalidade” (Dos Direitos da Personalidade, em Teoria Geral do Direito Civil, Coord. Renan Lotufo e Giovanni Ettore Nanni, Atlas, 2008, p. 274) (g.n).

Denuncia-se, assim, a contraposição entre o princípio da imutabilidade do nome e a dignidade da pessoa humana, revelando, por consequência, o equívoco em se considerar que a restrição à autonomia do indivíduo serve à proteção da sua dignidade. Nos casos envolvendo disposição do sobrenome de casado, quase sempre a invocação à limitação imposta pela dignidade da pessoa humana é o que, em vez de promovê-la, a viola.

Argumenta-se que como atributo personalíssimo e estritamente relacionado àquele valor fundante do ordenamento jurídico, o direito ao nome é indisponível e irrenunciável. Isso está, inclusive, expresso no Código Civil, cujo artigo 11 assim estabelece: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária”.

Anderson Schreiber explica que a intenção do legislador não foi prejudicar a pessoa humana com um excessivo paternalismo estatal, mas protegê-la dos efeitos da sua própria vontade em relação a direitos essenciais e isso porque a experiência histórica revela que, “deixados inteiramente livres, os homens acabam por renunciar aos seus direitos mais essenciais, ‘concordando’, por força da necessidade, com situações intoleráveis” (Direitos da personalidade, Atlas, 2014, p. 26).

O autor, contudo, adverte que tomado em sua literalidade, o dispositivo negaria qualquer efeito ao consentimento do titular no campo dos direitos da personalidade, o que é incompatível com o próprio escopo da norma:

“Se a dignidade humana consiste, como se viu, no próprio ‘fundamento da liberdade’, o exercício dessa liberdade por cada indivíduo só deve ser protegido na medida em que corresponda a tal fundamento. Em outras palavras: a autolimitação ao exercício dos direitos da personalidade deve ser admitida pela ordem jurídica quando atenda genuinamente ao propósito de realização da personalidade do seu titular. Deve, ao contrário, ser repelida sempre que guiada por interesses que não estão própria ou imediatamente voltados à realização da dignidade daquela pessoa” (Op cit., p. 27)

A mesma crítica é feita por Maria Celina Bodin de Moraes, ao observar que a mudança da perspectiva constitucional, passando a estar o ordenamento a serviço da pessoa humana, implicou no substancial aumento das restrições estruturais impostas à vontade individual. Se positiva, de um lado, em relação às relações patrimoniais, representou, de outro, um possível retrocesso no que se refere às relações extrapatrimoniais, pela forma como foi tratada pelo Código Civil de 2002.

De forma ilustrativa, faz as seguintes indagações: “Em virtude do mesmo princípio fundamental da proteção da dignidade humana, não derivaria, logicamente, uma expansão da autonomia privada no que se refere às escolhas da vida privada de cada pessoa humana? Ou seja, a privacidade garantida pela Constituição a uma pessoa digna, plenamente capaz, não deveria significar, pelo menos em linha de princípio, mais amplo poder de escolha sobre os seus bens mais importantes?” (Na Medida da Pessoa Humana: estudos de direito civil-constitucional, Renovar, 2010, p.124/125).

Aplicadas essas ideias em relação ao direito ao nome,

não se pretende negar o princípio da imutabilidade e nem tampouco afastar a sua incidência, mas apenas ressaltar que este não é um fim em si mesmo e não serve à promoção ou proteção da dignidade do indivíduo. Serve sim à segurança jurídica e é sempre esta baliza que deverá orientar o julgador ao se deparar com situações como a presente.

Invocando os ensinamentos do Min. Roberto BarrosoAnderson Schreiber explica que a limitação ao espaço de autodeterminação pessoal não representa, de per se, uma violação à dignidade da pessoa humana, porquanto esta não se identifica com uma irrestrita autonomia existencial.

A limitação se justifica na medida em que se reconhece à dignidade também uma “dimensão social, que autolimita a persecução de interesses existenciais quando possam, de algum modo, atentar contra a dignidade humana vista na perspectiva da relação entre o ser humano e o seu meio social”, mas sem perder de vista que, no seu conteúdo intrínseco, está a autonomia individual (Manual de Direito Civil Contemporâneo, Saraiva, 2018, p. 130).

Nas palavras do próprio Min. Luís Roberto Barroso, essa dimensão social é identificada como “valor comunitário”, o qual integra a dignidade humana e convive com aquele conteúdo intrínseco. Pela pertinência dos critérios ao caso, válida a sua reprodução literal:

“O valor comunitário é o elemento social da dignidade humana, identificando a relação entre o indivíduo e o grupo. Nesta acepção, ela está ligada a valores compartilhados pela comunidade, assim como às responsabilidades e deveres de cada um. Vale dizer: a dignidade como valor comunitário funciona como um limite às escolhas individuais. Também referida a dignidade como heteronomia, ela se destina a promover objetivos sociais diversos, dentre os quais a proteção ao indivíduo em relação a atos que possa praticar capazes de afetar a ele próprio (condutas autorreferentes), a proteção de direitos de outras pessoas e a proteção de valores sociais, dos ideais de vida boa de determinada comunidade. Para minimizar os riscos do moralismo e da tirania da maioria, a imposição de valores comunitários deverá levar em conta (a) a existência ou não de um direito fundamental em jogo, (b) a existência de consenso social forte em relação à questão e (c) a existência de risco efetivo para direitos de terceiros.” (A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: natureza jurídica, conteúdos mínimos e critério de aplicação in O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil, Fórum, 2013, p. 327) (g.n).

Nessa ordem de ideias, imperioso concluir pela ampliação do espaço de autodeterminação em relação ao nome de casado, somente se justificando o controle judicial para aferir, concretamente, a existência de “motivo suficiente” à rejeição do pedido, não ao seu acolhimento.

Sem que essa inversão tenha sido admitida pela jurisprudência, verifica-se que paulatinamente o princípio da imutabilidade do nome vem sofrendo mitigação. Há muito o STJ assim ponderou: “é verdade que, conforme a lei, é imutável o nome. Mas imutável deve ser o nome pelo qual é a pessoa socialmente conhecida, não aquele com o qual fora registrada” (REsp 213682/GO, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 5.9.2002).

Tanto assim o é que se admite, pela lei e de forma imotivada, o acréscimo ou exclusão do sobrenome do cônjuge, exatamente porque isso não prejudica o princípio da continuidade registral e nem a identificação social da pessoa, escopo do princípio da imutabilidade do nome.

Em julgamento paradigmático, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de retificação do registro civil para alteração do prenome e gênero do transexual. É certo que a relevância dos motivos era flagrante, mas, de todo, modo reflete a abordagem que deve ser dada aos pedidos de modificação do nome, na linha de tudo o quanto já exposto:

“1. À luz do disposto nos artigos 55, 57 e 58 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), infere-se que o princípio da imutabilidade do nome, conquanto de ordem pública, pode ser mitigado quando sobressair o interesse individual ou o benefício social da alteração, o que reclama, em todo caso, autorização judicial, devidamente motivada, após audiência do Ministério Público. (…) 5. Assim, a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade – ratio essendi do registro público, norteado pelos princípios da publicidade e da veracidade registral – deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que constitui vetor interpretativo de toda a ordem jurídico-constitucional” (REsp n. 1626739/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 9.5.2017).

Ainda nessa linha, convém observar que os apelidos de família retratam a ascendência da pessoa e a acompanham por toda uma vida. Mesmo assim, tem-se admitido amplamente a supressão logo a disposição ou renúncia -, de um ou alguns dos elementos que o compõem para inclusão do sobrenome do cônjuge. Ou seja, sem que represente qualquer constrangimento ou violação à integridade moral do sujeito, apenas para acrescer outro (REsp n. 662799/MG, Rel. Min. Castro Filho, j. 8.11.2005).

Também já se sedimentou na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal a possibilidade de acréscimo, a qualquer tempo, do sobrenome do outro cônjuge, independentemente da motivação: REsp n. 910094/SC, Rel. Min. Raul Araújo, j. 4.9.2012; Ap n. 0293621-58.2009.8.26.0000, Rel. Des. Claudio Godoy, j. 14.5.2013; Ap.0081263-81.2011.8.26.0224, Rel. Des. Milton Carvalho, j. 16.8.2012.

Se nesses casos o princípio da imutabilidade do nome não impediu a sua alteração, nada há que justifique a exigência de justo motivo para a supressão do patronímico do marido da apelante, mormente porque neste específico caso, à diferença das situações acima descritas, o que se tem é o retorno ao nome de solteira, à forma como durante toda uma vida a autora foi identificada e, portanto, sem possibilidade de se cogitar, em abstrato, de ofensa à segurança jurídica.

Esse entendimento já encontra suporte em precedentes mais recentes deste E. Tribunal:

“Apelação. Ação de retificação de Assento. Pretensão de retirada do patronímico do marido e retornar ao nome de solteira, ainda que continue casada. Pedido para retirar o apelido de família (paterno) do assento de nascimento da filha. Permite-se atualmente que a mulher não acrescente ao seu nome o apelido marital (artigo 1565, § 1º), consequentemente, não há impedimento legal para posteriormente retratação para suprimir o nome do marido, uma vez comprovada a ausência de prejuízo a terceiros. No caso da filha não há nenhuma justificativa para a alteração do seu nome, com a exclusão do apelido paterno. Na certidão de nascimento já consta os apelidos das famílias materna e paterna. O art. 56 da LRP permite alteração do nome, desde que não prejudique os apelidos de família. Se houve equívoco no registro dos avós paternos, fato não comprovado, isso não pode ter interferência no registro da menor, que adotou os apelidos paternos tal qual o mesmo fora registrado. Apelo parcialmente provido” (Ap n. 1009913-20.2016.8.26.0554, Rel. Des. Silvério da Silva, j. 9.1.2018) (g.n).

“RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Supressão do sobrenome do marido, com permanência do vínculo conjugal. 1. Preliminar de cerceamento de defesa afastada. Questão de direito, não havendo necessidade de produção de prova oral em audiência. 2. Alteração de nome deve ser excepcional e motivada. Art. 57, caput, da lei 6.015/73. Exceção no tocante à inclusão ou supressão de sobrenome do cônjuge por ocasião da celebração do casamento ou da dissolução do vínculo conjugal. Art. 1.565, § 1º, do CC. Somente se exige motivação no caso de manutenção do sobrenome do cônjuge inocente pelo cônjuge culpado. Art. 1.578 do CC. Possibilidade de exercício da opção pela inclusão do sobrenome do cônjuge a qualquer momento, enquanto perdure o vínculo conjugal. Precedente do STJ. Possibilidade de supressão do sobrenome do cônjuge após a celebração do casamento, mesmo com a subsistência do vínculo conjugal, por analogia. A lei autoriza expressamente a supressão do sobrenome do companheiro, exigindo apenas o requerimento da parte interessada, ouvida a outra. Art. 57, §§ 1º a 5º, da lei 6.015/73. Concordância do marido da autora. Acolhimento do pedido. 3. Recurso provido. (Ap. n.1080312-15.2015.8.26.0100, Rel. Des. Mary Grün, j. 9.10.2017).

Nessas condições, sem que se vislumbre qualquer prejuízo a terceiros, deve ser reformada a r. sentença para, independentemente da motivação, acolher o pedido de supressão do patronímico do marido “Boccalini”, autorizando-se a apelante a voltar a usar o nome de solteira e expedindo-se o respectivo mandado.

Diante do exposto, DÁ-SE provimento ao recurso.

Hamid Bdine

Relator

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1037055-03.2016.8.26.0100 – São Paulo – 4ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Hamid Bdine – DJ 07.05.2018

Fonte: INR Publicações.

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Usucapião – Autores beneficiários da justiça gratuita – Benefício que compreende emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido, nos exatos termos do artigo 98, §1º, IX do CPC – Precedentes – Certidões que devem ser obtidas mediante expedição de ofício judicial – Decisão reformada – Agravo provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2071941-49.2018.8.26.0000, da Comarca de Embu das Artes, em que são agravantes RONIÉRIO RODRIGUES DE AQUINO e DAMARA FERNANDES DE ALMEIDA AQUINO, é agravado O JUIZO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente) e BERETTA DA SILVEIRA.

São Paulo, 23 de abril de 2018.

Alexandre Marcondes

Relator

Assinatura Eletrônica

Agravo de Instrumento nº 2071941-49.2018.8.26.0000

Comarca: Embu das Artes

Agravantes: Roniério Rodrigues de Aquino e Damara Fernandes de Almeida Aquino

Agravado: O Juízo

Juíza: Tatyana Teixeira Jorge

Voto nº 13.195

Usucapião. Autores beneficiários da justiça gratuita. Benefício que compreende emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido, nos exatos termos do artigo 98, §1º, IX do CPC. Precedentes. Certidões que devem ser obtidas mediante expedição de ofício judicial. Decisão reformada. Agravo provido.

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a r. decisão de fl. 27 dos autos da ação de usucapião, que manteve a exigência de apresentação, pelos autores, de certidão “do Cartório de Imóveis das 11ª, 10ª, 04ª e 01 Circunscrições da Capital”, mediante respectivo pagamento aos notários, sob pena de indeferimento da inicial.

Sustentam os agravantes, em síntese, que lhes foi deferido o benefício da justiça gratuita e o fornecimento das certidões está nele compreendido. Afirmam que os respectivos notários condicionaram a emissão gratuita das certidões à expedição de ofício judicial.

Concedido efeito suspensivo ao recurso, remeto os autos diretamente ao julgamento virtual.

É o relatório.

Prospera o inconformismo.

Por se cuidar de questão afeta à justiça gratuita, o agravo será apreciado, em prestígio ao que dispõe o artigo 1.015, V do CPC/2015.

A gratuidade da justiça compreende emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido, nos exatos termos do artigo 98, §1º, IX do Código de Processo Civil.

Assim, sem esforço chega-se à conclusão de que o benefício da gratuidade engloba o fornecimento das certidões em questão, conforme reiterada jurisprudência desta Corte:

“USUCAPIÃO. JUSTIÇA GRATUITA. DOCUMENTOS E CERTIDÕES ESSENCIAIS. Insurgência contra decisão que determinou a juntada de matrícula do imóvel, além de planta e memorial descritivo. Certidões do Cartório de Registro de Imóveis estão compreendidas no benefício da gratuidade da Justiça (art. 98, §1º, IX, CPC). Expedição que deverá ser requerida de ofício. Memorial descritivo e planta do imóvel que podem ser substituídos por croqui, a ser elaborado pela própria parte para que seja possível delimitar satisfatoriamente o imóvel. Na eventual necessidade de complementação com memorial descritivo e planta do imóvel, estes poderão ser substituídos por prova pericial, a ser custeada pelo Estado. Recurso provido em parte” (Agravo de Instrumento nº 2105647-57.2017.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto de Salles, j. 25/07/2017).

“USUCAPIÃO. DETERMINADA A JUNTADA DE CERTIDÕES. JUSTIÇA GRATUITA. INADMISSIBILIDADE. AUTOR QUE GOZA DO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA. BENESSE LEGAL QUE ABRANGE AS DESPESAS PROCESSUAIS, INCLUINDO A EXPEDIÇÃO DE CERTIDÕES EXTRAJUDICIAIS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 98, § 1º, IX, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, E DO ARTIGO 9º, DA LEI ESTADUAL N. 11.331/2002. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE JURISDICIONAL. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO” (Agravo de Instrumento nº 2204864-73.2017.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Vito Guglielmi, j. 08/02/2018).

“USUCAPIÃO – INDEFERIMENTO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA EM SUA INTEGRALIDADE – DETERMINAÇÃO DE JUNTADA DE CERTIDÃO DO REGISTRO IMOBILIÁRIO – Agravantes beneficiários da gratuidade da justiça – Benefício que isenta o pagamento de emolumentos devidos a registradores em decorrência de ato notarial necessário à continuidade do processo judicial – Art. 98, § 1º, IX, do CPC/2015 – Certidão que deve ser solicitada diretamente pelo juízo “a quo” – Precedentes – Ausência de fundamento para que a gratuidade da justiça não seja deferida em toda sua extensão – Decisão reformada – RECURSO PROVIDO” (Agravo de Instrumento nº 2090937-32.2017.8.26.0000, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Angela Lopes, j. 19/09/2017).

Portanto, as certidões devem ser obtidas mediante expedição de ofício judicial.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso.

ALEXANDRE MARCONDES

Relator

Dados do processo:

TJSP – Agravo de Instrumento nº 2071941-49.2018.8.26.0000 – Embu das Artes – 3ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Alexandre Marcondes – DJ 07.05.2018

Fonte: INR Publicações.

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