Civil – Processual civil – Ação de reconhecimento de maternidade socioafetiva de filho maior post mortem – Interesse processual e possibilidade jurídica do pedido existentes – Viabilidade da pretensão em tese – Reconhecimento da relação de filiação após o falecimento do filho maior e de sua genitora biológica

RECURSO ESPECIAL Nº 1.688.470 – RJ (2017/0200396-5)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : I S

ADVOGADOS : GUILHERME VERÍSSIMO DA SILVA – RJ089057

MICHELE GARCIA BRANDÃO ANÁTOCLES – RJ114751

INTERES. : R S B – SUCESSÃO

INTERES. : M A S B – SUCESSÃO

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA DE FILHO MAIOR POST MORTEM . INTERESSE PROCESSUAL E POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO EXISTENTES. VIABILIDADE DA PRETENSÃO EM TESE. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE FILIAÇÃO APÓS O FALECIMENTO DO FILHO MAIOR E DE SUA GENITORA BIOLÓGICA. IMPRESCINDIBILIDADE DO CONSENTIMENTO PREVISTO NO ART. 1.614 DO CÓDIGO CIVIL. RESPEITO À MEMÓRIA E À IMAGEM PÓSTUMAS.

1 – Ação distribuída em 11/01/2016. Recurso especial interposto em 09/02/2017 e atribuído à Relatora em 25/08/2017.

2 – O propósito recursal é definir se é possível reconhecer a existência de maternidade socioafetiva entre a parte e filho maior, com genitora biológica conhecida, após a morte de ambos, especialmente para o fim de que a parte possa receber a pensão decorrente da morte do pretenso filho.

3 – A pretensão de reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem de filho maior é, em tese, admissível, motivo pelo qual é inadequado extinguir o feito em que se pretenda discutir a interpretação e o alcance da regra contida no art. 1.614 do CC/2002 por ausência de interesse recursal ou impossibilidade jurídica do pedido.

4 – A imprescindibilidade do consentimento do filho maior para o reconhecimento de filiação post mortem decorre da impossibilidade de se alterar, unilateralmente, a verdade biológica ou afetiva de alguém sem que lhe seja dada a oportunidade de se manifestar, devendo ser respeitadas a memória e a imagem póstumas de modo a preservar a história do filho e também de sua genitora biológica.

6 – Recurso especial conhecido e desprovido, por fundamentação distinta, a fim de julgar improcedente o pedido com resolução de mérito.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 10 de abril de 2018(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto por I S, fundamentado no art. 105, III, alínea “a”, da Constituição Federal.

Recurso especial interposto em: 09/02/2017.

Atribuído à Relatora: 25/08/2017.

Ação: de reconhecimento judicial de maternidade socioafetiva, ajuizada em face de R S B, genitora de M A S B.

Sentença: extinguiu o processo sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, VI, do CPC/15, ao fundamento de que não há interesse processual da recorrente em obter o reconhecimento da maternidade socioafetiva diante do falecimento prematuro do menor (fls. 67/68, e-STJ).

Acórdão: o TJ/RJ negou provimento ao recurso de apelação da recorrente, em acórdão que ficou assim ementado (fls. 133/141, e-STJ):

APELAÇÃO. DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. NECESSIDADE DO CONSENTIMENTO DO APONTADO “FILHO” (ART. 1614, CC). IMPOSSIBILIDADE. FALECIMENTO DELE MUITO ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO (JÁ COM 26 ANOS DE IDADE) E SEM QUE TIVESSE MANIFESTADO O CONSENTIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE SER O CONSENTIMENTO SUPRIDO JUDICIALMENTE. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. APELAÇÃO. DESPROVIMENTO.

AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA DIRECIONADA CONTRA A MÃE BIOLÓGICA (ROSILENE). MÃE BIOLÓGICA (ROSILENE) JÁ FALECIDA E SUPOSTO FILHO SÓCIO AFETIVO (MICHEL) TAMBÉM JÁ FALECIDO (AOS 26 ANOS). AÇÃO AJUIZADA QUANDO AMBOS (ROSILENE e MICHEL) JÁ SE ACHAVAM FALECIDOS. A AUTORA ALEGA SER TIA DE ROSILENE, MÃE DE MICHEL, NASCIDO EM 08/02/87, E QUE OS TRÊS RESIDIAM SOB O MESMO TETO. DIZ QUE, COM O FALECIMENTO DA SOBRINHA ROSILENE, EM 12/08/92, VEIO A SER NOMEADA TUTORA DO MENOR MICHEL E PERMANECEU CUIDANDO DELE, COMO SE MÃE FOSSE, ATÉ O FALECIMENTO DELE, EM 06/06/13. PEDE SEJA RECONHECIA E DECLARADA A SEU FAVOR A MATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA COM RELAÇÃO A MICHEL, POIS PRETENDE, NESSA QUALIDADE, PLEITEAR BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO JUNTO AO EXÉRCITO ONDE MICHEL SERIA SOLDADO PARAQUEDISTA. PARECER DO MP NO SENTIDO DE EXTINGUIR O FEITO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, NA FORMA DO ART. 485, VI, DO CPC. SENTENÇA JULGANDO EXTINTO O FEITO, ACOLHENDO A PROMOÇÃO DO PARQUET. APELAÇÃO DA AUTORA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA, SOB O ARGUMENTO DE QUE NÃO TEVE OPORTUNIDADE DE DEMONSTRAR INEQUIVOCAMENTE O VÍNCULO SOCIOAFETIVO EXISTENTE ENTRE ELA E O FALECIDO. NO MÉRITO, ADUZ A INEXISTÊNCIA DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL, EIS QUE O CONSENTIMENTO PREVISTO NO ART. 1614 DO CC AFRONTA O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DISPOSITIVOS QUE PROTEGEM A ENTIDADE FAMILIAR. REITERA O PEDIDO INICIAL. SENTENÇA QUE NÃO MERECE REPARO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA QUE NÃO MERECE ACOLHIMENTO. DESPACHO QUE DEU OPORTUNIDADE À AUTORA DE ESCLARECER SEU INTERESSE NO FEITO. SENTENÇA PLENAMENTE MOTIVADA. NO MÉRITO, A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA ENCONTRA, EM TESE, ALICERCE NO ART. 227, §6º, DA CRFB E NO ART. 1593 DO CC/2003. CONSTITUI UMA RELAÇÃO DE FATO QUE DEVE SER RECONHECIDA E AMPARADA JURIDICAMENTE, TENDO-SE POR PAI/MÃE AQUELE QUE DESEMPENHA O PAPEL DE PROTETOR E EDUCADOR E QUE RECONHECE SOCIALMENTE ESSA FILIAÇÃO. ENTRETANTO, APESAR DE A INICIAL VIR ACOMPANHADA DE PROVA DOCUMENTAL VISANDO COMPROVAR A REFERIDA RELAÇÃO SOCIO-AFETIVA, A PRETENSÃO DA AUTORA ESBARRA EM QUESTOES PROCESSUAIS QUE ANTECEDEM O EXAME DO MÉRITO. AQUI, A FALTA DE CONDIÇÃO PARA O LEGÍTIMO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO RESULTA DA FALTA DO NECESSÁRIO CONSENTIMENTO DO PRETENSO FILHO, COMO EXIGIDO EXPRESSAMENTE NO ART. 1.614 DO CÓDIGO CIVIL, CONSENTIMENTO ESSE NÃO MAIS POSSÍVEL DE SER ALCANÇADO PELA AUTORA JÁ QUE O FILHO FALECEU ANTERIORMENTE AO AJUIZAMENTO DESTA AÇÃO, QUANDO JÁ MAIOR. AINDA QUE SE CONSIDERASSE, HIPOTETICAMENTE, SUPERADO ESSE ENTRAVE, AINDA ASSIM O FEITO NÃO PODERIA TER PROSSEGUIMENTO, JÁ QUE A AÇÃO FOI AJUIZADA CONTRA ROSILENE, MÃE DO SUPOSTO FILHO, ESTANDO ESTA JÁ FALECIDA, PELO QUE O PEDIDO DEVERIA SER CONTRA O ESPÓLIO OU SEUS HERDEIROS. E AINDA QUE ACOLHIDO, SERIA INEFICAZ PERANTE A UNIÃO, ONDE A AUTORA DIZ PRETENDER OBER O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, POR FORÇA DOS LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA (ART. 506, CPC). APELAÇÃO DESPROVIDA.

Recurso especial: alega-se violação aos arts. 1.593, 1.596 e 1.696, todos do CC/2002.

Ministério Público Federal: pronunciou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 208/217, e-STJ).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

O propósito recursal é definir se é possível reconhecer a existência de maternidade socioafetiva entre a recorrente e M A S B, cuja genitora biológica é R S B, ambos já falecidos, especialmente para o fim de que a recorrente possa receber, perante o Exército Brasileiro, a pensão decorrente da morte de M A S B.

Reconhecimento de maternidade socioafetiva post mortem . Alegada violação aos arts. 1.593, 1.596 e 1.696, todos do CPC/2002.

Inicialmente, não se revela adequada a extinção do processo sem resolução de mérito promovida pelos graus de jurisdição ordinários, ao fundamento de que a recorrente careceria de interesse processual para pleitear o reconhecimento da maternidade socioafetiva de M A S B post mortem .

O interesse processual, compreendido como a demonstração de que o exercício da jurisdição é o meio útil e necessário para que a pretensão de direito material seja obtida, está presente na hipótese, tendo sido bem delineada na petição inicial a lesão que a recorrente alega ter sofrido e, além disso, o provimento requerido pela recorrente é adequado para proteger a situação jurídica de direito material que pretende ver examinada.

A bem da verdade, poder-se-ia cogitar eventualmente, ainda no âmbito das condições da ação, de impossibilidade jurídica do pedido deduzido pela recorrente (ainda existente por ocasião do ajuizamento da ação, aforada ao tempo do CPC/73), na medida em que o consentimento do filho maior seria, sob a ótica da sentença e do acórdão recorrido, uma condição de admissibilidade da pretensão inicial.

Todavia, ainda assim a tese deduzida pela recorrente é minimamente plausível e, dessa forma, suficiente para superar o óbice da admissibilidade para que se resolva a controvérsia pelo mérito, inclusive em virtude do que dispõe o art. 488 do CPC/15, vigente ao tempo da sentença, que determina que “Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485”, por meio do qual se reconhece também ao réu o direito à tutela jurisdicional de mérito.

Superada essa questão, verifica-se que os dispositivos legais tidos por violados pela recorrente possuem o seguinte conteúdo:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Não se desconhece, à toda evidência, que existe a possibilidade de reconhecimento judicial de relações familiares socioafetivas, independentemente da relação familiar de natureza biológica ou, ainda, de forma concomitante a ela.

Anote-se que o vínculo de natureza socioafetiva tem sido amplamente reconhecido por esta Corte, em hipóteses de adoção e também em quaisquer outras situações que se relacionem com o conceito de “parentescos de outra origem” – para utilizar a letra do art. 1.593 do CC/2002. Nesse sentido, confiram-se, por exemplo: REsp 1.087.163/RJ, 3ª Turma, DJ 18/08/2011; REsp 1.189.663/RS, 3ª Turma, DJ 15/09/2011; REsp 1.326.728/RS, 3ª Turma, DJe 27/02/2014; REsp 1.458.696/SP, 3ª Turma, DJe 20/02/2015; REsp 1.508.671/MG, 3ª Turma, DJe 09/11/2016 e REsp 1.676.877/MG, 3ª Turma, DJe 20/10/2017.

Assim, basta, em princípio, que haja o reconhecimento voluntário e desprovido de vícios acerca daquela relação construída pelo afeto, amor e companheirismo entre as pessoas envolvidas para que exista, por consequência, o reconhecimento da relação familiar fundada na socioafetividade.

A questão que se coloca, todavia, é se a regra do art. 1.614 do CC/2002, que preceitua que “O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação” e que fora utilizada pelo acórdão recorrido para solver a controvérsia, é incompatível com os arts. 1.593, 1.596 e 1.696 do CC/2002, tidos por violados pela recorrente.

Nesse contexto, se é verdade que a doutrina reconhece que o ato de reconhecimento é, em regra, unilateral, não é menos verdade que a doutrina igualmente aponta que o art. 1.614 do CC/2002 excepciona essa regra geral, exigindo o consentimento na hipótese em que se pretenda reconhecer o filho maior.

Admitindo que o fato de se exigir o consentimento não retira a unilateralidade do ato de reconhecimento da filiação, Flávio Tartuce ensina, com fundamento em abalizada doutrina:

O reconhecimento de filhos constitui um ato jurídico stricto sensu, ou em sentido estrito, justamente porque os seus efeitos são apenas aqueles decorrentes da lei. Não há, em regra, uma composição de vontades, a fazer com que o mesmo seja configurado como um negócio jurídico. Trata-se também de um ato unilateral e formal.

Entretanto, dúvidas surgem quanto ao que consta da primeira parte do art. 1.614 do CC/2002, segundo o qual “O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que seguirem à maioridade, ou à emancipação”. Essa primeira parte do dispositivo em questão, quanto ao reconhecimento de filho maior, reproduz o art. 4º da Lei 8.560/1992.

Pelo que consta do Código Civil atual, fica a dúvida: o reconhecimento de filho maior passa a ser um ato bilateral? Para Silvio Rodrigues, em obra atualizada por Francisco José Cahali, a resposta é negativa. São suas palavras: “Entretanto, temos que a referida circunstância não tira do ato seu caráter unilateral. A existência do assentimento do filho maior reconhecido ou a permissão para o menor impugnar tempestivamente o ato que o reconheceu são medidas protetoras que se justificam no fato de o reconhecimento envolver efeitos morais e materiais de enorme relevância, que não podem ser provocadas pelo arbítrio de um só” (Direito Civil…, 2006, p.320).

Na mesma linha, como bem leciona Paulo Lôbo, “O reconhecimento é ato complexo, que apenas consuma seus efeitos quando é seguido de outro ato – o do consentimento. Atente-se para o fato de que não se converte em negócio jurídico, a que se pode equivocadamente levar a obrigatoriedade do consentimento. São dois atos distintos e complementares (LÔBO, Paulo. Famílias…, 2008, p.244).

Filia-se integralmente aos juristas, sendo certo que o ato, no caso em questão, passa a ser um ato unilateral receptício , que apenas depende da recepção da outra parte, até porque o ato de reconhecimento é o que predomina nessas hipóteses. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil Vol. 5: direito de família. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 467/468).

Por seu turno, Silvio de Salvo Venosa, sem divergir da imprescindibilidade da aquiescência do filho maior, posiciona-se pela bilateralidade do ato, lecionando que:

O reconhecimento é ato unilateral, porque gera efeitos pela simples manifestação de vontade do declarante. Não depende de concordância, salvo com relação ao maior de idade, de vez que o art. 1.614 do vigente Código, assim como o art. 4º da Lei nº 8.560/92, exige seu consentimento. Há, de fato, um caráter sinalagmático no ato de reconhecimento, não só porque é necessária a concordância do filho, se maior, como também porque pode o menor reconhecido impugnar o reconhecimento quando se tornar capaz. (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 278/279).

Consta do acórdão recorrido, em premissa fática imutável, que a relação estabelecida entre a recorrente e M A S B, especialmente após o precoce falecimento da genitora biológica R S B, desenvolveu-se sob as balizas do mais puro e fraternal afeto, ternura e amor, tendo sido a recorrente, inclusive, a responsável pela transmissão dos valores éticos e morais que M A S B possuiu até o momento de igualmente precoce falecimento.

A despeito disso, não se pode, sem o consentimento do pretenso filho – que é impossível na hipótese –, reconhecer a existência de maternidade socioafetiva pleiteada pela recorrente, sob pena de se promover um injustificado ataque à memória e à imagem póstuma de M A S B e, também, de sua genitora biológica R S B.

Com efeito, descabe ao Poder Judiciário imiscuir-se em searas tão íntimas, sobretudo sem o expresso consentimento dos atores que efetivamente vivenciaram essa relação tripartite.

Sob qualquer fundamento ou pretexto, seria demasiadamente invasivo determinar a retificação do registro civil de alguém, após a sua própria morte, para substituir o nome de sua mãe biológica pela mãe socioafetiva ou, ainda, para colocá-la em posição de igualdade com a sua genitora.

É preciso, pois, respeitar integralmente a memória e a imagem de quem já faleceu, especialmente o direito de ter a sua história narrada como ela efetivamente ocorreu, o que inclui o público reconhecimento do louvável papel exercido pela recorrente na formação humana de M A S B.

O fato de não ser possível o reconhecimento da maternidade socioafetiva não resulta, é importante registrar, em nenhuma espécie de desmerecimento à recorrente. A fluidez e a ausência de rótulos, que são cada vez mais frequentes e reconhecidas no âmbito do direito familiar, não implicam em desprestígio aos graus de parentesco historicamente reconhecidos pela sociedade e pelo direito, de modo que é certo afirmar que ainda existirão, por um longo período, as clássicas figuras dos avós, dos tios, dos sobrinhos e dos primos – cada qual com o seu papel na formação e desenvolvimento das gerações presentes e futuras.

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO, por fundamentação distinta do acórdão recorrido, a fim de que a ação seja julgada improcedente e o processo extinto com resolução de mérito (art. 487, I, do CPC/15).

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.688.470 – Rio de Janeiro – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 13.04.2018

Fonte: INR Publicações.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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