CGJSP – TABELIÃO DE NOTAS. PROCURAÇÃO. IDOSO. CAPACIDADE – MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. FÉ PÚBLICA NOTARIAL.

Lavratura de procuração a pessoa idosa, com dificuldade de visão – poderes outorgados a pessoa sem vínculo de parentesco – Limitação do poder da apuração do notário – Critério etário que não pode significar impedimento ao ato – Recurso desprovido.

CGJSP – RECURSO ADMINISTRATIVO: 0055909-62.2016.8.26.0100
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 02/03/2018 DATA DJ: 16/03/2018
UNIDADE: 1
RELATOR: Geraldo Francisco Pinheiro Franco
LEI: EI – Estatuto do Idoso – 10.741/2003 ART: 2
LEI: LNR – Lei de Notários e Registradores – 8.935/1994 ART: 31 INC: I, II
LEI: EI – Estatuto do Idoso – 10.741/2003 ART: 96
LEI: CF – Constituição da República – 1988 ART: 5
LEI: CC2002 – Código Civil de 2002 – 10.406/2002 ART: 1.641 INC: II

Tabelião de Notas – Recurso administrativo – Pedido de providências – Ausência de indícios de infração disciplinar prevista no art. 31, I e II, da Lei nº 8.935/1994 a ensejar instauração de processo administrativo disciplinar – Lavratura de procuração a pessoa idosa, com dificuldade de visão – poderes outorgados a pessoa sem vínculo de parentesco- Limitação do poder da apuração do notário – Critério etário que não pode significar impedimento ao ato- Recurso desprovido.

ÍNTEGRA

PROCESSO Nº 0055909-62.2016.8.26.0100 – SÃO PAULO – O. R. S. – REPRESENTADA PELA CURADORA S. R. P. P. – ADVOGADA: MARCIA ELOISA NUNES GIUZIO, OAB/SP 128.730. – (82/2018-E) – DJE DE 16.3.2018, P. 2.

Tabelião de Notas – Recurso administrativo – Pedido de providências – Ausência de indícios de infração disciplinar prevista no art. 31, I e II, da Lei nº 8.935/1994 a ensejar instauração de processo administrativo disciplinar – Lavratura de procuração a pessoa idosa, com dificuldade de visão – poderes outorgados a pessoa sem vínculo de parentesco- Limitação do poder da apuração do notário – Critério etário que não pode significar impedimento ao ato- Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto por ODILA RIBEIRO DA SILVA, representada por sua curadora Shirley Ribeiro Pinto Pierzynski, contra r. sentença de fl. 284/288, que determinou o arquivamento do pedido de providências movido por em face do 1° Tabelião de Notas da Capital.

Segundo a recorrente, é de rigor a abertura do processo administrativo disciplinar, diante das manifestas irregularidades ocorridas na serventia extrajudicial, quando da lavratura de procuração na qual a recorrente figurava como outorgante, e, como outorgada, Lívia Marinete Pereira, tendo em vista a idade, condições pessoais da outorgante e ausência de vínculos familiares com a outorgada, causando-lhe prejuízos.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Opino.

O presente expediente administrativo foi instaurado a partir de comunicação encaminhada por esta Eg. Corregedoria Geral, após informação prestada pelo D. Juízo da 35ª Vara Cível do Foro Central desta Comarca, envolvendo supostas irregularidades quando da lavratura de procuração e de escritura pública de compra e venda, ambas do 1º Tabelião de Notas da Capital.

Objetivamente, verifica-se que, em 20/07/2015, a recorrente outorgou procuração, por instrumento público, lavrada perante o 1º Tabelião de Notas da Capital.

E 21/10/2015, mencionada procuração foi utilizada pela outorgada para que vendesse imóvel da propriedade da outorgante à cunhada da outorgada, onde então residia, lavrando-se a respectiva escritura junto à mesma Serventia Extrajudicial.

Tais negócios jurídicos, todavia, deram azo à instauração de dois processos perante a 35ª Vara Cível do Foro Central, os autos n° 1115886-02.2015.8.26.0100 e n° 1132237-50.2015.8.26.0100, buscando a declaração de nulidade dos negócios jurídicos objetos dos instrumentos públicos.

Houve ainda propositura de ação de interdição da outorgante, distribuída à 3ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central, sob o n° 1115886-02.2015.8.26.0100.

A decisão recorrida foi tecnicamente precisa ao reconhecer os fatos relevantes para a apuração, em especial quanto à inexistência de elementos concretos a ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar.

O feito foi amplamente instruído; não haveria outras provas a serem produzidas na hipótese de eventual instauração de processo administrativo disciplinar.

Foram ouvidas em Juízo as partes interessadas, as testemunhas dos atos notariais realizados, bem como a preposta que as realizou (fls. 230/241).

Os fundamentos de invalidade dos negócios jurídicos dizem respeito à idade da outorgante, à época, com 93 anos, sua incapacidade de compreensão do ato, a ausência de prazo para a procuração e também a falta de vínculos consanguíneos entre outorgante e outorgada.

Bom se diga, desde já, que parte dos fundamentos da recorrente se batem no fato dela ter se visto “diretamente lesada” (fl. 299) com a lavratura dos referidos atos.

Contudo, o fato de a recorrente ter sido lesada com a lavratura dos atos não pode ser considerado como elementar da hipótese de incidência da responsabilidade disciplinar.

Ou seja, embora a tipicidade disciplinar não seja tão restrita quanto à penal, a ocorrência de dano ao usuário não é parte integrante das suas elementares.

Nunca é demais lembrar que a responsabilidade penal, civil e administrativa são, em regra geral, autônomas.

Independentemente da ocorrência ou não de dano, em matéria censória, o enfoque é outro: é preciso haver subsunção do fato à hipótese prevista como infração disciplinar, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.

Na hipótese, o fato da outorgante contar, à época, com 93 anos de idade não a fazia incapaz, por si só, para os atos da vida civil.

Aliás, a Lei nº 10.741/2003 assegura ao idoso todos os direitos inerentes à pessoa humana, não sendo possível privá-lo do acesso a todos os atos da vida civil, ressalvado manifesto risco de ofensa ou abuso contra a sua pessoa, nos termos do art. 2° do referido diploma:

Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

A mesma lei ainda veda a discriminação ao idoso, seja sob qual fundamento for:

Art. 4o Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

É verdade que o § 1° do referido artigo dispõe que: “É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso”. Contudo, essa prevenção ao risco somente poder ser levada a efeito quanto houver, de fato, manifestos e fundados motivos para se negar o acesso do idoso à lavratura de atos que apenas instrumentalizam sua declaração de vontade.

Se o cartão de assinatura (fl. 300) informa que a outorgante não assina por dificuldade em escrever, isso não a impossibilita de outorgar mandatos, também sob o mesmo fundamento, até porque o ato foi lavrado por instrumento público. E para essa hipótese existe a assinatura a rogo, que foi o que ocorreu.

E não há nada nos autos que comprove que a vontade da outorgante não era aquela declarada, ou seja, que ela não queria outorgar aquela procuração para aquela determinada pessoa e com aqueles determinados poderes.

Fosse assim, entraríamos no terreno perigoso do relativismo, pois dificilmente saberíamos dizer então qual é a idade limite para que se outorgue procuração livremente, não se sabendo se aos 90, 95, 85 anos ou outra idade qualquer.

Qualquer escolha que não fosse fundada em critérios previstos em lei significaria diferenciação injustificada e inconstitucional, por ofensa ao art. 5° da Constituição Federal, e poderia, em tese, caracterizar o tipo penal do art. 96, do Estatuto do Idoso.

E nem se diga que, por ter a outorgante parente consanguíneo (irmãos e sobrinhos), o Tabelião teria responsabilidade disciplinar por não dar preferência a eles.

Não existe qualquer disposição legal dando preferência a parentes, no momento de outorga de mandatos. Ora, o outorgante outorga poderes a quem ele quiser, de acordo com seu grau de confiabilidade no fiel cumprimento dos poderes outorgados.

É comum, inclusive, que pessoas tenham mais afinidade e confiança com amigos sem vínculo de sangue do que em relação a parentes em linha reta ou colateral.

Também não há que se falar em instauração disciplinar porque a procuração foi outorgada sem prazo. O Item 131 das Normas de Serviço traduz uma recomendação que, é claro, deve ser seguida, mas especialmente quando insinuado risco concreto de comprometimento patrimonial do idoso, o que não estava claro na hipótese.

Ademais, o referido Item limita o prazo a 1 ano e a um negócio jurídico determinado, o que não faria qualquer diferença no caso, já que a escritura de compra e venda foi lavrada no dia seguinte e bastaria então que se fizesse com poderes específicos para a venda de imóvel.

Repita-se, as regras normativas acima descritas são cautelas que devem ser tomadas e observadas, mas a sua ausência, por si só, não podem servir para punir, quase que automaticamente, o Tabelião, sob risco de má interpretação dos institutos que dão fundamento à responsabilidade disciplinar administrativa.

A recorrente formula várias indagações sobre os atos lavrados; se é normal lavrar procuração com poderes para promover despejos e cobranças, se a outorgante não tinha inquilinos, se é normal outorgar poderes para rescisão trabalhista, se a idosa não possui empresa nem empregados, e se é normal outorgar poderes para requerer inventário a terceiros, já que a idosa tem familiares diretos que poderiam fazê-lo.

Contudo, diz o art. 31, I e II, da Lei nº 8.935/1994, que:

Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:

I a inobservância das prescrições legais ou normativas;

II a conduta atentatória às instituições notariais e de registro;

Já o item 1.3, do Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça tem a seguinte redação:

1.3. É seu dever recusar, motivadamente, por escrito, a prática de atos contrários ao ordenamento jurídico e sempre que presentes fundados indícios de fraude à lei, de prejuízos às partes ou dúvidas sobre a manifestação de vontade.

Uma vez manifestado pelas partes a intenção de efetivarem o ato notarial sob a responsabilidade legal do notário, ele passa a ter o dever legal de atuação, somente podendo se recusar a fazê-lo em casos de impedimento legal, físico ou ético, dúvida quanto à identidade ou capacidade das partes, dentre outras hipóteses restritas.

Se não há impedimento legal manifesto, não cabe ao notário se recusar a pratica do ato, seja por achar que determinada pessoa não represente uma boa procuradora, seja por entender que os poderes conferidos deveriam ser mais ou menos amplos.

Cabe, sim, o aconselhamento jurídico, a qualificação do ato pretendido e a orientação das partes quanto a eventual invalidade ou ineficácia do ato, o que, pela prova trazida, ocorreu na hipótese.

Recusar-se a fazê-lo, sem que haja impedimento legal absoluto, não seria lícito.

E a ausência de critério legal para a recusa é que retira a culpa do ato do notário, ou mesmo a existência de ato contrário à normatização correicional, que justifique a instauração de procedimento administrativo disciplinar.

No dizer da doutrina:

Em ambos os quadros [dolo e culpa em sentido estrito] a culpa é um mal, porque sempre implica uma desordenação voluntária relativa aos fins exigíveis da conduta humana. É exatamente porque se poderia e deveria agir de outro modo, para assim cumprir os fins a que se tinham por devidos, que alguém pode dizer-se culpado em dada situação concreta. Se, pois, a culpa pressupõe a possibilidade de ter agido de outra maneira, são seus pressupostos indispensáveis (i) a contingência da ação e (ii) a liberdade de agir ou não agir, bem como a liberdade de agir de um modo ou de outro. Assim sendo, não há culpabilidade possível quanto não haja contingência na conduta e liberdade no exercício (a de agir ou não agir) e de especificação (a de eleger os meios de agir).

Além disso, não é vedado seja testemunha do ato quem faça tratamento psicológico ou psiquiátrico, o que não retira a capacidade civil da pessoa natural, como foi o caso da Sra. Maria de Fátima Ribeiro.

É claro que a repercussão dos atos lavrados na serventia gerou (ou pode ter gerado) prejuízos a terceiros, mas isso é matéria de competência da esfera criminal e civil, não administrativa, pois tal repercussão diz respeito à conduta dos supostos fraudadores, esses sim, caso tenham agido com culpa ou dolo, devem ser responsabilizados.

O que não se pode é usar os prejuízos materiais como fundamento para apuração disciplinar do Tabelião.

A instrução feita pelo MM° Corregedor Permanente foi exaustiva na prova a ser produzida, não havendo, ao longo dos depoimentos e documentos colhidos, qualquer prova de vínculo determinante entre a atividade da escrevente e a suposta fraude levada a efeito.

Há, inclusive, imagens da outorgante ingressando na serventia extrajudicial (fls. 182/184), mas sem detalhes quanto à lavratura do ato.

A própria sobrinha da recorrente, em suas declarações, confessou que a sua tia já havia outorgado procuração anteriormente e que, à época, ela entendeu perfeitamente a amplitude dos poderes que seriam conferidos.

A sobrinha também confessa o motivo pela qual a idosa não outorgou a procuração para ela: elas haviam brigado. Natural, assim, que a idosa preferisse outorgar procuração para outra pessoa sem vínculo de consanguinidade.

Isso se colhe do seguinte trecho de seu depoimento (fl. 231/232):

Que em março de 2015 a Sra. Odila outorgou uma procuração para a depoente. Que o cartório foi bem rígido ao explicitar a Sra. Odila as consequências de outorgar uma procuração. Nesta ocasião a Sra. Odila tinha entendimento. Que depois disso a tia da depoente foi melhorando. Que após uma viagem da depoente, houve um desentendimento entre a Sra. Odila e a depoente porque a Sra. Odila achou que ela teria vendido seu gato e a depoente se afastou de sua tia. Que nesta oportunidade lavrou um termo de devolução de algumas coisas de sua tia que estavam na sua posse. Que a depoente somente tomou contato novamente com a Sra. Odila quando uma prima informou que a tia estava morrendo, internada no hospital São Camilo. Que a depoente foi impedida de visitar a tia.

De sua parte, a escrevente que praticou o ato afirmou que compareceram a outorgante, outorgada e testemunhas, lembrando-se que se tratava de pessoa idosa. Nada disse que pudesse levar à conclusão de que teria praticado falha manifesta no atendimento e orientação das partes (fl. 235/236).

A testemunha Jacinta Alves de Medeiros declarou as circunstâncias do ato, além do motivo pelo qual a outorgante não preferiu entregar os poderes para algum parente, já que ela “comentava já há algum tempo sobre a procuração. Que queria fazer a procuração para Lívia porque não queria deixar nada para a família.” (fl. 237).

Quanto a esse desentendimento com a família, a própria recorrente, como dito, confessa que ele existia, o que explica o fato da outorga ter sido feita em favor de terceira pessoa.

A mesma testemunha também asseverou:

Que varias perguntas foram feitas para Dona Odila no sentido de porque queria lavrar uma procuração para Lívia. Que Dona Odila estava totalmente lúcida. Que Dona Odila assinava documentos na ocasião. Que a Dona Odila assinou a procuração. Que a Dona Odila estava muito tranquila naquela situação e ficou muito feliz com o ato. (fl. 237).

Tais circunstâncias foram repetidas também pelas demais testemunhas (fl.238/240), que confirmaram a higidez do ato notarial, ressalvadas algumas pequenas contradições, naturais em depoimentos de testemunhas.

Essa é a prova da apuração administrativa, o que afasta a necessidade de procedimento disciplinar específico.

Não é demais lembrar que a função notarial comporta certa independência e discricionariedade. Por outro enfoque, também não lhe é permitido se negar à prática do ato notarial apenas com base em impressões pessoais.

Além disso, apesar do notário ser um aconselhador, ao mesmo tempo ele está vestido de neutralidade, não podendo tomar posição e assumir o que está reservado à liberdade de declaração de vontade das partes.

Assim, a prestação notarial é de caráter obrigatório e não pode ser recusada, ressalvadas as hipóteses legais de impedimento subjetivo, nulidade e manifesta impossibilidade física ou mental.

Como dito, a recusa à lavratura do ato tão somente em função da idade ou falta de vínculos de parentesco poderia caracterizar indevida distinção de tratamento, com base exclusivamente no critério de idade e direito de opção da outorgante, em violação ao art. 5º da Constituição Federal.

Ausente impedimento legal para o ato que se realizava, ou seja, ausente a ilicitude absoluta do objeto em si, eventual responsabilidade administrativa do notário pela lavratura do ato caracterizaria o reconhecimento da culpa pela falta de consideração de elementos que, em linhas finais, ligam-se apenas à eficácia legal do ato, seja por nulidade absoluta, seja por nulidade relativa.

A fé pública do instrumento notarial não diz respeito, como regra geral, ao conteúdo da vontade declarada pelas partes, mas sim quanto à existência da declaração em si e, naturalmente, seus efeitos.

Exigir-se-ia do notário a prévia apuração da veracidade das declarações dos comparecentes, a fim de se verificar a existência ou não de ato simulado ou anulável por erro ou dolo, o que, no sistema brasileiro, não se admite.

Não poderia o notário afirmar fraude à lei ou vício na manifestação de vontade tão somente com base na idade avançada, dificuldades de visão e inexistência de vínculo de parentesco entre as partes, sem que ultrapassasse os limites legais de sua atuação, já que não há vedação legal para a ocorrência de nenhuma dessas circunstâncias.

Eventual nulidade ou ineficácia declarada por iniciativa de qualquer interessado não significa o reconhecimento de culpa do notário. O objeto era lícito, as partes, ao menos ao tempo de sua prática, eram capazes e a forma estava sendo observada.

O elemento subjetivo, aqui, não pode ser relegado a um segundo plano, certo que:

O agente deve ter praticado o ato tido por ilícito com a intenção de realizar a conduta ou, ao menos, faltando com o deve de cuidado na vigilância dos atos praticados por seus funcionários ou mesmo por ter dado orientações errada ou incompatíveis com a boa e leal prestação da função pública.

Em situação semelhante, a Câmara Especial deste E. Tribunal decidiu neste sentido, nos autos do Recurso Administrativo n° 0048142-07.2015.8.26.0100, em trecho do voto do E. Relator Desembargador SALLES ABREU:

Não se exige deste a investigação da veracidade das declarações, nem de eventual ineficácia por conta de nulidade a ser arguida e demonstrada por terceiro interessado. A possível existência de fraude, quando vinculada ao aspecto subjetivo da manifestação de vontade, como no caso de reserva mental, não permite a interferência do notário, por significar um julgamento da vontade final e dissimulada pela vontade declarada. A fraude apta à recusa de lavratura do ato é objetiva, verificável entre o objeto da declaração e o ordenamento jurídico, e não em relação à causa ou intenção das partes, isentos da investigação pessoal do notário. Nem se diga, em complemento, que a escolha do regime de bens para a união estável que seja vedada ao cônjuge idoso, aceita pelo notário no ato declaratório, caracterizaria sua culpa administrativa a justificar a punição impugnada. A uma porque a declaração de como desde o passado teriam os companheiros estabelecido o regime de bens não estaria impedido pela existência de um regime legal. É que, diversamente do casamento, o regime de bens declarados na escritura declaratória de união estável tem efeito ex tunc, refletindo algo que já é quanto à relação patrimonial escolhida pelos companheiros, desde quando iniciada a convivência, enquanto no casamento o regime de bens tem efeitos ex nunc. Não caberia ao notário, assim, questionar algo que já é, conforme a declaração dos interessados, embora orientando-os quanto à possível ineficácia da escolha dos companheiros. A duas porque de duvidosa constitucionalidade o dispositivo que impõe regime legal de bens aos cônjuges maiores de 70 anos (art. 1.641, II, CC) autorizando a pretensão ao afastamento pelos companheiros, os quais poderiam buscar a manutenção da eficácia externa em caso de questionamentos por terceiros.  Por tais ângulos, não se vê, por parte do apelante, cometimento de ilícito administrativo culposo, seja pela inevitabilidade do ato pretendido pelos declarantes, seja pela ausência de quebra de um dever legal a caracterizar conduta culposa. E sem tal conduta culposa, não há que se falar em responsabilidade disciplinar. A responsabilidade disciplinar administrativa do notário ou do registrador não pode prescindir da verificação de conduta dolosa ou culposa do imputado.

Assim, tendo em vista que o pedido de providências esgotou totalmente a prova, após fiel apuração dos fatos, tem-se que o ato notarial realizado não exige a instauração de processo administrativo disciplinar, por não poder ser qualificado como culposo, especialmente à míngua vício ou divergência entre a vontade declarada e a vontade querida dos declarantes.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 27 de fevereiro de 2018.

Paulo Cesar Batista dos Santos
Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO

Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, para negar provimento ao recurso.

São Paulo, 02 de março de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça

Fonte: IRIB | 23/04/2018.

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CGJSP – PROTESTO. CHEQUE – VALOR – LITERALIDADE. TÍTULO DE CRÉDITO – AUTONOMIA – LITERALIDADE.

Valor por extenso de quantia incompreensível e inexistente – Impossibilidade de superação do vício por meio da relação jurídica determinante de seu saque – Princípios da Literalidade e Autonomia – Recusa do protesto correta – Recurso não provido.

CGJSP – PROCESSO: 211.185/2017
LOCALIDADE: Sorocaba DATA DE JULGAMENTO: 08/03/2018 DATA DJ: 19/03/2018
RELATOR: Geraldo Francisco Pinheiro Franco
LEI: LPT – Lei de Protestos – 9.492/1997 ART: 9 PAR: único
LEI: LO – Lei do Cheque – 7.357/85 ART: 12
LEI: CC2002 – Código Civil de 2002 – 10.406/2002 ART: 887

PROTESTO DE CHEQUE – Valor por extenso de quantia incompreensível e inexistente – Impossibilidade de superação do vício por meio da relação jurídica determinante de seu saque – Princípios da Literalidade e Autonomia – Recusa do protesto correta – Recurso não provido.

ÍNTEGRA

PROCESSO Nº 2017/211185 – SOROCABA – PSA CONSULTORIA E ASSESSORIA LTDA. – ADVOGADO: SYLVIO MOREIRA DE OLIVEIRA, OAB/MG 121.080.-(E-96/2018) – DJE DE 19.3.2018, P. 37.

PROTESTO DE CHEQUE – Valor por extenso de quantia incompreensível e inexistente – Impossibilidade de superação do vício por meio da relação jurídica determinante de seu saque – Princípios da Literalidade e Autonomia – Recusa do protesto correta – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto contra r. sentença que manteve recusa do protesto de cheque.

Sustenta o recorrente o cabimento do protesto do cheque apresentado em virtude da presença dos requisitos legais (a fls. 32/72).

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (a fls. 99/101).

É o relatório.

Opino.

No cheque apresentado para protesto consta por extenso: “três mil quintos reais e quarenta e seis centavos”.

O artigo 12 da Lei n. 7.357/85 dispõe:

Art . 12 Feita a indicação da quantia em algarismos e por extenso, prevalece esta no caso de divergência. lndicada a quantia mais de uma vez, quer por extenso, quer por algarismos, prevalece, no caso de divergência, a indicação da menor quantia.

Assim, a quantia indicada por extenso prevalece em relação ao escrito por algarismos (R$ 3.500,46).

Desse modo, está caracterizada a incerteza decorrente da incompreensão da quantia indicada por extenso – “três mil quintos reais e quarenta e seis centavos” – dada sua inexistência.

O título de crédito é um documento que por função concede certeza e segurança quanto ao direito nele declarado.

Estabelece o artigo 887 do Código Civil:

Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

Pelo princípio da literalidade somente tem valor o constante do título por escrito. A segurança jurídica envolve a limitação das obrigações ao escrito na cártula.

Afrontaria a teoria geral dos títulos de crédito a compreensão do valor constante do título por meio da consideração de elementos da obrigação que determinou seu saque ante a desvinculação entre o título de crédito e a relação jurídica antecedente (Princípio da Autonomia).

Nessa ordem de ideias, não é possível superar o vício existente (indicação por extenso de valor incompreensível) a partir da relação jurídica que determinou o saque do cheque.

A aceitação da cártula pelo banco não tem relevância para solução da questão objeto deste recurso administrativo, por não alterar o conteúdo do título.

Enfim, o princípio da literalidade limita as possibilidades de correção do vício existente no título de crédito.

Nessa perspectiva, foi correta a recusa do Sr. Tabelião de Protesto de Títulos nos termos do artigo 9º, parágrafo único, da Lei nº 9.492/97.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submete-se à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido do não provimento do recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 07 de março de 2018.

Marcelo Benacchio
Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO

Aprovo o parecer do MM Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso.

Publique-se.

São Paulo, 08 de março de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça

Fonte: IRIB | 23/04/2018.

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CGJSP – ESCRITURA PÚBLICA – RETIFICAÇÃO – ERRO MATERIAL. LOTE – ATRIBUIÇÃO – OCUPAÇÃO – EQUÍVOCO.

Retificação de escritura pública de compra e venda de imóvel – Título que atribui aos interessados imóvel diverso daquele referido no contrato celebrado e efetivamente ocupado – Situação que extrapola as específicas hipóteses de retificação previstas nos itens 53 e 54 do Capítulo XIV das NSCGJ por implicar modificação da declaração de vontade das partes e da substância do negócio jurídico realizado.

CGJSP – PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS: 1073694-83.2017.8.26.0100
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 13/03/2018 DATA DJ: 21/03/2018
RELATOR: Geraldo Francisco Pinheiro Franco
LEI: LNR – Lei de Notários e Registradores – 8.935/1994

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – Retificação de escritura pública de compra e venda de imóvel – Título que atribui aos interessados imóvel diverso daquele referido no contrato celebrado e efetivamente ocupado – Situação que extrapola as específicas hipóteses de retificação previstas nos itens 53 e 54 do Capítulo XIV das NSCGJ por implicar modificação da declaração de vontade das partes e da substância do negócio jurídico realizado – Recurso não provido.

ÍNTEGRA

PROCESSO Nº 1073694-83.2017.8.26.0100 – SÃO PAULO – IRACY DA SILVA SANTANA e OUTROS. – Advogada: MARTA ELIANE GAYA DA SILVA, OAB/SP 316.870. – (98/2018-E) – DJE DE 21.3.2018, P. 12.

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – Retificação de escritura pública de compra e venda de imóvel – Título que atribui aos interessados imóvel diverso daquele referido no contrato celebrado e efetivamente ocupado – Situação que extrapola as específicas hipóteses de retificação previstas nos itens 53 e 54 do Capítulo XIV das NSCGJ por implicar modificação da declaração de vontade das partes e da substância do negócio jurídico realizado – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Inconformados com a r. sentença[1] que desacolheu seu pedido, Iracy da Silva Santana, Juracy Maria Nepomuceno, Jurandir da Silva, Joel da Silva, Nilton da Silva, Nilson José da Silva, Carlos José da Silva, Leandro da Silva e Rafael da Silva interpuseram apelação objetivando a retificação da escritura pública lavrada perante o 8º Tabelionato de Notas de São Paulo para que seja sanado o erro material havido em relação ao número do lote negociado. Sustentam que o erro foi cometido pelo próprio notário e que a incorreção em nada se relaciona com a vontade das partes, razão pela qual seria desnecessária a lavratura de outra escritura pública[2].

Determinado o processamento do recurso[3], a Procuradoria Geral de Justiça, com o envio dos autos a esta E. CGJ, opinou por seu provimento[4].

É o relatório.

OPINO.

Inicialmente, importa observar que o recurso foi impropriamente denominado apelação, pois a hipótese em análise não se refere a procedimento de dúvida, restrito aos atos de registro em sentido estrito. Em verdade, nos presentes autos, discute-se a possibilidade de retificação de escritura pública lavrada no 8º Tabelionato de Notas da Capital, razão pela qual, tendo a parte manifestado seu inconformismo contra a r. decisão proferida no âmbito administrativo pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da serventia extrajudicial, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo[5].

Como é sabido, escritura pública é ato notarial que reflete a vontade das partes na realização de negócio jurídico, observados os parâmetros fixados pela Lei e pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, reproduzindo, portanto, exatamente aquilo que outorgantes e outorgados declararam ao Escrivão ou ao Escrevente. Bem por isso, há entendimento sedimentado desta Corregedoria Geral no sentido de que não pode o juiz substituir o notário ou uma das partes, retificando escrituras que encerram tudo quanto se passou e declarou perante aquele oficial[6].

No caso em análise, a escritura foi lavrada ainda no ano de 1991[7], tendo por objeto da compra e venda o lote 09, quadra 27, do loteamento Jardim Camargo, ao que tudo indica sem a apresentação do instrumento de contrato. À época, ainda não existiam os filtros e métodos de conferência hoje aplicáveis por força do disposto na Lei 8.935/94, de modo que a escritura acabou sendo lavrada em conformidade com as informações passadas pelas próprias partes interessadas, tal como esclareceu o Tabelião[8]. E porque a escritura não foi levada a registro, o erro ocorrido perpetuou-se no tempo.

É sabido que as escrituras públicas, em regra, não comportam retificação e devem ser corrigidas por meio de lavratura de nova escritura pública e não por determinação judicial. Não cabe ao juiz retificar escrituras que encerram tudo que se passou e foi declarado perante o Oficial, tanto que os livros de notas sequer apresentam colunas de averbações destinadas a tal fim, justamente por inexistir previsão legal a respeito. Sobre o tema, ensina Narciso Orlandi Neto que:

“Não há possibilidade de retificação de escritura sem que dela participem as mesmas pessoas que estiveram presentes no ato da celebração do negócio instrumentalizado. É que a escritura nada mais é que o documento, o instrumento escrito de um negócio jurídico; prova pré-constituída da manifestação de vontade de pessoas, explicitada de acordo com a lei. Não se retifica manifestação de vontade alheia. Em outras palavras, uma escritura só pode ser retificada por outra escritura, com o comparecimento das mesmas partes que, na primeira, manifestaram sua vontade e participaram do negócio jurídico instrumentalizado”[9].

E arremata com a lição de Pontes de Miranda:

“(…) falta qualquer competência aos Juízes para decretar sanções e, até, para retificar erros das escrituras públicas: escritura pública somente se retifica por outra escritura pública, e não por mandamento judicial”[10].

A despeito disso, nos casos em que a retificação decorre de mero erro material, perceptível pela simples confrontação de documentos ou outras provas com o erro alegado, excepcionalmente se admite a retificação.

No caso concreto, em que pese a alegação dos recorrentes de que o lote negociado e efetivamente entregue era outro, qual seja, o lote 10 da quadra 27, localizado no referido loteamento, não há como se afirmar que se trate de mero erro material.

Com efeito, na escritura em análise o alegado equívoco recaiu sobre o objeto do contrato de compra e venda, ou seja, sobre o lote efetivamente comercializado entre as partes, de modo que não se cuida de erro material evidente.

A existência de um contrato de compra com referência a outro lote em nada altera tal conclusão, pois a modificação da descrição do lote negociado entre as partes na escritura de compra e venda implica alteração do imóvel vendido. Ou seja, haveria indevida interferência na manifestação de vontade das partes que já a deixaram consignada formalmente no título lavrado. Igualmente, o fato de o cadastro da Prefeitura de São Paulo atribuir corretamente o imóvel aos recorrentes é irrelevante. Assim se afirma, pois os pressupostos para a alteração do nome do proprietário de imóvel na Prefeitura não se confundem com as exigências legais e normativas formuladas pelo registrador, agente público cuja função principal é zelar pela correção dos dados inscritos.

Acrescente-se que possibilidade de retificação de mero erro material não autoriza a correção de equívoco cometido pelos próprios interessados, que teriam alienado imóvel diverso daquele descrito. A propósito, preceituam os itens 53 e 54 do Capítulo XIV das NSCGJ:

“53. Os erros, as inexatidões materiais e as irregularidades, constatáveis documentalmente e desde que não modificada a declaração de vontade das partes nem a substância do negócio jurídico realizado, podem ser corrigidos de ofício ou a requerimento das partes, ou de seus procuradores, mediante ata retificativa lavrada no livro de notas e subscrita apenas pelo tabelião ou por seu substituto legal, a respeito da qual se fará remissão no ato retificado.

53.1. São considerados erros, inexatidões materiais e irregularidades, exclusivamente: a) omissões e erros cometidos na transposição de dados constantes dos documentos exibidos para lavratura do ato notarial, desde que arquivados na serventia, em papel, microfilme ou documento eletrônico; b) erros de cálculo matemático; c) omissões e erros referentes à descrição e à caracterização de bens individuados no ato notarial; d) omissões e erros relativos aos dados de qualificação pessoal das partes e das demais pessoas que compareceram ao ato notarial, se provados por documentos oficiais.

54. Os erros, as inexatidões materiais e as irregularidades, quando insuscetíveis de saneamento mediante ata retificativa, podem ser remediados por meio de escritura de retificação ratificação, que deve ser assinada pelas partes e pelos demais comparecentes do ato rerratificado e subscrita pelo Tabelião de Notas ou pelo substituto legal.

Como se vê, a retificação de escritura pode ser levada a efeito por dois modos: a) ata retificativa; e b) escritura de retificação.

De acordo com o item 53.1 acima transcrito, apenas quatro tipos de erros, inexatidões materiais e irregularidades admitem a via da retificação. Isso ocorre justamente porque a retificação da escritura é uma providência anormal e o alargamento de suas hipóteses poderia dar azo a fraudes e insegurança jurídica.

O caso que aqui se analisa não se enquadra em nenhuma das hipóteses descritas no item 53.1. A que mais se aproxima letra “c” do item 53.1 (omissões e erros referentes à descrição e à caracterização de bens individuados no ato notarial) pressupõe indicação correta do bem (bens individuados no ato notarial), embora com descrição errada, o que não se dá nesse caso, em que o imóvel negociado teria sido outro que não aquele consignado no ato.

Ressalte-se que, não obstante o item 54, que trata da escritura de retificação, não tenha repetido a parte inicial do item 53, que trata da ata retificativa, a ambas se aplicam as seguintes condições para retificação do ato notarial: desde que não modificada a declaração de vontade das partes, nem a substância do negócio jurídico realizado.

A admissão da inscrição da retificação pretendida pelos recorrentes, nessa situação, infringiria esses dois pressupostos, pois a vontade das partes seria alterada uma vez que não há qualquer indício de que o tabelião que lavrou a escritura de compra e venda tenha se equivocado ao mencionar o número do lote e todas suas confrontações assim como a substância do negócio jurídico pois a determinação da coisa é elemento constitutivo da compra e venda realizada.

Isso sem contar que, a partir da data da confecção da escritura de compra e venda (1991, cf. fls. 38/40), os interessados somente se preocuparam em registrá-la depois do falecimento do comprador do imóvel, o que, no entanto, não foi possível dada a divergência agora constatada.

Tendo em vista que a retificação surtirá efeitos ex tunc, pois não há como se defender que os efeitos sejam produzidos a partir da pretendida correção, difícil até mesmo de se antever quais as implicações que essa determinação poderia provocar, sobretudo porque não se sabe qual a real situação do imóvel constante da escritura e por ser um dos interessados falecidos.

Destarte, é possível afirmar que, no ambiente administrativo, ainda que perante o Poder Judiciário, mas fora do processo contencioso, a questão levantada pelos recorrentes não se resolve com a simples retificação das inscrições questionadas, lançadas na escritura pública de compra e venda.

Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de ser recebida a apelação como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário Estadual, e de ser negado provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 08 de março de 2018.

STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA
Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO

Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento.

Publique-se.

São Paulo, 13 de março de 2018.

PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça


[1] Fls. 124/126.
[2] Fls. 133/140.
[3] Fls. 148.
[4] Fls. 157/159.
[5] Artigo 246 – De todos os atos e decisões dos Juízes corregedores permanentes, sobre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.
[6] Nesse sentido: “TABELIÃO DE NOTAS – Retificação de escritura pública de compra e venda – Impossibilidade – Inexistência de erro – Ato lavrado corretamente, em 8 consonância com os documentos apresentados – Recurso não provido”. (CGJ – Processo n° 2014/155532 – Parecer: ANA LUIZA VILLA NOVA  Corregedor Geral da Justiça: HAMILTON ELLIOT AKEL  j. em 18.12.2014); RECURSO ADMINISTRATIVO – Pedido de Providências – Registro de escritura pública de venda e compra – Alegação de interpretação, pelo registrador, que não teria correspondido à real intenção das partes contratantes – Redação em que se  menciona a alienação de 1/3 do usufruto e de 2/3 da nua propriedade – Registros que correspondem à manifestação de vontade contida no título – Atos praticados no ano de 1984, sem qualquer questionamento pelas partes do negócio jurídico, uma delas já falecida – Pedido de providências rejeitado – Recurso desprovido. Parecer: TATIANA MAGOSSO – Corregedor Geral da Justiça: PEREIRA CALÇAS,  j. em 18.12.2014 [NE: Processo CG 155.532/2014]).
[7] Fls. 38/40.
[8] Fls. 121/123.
[9] “Retificação do Registro de Imóveis”. Juarez de Oliveira, p. 90.
[10] Cf. R.R. 182/754 – “Tratado de Direito Privado”. Parte Geral. Tomo III. 3ª ed. 1970. Borsoi. § 338. p. 361

Fonte: IRIB | 23/04/2018.

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