Registro Civil de Pessoa Jurídica – Averbação de ata de assembleia geral de eleição de diretoria – Recusa, por constar da redação do estatuto, ao lado das práticas estritamente religiosas, atividades de musicalização, alfabetização e outras – Natureza mista das atividades da entidade religiosa, ensejando o registro como associação, ou alteração do estatuto para que suas atividades sejam restritas ao culto religioso e à liturgia – Juízo negativo de qualificação registral confirmado – Pedido de providências improcedente – Recurso Provido.

Número do processo: 1096194-80.2016.8.26.0100

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 214

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1096194-80.2016.8.26.0100

(214/2017-E)

Registro Civil de Pessoa Jurídica – Averbação de ata de assembleia geral de eleição de diretoria – Recusa, por constar da redação do estatuto, ao lado das práticas estritamente religiosas, atividades de musicalização, alfabetização e outras – Natureza mista das atividades da entidade religiosa, ensejando o registro como associação, ou alteração do estatuto para que suas atividades sejam restritas ao culto religioso e à liturgia – Juízo negativo de qualificação registral confirmado – Pedido de providências improcedente – Recurso Provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Inconformado com a sentença que rejeitou pedido de providências, determinando averbação de ata da assembleia geral com eleição da diretoria da Igreja Evangélica Assembleia de Deus Bereana, recorreu o Ministério Público de São Paulo, aduzindo, em síntese, que, consoante já decidido por esta Corregedoria Geral de Justiça, atividades alheias ao culto e à propagação da fé – como projetos culturais e sócio educacionais –, ainda que levem a tal resultado, não podem ser englobadas nas ações das organizações religiosas. Prosseguiu sustentando que a subsunção de uma pessoa jurídica à condição legal de organização religiosa tem caráter excepcional e merece interpretação restritiva.

Em nova manifestação, o 4º Oficial de Registro de Títulos e Documentos da Capital afirmou ter revisto seu posicionamento, passando a considerar que o título era passível de ingresso, em razão da ampliação do conceito de organização religiosa, especialmente tendo em vista o advento da Lei n. 13.019/2014, que teria posto fim a qualquer dúvida quanto à possibilidade de realizarem atividades que não tenham fins exclusivamente religiosos.

Sobrevieram, ainda, contrarrazões recursais, pela mantença do julgado.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.

É o relatório.

A recorrida pediu a averbação da ata de assembleia geral de eleição de sua nova diretoria, tendo sido recusada a teor de que “As organizações religiosas devem possuir em seus objetivos e finalidades sociais apenas questões ligadas às atividades espirituais e/ou religiosas.(…) Dessa forma, torna-se necessário apresentar para registro ata da assembleia geral que deliberou a respeito da alteração do artigo 2º do estatuto social” (nota de devolução de fls. 06).

Em que pese a revisão de posicionamento pelo Oficial Registrador, entendo ter sido corretamente lançada a nota de devolução.

Com efeito, em recente julgado do Conselho Superior da Magistratura, nos autos da Apelação Cível n. 102.3847-89, de relatoria de Vossa Excelência, reafirmou-se o entendimento restritivo quanto ao conceito de organização religiosa.

No caso ali analisado, a Igreja Apostólica Fonte da Vida continha em seu estatuto previsão de desenvolvimento de atividades estranhas à pregação de sua fé, abrangendo estabelecimento de “escolas e faculdades não confessionais, promoção de cursos profissionalizantes e outras iniciativas direcionadas ao incremento de políticas sociais básicas de saúde, recreação, esporte, cultura e lazer”.

Diante da abrangência das atividades da entidade mencionada, entendeu-se que, sobre não se dedicar exclusivamente ao culto e à liturgia, não poderia ser beneficiada pela liberdade e informalidade previstas no art. 44, parágrafo 1º, do Código Civil, não se tratando de organização religiosa em sentido estrito.

Ali se destacou que a entidade, ao desenvolver atividades mistas, não se restringindo à propagação de sua fé, assumiu a condição de associação.

Respeitado o douto entendimento divergente, considero que o precedente mencionado se enquadra exatamente no caso em análise, uma vez que a Igreja Evangélica Assembleia de Deus Bereana tem, dentre suas finalidades estatutárias, a de “desenvolver projetos culturais e sócio-educacionais, tais como: alfabetização, musicalização, estudos bíblicos, teológicos e outros, através da realização de palestras, seminários e afins. A Igreja poderá criar e manter instituições culturais e educacionais, que terão regimentos próprios, para a formação moral, intelectual e religiosa dos indivíduos, de acordo com sua visão ministerial e de conformidade com a Bíblia Sagrada” (Artigo 2°, IV, fls. 28 – grifos nossos).

A leitura do artigo acima indicado não deixa margem à dúvida de que as atividades da entidade em questão vão além do culto e da liturgia, incluindo o desenvolvimento de projetos culturais e sócio educacionais, dentre os quais a alfabetização e a musicalização são apenas alguns exemplos, tendo em vista a expressão “dentre outros”, que os precede. Ainda, há previsão de criação de instituições culturais e educacionais, inclusive para formação intelectual dos indivíduos, os quais sequer se restringem aos próprios fiéis.

Cuida-se de finalidade bastante abrangente, que dá margem ao desenvolvimento de atividades não relacionadas diretamente com o culto e a liturgia.

No precedente acima indicado, citou-se parecer aprovado nos autos do processo n. 147.741/2013, pelo Desembargador Hamilton Elliot Akel: “Com auxílio do escólio de Pontes de Miranda, lá se destacou: as pessoas jurídicas que, ao lado das atividades religiosas, dedicam-se, sem fins econômicos, à prestação de serviços educacionais, culturais, recreativos, esportivos, entre outros, não se encaixam, para os fins do § 1° do art. 44 do CC, no conceito de organizações religiosas, submetendo-se, por conseguinte, ao regimejurídico das associações.”

Ressaltou-se, inclusive, que a classificação da pessoa jurídica de direito privado como organização religiosa ou como associação não repercutiria na possível imunidade tributária de que possa se beneficiar, não sendo tal benefício privativo de organizações religiosas.

Não se ignora o disposto na Lei n. 13.019, de 13 de julho de 2014, especialmente em seus arts. 2°, I, c e 84-C, XII. Entretanto, tais dispositivos legais devem ser interpretados à luz do ordenamento jurídico vigente e, em especial, do art. 5º, VI, da Constituição Federal.

Consoante exposto nos autos do precedente acima indicado, “A CF, art. 5º, VI, assegura a liberdade de exercício de cultos religiosos e garante, na forma da lei, ‘a proteção aos locais de culto e a suas liturgias’. Vê-se que a liberdade de organização religiosa está limitada às finalidades de culto e liturgia. Somente para esses fins pode ser consideradaorganização religiosa e assim registrada. Se a comunidade religiosa desenvolve outras atividades, de caráter econômico, como instituições educacionais ou empresariais, estas não se consideram incluídas no conceito de ‘organizações religiosas’ para os fins da Constituição e do Código Civil, pois não destinadas diretamente para culto ou liturgia.”

Em suma, o Legislador, ao fazer referência a organizações religiosas na Lei 13.019/2014, não foi preciso na expressão adotada, referindo-se a entidades religiosas que também desenvolvam outras atividades, ou seja, organizações religiosas em sentido amplo e não no sentido estrito do art. 44, parágrafo primeiro, do Código Civil e art. 5º, VI, da Constituição Federal.

Pelas razões expostas, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, é no sentido de se dar provimento ao recurso, julgando-se procedente o pedido de providências e, em consequência, mantendo-se a recusa de averbação.

Sub censura.

São Paulo, 19 de maio de 2017.

Tatiana Magosso

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo, pelas razões expostas, o parecer da MM. Juíza Assessora, para o fim de dar provimento ao recurso administrativo, mantendo o óbice ao ingresso do título. Publique-se. São Paulo, 23 de maio de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogada: ANA CRISTINA WRIGHT WELSH, OAB/SP 180.368.

Diário da Justiça Eletrônico de 15.09.2017

Decisão reproduzida na página 243 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura de instituição de servidão predial – Desqualificação – Manutenção das exigências pela MM. Juíza Corregedora Permanente – Imóveis dominante e servientes pertencentes ao mesmo proprietário – Notícia, ademais, de que a servidão visa à realização de parcelamento irregular do solo, com a abertura irregular de via pública – Impossibilidade da inscrição – Recurso improvido.

Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000862-76.2016.8.26.0071
Comarca: BAURU

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071

Registro: 2017.0000990289

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que são partes é apelante GCKON PARTICIPAÇÕES LTDA., é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE BAURU.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento. v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), PAULO DIMAS MASCARETTI(PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 12 de dezembro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071

Apelante: Gckon Participações Ltda.

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Bauru

VOTO Nº 29.819

Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura de instituição de servidão predial – Desqualificação – Manutenção das exigências pela MM. Juíza Corregedora Permanente – Imóveis dominante e servientes pertencentes ao mesmo proprietário – Notícia, ademais, de que a servidão visa à realização de parcelamento irregular do solo, com a abertura irregular de via pública – Impossibilidade da inscrição – Recurso improvido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por GCKON Participações Ltda. contra a sentença de fls. 304/306, que julgou procedente a dúvida registrária, mantendo a recusa ao registro de escritura pública de instituição de servidão predial relativa a imóveis matriculados no 2º Registro de Imóveis de Bauru.

Sustenta a apelante, em resumo, que a figura da servidão por destinação é aceita pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pelos Tribunais Superiores; que a situação de seus imóveis é regular perante a Prefeitura de Bauru; e que a inscrição pretende regularizar situação consolidada. Pede, for fim, a reforma da sentença de primeiro grau (fls. 312/320).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 337/340).

É o relatório.

Segundo consta, a apelante apresentou no 2º Registro de Imóveis de Bauru a escritura pública copiada a fls. 11/16, por meio da qual, na condição de outorgante e de outorgada, institui servidão em favor de dez imóveis de sua propriedade (matrículas nº 105.191, 105.192 105.195, 105.196, 115.771, 115.772, 113.011, 113.012, 113.013 e 113.014), figurando como serviente outro imóvel de que é titular (matrícula nº 105.197).

O título foi desqualificado por duas razões: a) não há previsão legal de instituição de servidão predial na hipótese de os imóveis serviente e dominante serem do mesmo titular; e b) a qualificação positiva aparentemente implicaria parcelamento irregular do solo urbano (fls. 2).

Suscitada a dúvida, ambas as exigências foram mantidas pela MM. Juíza Corregedora Permanente (fls. 304/306).

Agora, apela GCKON Participações Ltda., pedindo a reforma da sentença de primeiro grau.

O recurso não vinga.

Preceitua o artigo 1.378 do Código Civil:

Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis.

A leitura do dispositivo legal mostra que um dos pressupostos da servidão é que os imóveis dominante e serviente sejam de titularidade dominial diversa. E isso aqui não ocorre, pois o imóvel dominante e os dez servientes são todos de propriedade da apelante.

Não se ignora que a doutrina e a jurisprudência reconhecem que uma servidão pode ser constituída por destinação do proprietário, quando esse, titular de domínio de dois imóveis, estabelece uma serventia de um prédio sobre o outro.

No entanto, mesmo nesse caso, para que se reconheça que a mera serventia se tornou servidão, imprescindível a diversidade de proprietários. Sobre o tema, citando a lição de Washington de Barros Monteiro, ensina Carlos Roberto Gonçalves:

A servidão nasce, portanto, no momento em que os prédios passam a pertencer a donos diversos, deixando de ser mera serventia do anterior e único proprietário.

(…)

Esse modo de constituição das servidões subordina-se, segundo a lição de Washington de Barros Monteiro, ao concurso de três requisitos: ‘a) o estado visível da coisa, existência de obras que revelem a destinação; b) a separação dos dois prédios, que passam a pertencer a proprietários diferentes; c) a falta de declaração contrária ao estabelecimento da servidão’” [1].

Ou seja, para que a serventia possa ser tida como servidão, indispensável que os imóveis passem a ter diferente proprietários.

Se não bastasse esse obstáculo de ordem formal, a segunda exigência, que diz respeito ao possível parcelamento irregular do solo, também deve ser mantida.

Com efeito, em que pesem as alegações da apelante, o Município de Bauru, intimado neste procedimento administrativo, afirmou, de modo categórico, que a instituição das servidões aqui analisadas visa ao parcelamento irregular do solo. Explicou, confirmando a suspeita do registrador, que a apelante realizou desdobros da gleba original sem autorização do Poder Público, comercializou as áreas resultantes e agora, sem projeto de loteamento, pretende instituir as servidões justamente para que elas façam as vezes de rua (fls. 153/161).

Considerando esses fatos e que o parcelamento do solo urbano deve observar os ditames da Lei nº 6.766/79 e do Plano Diretor Municipal, não se pode admitir manobra que tenha por objetivo driblar disposições cogentes que visam a organizar a ocupação da cidade.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Direito Civil Brasileiro, Volume V: Direito das Coisas 2ª ed. rev. e atual. Saraiva 2008, p. 431 (DJe de 15.03.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações | 15/03/2018.

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CSM: Registro de Imóveis – Mandado de usucapião de lote – Desqualificação do título judicial, sob o argumento de que o imóvel está localizado em circunscrição imobiliária diversa (Itaquaquecetuba) – Comprovação de que o lote está inserido em Itaquaquecetuba – Princípio da territorialidade – Desqualificação correta – Título que deve ser apresentado no Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba – Bloqueio de matrícula pelo Registrador – Impossibilidade – Determinação administrativa do cancelamento da matrícula, em virtude de se referir a imóvel pertencente a outro Município – Apelação desprovida, com determinação.

Apelação nº 1001141-04.2016.8.26.0543

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001141-04.2016.8.26.0543
Comarca: SANTA ISABEL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1001141-04.2016.8.26.0543

Registro: 2017.0000803320

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1001141-04.2016.8.26.0543, da Comarca de Santa Isabel, em que são partes , é apelado OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS DA COMARCA DE SANTA ISABEL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, com determinação de cancelamento da matrícula nº 50.199 do Registro de Imóveis de Santa Isabel, V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 17 de outubro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1001141-04.2016.8.26.0543

Apelado: Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Santa Isabel

Interessado (Terceiro): Global Empreendimentos Ltda

VOTO N.º 29.829

Registro de Imóveis – Mandado de usucapião de lote – Desqualificação do título judicial, sob o argumento de que o imóvel está localizado em circunscrição imobiliária diversa (Itaquaquecetuba) – Comprovação de que o lote está inserido em Itaquaquecetuba – Princípio da territorialidade – Desqualificação correta – Título que deve ser apresentado no Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba – Bloqueio de matrícula pelo Registrador – Impossibilidade – Determinação administrativa do cancelamento da matrícula, em virtude de se referir a imóvel pertencente a outro Município – Apelação desprovida, com determinação.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Global Empreendimentos Ltda. contra a sentença de fls. 104/107, que manteve a recusa ao registro de mandado de usucapião, sob o argumento de que o bem usucapido, matriculado sob o n.º 50.199 no Registro de Imóveis de Santa Isabel, está inserido em área que pertence ao município de Itaquaquecetuba. E, como a situação está indefinida por força de ação demarcatória ainda em andamento, o registro do mandado feriria princípios informadores do registro de imóveis.

Sustenta a apelante que não foi possível o registro do mandado de usucapião no Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba, sob o fundamento de que não há prova de que o imóvel de matrícula n.º 50.199 do Registro de Imóveis de Santa Isabel esteja localizado dentro dos limites daquele município. Além disso, sustenta que a matrícula n.º 50.199 não poderia ter sido bloqueada pelo próprio Oficial; e que os Municípios de Arujá e de Itaquaquecetuba litigam em ação demarcatória, cujo objeto é a definição dos limites exatos entre as cidades. Pede, por fim, o provimento do recurso para julgar improcedente a dúvida (fls. 112/124).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 138/140).

É o relatório.

Pretende o apelante o registro de mandado de usucapião relativo ao lote n.º 17 da quadra 39 do loteamento Arujazinho III, implantado na década de cinquenta. No ano de 2014, referido loteamento, a requerimento da Associação dos Condomínios Horizontais do Município de Arujá ACONDA (fls. 1), foi regularizado, nos termos do artigo 22 da Lei n.º 6.766/79, artigos 288-A e 288- F da Lei n.º 6.015/73 e artigo 67 da Lei n.º 11.977/2009. Após a regularização, o imóvel usucapido, que estava inserido em área maior, foi matriculado sob o n.º 50.199 no Registro de Imóveis de Santa Isabel (fls. 64).

Ao receber o mandado judicial, o registrador de Santa Isabel desqualificou o título, argumentando que o imóvel pertence à comarca de Itaquaquecetuba (fls. 12), informação essa que consta na averbação n.º 1 da matrícula n.º 50.199 (fls. 64).

Agiu corretamente o registrador, pois, ao afirmar que o imóvel usucapido localiza-se na comarca de Itaquaquecetuba, baseou-se em informações constantes em registros anteriores.

Na década de cinquenta, a Sociedade Imobiliária Arujá Limitada iniciou a implantação do parcelamento denominado “Arujazinho I, II e III”, em área localizada na divisa dos Municípios de Arujá e Itaquaquecetuba, conforme averbações à margem das transcrições n.º 6.057, 7.172 e 7.509, todas do Registro de Imóveis de Santa Isabel (fls. 65/80), e das transcrições n.º 33.045 e 34.059, ambas do Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes (fls. 81/86).

Em virtude de o loteamento se localizar em mais de uma comarca, desde o início do projeto, na década de cinquenta, ficou definido a qual Município pertencia cada um dos lotes.

Assim, para que se determine em qual Cartório de Registro de Imóveis deve o mandado de usucapião ser levado a registro, basta que se confira a exata localização do lote n.º 17 da quadra 39 do loteamento Arujazinho III.

Consoante as transcrições n.º 6.057, 7.172 e 7.509, todas do Registro de Imóveis de Santa Isabel, nenhum dos lotes da quadra 39 do loteamento Arujazinho III, localizam-se no Município de Arujá (fls. 65/80). Confirmando essa informação, segundo averbação à margem das transcrições n.º 33.045 e 34.059, ambas do Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes, situa-se em Itaquaquecetuba a quadra 39 inteira” (fls. 84).

A planta acostada a fls. 07, de maneira gráfica, foi também acostada em forma física. A planta retrata exatamente a situação acima narrada, ou seja, o lote 17 de quadra 39 localiza-se integralmente no Distrito hoje Município de Itaquaquecetuba.

Tendo ocorrido, em 2014, a regularização do loteamento, com a preservação dos lotes e quadras implantados na década de cinquenta, impõese a observância dos limites de cada município, com o consequente registro relativo a cada imóvel na circunscrição imobiliária a que pertence.

Desse modo, havendo informação segura, constante nos assentamentos de ambas as serventias imobiliárias envolvidas, a respeito da localização do bem usucapido no Município de Itaquaquecetuba, em atenção ao princípio da territorialidade, correta a desqualificação do título judicial pelo Oficial de Santa Isabel, circunscrição que abrange o Município de Arujá.

Eventual discussão entre os Municípios de Itaquaquecetuba e Arujá a respeito do traçado do limite que os separa é, por ora, irrelevante.

Por outro lado, considerando que o lote n.º 17 da quadra 39 do loteamento Arujazinho III situa-se no Município de Itaquaquecetuba, não havia razão para, após a regularização ocorrida em 2014, o descerramento de matrícula a ele relativa no Registro de Imóveis de Santa Isabel, como ocorreu (matrícula n.º 50.199 fls. 64).

E uma vez aberta a matrícula de modo equivocado, o registrador deveria informar o Juiz Corregedor Permanente que o imóvel não se insere no Município de Arujá, solicitando seu bloqueio (artigo 214, § 3º, da Lei n.º 6.015/73). Não poderia, como fez, bloquear por conta própria a matrícula (fls. 64).

De todo modo, como o imóvel efetivamente pertence a outra circunscrição imobiliária e a matrícula sequer deveria ter sido descerrada, conveniente não somente o seu bloqueio que tem caráter acautelatório [1] mas o seu cancelamento, cuja feição definitiva afasta qualquer chance de duplicidade de registros.

O cancelamento da matrícula, nesta sede, encontra amparo no artigo 233, I, da Lei n.º 6.015/73 [2], pois a decisão judicial a que o dispositivo se refere também abarca aquela tomada na seara administrativa. Nesse sentido:

“O cancelamento de matrícula pode decorrer de decisão judicial proferida na esfera administrativa, pelo juiz corregedor permanente ou gera, ou na jurisdicional, em procedimento que pretenda o próprio cancelamento” (Lei de Registros Públicos comentada; coord. José Manuel Arruda Alvim Neto, Alexandre Laizo Clápis, Everaldo Augusto Cambier Forense, 2014 Comentário ao artigo 233 p. 1.209).

Pelas peculiaridades desse caso, desnecessária a oitiva de eventuais atingidos pelo cancelamento da matrícula aqui determinado (artigo 214. § 1º, da Lei n.º 6.015/73).

A Sociedade Imobiliária Arujá Ltda., titular de domínio que consta na matrícula a ser cancelada (fls. 64), perdeu sua condição de proprietária do bem, em virtude da procedência da ação de usucapião que favoreceu a recorrente.

Com efeito, como a sentença de usucapião tem natureza declaratória, a constituição da propriedade imóvel constitui-se independentemente do registro do mandado.

Desse modo, dispensa-se a manifestação de Sociedade Imobiliária Arujá Ltda. a respeito do cancelamento da matrícula, porque, embora conste no registro nessa condição, perdeu essa qualidade com a procedência da usucapião.

Além disso, o cancelamento visa a afastar qualquer risco de duplicidade de registros, pois elimina a matrícula incorretamente descerrada em Santa Isabel e abre espaço para a abertura de uma nova na circunscrição correta (Itaquaquecetuba), evitando que duas matrículas do mesmo bem coexistam.

Cancelada a matrícula aberta incorretamente, o interessado deve dirigir-se ao Cartório de Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba e lá apresentar o título judicial, onde a matrícula do lote n.º 17 da quadra 39 do loteamento Arujazinho será aberta.

É certo que a recorrente, após a sentença de procedência da dúvida, agiu dessa maneira, ou seja, apresentou o mandado de usucapião no Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba, título esse que foi desqualificado.

No entanto, embora essa nota devolutiva não tenha sido questionada neste procedimento de dúvida, pelos motivos acima expostos, incorreta a desqualificação do título pelo registrador de Itaquaquecetuba.

Em primeiro lugar, como se viu, o imóvel usucapido localizasse inteiramente no município de Itaquaquecetuba.

Depois, embora o artigo 21 da Lei n.º 6.766/79 preceitue que caso a área loteada esteja situada em mais de uma circunscrição imobiliária, o registro será requerido nas duas, de modo sucessivo, esse fato não justifica a desqualificação do título judicial até a o registro da regularização fundiária do loteamento “Arujazinho I, II e III”.

Isso porque o § 4º do artigo 288-A da Lei n.º 6.015/73 prescreve:

§ 4º Independe da aprovação de projeto de regularização fundiária o registro:

I – da sentença de usucapião, da sentença declaratória ou da planta, elaborada para outorga administrativa, de concessão de uso especial para fins de moradia;

Desse modo, tratando-se a usucapião de modo originário de aquisição da propriedade, está o registrador de onde se localiza o bem, independentemente da regularização do loteamento, obrigado a recepcionar o mandado e descerrar a respectiva matrícula.

E não há sequer risco de duplicidade de registros em circunscrições contíguas, uma vez que a matrícula n.º 50.199 do Registro de Imóveis de Santa Isabel será cancelada por força desta decisão.

Ante o exposto, nego provimento à apelação, com a determinação de cancelamento da matrícula n.º 50.199 do Registro de Imóveis de Santa Isabel.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Processo CG nº 29.831/1999

[2] Art. 233 – A matrícula será cancelada:

I – por decisão judicial; (DJe de 15.03.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações | 15/03/2018.

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