Supremo Tribunal Federal mantém a suspensão da Lei 13.484/2017


  
 

Na data de ontem o ministro Alexandre de Moraes, do STF, preferiu a seguinte decisão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.855 DISTRITO FEDERAL

 RELATOR :MIN. ALEXANDRE DE MORAES

REQTE.(S) :PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO – PRB

ADV.(A/S) :SILVIO LUCIO DE OLIVEIRA JUNIOR

ADV.(A/S) :FERNANDA GADELHA ARAUJO LIMA

ALEXANDRE

INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

 

DECISÃO: Trata-se de ofício encaminhado pelo eminente Ministro

Corregedor Nacional do Conselho Nacional de Justiça (Ofício 163/CNCNJ – 2018, peça 29 dos autos eletrônicos), em que Sua Excelência informa a edição do Provimento 66, de 25/1/2018, cujo teor segue transcrito:

O CORREGEDOR NACIONAL DA JUSTIÇA, usando de suas atribuições constitucionais, legais e regimentais e (…)

RESOLVE:

Art. 1º Dispor sobre a prestação de serviços de registro civil das pessoas naturais do Brasil mediante convênio, credenciamento e matrícula com órgãos e entidades governamentais e privadas.

Art. 2º As serventias de registro civil das pessoas naturais do Brasil poderão, mediante convênio, credenciamento ou matrícula com órgãos públicos, prestar serviços públicos relacionados à identificação dos cidadãos, visando auxiliar a emissão de documentos pelos órgãos responsáveis.

Parágrafo único. Os serviços públicos referentes à identificação dos cidadãos são aqueles inerentes à atividade registral que tenham por objetivo a identificação do conjunto de atributos de uma pessoa, tais como biometria, fotografia, cadastro de pessoa física e passaporte.

Art. 3º O convênio, credenciamento e matrícula com órgãos públicos para prestação de serviços de registro civil das pessoas naturais em âmbito nacional dependerão da homologação da Corregedoria Nacional de Justiça.

Parágrafo único. A ANOREG-BR ou a ARPEN-BRASIL formularão pedido de homologação à Corregedoria Nacional de Justiça via PJe.

Art. 4º O convênio, credenciamento e matrícula com órgãos públicos para prestação de serviços de registro civil das pessoas naturais em âmbito local dependerão da homologação das corregedorias de justiça dos Estados ou do Distrito Federal, às quais competirá:

I – realizar estudo prévio acerca da viabilidade jurídica, técnica e financeira do serviço;

II – enviar à Corregedoria Nacional de Justiça cópia do termo celebrado em caso de homologação, para disseminação de boas práticas entre os demais entes da Federação.

Art. 5º As corregedorias de justiça dos Estados e do Distrito Federal manterão em seu site listagem pública dos serviços prestados pelos registros civis das pessoas naturais mediante convênio, credenciamento ou matrícula.

Art. 6º Este provimento entrará em vigor na data de sua publicação, permanecendo válidos os provimentos editados pelas corregedorias de justiça no que forem compatíveis.

O eminente Ministro Corregedor Nacional informa que o ato normativo editado corroboraria o conteúdo da decisão monocrática concessiva de medida cautelar proferida nos autos desta ADI 5855, na qual foi determinada a suspensão da Lei Federal 13.484/2017, naquilo em que alterou a Lei de Registros Públicos para autorizar a celebração de convênios entre ofícios de registro civil das pessoas naturais e entidades diversas, cujo objeto seja a prestação de serviços remunerados, por essas serventias, diversos de suas atribuições originais. Assim se manifestou Sua Excelência:

Convém frisar que a Corregedoria Nacional de Justiça, ao editar o aludido provimento, não o fez em descompasso com a decisão em comento. Ao contrário, buscou suprir a inconstitucionalidade formal e material do art. 29, §§ 3º e 4º, da Lei n. 6.015/1973 (redação dada pela Lei n. 13.484/2017), apontadas no referido decisum, e evitar maiores prejuízos para a população usuária do serviço de registro.

A decisão proferida na MC na ADI 5.855/DF determina que cabe exclusivamente ao Poder Judiciário a reserva de competência para organização e fiscalização do regime jurídico dos seus serviços auxiliares e conclui pela inconstitucionalidade de propositura pelo Poder Legislativo.

O vício de iniciativa da proposição legislativa foi ultrapassado pela edição do Provimento n. 66/2018 por órgão do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça. A Corregedoria Nacional de Justiça, em decorrência de sua competência regimental e constitucional, tem a prerrogativa de expedir provimentos e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades do serviço de registro, em que se enquadra o provimento em questão.

A decisão ataca ainda a possibilidade de prestação de “outros serviços remunerados” pelos ofícios do registro civil das pessoas naturais, qualificados como serviços da cidadania, sob o fundamento de que o texto legal não fornece elementos para a identificação das atividades que podem ser desempenhadas pelos ofícios e sua regulamentação ocorre por meio de instrumentos contratuais firmados entre as entidades interessadas, públicas ou privadas, e as entidades de classe dos respectivos registradores.

O Provimento n. 66/2018 superou as inconsistências da lei ao prever a realização de convênio e o cadastramento das serventias extrajudiciais, afastando eventuais irregularidades na prestação de serviço por quem não tem competência jurídica, técnica e financeira. Deixou, ademais, a cargo do Poder

Judiciário, por intermédio de suas corregedorias, a análise da viabilidade técnica.

O normativo também afastou as incongruências do art. 29, §§ 3º e 4º, da Lei n. 6.015/1973 (redação dada pela Lei n. 13.484/2017) ao limitar a prestação de serviços às atribuições atinentes aos documentos civis de pessoas naturais, nos termos das atribuições legalmente previstas para os registros civis no todo território nacional.

O Autor da presente ADI, Partido Republicano Brasileiro, PRB, também peticionou nos autos (peça 33), insurgindo-se contra o referido Provimento 66/2018. Sustentou, essencialmente, que o CNJ teria exorbitado de sua competência constitucional, violando a reserva de lei exigida pela Constituição para o tratamento da matéria. Pediu a extensão dos efeitos da medida cautelar já deferida para que seja determinada a suspensão do Provimento do CNJ. Eis o teor de seu requerimento:

Por todas as razões acima expendidas, pugna o Autor seja exercido o controle judiciário sobre o Provimento nº 66, editado pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça, uma vez que se trata de ato administrativo normativo secundário, eivado de ilegalidade, determinando-se a sua anulação, com espeque no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal e Súmula nº 473 deste Excelso Supremo Tribunal Federal; ou se lhe estendendo o efeito suspensivo emanado da douta decisão liminar proferida.

Também vieram aos autos manifestações da Presidência da República, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados (peças 31, 24 e 30 dos autos eletrônicos, respectivamente).

A Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, ARPEN, requereu o ingresso como amicus curiae(peça 36), a revogação da medida liminar concedida e a preservação do Provimento 66/CNJ (peça 40). Argumentou que: (a) a ADI em curso não seria a sede processual adequada para o questionamento do Provimento 66; (b) que essa norma não implica descumprimento da decisão cautelar, ao revés, constituiria “fato novo a ensejar a revogação da liminar”.

A ARPEN relatou que, antes mesmo da edição da norma impugnada nesta ação, já existiam políticas que se valiam das serventias de registro civil das pessoas naturais para o desenvolvimento de atividades de ampliação do acesso à cidadania. Menciona especificamente o Decreto 6.289/2007, norma que regulamentou o Compromisso Nacional pela Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento, pelo qual teria sido facultado aos ofícios de registro civil das pessoas naturais atuar “em regime de colaboração com o Poder Judiciário e o Poder Legislativo” para “ampliar o acesso à documentação civil básica” (art. 1º, § 1º).

Cita também o Decreto 8.270/2014, que trata do Sistema Nacional de

Informações de Registro Civil, SIRC, o qual conteria autorização para a padronização de “procedimentos para envio de dados pelas serventias de registro civil de pessoas naturais ao Poder Executivo Federal” (art. 2º, III) e para cooperação com o Poder Judiciário visando ao “fortalecimento e modernização do registro civil das pessoas naturais” (art. 3º, IX).

Dessa feita, as iniciativas de cooperação institucional entre entidades do registro civil e órgãos da Administrativa Pública precederiam a edição do art. 29, §§ 3º e 4º, da Lei 6.015/1973, com a redação conferida pela Lei

13.484/2017, e não teriam fundamento jurídico em tais dispositivos legais. Afirmou que as atividades referidas são fomentadas e fiscalizadas pelo Conselho Nacional de Justiça e pelas Corregedorias dos Tribunais de Justiça dos Estados, conforme demonstra o I Encontro de Corregedores do Serviço Extrajudicial, onde teria sido fixada como meta a ser atingida pelas Corregedorias até junho de 2018 a meta 10, consistente em “fomentar atividades de ofícios de cidadania”.

O Provimento CNJ 66/2018 seguiria essa mesma orientação, com o propósito adicional de superar as inconsistências apontadas pela decisão cautelar proferidas nestes autos a respeito do art. 29, §§ 3º e 4º, da Lei

6.015/1973, com a redação conferida pela Lei 13.484/2017.

Em todo caso, reitera que mesmo antes da edição da Lei 13.484/2017 e do Provimento CNJ 66/2018, existiria fundamento legal para a realização de convênios entre serventias do registro civil e órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Poder Executivo de várias esferas de governo. Menciona a existência de 37 (trinta e sete) convênios firmados dessa forma, com os mais diferentes escopos, a maior parte dos quais relacionados à “localização e emissão de certidões digitais”.

É o relatório.

As informações trazidas aos autos após a concessão da medida liminar demonstram, ainda em sede de cognição sumária, a persistência dos requisitos legais para a manutenção da providência cautelar já deferida, como também demostram a necessidade de sua complementação, para alcançar norma editada após o ajuizamento da presente ação direta.

Em primeiro lugar, acolho a manifestação do Autor (peça 33) como pedido de aditamento à petição inicial, para incluir no objeto da ação o

Provimento CNJ 66/2018, eis que constatada a identidade entre a hipótese tratada nessa norma e aquela versada na legislação já impugnada, qual seja, a celebração de convênios pelos ofícios do registro civil para a prestação de serviços remunerados não especificados em lei.

Afasto a alegação de que a edição do Provimento CNJ 66/2018 teria a aptidão de sanar as inconstitucionalidades que justificaram a suspensão da eficácia da Lei 13.484/2017. Como exposto na decisão cautelar por mim proferida nestes autos, a previsão constante nessa lei decorreu de emenda parlamentar à proposição de medida provisória encaminhada ao Congresso Nacional pelo Presidente da República, para tratamento de matéria diversa daquela introduzida nos §§ 3º e 4º da Lei de Registros Públicos. Ainda que assim não fosse, a ampliação dos serviços desempenhados pelas serventias do registro civil é matéria de competência legislativa dos Estados, com iniciativa reservada aos respectivos Tribunais de Justiça (art. 96, I, b, e II, b, CF).

Trata-se, portanto, de inconstitucionalidades formais insuscetíveis de convalidação, especialmente por mero ato regulamentar. O Provimento CNJ 66/2018, longe de mitigar a inconstitucionalidade apontada na medida cautelar, regulamentou a celebração de convênios para a prestação de serviços não previstos em lei como de competência dos ofícios de registro civil das pessoas naturais. Visou, assim, atingir a mesma providência normativa que fora cautelarmente suspensa nesta ação direta, pelo que também incide em inconstitucionalidade formal por violação aos limites de sua competência constitucional e usurpação da competência própria dos Tribunais de Justiça (art. 96, I, b, e II, b, CF).

Merece ser reconhecido o protagonismo conferido pela Constituição ao Conselho Nacional de Justiça no controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário e no controle dos deveres funcionais dos juízes, como verdadeiro órgão de cúpula administrativa desse Poder. No que diz respeito ao exercício de poder normativo – art. 103-B, § 4º, da CF – registre-se o entendimento segundo o qual o CNJ detém competência constitucional primária para o exercício desse mister no âmbito do Poder Judiciário. Nesse sentido: ADI 4638-MC-Ref, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 8/2/2012, DJe de 29/10/2014 – em que se discutiu a constitucionalidade da Resolução CNJ 135/2011, sobre a competência correicional do CNJ, em oposição à competência das Corregedorias dos Tribunais locais; e ADC 12, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 20/8/2008, DJe de 17/12/2009

(nepotismo).

No entanto, as matérias que a Constituição submeteu à reserva de lei não podem ser objeto do exercício do poder normativo fundado no art. 103-B, § 4º, da CF, pois, do contrário, estar-se-ia violando a competência constitucional do Poder Legislativo, em desrespeito ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º, da CF). No caso, a Constituição reservou à lei em sentido formal a regulamentação dos serviços notariais e de registro, sua fiscalização e remuneração (art. 236, §§ 1º e 2º, da CF), em razão do que não poderia o CNJ editar norma ampliando as atribuições legais desses órgãos.

Também afasto a alegação de que haveria fundamento legal, além da

Lei 13.484/2017, impugnada nesta ação, para a celebração de convênios nos moldes aqui tratados. As iniciativas referidas pelo eminente Ministro Corregedor do CNJ e pela ARPEN correspondem a uma legítima cooperação entre órgãos públicos para o melhor cumprimento de suas respectivas atribuições legais, sem o câmbio ou alteração das mesmas. Daí porque entendo que há fundamento legal para que os ofícios do registro civil das pessoas naturais ajustem procedimentos com outros órgãos para a “localização e emissão de certidões digitais”, atividade já inserida em suas atribuições legais, conforme disciplinado nas Leis Federais 8.935/1994 e

10.169/2000.

Diversamente, a prestação de serviços remunerados não especificados em lei não pode ser disciplinada por atos infralegais, ainda que editados pelo CNJ. Não se ignora o meritório propósito de ampliar o acesso da população à oferta de serviços públicos de documentação. Nem por isso, no entanto, merece ser admitida a mitigação da exigência de reserva legal estabelecida no texto constitucional.

Diante do exposto, com fundamento nos arts. 10, § 3º, da Lei 9.868/99 e 21, V, do RISTF, e em complemento à medida cautelar já concedida nestes autos, CONCEDO MEDIDA CAUTELAR, ad referendum do Plenário, para DETERMINAR A IMEDIATA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA do Provimento 66, de 25 de janeiro de 2018, editado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Intime-se o eminente Ministro Corregedor do Conselho Nacional de

Justiça para ciência e cumprimento desta decisão, bem como para fornecer informações pertinentes, no prazo máximo de 10 (dez) dias. Após, como anteriormente determinado, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de 5 (cinco) dias, para que cada qual se manifeste na forma do art. 12 da

Lei 9.868/99.

Nos termos do art. 21, V, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, peço dia para julgamento, pelo Plenário, do referendo da medida ora concedida.

Por fim, considerando que a ARPEN preenche os requisitos legais, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999, DEFIRO O PEDIDO DE INGRESSO COMO AMICUS CURIAE, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.

À Secretaria para as anotações pertinentes.
Publique-se.
Brasília, 26 de fevereiro de 2018.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Assim, fica mantida a suspensão da Lei 13.484/2018, conforme decidido anteriormente, nos seguintes termos:

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

5.855 DISTRITO FEDERAL

RELATOR :MIN. ALEXANDRE DE MORAES

REQTE.(S) :PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO – PRB

ADV.(A/S) :SILVIO LUCIO DE OLIVEIRA JUNIOR

ADV.(A/S) :FERNANDA GADELHA ARAUJO LIMA

ALEXANDRE

INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

DECISÃOTrata-se de ação direta proposta pelo Partido Republicano

Brasileiro, PRB, em face do art. 29, §§ 3º e 4º, da Lei Federal 6.015/1973, Lei de Registros Públicos, com a redação dada pela Lei Federal 13.484/2017, dispositivos que facultam aos ofícios de registro civil das pessoas naturais de todo país a prestação de serviços remunerados mediante a celebração de convênios, credenciamento ou matrícula com órgãos públicos e entidades de outra natureza. Eis o teor das normas impugnadas:

Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), com a redação da Lei 13.484/2017

Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais:

(…)

  • 3º Os ofícios do registro civil das pessoas naturais são considerados ofícios da cidadania e estão autorizados a prestar outros serviços remunerados, na forma prevista em convênio, em credenciamento ou em matrícula com órgãos públicos e entidades interessadas.
  • 4º O convênio referido no § 3º deste artigo independe de homologação e será firmado pela entidade de classe dos registradores civis de pessoas naturais de mesma abrangência territorial do órgão ou da entidade interessada.

As normas impugnadas decorreram do processo legislativo de apreciação e conversão em lei da Medida Provisória 776/2017, encaminhada pelo Presidente da República ao Congresso Nacional com o seguinte teor:

 MP 776/2017, texto encaminhado pelo Presidente da República

Art. 1º A Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 19. ……………………………………………………………

  • 4º As certidões de nascimento mencionarão a data em que foi feito o assento, a data, por extenso, do nascimento e, ainda, expressamente, a naturalidade.

………………………………………………………………..” (NR)

“Art. 54. ………………………………………………………….

9º) os nomes e prenomes, a profissão e a residência

das duas testemunhas do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde;

10) número de identificação da Declaração de Nascido Vivo, com controle do dígito verificador, exceto na hipótese de registro tardio previsto no art. 46 desta Lei; e

11) a naturalidade do registrando.
………………………………………………………………………..

  • 4º A naturalidade poderá ser do Município em que ocorreu o nascimento ou do Município de residência da mãe do registrando na data do nascimento, desde que localizado em território nacional, cabendo a opção ao declarante no ato de registro do nascimento.
  • 5º Na hipótese de adoção iniciada antes do registro do nascimento, o declarante poderá optar pela naturalidade do Município de residência do adotante nadata do registro, além das alternativas previstas no § 4º.” (NR)

“Art. 70. …………………………………………………………

1º) os nomes, prenomes, nacionalidade, naturalidade, data de nascimento, profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges;

……………………………………………………………..” (NR)

Art. 2º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

O requerente argumenta essencialmente que: (a) a norma incorreria em inconstitucionalidade formal por violação à reserva de iniciativa do Poder Judiciário para propositura de leis sobre a matéria (art. 96, II, “b” e “d”, CF); (b) não teria sido atendidos os requisitos de urgência e relevância para a edição de medidas provisórias (art. 62, caput, CF); (c) ausência de pertinência temática entre o conteúdo normativo impugnado, decorrente de emenda parlamentar, e a proposição original encaminhada pelo Presidente da República (contrabando legislativo); (d) afronta ao art.

62, § 1º, I, “a” e “c”, CF, que proíbem a edição de medidas provisórias em

matéria de cidadania e organização do Poder Judiciário; (e) inconstitucionalidade material por violação ao art. 5º, LXXVII, CF

(gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania); (f) violação ao art. 236, §§ 1º e 2º, CF, dos quais decorreria a exigência de reserva legal para a regulamentação dos serviços notariais e de registro, bem como o dever de fiscalização dos mesmos pelo Poder Judiciário; e (g) afronta aos arts. 170, IV e V, e 174, CF, ao argumento de que o conteúdo impugnado “configura verdadeira reserva de mercado aos ofícios do registro civil das pessoas naturais em detrimento das demais serventias positivadas na Lei 6.015/73”.

Requer-se medida cautelar, na forma do art. 10 da Lei 9.868/1999, para suspender os efeitos do art. 29, §§ 3º e 4º, da Lei 6.015/1973, na redação conferida pela Lei 13.484/2017. Haveria urgência na concessão da medida, segunda alega o requerente, decorrente dos danos à organização do Poder Judiciário e ao livre exercício da cidadania, que seria embaraçada pela cobrança de valores para a prática de atos cartorários, valores estes de improvável restituição em caso de juízo futuro de procedência da presente ação direta.

É o relato do essencial. Decido.

A concessão de medida cautelar nas ações de jurisdição constitucional concentrada necessita de comprovação de perigo de lesão irreparável (IVES GANDRA MARTINS, Repertório IOB de jurisprudência, n 8/95, p. 150/154, abr. 1995), uma vez tratar-se de exceção ao princípio segundo o qual os atos normativos são presumidamente constitucionais (ADI 1.155-3/DF, Pleno, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 18/5/2001), conforme ensinamento de PAULO BROSSARD, segundo axioma incontroverso, a lei se presume constitucional. A lei se presume constitucional, porque elaborada pelo Poder Legislativo e sancionada

pelo Poder Executivo, isto é, por dois dos três poderes, situados no mesmo plano que o Judiciário (A constituição e as leis a ela anteriores.

Arquivo Ministério da Justiça. Brasília, 45 (180), jul./dez. 1992. p. 139).

A análise dos requisitos do fumus boni iuris periculum in mora para a concessão de medida liminar em sede de controle abstrato de

constitucionalidade admite maior discricionariedade por parte do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com a realização de verdadeiro juízo

de conveniência política da suspensão da eficácia (ADI 3.401 MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno, decisão: 3/2/2005), pelo qual deverá ser

analisada a conveniência da suspensão cautelar da lei impugnada (ADI 425 MC, Rel. Min. PAULO BROSSARD, Pleno, decisão: 4/4/1991; ADI 467 MC, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI, Pleno, decisão: 3/4/1991), permitindo, dessa forma, uma maior subjetividade na análise da

relevância do tema, bem assim em juízo de conveniência, ditado pela gravidade que envolve a discussão (ADI 490 MC, Rel. Min. CELSO DE

MELLO, Pleno, decisão: 6/12/1990; ADI 508 MC, Rel. Min. OCTÁVIO

GALLOTTI, Pleno, decisão: 16/4/1991), bem como da plausibilidade

inequívoca e dos evidentes riscos sociais ou individuais, de várias ordens, que a execução provisória da lei questionada gera imediatamente (ADI 474 MC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Pleno, decisão: 4/4/1991), ou, ainda, das prováveis repercussões pela manutenção da eficácia do ato impugnado (ADI 718 MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno, decisão: 3/8/1992), da relevância da questão constitucional (ADI 804 MC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Pleno, decisão: 27/11/1992) e da relevância da fundamentação da arguição de inconstitucionalidade, além da ocorrência de periculum in mora , tais os entraves à atividade econômica (ADI 173- MC, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno, decisão: 9/3/1990) ou social.

Na presente hipótese, estão presentes os requisitos necessários para a concessão da medida liminar.

As normas atacadas preveem a possibilidade de prestação de “outros serviços remunerados” por parte dos ofícios do registro civil das pessoas naturais, qualificados nesses mesmos dispositivos como “ofícios da cidadania”. O conteúdo desses serviços é inteiramente remetido à regulamentação por instrumentos contratuais firmados entre as entidades interessadas, públicas ou privadas, e as entidades de classe dos registradores respectivos, independentemente de homologação (art. 29, § 4º, LRP). Assim, o texto legal não fornece elementos para a identificação das atividades que se autoriza serem desempenhadas pelos ofícios de registro das pessoas naturais. O relato constante da petição inicial sobre o debate parlamentar da emenda que acrescentou essa previsão ao texto original da MP 776 sugere que o escopo dessa iniciativa diria respeito à utilização dos ofícios de registro das pessoas naturais para a emissão de documentos públicos como passaportes, CPF, carteira de trabalho e afins.

Verifico, em juízo de cognição sumária, que essa providência normativa não trata estritamente de registros públicos (competência legislativa da União, conforma art. 22, XXV, CF), mas sim do regime jurídico de serviço auxiliar vinculado ao Poder Judiciário, a quem a Constituição reserva a competência para organizá-los e fiscalizá-los, mediante o “exercício da atividade correicional respectiva”, e a exclusividade de iniciativa para a proposição legislativa que trate de sua remuneração (art. 96, I, “b”, e II, “b”, CF). Como visto, a norma impugnada autoriza o desempenho de atividades remuneradas antes não inseridas no rol de atribuições delegadas, implicando alteração significativa no regime de delegação dos ofícios de registro de pessoas naturais. A jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL reconhece a inconstitucionalidade formal de normas sobre esses serviços editadas com desrespeito à iniciativa dos respectivos Tribunais. Nesse sentido: ADI 1681, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, DJ de 5/12/2003; ADI 1935, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, DJ de 4/10/2002; ADI 3773, Rel. Min. MENEZES DIRIETO, Tribunal Pleno, DJe de 3/9/2009; ADI 1835, Rel. Min DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 16/10/2014.

Por outro lado, também chama a atenção a disparidade temática entre o conteúdo original da MP 776 e o conteúdo das normas ora impugnadas.

O Presidente da República editou a referida medida provisória para acrescentar ao art. 54 da LRP o § 4º, de seguinte teor:

Art. 54 (…)

  • 4º A naturalidade poderá ser do Município em que ocorreu o nascimento ou do Município de residência da mãe do registrando na data do nascimento, desde que localizado em território nacional, e a opção caberá ao declarante no ato de registro do nascimento.

Ou seja, facultou-se o registro da naturalidade de recém-nascidos com base na localidade de origem da mãe. Além disso, a MP 776 tratou de aspectos formais das certidões de nascimento, relacionados à qualificação dos declarantes e testemunhas. Ou seja, nada assimilável ao disposto nos §§ 3º e 4º, acrescidos ao art. 29 da LRP.

O processo legislativo previsto no art. 62 da CF, para edição de medidas provisórias, sua apreciação pelo Congresso Nacional e eventual conversão em lei, cria condições para a deliberação parlamentar distintas

do processo legislativo comum, especialmente no tocante à celeridade do rito, característica que se liga diretamente à urgência e relevância que

caracterizam essa espécie legislativa. Disso resulta que, embora o Congresso Nacional possa alterar o conteúdo da proposição editada pelo

Presidente da República, a apresentação de emendas parlamentares com conteúdo estranho ao texto original implica violação ao devido processo legislativo. Cite-se, por todos, a censura dessa CORTE ao chamado “contrabando legislativo” no julgamento da ADI 5127 (Rel. Min. ROSA WEBER, redator para acórdão Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 15/10/2015, DJe de 10/5/2016), precedente assim ementado (grifos aditados):

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. EMENDA PARLAMENTAR EM PROJETO DE CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA EM LEI. CONTEÚDO TEMÁTICO DISTINTO DAQUELE ORIGINÁRIO DA MEDIDA PROVISÓRIA. PRÁTICA EM

DESACORDO COM O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E COM O DEVIDO PROCESSO LEGAL (DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO).

  1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória.
  2. Em atenção ao princípio da segurança jurídica (art. 1º e 5º, XXXVI, CRFB), mantém-se hígidas todas as leis de conversão fruto dessa prática promulgadas até a data do presente julgamento, inclusive aquela impugnada nesta ação.
  3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente por maioria de votos.

Mencione-se, com essa mesma orientação: MS 35258, Rel. Min. ROSA WEBER, decisão monocrática, DJe de 24/10/2017; ADI 5769-MC, Rel. Min. LUIZ FUX, decisão monocrática, DJe de 16/10/2017. Cabe frisar que a norma a Lei 13.484/2017 foi editada já após o marco temporal definido no julgamento da ADI 5127, oportunidade em que o Plenário preservou a validade das leis conversão editadas até aquele momento, não mais se admitindo a prática de emendas parlamentares sem pertinência temática com a proposta em debate.

Assim, verificada a consistência jurídicas das teses de inconstitucionalidade formal formuladas na petição inicial, em juízo de cognição sumária, sem prejuízo da análise oportuna das demais teses veiculadas na petição inicial, tenho por presente a fumaça do bom direito a justificar a concessão de medida cautelar.

Vislumbro, ademais, o perigo da demora no fato de que a eficácia das normas impugnadas poderá impactar o funcionamento dos ofícios de registro de pessoas naturais em todo o país em razão da assunção de atividades remuneradas de todo tipo – a lei não delimita quais serviços remunerados poderiam ser prestados pelos ofícios, mostrando-se possível a celebração de convênios com objetos dos mais diversos. Além disso, a dispensa de homologação referida no § 4º impugnado fragiliza a fiscalização e controle pelas Corregedorias dos Tribunais respectivos, em prejuízo do serviço público prestado.

Diante do exposto, nos termos dos arts. 10, § 3º, da Lei 9.868/99 e 21,V, do RISTF, CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA, ad referendum do Plenário, DETERMINANDO A IMEDIATA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA do art. 29, §§ 3º e 4º, da Lei 6.015/1973, na redação dada pela Lei 13.484/2017.

Intime-se o Presidente da República e o Congresso Nacional para ciência e cumprimento desta decisão, bem como para fornecer informações pertinentes, no prazo máximo de 10 (dez) dias. Após este prazo, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de 5 (cinco) dias, para que cada qual se manifeste na forma do art. 12 da Lei 9.868/99.

Nos termos do art. 21, V, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, peço dia para julgamento, pelo Plenário, do referendo da medida ora concedida.

Publique-se. Int..

Brasília, 18 de dezembro de 2017.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Fonte: IRTDPJ Brasil | 02/03/2018.

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