INDISPONIBILIDADE: Dispensa de cumprimento do art. 16 do Provimento CNJ Nº 39/2014 para registro de alienação judicial. Decidiu o CSM que não é indispensável constar expressamente do título “a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução”. Veja a íntegra do voto condutor do Acórdão.

Apelação nº 0016149-53.2015.8.26.0032

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0016149-53.2015.8.26.0032
Comarca: ARAÇATUBA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0016149-53.2015.8.26.0032

Registro: 2017.0000390103

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 0016149-53.2015.8.26.0032, da Comarca de Araçatuba, em que é apelante ATOS LOCAÇÕES PARA EVENTOS LTDA., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ARAÇATUBA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram por prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso. V. U. Vencido em parte o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E PÉRICLES PIZA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 24 de maio de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0016149-53.2015.8.26.0032

Apelante: Atos Locações para Eventos Ltda.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Araçatuba

VOTO Nº 29.760

Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de carta de adjudicação – Dúvida Inversa – Irresignação parcial e título em cópia – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Registro de carta de adjudicação – Indisponibilidade legal (art. 53, § 1.º, da Lei nº 8.212/1991) desprovida de força para obstaculizar a venda judicial forçada do bem imóvel e seu respectivo registro – Inteligência do item 405 do Capítulo XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho Superior – Falta de recolhimento de ITBI – Imposto que incide em caso de adjudicação – Artigo 877, § 2º, do CPC – Exigência mantida.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 60/61, que manteve a recusa do registro de carta de adjudicação extraída do processo nº 0010190-72.2013.8.26.0032 da Vara do Juizado Especial Cível de Araçatuba, na matrícula nº 47.272 do Registro de Imóveis de Araçatuba.

Sustenta a apelante que o mais recente posicionamento do Conselho Superior da Magistratura admite o registro da carta de adjudicação, mesmo existindo penhora do bem em favor da Fazenda Púbica (fls. 82/87).

A douta Procuradoria de Justiça opinou por se julgar prejudicado o recurso interposto (fls. 98/100).

É o relatório.

Inicialmente, verifica-se que, em dúvida inversamente suscitada, o título cujo registro o apelante pleiteia foi apresentado em cópia (fls. 13/34 e 50).

Nos moldes do subitem 41.1.1. do Capítulo XX das NSCGJ, era caso de se conceder o prazo de dez dias para o suscitante apresentar o original do título, sob pena de arquivamento do procedimento.

Como isso não foi feito em primeiro grau, agora resta reconhecer que a dúvida está prejudicada, pois título em cópia não pode obter acesso ao registro imobiliário.

Verifica-se, ainda, que houve irresignação parcial em relação à nota devolutiva juntada a fls. 35, pois a exigência relativa à apresentação de guia de recolhimento de ITBI não foi impugnada.

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo (Apelação Cível n.º 220.6/6-00). (grifei)

Desse modo, seja pela irresignação parcial, seja pela juntada do título em cópia, a dúvida está prejudicada.

Ainda assim, deve-se analisar a questão de fundo, a fim de evitar que, cumpridas as exigências não impugnadas, o interessado venha a ter que se valer, novamente, do procedimento.

Não se trata de consulta, em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.

Ao contrário do exercício de função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, exercida no âmbito do julgamento das dúvidas, tem caráter disciplinador. Enquanto, na função jurisdicional, visa-se ao julgamento do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o julgamento das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas a servir de orientação aos registradores para casos análogos.

Logo, por esses dois ângulos é importante a análise do mérito, ainda que prejudicada a dúvida: a) evita-se a nova suscitação; b) fixa-se orientação para casos similares.

Passa-se ao exame do caso.

A carta de adjudicação copiada a fls. 13/35 foi desqualificada por dois motivos (fls. 35): a) a Av.38 da matrícula nº 47.272, que noticia a penhora em execução fiscal movida pela Fazenda Nacional de 16,66% do imóvel, impede o registro do título judicial, nos termos do artigo 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91; e b) falta de comprovação do recolhimento do ITBI relativo à arrematação.

O primeiro empecilho, qual seja existência de penhora anterior decorrente de execução judicial de dívida ativa da Fazenda Nacional, o que tornaria o bem indisponível1 deve ser afastado.

Isso porque é pacífico neste Conselho Superior, que a indisponibilidade referida no artigo 53, § 1º da Lei nº 8.212/91 não se aplica a alienações judiciais forçadas. Nesse sentido, cito trecho de voto por mim proferido na Apelação nº 9000001-36.2015.8.26.0443, julgada em 18/10/2016, que, embora se refira à carta de arrematação, ajusta-se igualmente à carta de adjudicação:

Por sua vez, a indisponibilidade decorrente dessas penhoras, todas efetivadas em execuções fiscais, também não é óbice ao registro da carta de arrematação. Aliás, conforme o item 405 do Cap. XX das NSCGJ, “as indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012, e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a alienação, oneração e constrição judiciais do imóvel.” (grifei)

Ademais, de acordo com entendimento assente no C. CSM, essas indisponibilidades dizem respeito exclusivamente à venda voluntária do bem imóvel pelo devedor. Não impedem que se o penhore, que se o leve à hasta, nem que se registre a alienação forçada. No mesmo sentido, há precedentes das Câmaras de Direito Privado e de Direito Público desta E. Corte. Não bastasse, essa é a posição retirada de julgamentos proferidos pelo C. STJ.

E o artigo 16 do Provimento nº 39/2014 do CNJ, citado pelo registrador, em reforço, para fundamentar a recusa (fls. 35), também não frustra o ingresso da carta. Sobre o tema, cito outro trecho de meu voto na Apelação nº 9000001-36.2015.8.26.0443:

Com relação ao art. 16, caput, do Provimento nº 39/2014 da E. Corregedoria Nacional de Justiça, constata-se, à luz de seu trecho inicial, que as indisponibilidades averbadas nos termos desse ato normativo e as decorrentes do art. 53, § 1.º, da Lei nº 8.212/1991 não impedem a alienação judicial do bem imóvel, com respectivo registro. Esta, frise-se, a regra.

O dispositivo estabelece, todavia, não se ignora, as condicionantes que ora interessam de que a alienação tenha emanado do juízo que decretou a indisponibilidade ou de que esteja “consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução”.

Quanto a essa exigência, é de se amainar, mormente à vista dos precedentes mencionados, a necessidade de que a carta de arrematação contenha expressa menção sobre a prevalência da venda judicial. Ora, a preferência da alienação judicial em relação a eventuais restrições oriundas de outros Juízos ou de autoridade administrativa é ínsita a esse título judicial, cuja finalidade precípua é viabilizar o registro da venda forçada.

Seria de todo incongruente, realmente, que o Juízo onde ocorrida a hasta pública expedisse carta de arrematação, se não fosse para que o arrematante pudesse levá-la a efetivo registro. Quando da ordem de expedição da carta de arrematação, o Juízo está afirmando, porque consequência imanente ao ato, que o respectivo registro há de ser efetuado, ainda que as indisponibilidades inscritas resultem de ordens de outros Juízos ou de autoridade administrativa.

Note-se que o registro não trará, em tese, prejuízo àquele cuja demanda tenha ensejado a indisponibilidade. O crédito que possui sub-roga-se no preço da arrematação, sem alteração alguma na ordem de preferência. Nem mesmo se olvide que o destinatário da ordem judicial de indisponibilidade é o próprio devedor. A ordem presta-se a obstar que ele, sponte propria, por alienação entre particulares, desfaça-se de seu patrimônio, furtando-se ao pagamento da dívida. Entretanto, insista-se, a indisponibilidade não impede a venda judicial do bem.

Já a segunda exigência (falta de comprovação do recolhimento do ITBI relativo à adjudicação) está correta.

Preceitua o artigo 877 do Código de Processo Civil:

Art. 877. Transcorrido o prazo de 5 (cinco) dias, contado da última intimação, e decididas eventuais questões, o juiz ordenará a lavratura do auto de adjudicação.

  • 1º Considera-se perfeita e acabada a adjudicação com a lavratura e a assinatura do auto pelo juiz, pelo adjudicatário, pelo escrivão ou chefe de secretaria, e, se estiver presente, pelo executado, expedindo-se:

I – a carta de adjudicação e o mandado de imissão na posse, quando se tratar de bem imóvel;

II – a ordem de entrega ao adjudicatário, quando se tratar de bem móvel.

  • 2º A carta de adjudicação conterá a descrição do imóvel, com remissão à sua matrícula e aos seus registros, a cópia do auto de adjudicação e a prova de quitação do imposto de transmissão.

Ou seja, a prova de quitação do imposto ou da isenção do pagamento deveria fazer parte da carta, de modo que o registro pretendido depende disso.

No mesmo sentido o item 119.1 do Capítulo XX das NSCGJ:

119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.

Com tais observações, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação 0016149-53.2015.8.26.0032 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 47.597 (com divergência)

  1. Registro, à partida, adotar o relatório lançado pelo insigne Relator da espécie.
  2. Permito-me, da veniam, lançar dois reparos.
  3. Já é tempo de deixar de admitir o que se convencionou chamar dúvida “inversa”, ou seja, aquela levantada pelo próprio interessado, diretamente ao juízo corregedor.

A prática, com efeito, não está prevista nem autorizada em lei, o que já é razão bastante para repeli-la, por ofensa à cláusula do devido processo (inc. LIV do art. 5º da Constituição), com a qual não pode coadunar-se permissão ou tolerância (jurisprudencial, nota) para que os interessados disponham sobre a forma e o rito de processo administrativo, dispensando aquele previsto no estatuto de regência (Lei n. 6.015, de 31-12-1973, arts. 198 et seqq.).

Se o que basta não bastara, ainda há considerar que ao longo de anos a dúvida inversa tem constituído risco para a segurança dos serviços e mesmo para as justas expectativas dos interessados. É que, não rara vez, o instrumento vem sendo manejado sem respeito aos mais elementares preceitos de processo registral (o primeiro deles, a existência de prenotação válida e eficaz), de modo que termina sem bom sucesso, levando a delongas que o paciente respeito ao iter legal teriam evitado.

  1. Peço ainda reverente licença para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar não conhecer do recurso.

Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legem que positam, a independência na qualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que não se conheça do recurso e se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniam, meu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] Art. 53 da Lei nº 8.212/91. Na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exequente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor.

  • 1º Os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis.

 

Fonte: DJE/SP | 23/08/2017.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Loteamento – Negativa de registro – Artigo 18, III, “c” e §2º da Lei 6.766/1979 – Existência de ação penal em curso contra o loteador por crime contra o sistema financeiro nacional (artigo 5º da Lei 7.492/1986) – Crime contra o patrimônio – Fato suficiente para obstar o registro – Dúvida procedente – Recurso improvido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0006891-22.2015.8.26.0322

Registro: 2017.0000461330

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0006891-22.2015.8.26.0322, da Comarca de Lins, em que são partes são apelantes IVO RODRIGUES DO NASCIMENTO e MARIA APARECIDA CARVALHO DO NASCIMENTO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE LINS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 22 de junho de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 0006891-22.2015.8.26.0322

Apelantes: Ivo Rodrigues do Nascimento e Maria Aparecida Carvalho do Nascimento

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Lins

VOTO N.º 29.803

Registro de Imóveis – Loteamento – Negativa de registro – Artigo 18, III, “c” e §2º da Lei 6.766/1979 – Existência de ação penal em curso contra o loteador por crime contra o sistema financeiro nacional (artigo 5º da Lei 7.492/1986) – Crime contra o patrimônio – Fato suficiente para obstar o registro – Dúvida procedente – Recurso improvido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Ivo Rodrigues do Nascimento e Maria Aparecida Carvalho do Nascimento contra a sentença de fls. 566/568vº, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro de loteamento junto à matrícula n.º 28.788 do Registro de Imóveis de Lins.

Sustentaram os apelantes, em resumo, que a recusa ao registro não deve prosperar, pois crime contra o sistema financeiro nacional não é crime contra o patrimônio nem contra a administração pública; que a lei não pode ser interpretada ampliativamente; que possuem higidez financeira e que somente a condenação definitiva constitui óbice ao registro.

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento (fls. 599/601).

É o relatório.

Apresentado pedido de registro de loteamento, sobreveio a recusa do Oficial, sob diversos fundamentos. Superadas diversas das pendências, subsistiu a recusa em razão da existência de ação penal em trâmite pela Justiça Federal em face do loteador Ivo Rodrigues do Nascimento, como incurso nas penas do artigo 5º da Lei n.º 7.492/86.

A sentença prolatada em primeiro grau ratificou o teor da exigência e manteve o óbice ao registro.

O caso é de se negar provimento à apelação.

A existência de ação penal em curso contra o loteador, como incurso no artigo 5º da Lei n.º 7.492/86, é óbice suficiente ao registro de loteamento.

O §2º do artigo 18 da Lei n.º 6.766/1979 prescreve que a existência de ações penais, referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, impedem o registro do loteamento.

A certidão de fls. 96/99 dá conta de que o processo criminal movido contra o loteador aguarda o julgamento de recurso de apelação. Em consulta realizada nesta data, foi possível constatar que a apelação criminal ainda não foi julgada (processo 1305882-42.1997.4.03.6108 do TRF da 3ª Região).

Ao contrário do que sustentam os recorrentes, os crimes contra o patrimônio e contra a administração pública não estão definidos somente no Código Penal, mas também em leis especiais, como é o caso da Lei n.º 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional.

O crime pelo qual o loteador responde está previsto no artigo 5º da Lei n.º 7.492/86:

“Art. 5º Apropriar-se, quaisquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:

Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, que negociar direito, título ou qualquer outro bem móvel ou imóvel de que tem a posse, sem autorização de quem de direito”.

Referido tipo penal trata de típico crime contra o patrimônio, uma modalidade de apropriação indébita especial, em função do agente do crime (pessoas relacionadas no artigo 25 da mesma Lei).

Segundo Luiz Regis Prado, no artigo 5º da Lei n.º 7.492/86, “tutelam-se o mercado financeiro e o patrimônio dos investidores que possam ser prejudicados com a apropriação, desvio ou negociação de seus bens ou valores (delito pluriofensivo)[1]”.

Em suma, o crime pelo qual responde o loteador é, de fato, um crime contra o patrimônio.

E, ainda, quanto à suposta comprovação de que a mencionada ação penal não poderá prejudicar os adquirentes dos lotes, sem razão os recorrentes.

O §2º do artigo 18 da Lei n.º 6.766/1979 admite a comprovação da higidez financeira dos interessados somente na hipótese de protestos, ações pessoais ou ações penais, excetoas referentes à crime contra o patrimônio e contra a administração. E, no caso destes autos, o óbice ao registro decorre justamente da existência de ação penal referente a crime contra o patrimônio, movida contra o loteador. Assim, a eventual higidez financeira dos interessados é incapaz de superar o óbice ao registro.

Além disso, a Lei n.º 6.766/1979 não exige condenação ou tampouco que esta seja definitiva, mas somente a existência de ação penal. E não se pode dizer que referida exigência implica vulneração ao princípio da presunção de inocência.

A existência de ação penal constitui óbice ao registro do loteamento e não configura violação ao princípio da não culpabilidade. Essa limitação tem por objetivo proteger o sucesso do empreendimento e os próprios adquirentes das unidades imobiliárias. É uma precaução, uma garantia de que a atividade será confiada a quem não tenha qualquer pendência que possa, ainda que no futuro, comprometer a sua idoneidade.

Em suma, reconhecida a existência de óbice ao registro de loteamento, deve ser mantida a sentença que julgou procedente a dúvida suscitada.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] In Direito Penal Econômico, Editora Revista dos Tribunais, 4ª Edição, p. 167. (DJe de 24.08.2017 – SP)

Fonte: INR Publicações | 25/08/2017.

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Processo civil – Busca e apreensão – Mútuo com garantia fiduciária – Comprovação da mora – Protesto tirado em comarca distinta do domicílio do devedor ou praça de pagamento – Invalidade – Extinção do processo – Restituição da coisa ou equivalente em dinheiro, facultada a compensação das parcelas ainda pendentes

Processo civil – Busca e apreensão – Mútuo com garantia fiduciária – Comprovação da mora – Protesto tirado em comarca distinta do domicílio do devedor ou praça de pagamento – Invalidade – Extinção do processo – Restituição da coisa ou equivalente em dinheiro, facultada a compensação das parcelas ainda pendentes – 1. Verifica-se dos autos que o credor, após frustrada tentativa de notificação extrajudicial, comprovou a mora do devedor mediante protesto por indicação lavrado em cartório sediado na cidade de Bauru-SP, portanto em local distinto de seu domicílio (Pirassununga-SP) e da praça de pagamento (São Paulo SP, conforme cláusula 10, da CCB) – 2. Destarte, em que pese o e. STJ ter fixado tese de que a notificação extrajudicial realizada e entregue no endereço do devedor, por via postal e com aviso de recebimento “é válida quando realizada por Cartório de Títulos e Documentos de outra Comarca, mesmo que não seja aquele do domicílio do devedor” , o mesmo raciocínio não se estende quando a intimação do devedor é feita mediante protesto da Cédula de Crédito Bancário, hipótese em que, conforme decidido do mesmo modo em sede de Recurso Especial Repetitivo, “é possível, à escolha do credor, o protesto de cédula de crédito bancário garantida por alienação fiduciária, no tabelionato em que se situa a praça de pagamento indicada no título ou no domicílio do devedor” – 3. Recurso provido.

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Fonte: INR Publicações | 25/08/2017.

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